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Document 62020CJ0501

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 1 de agosto de 2022.
MPA contra LCDNMT.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Audiencia Provincial de Barcelona.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigos 3.o, 6.o a 8.o e 14.o — Conceito de “residência habitual” — Competência, reconhecimento, execução de decisões e cooperação em matéria de obrigações alimentares — Regulamento (CE) n.o 4/2009 — Artigos 3.o e 7.o — Nacionais de dois Estados‑Membros diferentes, residentes num Estado terceiro enquanto agentes contratuais afetos à delegação da União Europeia nesse Estado terceiro — Determinação da competência — Forum necessitatis.
Processo C-501/20.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:619

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

1 de agosto de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigos 3.o, 6.o a 8.o e 14.o — Conceito de “residência habitual” — Competência, reconhecimento, execução de decisões e cooperação em matéria de obrigações alimentares — Regulamento (CE) n.o 4/2009 — Artigos 3.o e 7.o — Nacionais de dois Estados‑Membros diferentes, residentes num Estado terceiro enquanto agentes contratuais afetos à delegação da União Europeia nesse Estado terceiro — Determinação da competência — Forum necessitatis»

No processo C‑501/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Audiencia Provincial de Barcelona (Audiência Provincial de Barcelona, Espanha), por Decisão de 15 de setembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de outubro de 2020, no processo

MPA

contra

LCDNMT,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Passer, F. Biltgen, L. S. Rossi (relatora) e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de setembro de 2021,

vistas as observações apresentadas:

em representação de MPA, por A. López Jiménez, abogada,

em representação de LCDNMT, por C. Martínez Jorba e P. Tamborero Font, abogadas,

em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

em representação do Governo checo, por I. Gavrilova, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho da União Europeia, por M. Balta, H. Marcos Fraile e C. Zadra, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por I. Galindo Martín, M. Kellerbauer, N. Ruiz García, M. Wilderspin e W. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de fevereiro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 3.o, 7.o, 8.o e 14.o do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1), dos artigos 3.o e 7.o do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1), bem como do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe MPA a LCDNMT, dois agentes contratuais da União Europeia afetos à delegação desta última no Togo, a respeito de um pedido de divórcio acompanhado de pedidos relativos à determinação do regime e das modalidades de exercício da guarda e da responsabilidade parental em relação aos filhos menores do casal, à pensão de alimentos para estes últimos, bem como ao uso da casa de morada de família situada em Lomé (Togo).

Quadro jurídico

Direito internacional

3

Nos termos do artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18 de abril de 1961, que entrou em vigor em 24 de abril de 1964 (Coletânea de Tratados das Nações Unidas, vol. 500, p. 95, a seguir «Convenção de Viena»):

«O agente goza de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditador. Goza também da imunidade da sua jurisdição civil e administrativa, salvo se se tratar de:

a)

Uma ação real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditador, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da missão;

b)

Uma ação sucessória na qual o agente diplomático figura, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário;

c)

Uma ação referente a qualquer atividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais.

[…]»

Direito da União

Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades

4

O artigo 11.o do Protocolo (n.o 7) Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (a seguir «Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades»), que faz parte do seu capítulo V, intitulado «Funcionários e Agentes da União Europeia», prevê:

«No território de cada Estado‑Membro e independentemente da sua nacionalidade, os funcionários e outros agentes da União:

a)

Gozam de imunidade de jurisdição no que diz respeito aos atos por eles praticados na sua qualidade oficial, incluindo as suas palavras e escritos, sem prejuízo da aplicação das disposições dos Tratados relativas, por um lado, às normas sobre a responsabilidade dos funcionários e agentes perante a União e, por outro, à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para decidir sobre os litígios entre a União e os seus funcionários e outros agentes. […]

[…]»

5

Nos termos do artigo 17.o, primeiro parágrafo, do referido Protocolo, que faz parte do seu capítulo VII, intitulado «Disposições Gerais»:

«Os privilégios, imunidades e facilidades são concedidos aos funcionários e outros agentes da União exclusivamente no interesse desta.»

Estatuto e ROA

6

Nos termos do artigo 1.o‑B do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), salvo disposições em contrário previstas no presente Estatuto, o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) será, para efeitos deste Estatuto, tratado como instituição da União.

7

O artigo 23.o do Estatuto precisa:

«Os privilégios e imunidades de que beneficiam os funcionários são conferidos unicamente no interesse da União. Sem prejuízo das disposições do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades, os interessados não estão isentos do cumprimento das suas obrigações privadas, nem da observância das leis e regulamentos de polícia em vigor.

[…]»

8

O artigo 3.o‑A, n.o 1, do Regime aplicável aos Outros Agentes da União Europeia (a seguir «ROA») prevê:

«Para efeitos do presente Regime, entende‑se por “agente contratual”, o agente não afetado a um lugar previsto no quadro de efetivos anexo à secção do orçamento correspondente à instituição em causa e contratado para exercer funções a tempo parcial ou a tempo inteiro:

[…]

d) Nas Representações e Delegações das instituições da União;

[…]»

9

O artigo 85, n.o 1, primeiro parágrafo, do ROA tem a seguinte redação:

«O contrato de um agente contratual a que se refere o artigo 3.o‑A pode ser celebrado por um prazo de, pelo menos, três meses e de não mais de cinco anos. Pode ser prorrogado, uma vez no máximo, por um prazo não superior a cinco anos. A duração cumulada do contrato inicial e da primeira prorrogação não pode ser inferior a seis meses para o grupo de funções I e a nove meses para os outros grupos de funções. Qualquer prorrogação subsequente do contrato converte‑o em contrato por tempo indeterminado.»

Regulamento n.o 2201/2003

10

Os considerandos 5, 11, 12, 14 e 33 do Regulamento n.o 2201/2003 enunciam:

«(5)

A fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o presente regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de proteção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial.

[…]

(11)

Os alimentos estão excluídos do âmbito de aplicação do presente regulamento uma vez que já se encontram regulados pelo Regulamento (CE) n.o 44/2001[, do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1)]. Os tribunais competentes nos termos do presente regulamento serão igualmente competentes para decidir em matéria de alimentos, ao abrigo do n.o 2 do artigo 5.o do Regulamento [n.o 44/2001].

(12)

As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, exceto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

[…]

(14)

Os efeitos do presente regulamento não deverão prejudicar a aplicação do Direito Internacional Público em matéria de imunidade diplomática. Se o tribunal competente por força do presente regulamento não puder exercer a sua competência em razão da existência de uma imunidade diplomática conforme ao direito nacional, a competência deverá ser determinada, no Estado‑Membro em que a pessoa em causa não beneficie de qualquer imunidade, de acordo com a lei desse Estado.

[…]

(33)

O presente regulamento reconhece os direitos fundamentais e os princípios consagrados na [Carta]; pretende, designadamente, garantir o pleno respeito dos direitos fundamentais da criança enunciados no artigo 24.o da [Carta].»

11

O artigo 1.o do Regulamento n.o 2201/2003, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.   O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

a)

Ao divórcio, à separação e à anulação do casamento;

b)

À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

[…]

3.   O presente regulamento não é aplicável:

[…]

e) Aos alimentos;

[…]»

12

O capítulo II do Regulamento n.o 2201/2003, intitulado «Competência», é composto por três secções. A secção 1 deste capítulo, intitulada «Divórcio, separação e anulação do casamento», inclui os artigos 3.o a 7.o deste regulamento.

13

O artigo 3.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Competência geral», prevê, no seu n.o 1:

«São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado‑Membro:

a)

Em cujo território se situe:

a residência habitual dos cônjuges, ou

a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou

a residência habitual do requerido, ou

em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou

a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido, pelo menos, no ano imediatamente anterior à data do pedido, ou

a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado‑Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu “domicílio”;

b)

Da nacionalidade de ambos os cônjuges ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do “domicílio” comum.»

14

Nos termos do artigo 6.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Caráter exclusivo das competências definidas nos artigos 3.o, 4.o e 5.o»:

«Qualquer dos cônjuges que:

a)

Tenha a sua residência habitual no território de um Estado‑Membro; ou

b)

Seja nacional de um Estado‑Membro ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, tenha o seu “domicílio” no território de um destes dois Estados‑Membros,

só por força dos artigos 3.o, 4.o e 5.o pode ser demandado nos tribunais de outro Estado‑Membro.»

15

O artigo 7.o do Regulamento n.o 2201/2003, com a epígrafe «Competências residuais», precisa, no seu n.o 1:

«Se nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente nos termos dos artigos 3.o, 4.o e 5.o, a competência, em cada Estado‑Membro, é regulada pela lei desse Estado‑Membro.»

16

A secção 2 do capítulo II deste regulamento, relativa à competência em matéria de responsabilidade parental, inclui os artigos 8.o a 15.o do referido regulamento.

17

O artigo 8.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Competência geral», estabelece, no seu n.o 1:

«Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.»

