EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 52004AE1440

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde sobre as parcerias público-privadas e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões»[COM(2004) 327 final]

JO C 120 de 20.5.2005, p. 103–110 (ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, NL, PL, PT, SK, SL, FI, SV)

20.5.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 120/103


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde sobre as parcerias público-privadas e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões»

[COM(2004) 327 final]

(2005/C 120/18)

Em 30 de Abril de 2004, a Comissão decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde sobre as parcerias público-privadas e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões».

A Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 8 de Setembro de 2004 (P. LEVAUX, relator).

Na 412.a reunião plenária, realizada em 27 e 28 de Outubro de 2004 (sessão de 27 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 96 votos a favor, 2 votos contra e 2 abstenções o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

A Comissão publicou um Livro Verde sobre as parcerias público-privadas (PPP) em 30 de Abril de 2004. O objectivo é lançar o debate sobre a aplicação do direito comunitário relativo a concessões/PPP.

1.2

No seu parecer de iniciativa de Outubro de 2000 (1), o CESE fez recomendações que permanecem actuais. O fenómeno das PPP expandiu-se e continua a ser uma questão estratégica para a Europa alargada, após a adopção das novas directivas do passado 30 de Abril (2).

1.3

Entretanto já há em vários países algumas experiências com projectos PPP, sendo os resultados variáveis. Seria, pois, aconselhável proceder a uma avaliação sistemática destas experiências tendo em conta determinados critérios, por exemplo, custos, acesso à prestação de serviços, qualidade dos serviços, consequências para o mercado de emprego, etc. Seria, sobretudo, de examinar em que medida as PPP poderão contribuir para manter a competitividade da Europa em relação ao resto do mundo e que vantagens e inconvenientes estas apresentam quando comparadas com formas tradicionais de prestação do mesmo tipo de serviços.

2.   Os direitos nacionais e as realizações em PPP desenvolveram-se fortemente na Europa

2.1

Todos os países europeus já recorreram, ou ainda recorrem, ao sistema de PPP e concessões. Contudo, até à data, a Comissão não pôde fazer um inventário. O BEI possui estatísticas parciais relativas a uma centena de projectos. Não devemos esquecer que a «primeira Europa», a de Roma, utilizava o mesmo sistema já há dois mil anos. Ao longo do século XIX, a rede europeia de caminhos-de-ferro foi construída com base em contratos de concessão. Estes eram consideravelmente desenvolvidos não só nas vias férreas, como também nos serviços públicos municipais: água, gás, electricidade, tratamento de lixos domésticos, telefones, etc.

2.2

Já há muito tempo que, a nível mundial, contratos globais permitem financiar, conceber, executar e gerir ao longo do tempo não só auto-estradas e parques de estacionamento, mas também redes de abastecimento de água, museus, aeroportos, eléctricos ou metropolitano, ordenamentos urbanos, renovações integrais de escolas e hospitais, etc.

2.3   Países com novas legislações relativas a PPP: As descrições que seguem limitam-se a factos constatados num número limitado de países: Itália, Espanha, Reino Unido e França.

2.3.1   Itália

2.3.1.1

A lei-quadro de 1994 (lei Merloni) define a concessão de construção e gestão. Esta forma de concessão caracteriza-se pelo facto de o concessionário realizar a obra com os seus próprios meios, recuperando o capital que avançou por meio da exploração económica da obra realizada (n 2 do artigo 19 da lei 109/94) (3).

O programa de recuperação das infra-estruturas tem como objectivo 220 realizações consideradas estratégicas:

de 2002 a 2011, o investimento é estimado em 125 mil milhões de euros;

metade desta verba provém do Estado e a outra metade de financiamento privado.

A lei criou quadros jurídicos adaptados: o contratante geral, o concessionário, o arrendamento e o promotor.

Para pôr fim aos atrasos de entrega e aumentar a eficácia da construção, a lei de 2001 criou o «contratante geral». Este entrega a obra «chave na mão» e encarrega-se da manutenção. Deverá igualmente assumir o pré-financiamento da obra.

2.3.1.2   O concessionário

A concessão da construção e da gestão constitui a alternativa ao contratante geral: a escassez de recursos financeiros leva, geralmente, a que se recorra a este sistema baseado no pagamento total ou parcial pelo utilizador, uma vez que no regime de «contratante geral» a administração tem de pagar de forma escalonada.

