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Document 62022CJ0462

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 6 de julho de 2023.
BM contra LO.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
Reenvio prejudicial — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão — Forum actoris — Requisito — Residência habitual do requerente no Estado‑Membro do tribunal em que o processo foi instaurado durante todo o prazo imediatamente anterior à apresentação do pedido.
Processo C-462/22.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:553

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

6 de julho de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão — Forum actoris — Requisito — Residência habitual do requerente no Estado‑Membro do tribunal em que o processo foi instaurado durante todo o prazo imediatamente anterior à apresentação do pedido»

No processo C‑462/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), por Decisão de 25 de maio de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de julho de 2022, no processo

BM

contra

LO,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, L. S. Rossi (relatora), J.‑C. Bonichot, S. Rodin e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de LO, por B. Ackermann, Rechtsanwältin,

em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Português, por P. Barros da Costa, S. Duarte Afonso e J. Ramos, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por H. Leupold e W. Wils, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe BM à sua esposa, LO, a respeito de um pedido de dissolução do seu casamento apresentado nos órgãos jurisdicionais alemães.

Quadro jurídico

3

O considerando 1 do Regulamento n.o 2201/2003 é do seguinte teor:

«A Comunidade Europeia fixou o objetivo de criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que será garantida a livre circulação das pessoas. Para o efeito, a Comunidade deve adotar, nomeadamente, medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil necessárias para o correto funcionamento do mercado interno.»

4

O artigo 1.o deste regulamento, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 1:

«O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

a)

Ao divórcio, à separação e à anulação do casamento;

[…]»

5

Sob a epígrafe «Competência geral», o artigo 3.o do referido regulamento enuncia:

«1.   São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado‑Membro:

a)

Em cujo território se situe:

a residência habitual dos cônjuges, ou

a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou

a residência habitual do requerido, ou

em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou

a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, no ano imediatamente anterior à data do pedido, ou

a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado‑Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu “domicílio”;

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

6

BM, cidadão alemão, e LO, uma cidadã polaca, casaram‑se na Polónia em 2000. Aí viveram com os seus filhos até, pelo menos, junho de 2012.

7

Em 27 de outubro de 2013, BM intentou uma ação de divórcio no Amtsgericht Hamm (Tribunal de Primeira Instância de Hamm, Alemanha), alegando que tinha deixado o domicílio conjugal em junho de 2012 e se tinha estabelecido, desde então, no domicílio dos seus pais, na sua cidade natal, na Alemanha.

8

LO invocou a falta de competência internacional dos tribunais alemães, essencialmente com o fundamento de que BM, depois de ter deixado o domicílio conjugal, conservou uma residência habitual na Polónia durante a maior parte do ano de 2013.

9

Tendo em conta os elementos de prova apresentados pelas partes no processo principal, o Amtsgericht Hamm (Tribunal de Primeira Instância de Hamm) julgou procedente a exceção de incompetência de LO e julgou inadmissível o pedido de divórcio de BM.

10

Esta sentença foi confirmada em sede de recurso pelo Oberlandesgericht Hamm (Tribunal Regional Superior de Hamm, Alemanha).

11

Este órgão jurisdicional declarou, em substância, que, embora seja certo que na data da propositura da ação de divórcio, a saber, em 27 de outubro de 2013, BM tinha adquirido residência habitual na Alemanha, não fez prova dessa residência habitual nesse Estado‑Membro ao longo dos seis meses anteriores a essa data, ou seja, desde 27 de abril de 2013, contrariamente ao que exige o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003.

12

Chamado a conhecer do recurso interposto por BM da decisão do Oberlandesgericht Hamm (Tribunal Regional Superior de Hamm), o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha) considera que o desfecho deste recurso depende da interpretação a dar ao artigo 3.o, n.o 1, alínea a), quinto e sexto travessões, do Regulamento n.o 2201/2003. Mais precisamente, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o requerente deve fazer prova de uma residência habitual no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir desde o início dos prazos fixados nessa disposição ou se basta uma simples residência, desde que esta última adquira um caráter habitual o mais tardar na data da apresentação do pedido de dissolução do vínculo matrimonial.