18

O artigo 12.o do Regulamento n.o 2201/2003, com a epígrafe «Extensão da competência», enuncia, nos seus n.os 1, 3 e 4:

«1.   Os tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.o, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando:

a)

Pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança;

e

b)

a competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança.

3.   Os tribunais de um Estado‑Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.o 1, quando:

a)

A criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro; e

b)

A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.

4.   Se a criança tiver a sua residência habitual no território de um Estado terceiro que não seja parte contratante na Convenção da Haia, de 19 de outubro de 1996, relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de proteção das crianças, presume‑se que a competência baseada no presente artigo é do interesse da criança, nomeadamente quando for impossível instaurar um processo no Estado terceiro em questão.»

19

O artigo 14.o deste regulamento, com a epígrafe «Competências residuais», prevê:

«Se nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente, por força dos artigos 8.o a 13.o, a competência é, em cada Estado‑Membro, regulada pela lei desse Estado.»

Regulamento n.o 4/2009

20

Os considerandos 8, 15 e 16 do Regulamento n.o 4/2009 têm a seguinte redação:

«(8)

No âmbito da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, a Comunidade e os seus Estados‑Membros participaram em negociações que conduziram em 23 de novembro de 2007 à aprovação da Convenção [de Haia] sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família […] e do Protocolo [de Haia] sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares[, aprovado em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2009/941/CE do Conselho, de 30 de novembro de 2009 (JO 2009, L 331, p. 17)]. É, pois, conveniente ter em conta estes dois instrumentos no âmbito do presente regulamento.

[…]

(15)

A fim de preservar os interesses dos credores de alimentos e promover uma boa administração da justiça na União Europeia, deverão ser adaptadas as regras relativas à competência tal como decorrem do Regulamento [n.o 44/2001]. A circunstância de um requerido ter a sua residência habitual num Estado terceiro não deverá mais ser motivo de não aplicação das regras comunitárias em matéria de competência, devendo deixar de ser feita doravante qualquer remissão para o direito nacional. Por conseguinte, é necessário determinar no presente regulamento os casos em que um tribunal de um Estado‑Membro pode exercer uma competência subsidiária.

(16)

A fim de corrigir, em particular, situações de denegação de justiça, deverá ser previsto no presente regulamento um forum necessitatis que permita a qualquer tribunal de um Estado‑Membro, em casos excecionais, conhecer de um litígio que esteja estreitamente relacionado com o Estado terceiro. Poderá considerar‑se que existe um caso excecional quando se revelar impossível o processo no Estado terceiro em causa, por exemplo devido a uma guerra civil, ou quando não se puder razoavelmente esperar que o requerente instaure ou conduza um processo nesse Estado. A competência baseada no forum necessitatis só pode todavia ser exercida se o litígio apresentar uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do tribunal demandado, como por exemplo a nacionalidade de uma das partes.»

21

O artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009, com a epígrafe «Competência geral», prevê:

«São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

a)

O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou

b)

O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; ou

c)

O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa ao estado das pessoas, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes; ou

d)

O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes.»

22

O artigo 6.o deste regulamento, com a epígrafe «Competência subsidiária», enuncia:

«Quando nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente por força dos artigos 3.o, 4.o e 5.o, e nenhum tribunal de um Estado parte na Convenção de Lugano que não seja um Estado‑Membro for competente por força do disposto na referida Convenção, são competentes os tribunais do Estado‑Membro da nacionalidade comum das Partes.»

23

O artigo 7.o do referido regulamento, com a epígrafe «Forum necessitatis», dispõe:

«Quando nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente por força dos artigos 3.o, 4.o, 5.o e 6.o, os tribunais de um Estado‑Membro podem, em casos excecionais, conhecer do litígio se não puder ser razoavelmente instaurado ou conduzido, ou se revelar impossível conduzir um processo num Estado terceiro com o qual o litígio esteja estreitamente relacionado.

O litígio deve apresentar uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do tribunal demandado.»

Direito espanhol

24

A Ley Orgánica 6/1985 del Poder Judicial (Lei Orgânica 6/1985 Relativa ao Poder Judicial), de 1 de julho de 1985 (BOE n.o 157, de 2 de julho de 1985, p. 20632), conforme alterada pela Ley Orgánica 7/2015 (Lei Orgânica 7/2015), de 21 de julho de 2015 (BOE n.o 174, de 22 de julho de 2015, p. 61593), dispõe, no seu artigo 22.o‑C, alíneas c) e d):

«Não se verificando os critérios anteriores, os tribunais espanhóis são competentes:

[…]

c)

Em matéria de relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges, anulação do casamento, separação e divórcio e suas alterações, sempre que nenhum outro tribunal estrangeiro seja competente, quando ambos os cônjuges tenham a sua residência habitual em Espanha à data da propositura da ação, ou quando tenham tido em Espanha a sua última residência habitual e um deles [ainda] resida neste país, ou quando Espanha seja a residência habitual do requerido, ou, em caso de pedido conjunto, quando um dos cônjuges resida em Espanha, […] ou quando o requerente seja espanhol e tenha a sua residência habitual em Espanha há, pelo menos, seis meses à data da propositura da ação, bem como quando ambos os cônjuges tenham nacionalidade espanhola;

d)

Em matéria de filiação e de relações parentais, de proteção de menores e de responsabilidade parental, quando o filho ou o filho menor tenha a sua residência habitual em Espanha à data da propositura da ação, ou quando o requerente seja espanhol ou resida habitualmente em Espanha ou, em todo o caso, há, pelo menos, seis meses à data da propositura da ação.»

25

O artigo 22.o‑G desta lei, conforme alterada, prevê:

«1.   Os tribunais espanhóis não são competentes nos casos em que os foros de competência previstos nas leis espanholas não abranjam essa competência.

[…]

3.   […] Os tribunais espanhóis não podem recusar conhecer da causa ou declarar‑se incompetentes quando o processo em questão apresente elementos de conexão com Espanha e os tribunais dos vários Estados com conexão com o processo se tenham declarado incompetentes. […]»

26

O Código Civil espanhol precisa, no seu artigo 40.o, que o domicílio dos diplomatas que, por força das suas funções, residam no estrangeiro e beneficiem do direito de extraterritorialidade é o local do seu último domicílio em território espanhol.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

27

MPA, mãe das crianças em causa no processo principal, e LCDNMT, pai destas, casaram‑se na embaixada de Espanha na Guiné‑Bissau em 25 de agosto de 2010. Têm dois filhos, nascidos em 10 de outubro de 2007 e 30 de julho de 2012 em Espanha. A mãe é de nacionalidade espanhola e o pai é de nacionalidade portuguesa. Quanto aos seus filhos, possuem dupla nacionalidade espanhola e portuguesa.

28

Os cônjuges residiram na Guiné‑Bissau entre agosto de 2010 e fevereiro de 2015 e, em seguida, mudaram‑se para o Togo. A separação de facto ocorreu em julho de 2018. Desde então, a mãe e os filhos continuam a residir no domicílio conjugal no Togo e o pai reside num hotel nesse Estado.

29

Ambos os cônjuges trabalham para a Comissão Europeia e estão afetos à delegação da União no Togo. Têm a categoria profissional de agentes contratuais.

30

Em 6 de março de 2019, a mãe apresentou, no Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 2 de Manresa (Tribunal de Primeira Instância e de Instrução n.o 2 de Manresa, Espanha), um pedido de divórcio, acompanhado de pedidos relativos à determinação do regime e das modalidades de exercício da guarda e das responsabilidade parentais em relação aos filhos menores do casal, à pensão de alimentos para estes últimos, bem como ao uso da casa de morada de família situada no Togo.

31

O pai alegou que o Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 2 de Manresa (Tribunal de Primeira Instância e de Instrução n.o 2 de Manresa) não tinha competência internacional.

32

Por Despacho de 9 de setembro de 2019, esse órgão jurisdicional declarou a sua incompetência internacional dado que, em seu entender, as partes não tinham a sua residência habitual em Espanha.

33

A mãe interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio. Afirma que os dois cônjuges gozam do estatuto diplomático enquanto agentes da União acreditados no Estado de afetação e que este estatuto é concedido pelo Estado de acolhimento e extensível aos filhos menores. A este respeito, alega que está protegida pela imunidade estabelecida no artigo 31.o da Convenção de Viena e que os seus pedidos não estão abrangidos pelas exceções previstas no referido artigo. A mãe alega que, por força dos Regulamentos n.o 2201/2003 e n.o 4/2009, a competência para conhecer das questões de divórcio, de responsabilidade parental e de pensão de alimentos é determinada em função da residência habitual. Ora, em conformidade com o artigo 40.o do Código Civil, a sua residência habitual não é o local onde trabalha como agente contratual da União, mas o seu local de residência antes de adquirir o referido estatuto, a saber, Espanha.