2.3.1.3   O arrendamento ou a gestão

As concessões são utilizadas também para a gestão das obras existentes: hospitais, escolas, estabelecimentos prisionais. Uma recomendação do Tesouro permitirá o recentramento da administração nas suas tarefas essenciais e beneficiar, desta forma, das inovações do sector privado.

2.3.1.4   O contrato de promotor

Consiste na possibilidade de apresentar uma oferta de quem quer que seja para a realização de uma obra, no âmbito da programação trienal dos investimentos da colectividade pública em questão. A administração pode seguir ou não a ideia proposta e, se for o caso, é aberto concurso. O promotor dispõe de um direito de preferência e redige o contrato.

No país em questão constata-se um grande desenvolvimento do sistema de promotor, em:

1163 iniciativas apresentadas em três anos e meio (Janeiro de 2000 a Junho de 2003);

660 são de promotores (concessões de iniciativa privada, das quais 302 em 2003!);

503 de concessões de iniciativa pública.

2.3.2   Espanha

2.3.2.1

Em Espanha, a Lei 13/2003, de 23 de Maio, regula o contrato de concessão de obras públicas. Esta lei veio alterar a Lei de Contratos das Administrações Públicas, texto reformulado aprovado pelo Decreto Legislativo Real 2/2000, de 16 de Junho, por força do qual é introduzido na regulação dos distintos tipos de contratos administrativos um novo título, «Do contrato de concessão de obras públicas», que consagra o regime jurídico deste contrato, entretanto já típico devido às singularidades que apresenta e na linha da tradição do direito espanhol.

2.3.2.2

A nova definição do contrato de concessão articula-se em torno de quatro características: «obras públicas», «riscos ligados ao concessionário», «equilíbrio económico de concessão» e «diversificação do financiamento».

2.3.3   Reino Unido

2.3.3.1

Nos anos de 1993-1994, o governo lançou uma vasta política de delegação de serviços e obras públicas intitulada «Private Finance Initiative». O mecanismo em questão confia a uma empresa privada, para um determinado equipamento público, uma missão global que inclui «Concepção-Financiamento-Construção-Gestão-Manutenção». Na sua aplicação, a PFI traduziu-se em:

mais de 650 projectos lançados em PPP, dos quais 45 hospitais e mais de 200 escolas;

400 projectos em execução;

48 mil milhões de libras investidas (60 mil milhões de euros);

um programa em preparação;

aproximadamente 12 % do orçamento de investimento nacional em capital anual.

2.3.3.2

O Tesouro britânico baseou-se em dois elementos determinantes que justificam o interesse da PFI: «o sector privado deve assumir verdadeiramente o risco», e «o sector público deve obter serviços ao melhor preço através da aplicação do princípio de “Best Value for Money”» (valor condizente com o dinheiro gasto) que pretende optimizar os custos de utilização dos equipamentos construídos, uma vez que estando o próprio construtor encarregado da exploração do equipamento, o mesmo terá todo o interesse em conceber e construir uma obra de qualidade, menos dispendiosa em termos de exploração e cuja durabilidade será maior.

2.3.3.3

Os contratos em curso abrangem todos os domínios: água, saneamento, transportes públicos, exército, hospitais, escolas, edifícios públicos, estradas e auto-estradas, etc.

2.3.3.4

O Reino Unido conta com um grande número de projectos de PPP, o que explica que este país tenha uma vasta experiência neste domínio, com os mais diversos resultados. Seria oportuno proceder a uma análise e avaliação sistemática da experiência britânica, a qual se teria em conta para futuros desenvolvimentos nesta matéria.

2.3.4   França

2.3.4.1

O direito de adjudicação de contratos de concessão pagos pelo utilizador foi regulado pela lei de 29/1/1993, conhecida por lei Sapin, e a prática destes contratos está bastante desenvolvida para:

serviços urbanos de água, limpeza, transportes públicos, etc.,

grandes infra-estruturas: auto-estradas, pontes, grandes estádios, túneis, etc.

2.3.4.2

Os contratos de PPP com financiamento público encontram-se em pleno desenvolvimento em França.