13

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, apesar da redação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), quinto e sexto travessões, do Regulamento n.o 2201/2003, deve ser privilegiada a interpretação teleológica e restritiva do forum actoris consagrado nesta disposição, a fim de não comprometer os direitos do cônjuge requerido no processo. Esta abordagem deve levar a concluir que o requerente deve demonstrar que adquiriu residência habitual no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir desde o início do prazo pertinente. Esta interpretação contribuiria também para uma melhor previsibilidade e para uma aplicação uniforme dos critérios de atribuição de competência. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, certos elementos contextuais apoiam esta interpretação. Este órgão jurisdicional refere‑se, a este respeito, nomeadamente, às versões em línguas espanhola e francesa do relatório explicativo de A. Borrás sobre a Convenção relativa à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial, dita Convenção de «Bruxelas II» (JO 1998, C 221, p. 27).

14

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a interpretação que propõe do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), quinto e sexto travessões, do Regulamento n.o 2201/2003 é controversa, nomeadamente na doutrina jurídica germanófona, e, em todo o caso, não foi decidida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça nem pode ser claramente deduzida da mesma.

15

Nestas condições, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O período de espera de um ano ou de seis meses, consoante o caso, previsto no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), quinto e sexto travessões, do Regulamento [n.o 2201/2003], só começa a contar para o requerente quando este estabelece a sua residência habitual no Estado‑Membro do tribunal em que o processo é instaurado ou basta, no início do período de espera relevante, uma mera residência do requerente no Estado do tribunal em que o processo é instaurado, [e que essa residência só adquira caráter habitual] no período decorrido até à apresentação do pedido [de divórcio]?»

Quanto à questão prejudicial

16

A título preliminar, importa observar que resulta do reenvio prejudicial que a competência internacional dos tribunais alemães para conhecer do processo principal foi examinada à luz do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003 e que o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a constatação de que BM não tinha adquirido residência habitual na Alemanha em 27 de abril de 2013 não padecia de nenhum erro. Por conseguinte, há que entender a questão submetida no sentido de que se refere unicamente a esta disposição.

17

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que esta disposição subordina a competência do tribunal de um Estado‑Membro para conhecer de um pedido de dissolução do vínculo matrimonial à circunstância de o requerente, nacional desse Estado‑Membro, fazer prova de que adquiriu residência habitual no referido Estado‑Membro pelo menos seis meses imediatamente antes da apresentação do seu pedido, ou à circunstância de demonstrar que a residência que adquiriu nesse mesmo Estado‑Membro passou a ser residência habitual durante o período mínimo de seis meses imediatamente anterior à apresentação do seu pedido.

18

Há que recordar que o artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003 estabelece os critérios gerais de competência em matéria de divórcio, separação e anulação do casamento. Estes critérios objetivos, alternativos e exclusivos, atendem à necessidade de uma regulamentação adaptada às exigências específicas dos conflitos em matéria de dissolução do vínculo matrimonial [Acórdão de 10 de fevereiro de 2022, OE (Residência habitual de um dos cônjuges — Critério da nacionalidade), C‑522/20, EU:C:2022:87, n.o 25 e jurisprudência referida].

19

A este respeito, embora o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), primeiro a quarto travessões, do Regulamento n.o 2201/2003 faça expressamente referência aos critérios da residência habitual dos cônjuges e do requerido, o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, deste regulamento autoriza a aplicação da regra de competência do forum actoris [Acórdão de 10 de fevereiro de 2022, OE (Residência habitual de um dos cônjuges — Critério da nacionalidade), C‑522/20, EU:C:2022:87, n.o 26 e jurisprudência referida].

20

Esta regra de competência visa assegurar um equilíbrio entre, por um lado, a mobilidade das pessoas no interior da União Europeia, nomeadamente protegendo os direitos do cônjuge que, na sequência da crise conjugal, deixou o Estado‑Membro da residência habitual comum, e, por outro, a segurança jurídica, em especial a do outro cônjuge, garantindo a existência de um vínculo efetivo entre o requerente e o Estado‑Membro cujos tribunais são competentes para decidir sobre a dissolução do vínculo matrimonial em causa [ver, neste sentido, Acórdão de 10 de fevereiro de 2022, OE (Residência habitual de um dos cônjuges — Critério da nacionalidade), C‑522/20, EU:C:2022:87, n.o 29 e jurisprudência referida].

21

Com efeito, o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003 reconhece aos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se encontra a residência habitual do requerente a competência para decidir sobre a dissolução do vínculo matrimonial em causa se, nos termos desta disposição, o requerente «tiver residido» no território desse Estado‑Membro «pelo menos[,] nos seis meses imediatamente anteriores à data do [seu] pedido» e no caso de, como no processo principal, ser nacional do referido Estado‑Membro [v., neste sentido, Acórdão de 10 de fevereiro de 2022, OE (Residência habitual de um dos cônjuges — Critério da nacionalidade), C‑522/20, EU:C:2022:87, n.os 26 a 28 e jurisprudência referida].