34

A mãe invoca igualmente o forum necessitatis reconhecido pelo Regulamento n.o 4/2009 e expõe a situação em que se encontram os órgãos jurisdicionais togoleses. Para o efeito, apresenta relatórios elaborados pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Num desses relatórios constata‑se a falta de formação adequada e contínua dos magistrados e a persistência de um clima de impunidade no que respeita às violações dos direitos humanos. Noutro desses relatórios exprime‑se a preocupação das Nações Unidas quanto à independência do poder judicial, ao acesso à justiça e à impunidade pelas violações dos direitos humanos.

35

O pai afirma, por sua vez, que nenhum dos dois cônjuges exerce uma função diplomática para o respetivo Estado‑Membro, a saber, o Reino de Espanha e a República Portuguesa, mas trabalham na delegação da União no Togo como agentes contratuais. A este respeito, indica que o livre‑trânsito de que dispõem não é um passaporte diplomático, mas um salvo‑conduto ou um título de circulação seguro, válido unicamente no território de Estados terceiros. Além disso, não é aplicável a Convenção de Viena, mas o Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades. Todavia, este último só é aplicável aos atos praticados pelos funcionários e pelos agentes das instituições da União na sua qualidade oficial de funcionários e agentes, pelo que, no caso em apreço, não obsta à competência dos órgãos jurisdicionais togoleses e não torna necessária a aplicação do forum necessitatis.

36

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não existe jurisprudência sobre o conceito de «residência habitual» dos cônjuges, para efeitos de determinar a competência em matéria de divórcio, nem sobre o de «residência habitual» dos filhos menores na situação em causa no processo principal, pelo que tem de determinar a incidência do estatuto diplomático ou de um estatuto análogo como o das pessoas que exercem funções como agentes ou funcionários que trabalham para a União e estão destacadas em Estados terceiros para o exercício dessas funções. No âmbito da apreciação da residência habitual dos cônjuges que pedem o divórcio, o órgão jurisdicional de reenvio observa que os agentes contratuais têm, no seu Estado de afetação, o estatuto de agentes diplomáticos da União, mas que, nos Estados‑Membros, são considerados unicamente agentes da União. Além disso, indica que é necessário determinar a duração, o caráter habitual e a estabilidade da permanência dos cônjuges no Togo, sem ignorar o facto de a sua presença física nesse Estado terceiro ter por causa e origem o exercício de funções por conta da União.

37

Foi nestas condições que a Audiencia Provincial de Barcelona (Audiência Provincial de Barcelona, Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Como deve ser interpretado o conceito de “residência habitual” do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003 e do artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009 dos nacionais de um Estado‑Membro que residem num Estado terceiro devido às funções que lhes são confiadas enquanto agentes contratuais da [União] e que, no Estado terceiro, têm a qualidade de agentes diplomáticos da [União], quando a sua permanência, nesse Estado, esteja ligada ao exercício das funções que exercem para a União?

2)

Se, para efeitos do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003 e do artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009, a determinação da residência habitual dos cônjuges depender do seu estatuto de agentes contratuais da [União] num Estado terceiro, de que modo isso poderia incidir sobre a determinação da residência habitual dos filhos menores em conformidade com o artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003?

3)

No caso de se considerar que os filhos não têm a sua residência habitual no Estado terceiro, a conexão da nacionalidade da mãe, a sua residência em Espanha antes da celebração do casamento, a nacionalidade espanhola dos filhos menores e o seu nascimento em Espanha podem ser tomados em consideração para efeitos da determinação da residência habitual em conformidade com o artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003?

4)

No caso de se demonstrar que a residência habitual dos progenitores e dos menores não se situa num Estado‑Membro, tendo em conta que, em conformidade com o Regulamento n.o 2201/2003, não existe nenhum outro Estado‑Membro competente para conhecer dos pedidos, o facto de o requerido ser nacional de um Estado‑Membro obsta à aplicação da cláusula residual prevista nos artigos 7.o e 14.o do Regulamento n.o 2201/2003?

5)

No caso de se demonstrar que a residência habitual dos progenitores e dos menores não se encontra num Estado‑Membro, para efeitos da determinação dos alimentos dos filhos, como deve ser interpretado o forum necessitatis do artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009 e, em especial, que pressupostos são necessários para considerar que um processo não pode ser razoavelmente instaurado ou conduzido, ou é impossível conduzi‑lo num Estado terceiro com o qual o litígio esteja estreitamente relacionado (neste caso, o Togo)? É necessário que a parte demonstre que instaurou ou tentou instaurar o processo nesse Estado com resultado negativo? A nacionalidade de um dos litigantes basta como conexão suficiente com o Estado‑Membro [do tribunal no qual foi instaurado o processo]?

6)

Num caso como este, em que os cônjuges têm fortes ligações com Estados‑Membros (nacionalidade, residência anterior), quando decorre da aplicação das regras dos regulamentos que nenhum Estado‑Membro é competente, isso é contrário ao artigo 47.o da [Carta]?»

Quanto às questões prejudiciais

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

38

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente processo fosse submetido à tramitação prejudicial urgente, prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

39

Em 19 de outubro de 2020, o Tribunal de Justiça decidiu, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, que não havia que deferir esse pedido, uma vez que não estavam reunidas as condições previstas no artigo 107.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

Quanto à primeira questão

40

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003 e o artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009 devem ser interpretados no sentido de que, para efeitos da determinação da residência habitual na aceção destas disposições, a qualidade de agentes contratuais da União dos cônjuges em causa, afetos a uma delegação desta junto de um Estado terceiro e relativamente aos quais se alega que gozam do estatuto diplomático nesse Estado, é suscetível de constituir um elemento determinante.

41

No que respeita, em primeiro lugar, à interpretação do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, importa recordar que esta disposição estabelece os critérios gerais de competência em matéria de divórcio, de separação e de anulação do casamento. Estes critérios objetivos, alternativos e exclusivos respondem à necessidade de uma regulamentação adaptada às necessidades específicas dos conflitos em matéria de dissolução do vínculo matrimonial [v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, IB (Residência habitual de um cônjuge — Divórcio), C‑289/20, EU:C:2021:955, n.o 32 e jurisprudência referida).

42

O conceito de «residência habitual» figura nos seis critérios de competência previstos no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003. Assim, esta disposição atribui, de modo não hierarquizado, a competência para decidir sobre as questões relativas à dissolução do vínculo matrimonial aos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se situe, consoante o caso, a residência atual ou antiga dos cônjuges ou de um deles.

43

A este respeito, o Regulamento n.o 2201/2003 não contém nenhuma definição do conceito de «residência habitual», em particular da residência habitual de um cônjuge, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento. Na falta de tal definição ou de uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o sentido e o alcance deste conceito, importa procurar uma interpretação autónoma e uniforme do mesmo, tendo em conta o contexto das disposições que o mencionam e os objetivos do referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, IB (Residência habitual de um cônjuge ‑ Divórcio), C‑289/20, EU:C:2021:955, n.os 38 e 39).

44

O Tribunal de Justiça já declarou que, para efeitos da interpretação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, há que considerar que o conceito de «residência habitual» se caracteriza, em princípio, por dois elementos, a saber, por um lado, a vontade do interessado de fixar o centro habitual dos seus interesses num determinado lugar e, por outro, uma presença com um grau suficiente de estabilidade no território do Estado‑Membro em causa [Acórdão de 25 de novembro de 2021, IB (Residência habitual de um cônjuge ‑ Divórcio), C‑289/20, EU:C:2021:955, n.o 57], sendo que um cônjuge apenas pode ter, num determinado momento, uma única residência habitual na aceção da referida disposição [Acórdão de 25 de novembro de 2021, IB (Residência habitual de um cônjuge ‑ Divórcio), C‑289/20, EU:C:2021:955, n.o 51].

45

No que se refere, em segundo lugar, à interpretação do artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009, resulta da redação deste artigo, com a epígrafe «Disposições gerais», que o mesmo estabelece critérios gerais de atribuição de competência para os tribunais dos Estados‑Membros que decidem em matéria de obrigações alimentares. Esses critérios são alternativos, como revela o emprego da conjunção coordenativa «ou» após a exposição de cada um deles [Acórdão de 5 de setembro de 2019, R (Competência responsabilidade parental e obrigação de alimentos), C‑468/18, EU:C:2019:666, n.o 29 e jurisprudência referida].

46

O artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009 oferece, assim, a possibilidade de apresentar um pedido relativo a uma obrigação alimentar com base em vários critérios de competência, designadamente, no tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual, em conformidade com a alínea a) deste artigo 3.o, ou no tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual, em conformidade com a alínea b) do referido artigo. [v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2020, Landkreis Harburg (Sub‑rogação de uma entidade pública na posição de credor de alimentos), C‑540/19, EU:C:2020:732, n.o 30 e jurisprudência referida].

47

Uma vez que o Regulamento n.o 4/2009 não fornece nenhuma definição do conceito de «residência habitual» na aceção do seu artigo 3.o, alíneas a) e b), importa procurar uma interpretação autónoma e uniforme do mesmo, em conformidade com os princípios recordados no n.o 43 do presente acórdão.