2.3.4.2.1

Desde a lei de 5 de Janeiro de 1988, a França dispõe dos ditos Contratos Enfitêuticos Administrativos de longa duração com financiamento público. Os contratos em questão são utilizados nos edifícios públicos (nomeadamente de ensino) como variante do «leasing» a que o Estado francês também recorre (4). Além disso, o Estado desenvolveu os arrendamentos com opção de compra no domínio dos edifícios e infra-estruturas (leis de 29 de Agosto de 2002 para a «polícia» e início de 2003 para o «exército»).

2.3.4.2.2

Por último, uma lei de 2 de Julho de 2003 previu a aprovação de despachos para os contratos de longa duração, incluindo «a concepção, construção, financiamento e gestão com financiamento público». Um primeiro despacho para o sector hospitalar foi publicado em Setembro de 2003, e um outro foi aprovado pelo Estado francês e colectividades territoriais locais. Trata-se do despacho de 17 de Junho de 2004, sobre os contratos de parceria (5).

2.3.5   Alemanha

2.3.5.1

Na Alemanha, como noutros Estados-Membros, existe um direito detalhado de adjudicação de contratos para os contratos públicos (contratos de construção) que permite às empresas públicas e privadas e às PPP participar nos concursos livres de qualquer discriminação.

2.3.5.2

Essencialmente diferente é o processo de concessão da prestação de serviços básicos. Na Alemanha, os municípios preferem, em muitos casos, parcerias público-privadas (PPP) para prestar tais serviços de interesse económico geral, nomeadamente nos domínios da energia, da água e da recolha de resíduos. Os contratos podem assumir as mais variadas formas. Ao lado de amplas concessões para a prestação de serviços há contratos públicos (como por exemplo, para o fornecimento de electricidade) e PPP institucionalizadas a nível municipal. Estas PPP ajudam a criar postos de trabalho na região e contribuem para a economia regional.

2.3.5.3

Tais PPP são possíveis graças à competência que a Constituição reconhece aos municípios de decidirem livremente do tipo e da organização da prestação de serviços de interesse económico geral na sua circunscrição sob a forma de concessões. Os municípios têm o direito de criar as suas próprias empresas, de constituir PPP com os parceiros que lhes parecerem mais adequados e mesmo de adjudicar a prestação dos serviços de interesse económico geral a privados. Estas PPP não estão sujeitas ao direito de adjudicação de contratos.

2.4   Observações sobre o contrato de promotor

2.4.1

O sistema resulta da tradição de concessões na Europa. Encontra-se em pleno desenvolvimento na Europa e levanta a questão do seu quadro ser harmonizado ou não e da sua ligação ao direito europeu.

2.4.2

França e Espanha adoptam-no após a Itália, onde a legislação neste domínio é bastante minuciosa. Neste país, a colectividade territorial organiza um convite à apresentação de candidaturas fazendo referência ao projecto preliminar do promotor, eventualmente alterado pela colectividade, bem como ao seu plano financeiro (duração proposta, tarifa solicitada …).

2.4.3

A concessão é atribuída, após procedimento negociado, ao promotor ou a uma das duas melhores propostas do concurso. O promotor e os candidatos devem entregar uma garantia no montante de 2,5 % do valor total do investimento.

2.4.4

Se a administração não mantiver o promotor, este recebe o montante da garantia da parte do candidato vencedor como forma de compensação das despesas efectuadas, incluindo a propriedade intelectual. Se o promotor receber o contrato, a sua garantia de 2,5 % é entregue aos dois outros candidatos (60 % ao melhor e 40 % ao segundo).

2.4.5

Da mesma forma que, no artigo 19 da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos procedimentos de adjudicação de contratos de empreitadas, de fornecimentos e serviços, se inclui uma reserva de contratos para as organizações que contratam uma maioria de trabalhadores portadores de deficiência, o CESE considera que certos critérios sociais deveriam favorecer o promotor, ou um dos contratantes, aquando da constituição desta forma de parceria público-privada.

2.5   Países onde as PPP e as concessões se encontram pouco desenvolvidas. As descrições que seguem limitam-se a factos constatados num número limitado de países.