22

No entender do órgão jurisdicional de reenvio, não há dúvida de que, segundo esta disposição, à data da apresentação do pedido de dissolução do vínculo matrimonial, o requerente deve fazer prova de que tem «residência habitual» no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, o que, no processo principal, BM fez perante o Oberlandesgericht Hamm (Tribunal Regional Superior de Hamm).

23

A este respeito, importa lembrar que a competência internacional que decorre do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, sendo determinada pelo critério da «residência habitual», exclui que o seja em função de um critério baseado na simples residência de um ou de outro dos cônjuges [ver, neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, IB (Residência habitual de um dos cônjuges — Divórcio), C‑289/20, EU:C:2021:955, n.o 46].

24

Daqui resulta que um cônjuge que pretenda invocar a competência nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003, deve necessariamente demonstrar que tem a sua residência habitual no território do Estado‑Membro de que é nacional à data da apresentação do seu pedido de dissolução do vínculo matrimonial, aspeto que não é contestado no caso em apreço.

25

Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio considera que existe uma dúvida quanto à questão de saber se a condição segundo a qual o requerente deve ter «residido pelo meno[s] nos seis meses imediatamente anteriores à data do [seu] pedido» no Estado‑Membro em causa, mencionada no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003, significa que o requerente deve simplesmente provar que estabeleceu a sua residência no território desse Estado‑Membro, desde que, durante o período mínimo de seis meses imediatamente anterior ao pedido de dissolução do vínculo matrimonial, essa residência se tenha tornado na residência habitual ou, pelo contrário, que o requerente deve fazer prova da residência habitual desde o início e durante todo esse período mínimo de seis meses imediatamente anterior ao seu pedido.

26

Não havendo, no Regulamento n.o 2201/2003, uma definição ou uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o sentido e o alcance do conceito de «residência habitual», em particular de «residência», há que procurar uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta o teor e o contexto das disposições que os mencionam, bem como os objetivos do referido regulamento [ver, neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, IB (Residência habitual de um dos cônjuges — Divórcio), C‑289/20, EU:C:2021:955, n.o 39 e jurisprudência referida].

27

A este respeito, é certo que resulta do teor do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003 que a competência do tribunal do Estado‑Membro em cujo território o requerente deve ter residência habitual está subordinada à condição de este «aí t[e]r residido» pelo menos nos seis meses imediatamente anteriores à data do seu pedido de dissolução do vínculo matrimonial. Como admitem o Governo Polaco e a Comissão Europeia, a referência a uma simples residência não implica necessariamente que o requerente deva fazer prova de residência habitual para a totalidade do período mínimo de seis meses imediatamente anterior ao seu pedido.

28

Todavia, tendo em conta o contexto em que se inscreve o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003, bem como os objetivos prosseguidos por este, a exigência segundo a qual o requerente deve residir no Estado‑Membro de que é nacional há pelo menos seis meses imediatamente antes da apresentação do pedido não pode ser interpretada independentemente do critério da «residência habitual» igualmente enunciado nesta disposição.

29

Assim, em primeiro lugar, importa salientar que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento visa uniformizar, na União, os critérios de atribuição da competência internacional em matéria matrimonial, todos baseados, como foi recordado no n.o 23 do presente acórdão, no conceito de «residência habitual». Na economia geral desta disposição, o conceito de «residência» não pode revestir uma natureza diferente, consoante seja utilizado no segundo ou no sexto travessão, independentemente da circunstância de que, contrariamente às outras versões deste segundo travessão redigidas nas línguas oficiais da União quando foi adotado o referido regulamento, a versão em língua alemã não utiliza este conceito de maneira isolada.

30

Ora, em virtude do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), segundo travessão, do referido regulamento, é competente o tribunal do Estado‑Membro em cujo território se situe «a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida». A este respeito, a utilização da expressão «ainda aí resida», que figura nas versões desta disposição redigidas nas línguas oficiais da União quando foi adotado o referido regulamento, com exceção da versão em língua alemã, implica um nexo de continuidade temporal entre essa residência e a «última residência habitual dos cônjuges», pelo que o cônjuge que permaneceu no território do Estado‑Membro em causa, mantém aí a sua própria residência habitual, sem que isso seja infirmado pela versão em língua alemã da referida disposição.