48

A este respeito, importa recordar, por um lado, que as regras de competência previstas no Regulamento n.o 4/2009 visam não só garantir uma proximidade entre o credor de alimentos, considerado geralmente a parte mais fraca, e o tribunal competente, mas também assegurar uma boa administração da justiça, tanto do ponto de vista da otimização da organização judiciária como da perspetiva do interesse das partes, quer se trate do requerente ou do requerido, em beneficiar, designadamente, de um acesso facilitado à justiça e de uma previsibilidade das regras de competência [v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2020, FX (Oposição à execução de um crédito de alimentos), C‑41/19, EU:C:2020:425, n.o 40 e jurisprudência referida].

49

Por outro lado, como decorre nomeadamente do considerando 8 do Regulamento n.o 4/2009 e como o Tribunal de Justiça já salientou, este regulamento tem ligações estreitas com as disposições do Protocolo de Haia sobre a lei aplicável às obrigações alimentares [Acórdão de 5 de setembro de 2019, R (Competência responsabilidade parental e obrigação de alimentos), C‑468/18, EU:C:2019:666, n.o 46 e jurisprudência referida]. Ora, por força do artigo 3.o deste Protocolo, as obrigações alimentares são, em princípio, reguladas pela lei do Estado da residência habitual do credor, residência esta que implica um grau suficiente de estabilidade, com exclusão de uma presença temporária ou ocasional [v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2022, W. J. (Alteração da residência habitual do credor de alimentos), C‑644/20, EU:C:2022:371, n.o 63].

50

Esta disposição reflete o sistema de regras de conexão em que assenta o referido Protocolo, uma vez que tal sistema visa garantir a previsibilidade da lei aplicável, assegurando que a lei designada não está desprovida de um nexo suficiente com a situação familiar em causa, entendendo‑se que a lei da residência habitual do credor de alimentos surge como a que, em princípio, apresenta uma conexão mais estreita com a sua situação e como a mais adequada para regular os problemas concretos que esse credor possa encontrar [Acórdão de 12 de maio de 2022, W. J. (Alteração da residência habitual do credor de alimentos), C‑644/20, EU:C:2022:371, n.o 64 e jurisprudência referida].

51

Essa conexão apresenta a vantagem principal de determinar a existência e o montante da obrigação alimentar tendo em conta as condições jurídicas e factuais do contexto social do país onde o credor vive e exerce a maioria das suas atividades. Com efeito, na medida em que é para viver que o credor utilizará a sua pensão de alimentos, é aconselhável apreciar o problema concreto que se coloca relativamente a uma sociedade concreta, a saber, aquela onde o credor de alimentos vive e viverá [v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2022, W. J. (Alteração da residência habitual do credor de alimentos), C‑644/20, EU:C:2022:371, n.o 65].

52

Por conseguinte, justifica‑se considerar que, tendo em conta este objetivo, a residência habitual do credor de alimentos é a do lugar onde se situa, de facto, o centro habitual de vida deste último, tendo em conta o seu ambiente familiar e social, em especial, quando se trata de um filho menor [v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2022, W. J. (Alteração da residência habitual do credor de alimentos), C‑644/20, EU:C:2022:371, n.o 66].

53

Tendo em conta estas considerações e atendendo a que o artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009 e o artigo 3.o do Protocolo de Haia assentam num fator de conexão comum, a saber, a residência habitual do interessado, e têm ligações estreitas, justifica‑se que a definição deste fator seja orientada pelos mesmos princípios e caracterizada pelos mesmos elementos nos dois instrumentos. Assim, ainda que a apreciação concreta da residência habitual do requerente de alimentos, do credor ou, se for caso disso, do devedor dependa de circunstâncias próprias de cada caso concreto, suscetíveis de variar, nomeadamente, em função da idade e do ambiente do interessado, é coerente que o conceito de «residência habitual» na aceção do artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009, se caracterize, por um lado, pela vontade da pessoa em causa de fixar o centro habitual da sua vida num determinado lugar e, por outro, por uma presença com um grau suficiente de estabilidade no território do Estado‑Membro em questão.

54

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que os cônjuges em causa no processo principal casaram na embaixada de Espanha na Guiné‑Bissau em agosto de 2010 e residiram nesse Estado de agosto de 2010 a fevereiro de 2015, data a partir da qual se mudaram para o Togo, onde, apesar da sua separação de facto desde julho de 2018, continuam a residir, assim como os seus dois filhos.

55

Em contrapartida, não resulta de modo algum dos elementos comunicados pelo órgão jurisdicional de reenvio que o pai dos menores em causa no processo principal, que tem nacionalidade portuguesa, tenha residido habitualmente no Estado‑Membro a que pertence esse órgão jurisdicional, a saber, o Reino de Espanha, sozinho ou com a mãe dos seus filhos comuns. Esta última, de nacionalidade espanhola e que apresentou o pedido de dissolução do vínculo matrimonial nos órgãos jurisdicionais deste Estado‑Membro, alega, por sua vez, ter mantido a sua própria residência habitual no território do referido Estado‑Membro, não obstante a circunstância de trabalhar como agente contratual da União no território de Estados terceiros desde, pelo menos, agosto de 2010, mais precisamente no Togo desde fevereiro de 2015, e viver neste Estado terceiro com os seus filhos desde então.

56

Ora, tendo em conta estas circunstâncias e os dois elementos que caracterizam o conceito de «residência habitual» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, conforme recordados no n.o 44 do presente acórdão, afigura‑se que os cônjuges em causa no processo principal, sem prejuízo de verificações mais amplas por parte do órgão jurisdicional de reenvio com base no conjunto das circunstâncias de facto específicas do caso em apreço [v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, IB (Residência habitual de um cônjuge — Divórcio), C‑289/20, EU:C:2021:955, n.o 52], não residem habitualmente no território do Estado‑Membro a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado o pedido de dissolução do vínculo matrimonial.

57

Com efeito, primeiro, com exceção, sendo caso disso, dos períodos de licença ou quando do nascimento dos filhos, que correspondem, regra geral, a interrupções ocasionais e temporárias do decurso normal da sua vida (v., por analogia, Acórdão de 28 de junho de 2018, HR, C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 51), os cônjuges em causa no processo principal estão fisicamente ausentes, de modo permanente, do território do Reino de Espanha desde, pelo menos, agosto de 2010. É pacífico que, na sequência da separação destes cônjuges, a esposa em causa no processo principal não se mudou para o território do Estado‑Membro a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado o pedido de dissolução do vínculo matrimonial. Em especial, nenhum elemento dos autos permite concluir que esta esposa residiu no território do referido Estado‑Membro, de que é nacional, nos seis meses imediatamente anteriores à data do seu pedido de dissolução do vínculo matrimonial, como prevê o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003.

58

Nestas condições, não se afigura que a exigência, recordada no n.o 44 do presente acórdão, relativa a uma presença suficientemente estável no território do Estado‑Membro a que pertence o órgão jurisdicional de reenvio possa estar cumprida no caso em apreço. Quanto à circunstância de a permanência dos cônjuges em causa no processo principal no Togo, enquanto agentes contratuais por tempo indeterminado da União afetos à delegação desta última neste Estado terceiro, em conformidade com as disposições do artigo 85.o, n.o 1, do ROA que se aplicam aos agentes contratuais a que se refere o artigo 3.o‑A do ROA, que não estão sujeitos a rotação na sede em Bruxelas, ter, deste modo, uma ligação direta com o exercício das suas funções, há que precisar que não é, em si mesma, suscetível de impedir que essa permanência apresente tal grau de estabilidade (v., por analogia, Acórdão de 28 de junho de 2018, HR, C‑512/17, EU:C:2018:513, n.os 12 e 47), nem de permitir considerar que a ausência física dos interessados do território do Estado‑Membro a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado o pedido de dissolução do vínculo matrimonial é, neste caso, puramente temporária ou ocasional.

59

Segundo, nenhum elemento dos autos indicia que os cônjuges em causa no processo principal, ou pelo menos a esposa, tenham decidido, apesar do seu afastamento físico constante do território do Reino de Espanha há vários anos, fixar o centro permanente ou habitual dos seus interesses neste Estado‑Membro. Mesmo que um desses cônjuges tivesse manifestado a intenção de se instalar, no futuro, em Espanha, o facto é que, como precisado no n.o 57 do presente acórdão, resulta do pedido de decisão prejudicial que, não obstante a sua separação de facto desde julho de 2018, nenhum dos cônjuges em causa no processo principal deixou o Togo. Aliás, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 50 das suas conclusões, uma vez que os lugares nas delegações da União, como a do Togo, são pedidos voluntariamente pelos funcionários e pelos agentes que o desejem, afigura‑se duvidoso que esses cônjuges tenham efetivamente tido a intenção, após a sua separação de facto, de deixar o Togo para transferir a sua residência habitual para o território do Reino de Espanha.