2.5.1   Bélgica

2.5.1.1

A concessão encontra-se definida nos artigos 24.o e 25.o da lei de 24 de Dezembro de 1993 e nos artigos 123.o e seguintes do decreto real de 8 de Janeiro de 1996 (6). Além da execução e concepção eventual dos trabalhos, estes artigos prevêem a exploração da obra pelo concessionário. Contudo, o contrato de promoção não parece muito aprofundado no direito belga.

2.5.1.2

O contrato de promoção (7) caracteriza-se pela associação do financiamento, da realização e, por vezes, da concepção de uma obra, cuja entidade adjudicante será o utente, em troca de uma remuneração em rendas (8).

2.5.2   Portugal

2.5.2.1

Para melhorar a rede viária, este país instituiu o contrato SCUT, um regime de delegação que permite a um construtor privado receber uma taxa pública. O SCUT inspira-se no sistema «shadow toll» ou «portagem virtual» nas estradas britânicas. Os concursos relativos a estes contratos SCUT tiveram lugar em 1997. Parece que presentemente são menos utilizados.

2.5.3   Hungria

2.5.3.1

Não existe uma lei específica que se aplique aos projectos de PPP, contudo, as regras de compromissos financeiros do Estado encontram-se no decreto n.o 2098/2003 (V29).

2.5.3.2

Em 1997, o país tomou a iniciativa de lançar um programa em parceria com o sector privado para o desenvolvimento de parques de actividades industriais, cujo número atingia os 165 no início de 2004.

3.   Como definir a concessão e a PPP?

3.1

O direito europeu não conseguiu dar definições realistas e úteis das PPP e das concessões. As noções de PPP e de concessão de obras públicas e de serviço público na legislação comunitária são inexistentes ou discutíveis. A crítica da noção actual incide sobre:

a ligação estabelecida entre as concessões e a noção de contratos de empreitadas de obras (ponto 3.1.1);

a ausência de dissociação dos contratos de longa e dos de curta duração, que representa a fronteira do financiamento externo à entidade administrativa e, como tal, o suporte da delegação (ponto 3.1.2);

a ausência de tratamento das propostas autónomas de concessões do sector privado (ponto 3.1.3).

3.1.1   A ligação das PPP e concessões aos contratos de empreitadas de obras

3.1.1.1

A questão das concessões, em direito comunitário, tem as suas fontes, por um lado, nos princípios e normas do Tratado e, por outro, nas directivas que aplicam estes princípios.

3.1.1.2

As directivas elaboradas pela União têm como objectivo a garantia da transparência da concorrência nos mercados públicos. O respectivo âmbito é por vezes confuso quando se trata de contratos complexos de concessão ou de parceria público-privada.

3.1.1.3

Apenas a Directiva 93/37 (9), que coordena os processos de adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras públicas, definia o contrato de concessão de obras públicas, no artigo 1.o, alínea d). Porém, fazia-o, infelizmente, através de uma referência apenas aos contratos de empreitadas de obras públicas (10). A Directiva 92/50  (11) sobre os contratos públicos de serviço não definia «concessão». Por último, a Directiva 93/38  (12) não abordava a questão da definição ou da adjudicação de concessões, mas regulamentava a adjudicação de todos os contratos adjudicados pelos concessionários nos sectores ditos especiais, substituindo desta forma as outras directivas. O CESE lamenta esta abordagem lacónica e irrealista, que infelizmente se manteve nas Directivas 2004/17 e 2004/18 (13).

3.1.1.4

Consciente do recurso crescente às PPP, a Comissão publicou uma comunicação interpretativa sobre as concessões de contratos públicos em direito comunitário, em Abril de 2000 (14). Esta comunicação pretendia eliminar a ambiguidade jurídica fundamental relacionada com a ausência de definição correcta de concessões e PPP nas directivas relativas aos contratos públicos. Recorde-se que, presentemente, as legislações nacionais acolhem as concessões e as PPP de forma extremamente variada.

3.1.1.5

O CESE considera que são necessárias definições de concessão e de contratos de PPP ou de delegação que esclareçam o seu conteúdo e extensão. Com efeito, a concessão e, mais amplamente, a delegação não se resumem a um único critério — o risco ou o pagamento — como o considerou a Directiva 93/37 e em seguida a comunicação interpretativa, mas definem-se por todo um conjunto de elementos.