31

Por conseguinte, no contexto específico da determinação da competência internacional em matéria de dissolução do vínculo matrimonial previsto no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, não há que fazer uma distinção entre o conceito de «residência» e o de «residência habitual», distinção que teria como consequência enfraquecer o critério de determinação dessa competência.

32

Em segundo lugar, como sustentam, em substância, os Governos Polaco e Português, exigir ao requerente da dissolução do vínculo matrimonial que demonstre ter adquirido residência habitual no Estado‑Membro do tribunal chamado a decidir desde o início do período mínimo de seis meses, previsto no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003, permite assegurar o respeito da segurança jurídica, preservando simultaneamente a mobilidade das pessoas no interior da União e a possibilidade de obter a dissolução do vínculo matrimonial, sem favorecer indevidamente esse requerente, embora o forum actoris constitua uma regra de competência que já lhe é favorável, o que a interpretação alternativa, mais flexível, desta disposição, defendida por BM no órgão jurisdicional de reenvio, não pode garantir.

33

Assim, antes de mais, esta exigência contribui para compensar a circunstância de, diferentemente dos outros critérios de competência enumerados nos travessões primeiro a quarto do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, o referido no seu sexto travessão não estar subordinado nem ao acordo dos cônjuges nem à existência de um vínculo particular com o local de vida em comum, presente ou passado, destes. Por conseguinte, obrigar o requerente a demonstrar que reside habitualmente no território do Estado‑Membro do tribunal chamado a decidir pelo menos nos seis meses imediatamente anteriores à data do seu pedido, resulta da necessidade de esse requerente estar em condições de provar, para todo o período em causa, que tem um vínculo efetivo com esse Estado‑Membro, na aceção da jurisprudência referida no n.o 20 do presente acórdão.

34

Em seguida, os objetivos de previsibilidade, bem como de interpretação e de aplicação uniformes na União que presidem à fixação dos critérios de atribuição da competência em matéria matrimonial, enumerados no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, não poderiam ser alcançados se fosse simplesmente exigido ao requerente que fizesse prova de residência habitual no Estado‑Membro do tribunal chamado a decidir com uma duração mais ou menos breve no decurso do período mínimo de seis meses que precede imediatamente o seu pedido de dissolução do vínculo matrimonial. Com efeito, nesta hipótese, o caráter suficiente da duração da residência habitual exigida ao requerente no território do Estado‑Membro do tribunal chamado a decidir variaria, necessariamente, de caso para caso e de acordo com a apreciação casuística de cada tribunal nacional chamado a decidir.

35

Em contrapartida, os objetivos mencionados no número anterior do presente acórdão são atingidos pela exigência de que o requerente demonstre ter adquirido residência habitual no Estado‑Membro do tribunal chamado a decidir desde o início do período mínimo de seis meses previsto no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003.

36

Por último, importa sublinhar que, tendo em conta o objetivo de equilíbrio entre, por um lado, a mobilidade das pessoas no interior da União e, por outro, a exigência de segurança jurídica, objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 2201/2003 e recordado no n.o 20 do presente acórdão, a exigência mencionada no número anterior do presente acórdão não impõe ao requerente um encargo desproporcionado, suscetível de o dissuadir de invocar o critério da competência previsto no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, deste regulamento.

37

Daqui resulta que, em conformidade com o critério de competência no qual o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003 se baseia, o cônjuge que pretenda invocar esta disposição deve necessariamente fazer prova de residência habitual no Estado‑Membro do tribunal chamado a decidir desde o início do período mínimo de seis meses previsto na referida disposição.

38

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que esta disposição subordina a competência do tribunal de um Estado‑Membro para conhecer de um pedido de dissolução do vínculo matrimonial à circunstância de o requerente, nacional desse Estado‑Membro, fazer prova de que adquiriu residência habitual no referido Estado‑Membro pelo menos nos seis meses imediatamente anteriores à data do seu pedido.

Quanto às despesas

39

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

esta disposição subordina a competência do tribunal de um Estado‑Membro para conhecer de um pedido de dissolução do vínculo matrimonial à circunstância de o requerente, nacional desse Estado‑Membro, fazer prova de que adquiriu residência habitual no referido Estado‑Membro pelo menos nos seis meses imediatamente anteriores à data do seu pedido.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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