60

Uma apreciação em substância análoga parece impor‑se, no caso em apreço, a propósito da residência habitual do requerido ou do credor de alimentos na aceção, respetivamente, do artigo 3.o, alínea a), e do artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009, na medida em que, sob reserva de verificações mais amplas pelo órgão jurisdicional de reenvio, nada parece indicar que os interessados transferiram a sua residência habitual para o território do Reino de Espanha.

61

Estas considerações não são postas em causa pelo argumento do Governo espanhol, aliás desenvolvido unicamente a propósito da interpretação do Regulamento n.o 2201/2003, segundo o qual os cônjuges em causa no processo principal, devido à sua qualidade de agentes contratuais afetos à delegação da União no Togo, gozam do estatuto diplomático neste Estado terceiro e beneficiam, portanto, ao abrigo do artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Viena, de imunidade perante os órgãos jurisdicionais civis no Estado acreditador, o que, segundo esse Governo, deveria levar a reconhecer, em aplicação do artigo 40.o do Código Civil, a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que esses agentes não beneficiam do referido estatuto diplomático, a saber, neste caso, o Reino de Espanha.

62

Com efeito, mesmo que esta asserção seja exata, não tem, no entanto, influência na interpretação do conceito de «residência habitual» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003 e do artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009, uma vez que, por força destas disposições, o tribunal no qual foi apresentado o pedido só pode reconhecer a sua competência se os cônjuges, conjunta ou separadamente, e/ou os seus filhos, estes últimos enquanto credores de alimentos para efeitos do artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009, possuírem a sua residência habitual no território do Estado‑Membro a que pertence esse tribunal, residência habitual essa que deve satisfazer os critérios mencionados nos n.os 44 e 53 do presente acórdão.

63

Ora, o facto de tal residência habitual no Estado‑Membro a que pertence o tribunal no qual foi apresentado o pedido não existir é suficiente para declarar a falta de competência desse tribunal, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003 e do artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009, independentemente da questão de saber se os cônjuges em causa no processo principal e os seus filhos beneficiam, no Togo, de uma eventual imunidade perante os órgãos jurisdicionais cíveis deste Estado terceiro.

64

Nenhum argumento em sentido contrário pode ser extraído do considerando 14 do Regulamento n.o 2201/2003, igualmente invocado pelo Governo espanhol, do qual resulta que, se o tribunal competente por força deste regulamento não puder exercer a sua competência em razão da existência de uma imunidade diplomática conforme ao direito internacional, a competência deverá ser determinada, no Estado‑Membro em que a pessoa em causa não beneficie de qualquer imunidade, de acordo com a lei desse Estado‑Membro.

65

Com efeito, como a Comissão alegou com razão, este considerando visa a situação em que o tribunal de um Estado‑Membro, embora competente com base nas disposições do Regulamento n.o 2201/2003, não está em condições de exercer essa competência em razão da existência de uma imunidade diplomática. Ora, é pacífico que, no litígio no processo principal, nem os cônjuges nem os seus filhos beneficiam de imunidade diplomática em nenhum Estado‑Membro. Em especial, resulta do artigo 11.o, alínea a), do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades que os funcionários e outros agentes da União só gozam de imunidade de jurisdição no território dos Estados‑Membros no que diz respeito aos atos por eles praticados «na sua qualidade oficial», isto é, no âmbito da missão confiada à União (Acórdão de 30 de novembro de 2021, LR Ģenerālprokuratūra, C‑3/20, EU:C:2021:969, n.o 56 e jurisprudência referida). Daqui resulta, como confirma o artigo 23.o do Estatuto, que tal imunidade de jurisdição não abrange ações judiciais cujo objeto diz respeito a relações de ordem privada, como pedidos entre cônjuges em matéria matrimonial, de responsabilidade parental ou de obrigações alimentares em relação aos seus filhos, que, por natureza, não têm por objeto a participação do beneficiário da imunidade no exercício das funções da instituição da União a que pertence (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 1968, Sayag e Zurich, 5/68, EU:C:1968:42, p. 585).

66

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003 e o artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009 devem ser interpretados no sentido de que, para efeitos da determinação da residência habitual na aceção destas disposições, a qualidade de agentes contratuais da União dos cônjuges em causa, afetos a uma delegação desta junto de um Estado terceiro e relativamente aos quais se alega que gozam do estatuto diplomático nesse Estado, não é suscetível de constituir um elemento determinante.

Quanto à segunda questão

67

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, na hipótese de a determinação da residência habitual dos cônjuges depender da sua qualidade de agentes contratuais da União afetos a uma delegação desta junto de um Estado terceiro, que incidência esta situação poderia ter na determinação da residência habitual dos filhos menores na aceção do artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003.

68

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto à terceira questão

69

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da determinação da residência habitual de uma criança, há que tomar em consideração a conexão constituída pela nacionalidade da mãe e pela residência desta, antes da celebração do casamento, no Estado‑Membro a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado um pedido em matéria de responsabilidade parental, ou ainda a circunstância de os filhos menores terem nascido nesse Estado‑Membro e possuírem a respetiva nacionalidade.

70

Segundo o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

71

A este respeito, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que a residência habitual da criança é um conceito autónomo de direito da União, que deve ser interpretado à luz do contexto das disposições que a mencionam e dos objetivos do Regulamento n.o 2201/2003, designadamente do que resulta do seu considerando 12, segundo o qual as regras de competência que este regulamento estabelece são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade (Acórdão de 28 de junho de 2018, HR, C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 40 e jurisprudência referida).

72

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a residência habitual da criança deve ser estabelecida com base num conjunto de circunstâncias de facto específicas de cada caso concreto. Além da presença física da criança no território de um Estado‑Membro, devem ser tidos em consideração outros fatores suscetíveis de indicar que essa presença não tem de modo nenhum caráter temporário ou ocasional e traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar (Acórdão de 28 de junho de 2018, HR, C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 41 e jurisprudência referida), o que corresponde ao lugar onde, na prática, se situa o centro da sua vida (Acórdão de 28 de junho de 2018, HR, C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 42).

73

Entre esses fatores figuram a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência da criança no território do Estado‑Membro em questão, bem como a sua nacionalidade, variando os fatores pertinentes em função da idade da criança em causa (Acórdão de 8 de junho de 2017, OL, C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 44 e jurisprudência referida). Contam igualmente o lugar e as condições de escolarização da criança, bem como as relações familiares e sociais que esta mantém no Estado‑Membro em questão (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, HR, C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 43).

74

Quanto à intenção dos progenitores de se estabelecerem com a criança num determinado local, o Tribunal de Justiça reconheceu que também pode ser tomada em consideração, quando é expressa através de certas medidas tangíveis, como a aquisição ou o arrendamento de uma habitação no Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, HR, C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 46 e jurisprudência referida).

75

Daqui resulta que, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 72 das suas conclusões, a determinação da residência habitual de uma criança num dado Estado‑Membro, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, exige, pelo menos, que a criança em causa tenha estado presente fisicamente nesse Estado‑Membro e que os fatores adicionais que podem ser tidos em conta indiquem que essa presença não tem de modo nenhum caráter temporário ou ocasional e traduz uma certa integração dessa criança num ambiente social e familiar.

76

Consequentemente, no processo principal, para efeitos da determinação da residência habitual dos filhos menores na aceção do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, não podem ser tomadas em consideração a conexão constituída pela nacionalidade da sua mãe nem a residência desta em Espanha antes da celebração do casamento e do nascimento dos filhos, que não são pertinentes para esses efeitos.

77

Em contrapartida, a nacionalidade espanhola dos filhos menores em causa no processo principal e o facto de estes terem nascido em Espanha são suscetíveis de constituir fatores pertinentes, sem no entanto serem determinantes. Com efeito, o facto de uma criança ser originária de um Estado‑Membro e de partilhar a cultura desse Estado com um dos seus progenitores não é determinante para identificar o lugar da residência habitual dessa criança (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, HR, C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 52). Esta constatação impõe‑se por maioria de razão quando, como no processo principal, nenhum elemento evidencia que as crianças em causa tenham estado fisicamente presentes, de maneira não ocasional, no território do Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, e aí beneficiem, tendo em conta a sua idade, de uma certa integração, nomeadamente, num ambiente escolar, social e familiar.

78

Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da determinação da residência habitual de uma criança, a conexão constituída pela nacionalidade da mãe e pela residência desta, antes da celebração do casamento, no Estado‑Membro a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado um pedido em matéria de responsabilidade parental não é pertinente, e a circunstância de os filhos menores terem nascido nesse Estado‑Membro e possuírem a respetiva nacionalidade é insuficiente.

Quanto à quarta questão

79

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se, no caso de nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ser competente para decidir, respetivamente, sobre um pedido de dissolução do vínculo matrimonial nos termos dos artigos 3.o a 5.o do Regulamento n.o 2201/2003 nem sobre o pedido em matéria de responsabilidade parental nos termos dos artigos 8.o a 13.o deste regulamento, os artigos 7.o e 14.o do referido regulamento devem ser interpretados no sentido de que o facto de o requerido no processo principal ser nacional de um Estado‑Membro diferente daquele a que pertence o órgão jurisdicional no qual foram apresentados os pedidos obsta à aplicação das cláusulas relativas à competência residual previstas nestes artigos 7.o e 14.o para fundamentar a competência desse órgão jurisdicional.