3.1.1.6   Como definir melhor uma concessão ou uma PPP?

3.1.1.6.1

O contrato ou o acto unilateral através do qual uma autoridade pública atribui direitos específicos a uma organização externa para «conceber, construir, financiar, manter e gerir» uma infra-estrutura ou um serviço por um período longo e determinado:

denomina-se concessão quando a empresa é remunerada com um valor pago maioritariamente pelos utilizadores;

denomina-se contrato de parceria público-privada quando a remuneração é efectuada maioritariamente pela autoridade pública.

3.1.1.6.2

Destas definições importa extrair dois critérios relacionados com este tipo de contratos:

A necessidade de transferência de responsabilidade da autoridade pública para o titular do contrato;

A noção de globalidade do contrato, que inclui inúmeras funções (construção, financiamento, exploração, manutenção, etc.) a longo prazo (período médio de 10 a 75 anos).

3.1.1.6.3

O CESE considera que, ao contrário do que faz a comunicação interpretativa de Abril de 2000, não podemos limitar-nos a considerar que o contrato (de concessão) se resume à simples assunção de risco de exploração, pois tal representaria uma visão demasiado parcial e limitativa do tipo de contratos em questão.

3.1.2   A necessidade de dissociação entre contratos de curta duração e contratos de longa duração

3.1.2.1

Na sequência da publicação do Livro Verde pela Comissão Europeia em Novembro de 1996 (15), o CESE adoptou um parecer em 28 de Maio de 1997 (16), no qual solicitava à Comissão a revisão da sua abordagem relativamente às concessões, com o objectivo de as tornar mais autónomas face à definição de contratos públicos de obras: «A questão das concessões deveria também constituir objecto de exame profundo, sendo claro que a sua atribuição deve pautar-se pela transparência e por critérios objectivos. Existem diferenças fundamentais entre uma concessão e um contrato de mercado: objecto, duração, condições de financiamento, modo de gestão, âmbito da responsabilidade. Para facilitar o desenvolvimento destes contratos, a Comissão poderia estudar um instrumento jurídico adequado, relativo ao seu regime de execução.»  (17).

3.1.2.2

O CESE considera necessário que, ao debruçarmo-nos sobre a natureza dos contratos e respectiva classificação, se reconheça a sua funcionalidade própria.

3.1.2.3

Um contrato de concessão ou de PPP não se pode resumir, sem referência à duração, a uma transferência de risco de exploração, uma vez que se trata sobretudo de transferir para o candidato seleccionado a concepção, a construção, o financiamento e a gestão-manutenção de uma obra ou de um serviço.

3.1.3

No tocante aos contratos de promotores já referidos, vários países já instituíram um direito específico que reconhece a possibilidade de actores privados proporem um projecto às autoridades públicas responsáveis. Esta prática, já corrente em Itália, deveria poder ser estendida aos outros Estados-Membros que, presentemente, não dispõem de procedimentos semelhantes.

3.2   Aplicações diferentes do direito comunitário originam diferenças jurídicas

3.2.1

Os conceitos contratuais públicos europeus não são fonte de unidade na Europa. Como tal, num país um contrato pode ser considerado contrato público e noutro pode ser entendido como concessão. O mesmo contrato terá desta forma dois regimes de adjudicação em função do país. O Reino Unido, menos sensível à classificação dos contratos do que os países de tradição latina e de direito administrativo, sempre considerou que as PPP eram simples contratos públicos, quando poderia ter considerado que se tratava de concessão de empreitadas de obras públicas.

3.2.2

A emergência do direito específico das PPP em vários Estados-Membros comprova a especificidade do tipo de contratos em questão, situados na charneira entre a gestão administrativa e o contrato, o que dificulta toda a regulamentação a priori.

3.3   O direito comunitário pode contentar-se com classificar os contratos exclusivamente na óptica da adjudicação, deixando numa zona obscura a delegação de serviço público num sentido institucional? O regime de adjudicação de um contrato, por si só, terá tanta importância?

3.3.1

O âmbito das directivas vai sensivelmente além da harmonização da adjudicação de contratos públicos. De facto, as definições por elas adoptadas foram integralmente retiradas de várias legislações nacionais, conduzindo a uma implantação de conceitos contratuais comuns em vários países europeus.

3.3.2

Contudo, as Directivas 2004/17 e 2004/18 deixam o regime jurídico dos contratos nacionais a cargo das legislações nacionais que organizam o direito do seu modo de execução. Coloca-se então a questão do lugar atribuído ao privado na gestão pública.

3.4   A hierarquia das normas atribui, com base nos princípios da economia de mercado, um enorme valor às tarefas de prestação dos serviços públicos e de protecção dos interesses sociais.

3.4.1

O CESE reafirma:

em conformidade com a futura Constituição aprovada pelo Conselho, estes objectivos incluem o desenvolvimento sustentável assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade de preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e a protecção social, bem como num elevado nível de protecção e de melhoramento da qualidade do ambiente;

que, quando as houver, as PPP devem contribuir para atingir os objectivos da União;

que a estratégia adoptada na Cimeira de Lisboa confirmou o respeito pelo princípio de uma economia de mercado aberta, completando-a com um crescimento forte respeitador da dimensão social da Europa (educação, formação, emprego, etc.).

3.4.2

Com observância do princípio da subsidiariedade para atingir este objectivo de economia de mercado aberta, a autoridade pública competente deve ter em conta as possibilidades de concorrência e optar pela solução mais apropriada.

3.4.3

Qualquer solução contratual de delegação da gestão pública assenta na aplicação de obrigações sociais do país em questão e na observância dos desempenhos previstos no contrato. Em caso de desrespeito dos aspectos sociais ou do desempenho, as cláusulas de rescisão do contrato devem aplicar-se.

4.   Propostas com vista a melhorar e clarificar o direito das PPP e das concessões

4.1

Para criar um quadro harmonizado a nível europeu, o CESE considera desejável que se acompanhe o desenvolvimento destes contratos através de uma ou várias comunicações interpretativas que sigam a diversidade e complexidade do fenómeno ao longo do tempo, em vez de se lançar de imediato numa directiva que poderá rapidamente revelar-se inadaptada.

4.2

Por outro lado, o CESE convida a Comissão a debruçar-se sobre o tema das PPP de forma global e, no âmbito das suas comunicações, a elaborar (após inquérito junto dos Estados) uma lista de critérios que as entidades públicas poderiam considerar no tocante aos aspectos sociais e ambientais. Desta forma, completando a legislação existente com estes critérios, os poderes políticos em questão poderiam torná-los condições de execução dos contratos.

4.3

O CESE considera que:

a PPP é um instrumento económico flexível e dinâmico que pode servir de catalisador à integração de determinados objectivos económicos, sociais e ambientais, como o desenvolvimento sustentável, o emprego e a integração social;

a PPP permite melhorar as culturas respectivas dos parceiros públicos e privados.

4.4

A Directiva 2004/18 regula várias questões importantes relativas à adjudicação de contratos públicos com possibilidade de serem adaptados às PPP e concessões, entre elas os critérios, o diálogo competitivo e a confidencialidade das propostas. Considera-se útil precisar os seguintes pontos:

4.4.1   Manutenção da abordagem aberta das concessões

4.4.1.1

A abordagem aberta da redacção da Directiva 2004/18 deve ser mantida, uma vez que nem todos os Estados-Membros recorrem aos procedimentos concessionários.

4.4.2   Dar uma definição jurídica harmonizada de concessões e PPP na Europa

4.4.2.1

É necessário proceder à unificação da definição nos Estados-Membros dos dois contratos em questão. A definição proposta acima pelo CESE (cf. 3.1.1.6) pode permitir a confirmação do lugar especial que tem este tipo de contrato na fronteira com as noções de contrato e de administração pública.

4.4.3   Respeito pela inovação

4.4.3.1

A regulamentação comunitária relativa às concessões de empreitadas de obras não obriga o concedente a especificar no anúncio de concessão de empreitada de obras públicas, se aceita variantes inovadoras.

4.4.3.2

O CESE considera desejável que as variantes de todo o tipo sejam acolhidas aquando das consultas destes contratos, favorecendo a inovação.

4.4.3.3

A resposta de um candidato considerado para uma concessão pode ter um caracter original, trazendo consigo inovações de vulto e essenciais em todos aspectos técnicos, financeiros ou comerciais e contribuindo para uma melhoria das condições de vida e de trabalho, do ponto de vista social e económico, dos consumidores e trabalhadores implicados.