80

Antes de mais, importa observar que, enquanto o artigo 7.o do Regulamento n.o 2201/2003, com a epígrafe «Competências residuais», faz parte da secção 1 do capítulo II deste regulamento, intitulada «Divórcio, separação anulação do casamento», o artigo 14.o do referido regulamento, igualmente com a epígrafe «Competências residuais», figura entre as disposições da secção 2 do mesmo capítulo, que são relativas à «Responsabilidade parental». Daqui resulta que, na medida em que os artigos 7.o e 14.o do Regulamento n.o 2201/2003 dizem respeito, respetivamente, à competência residual relativa à dissolução do vínculo matrimonial e à competência residual em matéria de responsabilidade parental das crianças, importa examinar sucessivamente estes dois regimes de competência.

81

No que respeita, em primeiro lugar, à competência residual relativa à dissolução do vínculo matrimonial, resulta da redação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 que só quando nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente nos termos dos artigos 3.o a 5.o deste regulamento é que a competência, em cada Estado‑Membro, é regulada pelo direito nacional.

82

Embora, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 81 das suas conclusões, esta disposição, considerada isoladamente, pareça permitir aos cônjuges que não tenham a sua residência habitual num Estado‑Membro e que tenham nacionalidades diferentes dispor de um foro subsidiário com base nas regras nacionais de competência, o âmbito de aplicação desta disposição deve, todavia, ser interpretado tendo em conta o artigo 6.o do Regulamento n.o 2201/2003.

83

Ora, o artigo 6.o deste regulamento, com a epígrafe «Caráter exclusivo das competências definidas nos artigos 3.o, 4.o e 5.o», dispõe que «[q]ualquer dos cônjuges que [t]enha a sua residência habitual no território de um Estado‑Membro ou [s]eja nacional de um Estado‑Membro […] só por força dos artigos 3.o, 4.o e 5.o pode ser demandado nos tribunais de outro Estado‑Membro».

84

Assim, segundo este artigo 6.o, um requerido que tenha a sua residência habitual num Estado‑Membro ou seja nacional de um Estado‑Membro só pode ser demandado, tendo em conta o caráter exclusivo das competências definidas nos artigos 3.o a 5.o do Regulamento n.o 2201/2003, nos órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro por força destas disposições e, portanto, com exclusão das regras de competência fixadas pelo direito nacional (Acórdão de 29 de novembro de 2007, Sundelind Lopez, C‑68/07, EU:C:2007:740, n.o 22).

85

Daqui resulta que, quando um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro não é competente para se pronunciar sobre um pedido de dissolução do vínculo matrimonial com fundamento nos artigos 3.o a 5.o do Regulamento n.o 2201/2003, o artigo 6.o deste regulamento impede esse órgão jurisdicional de declarar a sua competência ao abrigo das regras de competência residual previstas pelo direito nacional, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento, quando o requerido é nacional de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do referido órgão jurisdicional.

86

No caso em apreço, o cônjuge, que é demandado na ação de dissolução do vínculo matrimonial nos órgãos jurisdicionais espanhóis, é de nacionalidade portuguesa, de modo que, tendo em conta as informações comunicadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e sob reserva de verificações mais amplas por este último, os cônjuges em causa no processo principal não residem habitualmente no território de um Estado‑Membro, nomeadamente do Estado‑Membro a que pertence esse órgão jurisdicional. Consequentemente, embora o órgão jurisdicional de reenvio não possa declarar a sua competência para decidir sobre essa ação nos termos dos artigos 3.o a 5.o do Regulamento n.o 2201/2003, o artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento não o autoriza a fundamentar a sua competência ao abrigo das regras de competência residual previstas pelo direito nacional, na medida em que o artigo 6.o, alínea b), do referido regulamento impede que o demandado no processo principal, que é nacional de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do órgão jurisdicional de reenvio, seja demandado neste último.

87

Importa acrescentar que, como a Comissão indicou nas suas observações escritas, esta interpretação não significa que o cônjuge, que requer a dissolução do vínculo matrimonial, seja privado da possibilidade de apresentar o seu pedido nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de que o requerido é nacional, se os artigos 3.o a 5.o do Regulamento n.o 2201/2003 não designarem outro foro. Com efeito, nesse caso, o artigo 6.o, alínea b), deste regulamento não obsta a que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de que o requerido é nacional sejam competentes para conhecer do pedido de dissolução do vínculo matrimonial, em aplicação das regras nacionais de competência desse Estado‑Membro.

88

Em segundo lugar, quanto à competência residual em matéria de responsabilidade parental, há que recordar que, nos termos do artigo 14.o do Regulamento n.o 2201/2003, se nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente, por força dos artigos 8.o a 13.o deste regulamento, a competência é, em cada Estado‑Membro, regulada pela lei desse Estado.

89

A este respeito, importa salientar que o facto de um litígio submetido a um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro não ser suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 na falta de residência habitual da criança no referido Estado‑Membro não obsta necessariamente a que esse órgão jurisdicional seja competente para conhecer desse litígio a outro título.

90

No processo em apreço, mesmo no caso de a interpretação exposta nos n.os 70 à 78 do presente acórdão, segundo a qual, em substância, a presença física da criança num Estado‑Membro é uma condição prévia para demonstrar a sua residência habitual nesse Estado, ter como consequência que não seria possível designar como competente um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro por força das disposições do Regulamento n.o 2201/2003 relativas à responsabilidade parental, não é menos verdade que cada Estado‑Membro continua a poder, em conformidade com o artigo 14.o deste regulamento, basear a competência dos seus próprios órgãos jurisdicionais em regras de direito interno, afastando‑se do critério da proximidade no qual assentam as disposições do referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 17 de outubro de 2018, UD, C‑393/18 PPU, EU:C:2018:835, n.o 57).

91

Consequentemente, o artigo 14.o do Regulamento n.o 2201/2003 não obsta a que, para estabelecer a sua própria competência, o órgão jurisdicional chamado a decidir aplique as regras de direito interno, incluindo, se for caso disso, a baseada na nacionalidade do menor em causa, ainda que o pai deste, requerido, seja nacional de um Estado‑Membro diferente daquele a que pertence esse órgão jurisdicional.

92

Tendo em conta estas considerações, numa situação como a que está em causa no processo principal, não está excluído, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 95 das suas conclusões, que a competência internacional em matéria de dissolução do vínculo matrimonial, por um lado, e em matéria de responsabilidade parental, por outro, pertençam a órgãos jurisdicionais de Estados‑Membros diferentes. Esta conclusão poderia levar a perguntar se o superior interesse da criança, cujo respeito deve, em conformidade com os considerandos 12 e 33 do Regulamento n.o 2201/2003, ser particularmente assegurado pelas regras de competência em matéria de responsabilidade parental, não poderia ser comprometido por essa fragmentação.

93

A este propósito, importa recordar que, como indica o considerando 5 do Regulamento n.o 2201/2003, a fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, este regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de proteção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial.

94

Ora, apesar de, como salientou igualmente o advogado‑geral no n.o 96 das suas conclusões, o Regulamento n.o 2201/2003 permitir, nomeadamente no seu artigo 12.o, n.o 3, aos cônjuges evitar uma fragmentação dos foros como a referida no n.o 92 do presente acórdão, ao aceitar a competência, para efeitos de um pedido em matéria de responsabilidade parental, do órgão jurisdicional competente em matéria de divórcio, quando essa competência seja exercida no superior interesse da criança, não é menos verdade que tal fragmentação, cuja eventual ocorrência é inerente ao sistema deste regulamento, não é necessariamente incompatível com o referido regulamento. Com efeito, o progenitor em causa pode, no superior interesse da criança, pretender apresentar esse pedido noutros órgãos jurisdicionais, entre os quais os do Estado‑Membro de que é nacional, podendo esta última escolha ser motivada, em particular, pela facilidade de se exprimir na sua língua materna e pelos custos eventualmente menores do processo [v., por analogia, Acórdão de 5 de setembro de 2019, R (Competência responsabilidade parental e obrigação de alimentos), C‑468/18, EU:C:2019:666, n.os 50 e 51].

95

Importa acrescentar que, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2201/2003, se a criança tiver a sua residência habitual no território de um Estado terceiro que não seja parte contratante na Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de proteção das crianças, celebrada em Haia, em 19 de outubro de 1996, presume‑se que a competência baseada, em especial, no n.o 3 deste artigo, é do interesse da criança, nomeadamente quando for impossível instaurar um processo no Estado terceiro em questão.

96

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quarta questão que:

no caso de nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ser competente para decidir sobre um pedido de dissolução do vínculo matrimonial nos termos dos artigos 3.o a 5.o do Regulamento n.o 2201/2003, o artigo 7.o deste regulamento, lido em conjugação com o artigo 6.o do mesmo regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o facto de o requerido no processo principal ser nacional de um Estado‑Membro diferente daquele a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado o pedido impede a aplicação da cláusula relativa à competência residual prevista neste artigo 7.o para fundamentar a competência desse órgão jurisdicional, sem, todavia, obstar a que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de que é nacional sejam competentes para conhecer desse pedido em aplicação das regras nacionais de competência deste último Estado‑Membro.

no caso de nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ser competente para decidir de um pedido em matéria de responsabilidade parental nos termos dos artigos 8.o a 13.o do Regulamento n.o 2201/2003, o artigo 14.o deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que o facto de o requerido no processo principal ser nacional de um Estado‑Membro diferente daquele a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado o pedido não obsta à aplicação da cláusula relativa à competência residual prevista neste artigo 14.o

Quanto à quinta questão

97

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, no caso de a residência habitual de todas as partes no litígio em matéria de obrigações alimentares não se situar num Estado‑Membro, em que condições poderia ser declarada a competência baseada, em casos excecionais, no forum necessitatis previsto no artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, por um lado, quais são os pressupostos necessários para considerar que um processo não pode razoavelmente ser instaurado ou conduzido, ou se revela impossível num Estado terceiro com o qual o litígio esteja estreitamente relacionado e se é necessário que a parte que invoca esse artigo 7.o demonstre que instaurou ou tentou instaurar sem sucesso esse processo nos órgãos jurisdicionais desse Estado terceiro e, por outro, se, para considerar que um litígio apresenta uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do órgão jurisdicional no qual foi instaurado o processo, é possível basear‑se na nacionalidade de uma das partes.

98

Segundo o artigo 7.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 4/2009, quando nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente por força dos artigos 3.o a 6.o deste regulamento, os tribunais de um Estado‑Membro podem, em casos excecionais, conhecer do litígio se não puder ser razoavelmente instaurado ou conduzido, ou se revelar impossível conduzir um processo num Estado terceiro com o qual o litígio esteja estreitamente relacionado. Por força do segundo parágrafo deste artigo, o litígio deve apresentar uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do tribunal demandado.

99

O artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009 estabelece assim quatro requisitos cumulativos para que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, no qual foi apresentado de um pedido em matéria de obrigações alimentares, possa excecionalmente declarar a sua competência por força do estado de necessidade (forum necessitatis). Primeiro, esse órgão jurisdicional deve constatar que nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro é competente por força dos artigos 3.o a 6.o do Regulamento n.o 4/2009. Segundo, o litígio que lhe foi submetido deve estar estreitamente relacionado com um Estado terceiro. Terceiro, o processo em causa não pode ser razoavelmente instaurado ou conduzido nesse Estado terceiro ou revela‑se impossível nesse Estado. Quarto e último, o litígio deve apresentar uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do órgão jurisdicional demandado.

100

Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se todos estes requisitos estão preenchidos para, sendo caso disso, poder invocar a competência conferida pelas disposições do artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009, importa, em relação a cada um destes requisitos e tendo em conta os elementos fornecidos por esse órgão jurisdicional, fornecer as seguintes precisões.

101

Em primeiro lugar, quanto ao cumprimento do primeiro requisito mencionado no n.o 99 do presente acórdão, importa observar que não basta que o órgão jurisdicional no qual o processo foi instaurado declare a sua própria falta de competência, por força dos artigos 3.o a 6.o do Regulamento n.o 4/2009, mas deve igualmente assegurar‑se, quando, nomeadamente, são instaurados processos em vários órgãos jurisdicionais, que nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro é competente por força destes artigos. A circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio como premissa da quinta questão, de o requerido ou o ou os credores residirem habitualmente num Estado terceiro, isto é, não preencherem os critérios enunciados no artigo 3.o, alíneas a) e b), respetivamente, do Regulamento n.o 4/2009, não é, portanto, suficiente para constatar que nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro é competente por força dos artigos 3.o a 6.o deste regulamento na aceção do artigo 7.o do mesmo. Por conseguinte, incumbe ainda ao órgão jurisdicional de reenvio verificar que ele e os órgãos jurisdicionais dos outros Estados‑Membros são incompetentes para se pronunciarem sobre esse processo ao abrigo dos critérios de competência enumerados no artigo 3.o, alíneas c) ou d), ou nos artigos 4.o a 6.o do referido regulamento.

102

Primeiro, no que respeita ao artigo 3.o, alíneas c) e d), do Regulamento n.o 4/2009, esta disposição atribui a competência quer ao tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa ao estado das pessoas, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, quer ao tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se estas competências se basearem unicamente na nacionalidade de uma das partes.

103

No caso em apreço, se, como resulta dos n.os 86 a 92 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio não fosse competente para decidir sobre o pedido de dissolução do vínculo matrimonial, mas pudesse sê‑lo, por força da cláusula de competência residual prevista no artigo 14.o do Regulamento n.o 2201/2003, para decidir sobre o pedido relativo à responsabilidade parental com base em disposições de direito nacional fundadas na nacionalidade da requerente no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio deveria determinar se, devido a essa circunstância e tendo em conta o artigo 3.o, alínea d), do Regulamento n.o 4/2009, seria incompetente para decidir sobre o pedido relativo ao crédito de alimentos a favor dos filhos.

104

Segundo, quanto aos critérios de competência enunciados nos artigos 4.o e 5.o do Regulamento n.o 4/2009, embora nenhum elemento dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe indicie que sejam aplicáveis no processo principal, importa nomeadamente precisar que, por um lado, a eleição de foro prevista no artigo 4.o deste regulamento está, por força do n.o 3 deste artigo, em todo o caso excluída para os litígios relativos a uma obrigação alimentar respeitante a menores de dezoito anos e, por outro, quanto à competência baseada no artigo 5.o do referido regulamento, não decorre dos autos que o requerido no processo principal tenha comparecido voluntariamente por outra razão que não a de contestar a competência do órgão jurisdicional de um Estado‑Membro no qual foi apresentado o pedido. Em contrapartida, não se afigura excluído que os órgãos jurisdicionais da República Portuguesa possam, se for caso disso, basear a sua competência no artigo 6.o do mesmo regulamento, tendo em conta a nacionalidade portuguesa comum do pai e dos seus filhos, se estes forem partes no processo relativo ao pedido de alimentos enquanto credores desses alimentos, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

105

Em segundo lugar, quanto ao requisito estabelecido no artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009, segundo o qual o litígio submetido ao órgão jurisdicional deve estar estreitamente relacionado com um Estado terceiro, importa salientar que este regulamento não fornece nenhuma indicação quanto às circunstâncias que permitem verificar a existência de tal relação estreita. Todavia, tendo em conta os critérios de competência em que o referido regulamento se baseia, especialmente o da residência habitual, o órgão jurisdicional no qual foi apresentado o pedido deve poder verificar a existência dessa relação estreita quando resulte das circunstâncias do caso concreto que todas as partes no litígio residem habitualmente no território do Estado terceiro em causa, o que cabe a esse órgão jurisdicional verificar. Com efeito, independentemente dos critérios em que se baseia a competência em matéria de obrigações alimentares nesse Estado terceiro, em particular, quando se trata de um Estado que não é parte contratante na Convenção de Haia, de 23 de novembro de 2007, sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de Outros Membros da Família, é, em princípio, razoável considerar, tendo em conta o critério de proximidade, que os órgãos jurisdicionais do Estado em cujo território o menor, credor de alimentos, e o devedor de alimentos têm a sua residência habitual, seriam os mais adequados para apreciar as necessidades dessa criança, tendo em conta o ambiente, nomeadamente o ambiente social e familiar, em que vive e tem de viver.

106

Em terceiro lugar, para que o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro no qual foi apresentado o pedido possa, a título excecional, exercer a competência que resulta do artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009, importa também que o processo em causa não possa razoavelmente ser instaurado ou conduzido ou se revele impossível nos órgãos jurisdicionais do Estado terceiro em questão.

107

A este respeito, embora o considerando 16 deste regulamento mencione a guerra civil como um exemplo em que o processo no Estado terceiro em causa é impossível, ilustrando assim o caráter excecional dos casos em que a competência baseada no forum necessitatis pode ser exercida, há que salientar que o referido regulamento não fornece indicações sobre as circunstâncias em que o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro no qual foi apresentado o pedido poderia concluir que o processo em matéria de obrigações alimentares não pode razoavelmente ser instaurado ou conduzido nos órgãos jurisdicionais do Estado terceiro em questão. No entanto, decorre deste mesmo considerando 16 que foi «[a] fim de corrigir, em particular, situações de denegação de justiça» que foi instituído o forum necessitatis que permite, em casos excecionais, a qualquer órgão jurisdicional de um Estado‑Membro conhecer de um litígio que esteja estreitamente relacionado com o Estado terceiro «quando não se puder razoavelmente esperar que o requerente instaure ou conduza um processo» nesse Estado terceiro.

108

Assim, resulta destas precisões, por um lado, que, para, sendo caso disso, estabelecer a sua competência ao abrigo do artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009, o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro no qual foi apresentado o pedido não pode exigir ao requerente de alimentos que demonstre que instaurou ou tentou instaurar sem sucesso esse processo nos órgãos jurisdicionais do Estado terceiro em questão. Portanto, basta que o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro no qual foi apresentado o pedido, tendo em conta todos os elementos de facto e de direito do caso em apreço, esteja em condições de assegurar que os obstáculos no Estado terceiro em questão são tais que não seria razoável impor ao requerente que solicite o crédito de alimentos nos órgãos jurisdicionais desse Estado terceiro.

109

Com efeito, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 126 das suas conclusões, exigir que esse requerente tente instaurar um processo nos órgãos jurisdicionais do Estado terceiro em questão apenas para provar o estado de necessidade para aplicar o forum necessitatis seria contrário ao objetivo do Regulamento n.o 4/2009, que visa, em especial, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 48 do presente acórdão, proteger o credor de alimentos e promover a boa administração da justiça. Esta conclusão impõe‑se por maioria de razão quando o credor de alimentos é uma criança, cujo interesse superior deve orientar a interpretação e a aplicação do Regulamento n.o 4/2009 e constitui, como afirma o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, uma consideração primordial em todos os atos relativos às crianças, quer praticados por autoridades públicas quer por instituições privadas (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2015, A, C‑184/14, EU:C:2015:479, n.o 46).

110

Por outro lado, na medida em que, como indica o considerando 16 do Regulamento n.o 4/2009, o objetivo da competência baseada no forum necessitatis é corrigir, «em particular», situações de denegação de justiça, é, em princípio, justificado que o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro no qual foi apresentado o pedido possa invocá‑lo, em casos excecionais e sem prejuízo de uma análise circunstanciada das condições processuais do Estado terceiro em questão, quando o acesso à justiça nesse Estado terceiro seja, de direito ou de facto, entravado, nomeadamente pela aplicação de condições processuais discriminatórias ou contrárias às garantias fundamentais de um processo equitativo.

111

Em quarto lugar, importa que o litígio em causa apresente uma «conexão suficiente» com o Estado‑Membro do órgão jurisdicional no qual foi apresentado o pedido. A este respeito, para responder às dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, basta salientar que o considerando 16 do Regulamento n.o 4/2009 precisa que essa conexão pode ser constituída, nomeadamente, pela nacionalidade de uma das partes.

112

Tendo em conta estas precisões, bem como os elementos apresentados pela mãe dos filhos menores em causa no processo principal, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se esse órgão jurisdicional se pode basear nas disposições do artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009 para conhecer do pedido de alimentos apresentado por MPA a favor dos seus filhos. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pode declarar‑se competente para atenuar um risco de denegação de justiça, mas não se pode basear unicamente em circunstâncias gerais relativas às deficiências do sistema judiciário do Estado terceiro, sem analisar as consequências que as referidas circunstâncias poderiam ter no caso em apreço.

113

Face às considerações precedentes, há que responder à quinta questão que o artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009 deve ser interpretado no sentido de que:

no caso de a residência habitual de todas as partes no litígio em matéria de obrigações alimentares não se situar num Estado‑Membro, a competência baseada, em casos excecionais, no forum necessitatis previsto no artigo 7.o pode ser declarada se nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro for competente por força dos artigos 3.o a 6.o deste regulamento, se o processo não puder razoavelmente ser instaurado ou conduzido no Estado terceiro com o qual o litígio esteja estreitamente relacionado ou se revelar impossível nesse Estado e se esse litígio apresentar uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do órgão jurisdicional no qual o pedido foi apresentado;

para considerar, em casos excecionais, que um processo não pode razoavelmente ser instaurado ou conduzido num Estado terceiro, importa que, no termo de uma análise circunstanciada dos elementos apresentados em cada caso concreto, o acesso à justiça nesse Estado terceiro seja, de direito ou de facto, entravado, nomeadamente pela aplicação de condições processuais discriminatórias ou contrárias às garantias fundamentais do processo equitativo, sem que seja necessário que a parte que invoca o referido artigo 7.o demonstre que instaurou ou tentou instaurar sem sucesso esse processo nos órgãos jurisdicionais do mesmo Estado terceiro; e

para considerar que um litígio apresenta uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do órgão jurisdicional no qual foi instaurado o processo, é possível basear‑se na nacionalidade de uma das partes.

Quanto à sexta questão

114

Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se há que interpretar o artigo 47.o da Carta no sentido de que se opõe a que, mesmo num caso em que os cônjuges em causa têm relações estreitas com Estados‑Membros, em razão das suas nacionalidades e da sua residência anterior, a aplicação das disposições dos Regulamentos n.os 2201/2003 e 4/2009 não designe nenhum Estado‑Membro competente.

115

Como resulta nomeadamente dos n.os 87 a 92 e 98 a 113 do presente acórdão e como a Comissão salientou, em substância, nas suas observações escritas, afigura‑se que, em aplicação das disposições do Regulamento n.o 2201/2003 e do Regulamento n.o 4/2009, nomeadamente dos artigos 7.o e 14.o do Regulamento n.o 2201/2003 e do artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009, que instituem mecanismos que permitem designar um órgão jurisdicional competente quando nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro é competente por força das outras disposições desses regulamentos, os órgãos jurisdicionais de pelo menos um Estado‑Membro deveriam ser competentes para conhecer, respetivamente, das ações em matéria de dissolução do vínculo matrimonial, de responsabilidade parental e de obrigações alimentares.

116

Consequentemente, como a Comissão observou, uma vez que a sexta questão é hipotética, não há que lhe responder.

Quanto às despesas

117

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, e o artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, devem ser interpretados no sentido de que, para efeitos da determinação da residência habitual na aceção destas disposições, a qualidade de agentes contratuais da União Europeia dos cônjuges em causa, afetos a uma delegação desta junto de um Estado terceiro e relativamente aos quais se alega que gozam do estatuto diplomático nesse Estado, não é suscetível de constituir um elemento determinante.

 

2)

O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da determinação da residência habitual de uma criança, a conexão constituída pela nacionalidade da mãe e pela residência desta, antes da celebração do casamento, no Estado‑Membro a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado um pedido em matéria de responsabilidade parental não é pertinente, e a circunstância de os filhos menores terem nascido nesse Estado‑Membro e possuírem a respetiva nacionalidade é insuficiente.

 

3)

No caso de nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ser competente para decidir sobre um pedido de dissolução do vínculo matrimonial nos termos dos artigos 3.o a 5.o do Regulamento n.o 2201/2003, o artigo 7.o deste regulamento, lido em conjugação com o artigo 6.o do mesmo regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o facto de o requerido no processo principal ser nacional de um Estado‑Membro diferente daquele a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado o pedido impede a aplicação da cláusula relativa à competência residual prevista neste artigo 7.o para fundamentar a competência desse órgão jurisdicional, sem, todavia, obstar a que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de que é nacional sejam competentes para conhecer desse pedido em aplicação das regras nacionais de competência deste último Estado‑Membro.

No caso de nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ser competente para decidir de um pedido em matéria de responsabilidade parental nos termos dos artigos 8.o a 13.o do Regulamento n.o 2201/2003, o artigo 14.o deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que o facto de o requerido no processo principal ser nacional de um Estado‑Membro diferente daquele a que pertence o órgão jurisdicional no qual foi apresentado o pedido não obsta à aplicação da cláusula relativa à competência residual prevista neste artigo 14.o

 

4)

O artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009 deve ser interpretado no sentido de que:

no caso de a residência habitual de todas as partes no litígio em matéria de obrigações alimentares não se situar num Estado‑Membro, a competência baseada, em casos excecionais, no forum necessitatis previsto no artigo 7.o pode ser declarada se nenhum órgão jurisdicional de um Estado‑Membro for competente por força dos artigos 3.o a 6.o deste regulamento, se o processo não puder razoavelmente ser instaurado ou conduzido no Estado terceiro com o qual o litígio esteja estreitamente relacionado ou se revelar impossível nesse Estado e se esse litígio apresentar uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do órgão jurisdicional no qual o pedido foi apresentado;

para considerar, em casos excecionais, que um processo não pode razoavelmente ser instaurado ou conduzido num Estado terceiro, importa que, no termo de uma análise circunstanciada dos elementos apresentados em cada caso concreto, o acesso à justiça nesse Estado terceiro seja, de direito ou de facto, entravado, nomeadamente pela aplicação de condições processuais discriminatórias ou contrárias às garantias fundamentais do processo equitativo, sem que seja necessário que a parte que invoca o referido artigo 7.o demonstre que instaurou ou tentou instaurar sem sucesso esse processo nos órgãos jurisdicionais do mesmo Estado terceiro; e

para considerar que um litígio apresenta uma conexão suficiente com o Estado‑Membro do órgão jurisdicional no qual foi instaurado o processo, é possível basear‑se na nacionalidade de uma das partes.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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