4.4.3.4

Este incentivo a que os candidatos consintam um investimento intelectual dispendioso numa consulta que permita tais inovações vai ao encontro do espírito da Estratégia de Lisboa. É igualmente necessário evitar que a propriedade intelectual das disposições originais do candidato em questão possa ser prejudicada por serem tais disposições colocadas ao dispor dos outros concorrentes. Trata-se de uma questão de ética e de incentivo à inovação, que deverá ser objecto de transposição para os sistemas jurídicos nacionais, a título do novo procedimento de «diálogo concorrencial» ligado às PPP.

4.4.4   Procedimento negociado

4.4.4.1

Uma proposta de contrato de concessão deverá obedecer ao objectivo de serviço a definir pelo concedente. Mas deverá também beneficiar do máximo de liberdade de modo a atingir este objectivo: concepção da obra, faseamento da obra, assunção de riscos técnicos, etc. Após entrega das propostas por um ou vários candidatos, o CESE gostaria de ver encetado um diálogo entre o concedente e os potenciais concessionários com o objectivo de aperfeiçoar definitivamente o contrato de concessão ou de PPP, em função das escolhas propostas face às necessidades da autoridade pública. A antiga Directiva 94/37 reservava os casos de procedimento negociado para excepções. Doravante, o diálogo competitivo adopta o princípio da negociação para os contratos ditos complexos.

4.4.4.2

O procedimento de diálogo competitivo adoptado deverá, pois:

explicitar que os casos de abertura (dificuldade de apreciar as respostas do privado ou a natureza exacta das necessidades ou as montagens financeiras) estão incluídos num sentido muito lato e liberal;

afirmar que cada empresa pode apresentar a sua própria proposta, salvaguardando-se a propriedade intelectual de cada concorrente.

4.4.4.3

Por último, cabe aqui recordar que a conclusão de um contrato entre a autoridade pública concedente e o concessionário do contrato é obrigatória, estabelecendo as responsabilidades de cada uma das partes, à semelhança do que propõe a legislação dos países em questão.

4.4.5   Afirmação de princípios gerais

4.4.5.1

A importância de um quadro jurídico bem adaptado às concessões e PPP deve ser concretizada em particular na adopção de princípios relacionados com a execução de contratos de concessão ou de PPP.

4.4.5.2

A possibilidade de celebração de contratos de parceria depende, fundamentalmente, da possibilidade de alcançar o equilíbrio contratual e de o respeitar ao longo do tempo.

4.4.5.3

O CESE preconiza que numa comunicação interpretativa, a Comissão favoreça uma repartição equilibrada dos riscos entre o concedente e o concessionário, permitindo a cada Estado a escolha de determinar os meios, que podem evoluir ao longo do tempo. Com este objectivo, deveriam constar várias ideias entre os princípios desta comunicação:

Os riscos de uma concessão de infra-estrutura ou de uma PPP devem ser identificados, quantificados e claramente afectados à parte com melhores condições para os segurar.

O concedente e o concessionário deverão definir previamente as respectivas obrigações contratuais relativamente a determinados riscos, por exemplo face a um acontecimento imprevisível que aumente o custo do contrato (alteração inesperada de imposições de carácter público, condições técnicas imprevisíveis durante a construção, alterações repentinas do comportamento dos consumidores, etc).

Deve ser garantida uma indemnização pelo concessionário que não respeite as cláusulas do contrato.

O concessionário que assegura o financiamento deve ter a garantia, como em qualquer contrato privado, de que eventuais alterações jurídicas e fiscais por parte do poder legislativo não terão efeitos sobre o(s) contrato(s) em causa.

Deve ser prevista uma indemnização imediata ao titular do contrato a partir do momento em que ocorra uma alteração do contrato na sequência de uma nova exigência do concedente, sem que haja alteração das condições iniciais do contrato.

O concessionário deverá poder beneficiar de flexibilidade suficiente para assumir a missão que lhe foi delegada pelo concedente, que se reserva o conjunto das questões do domínio de acção dos poderes públicos ou de ordem pública.

4.4.5.4

O êxito da aplicação do sistema de concessões, como forma de colaboração eficaz entre a gestão e o financiamento privado e o investimento público na prestação de serviços de interesse geral depende de um quadro jurídico e contabilístico apropriado, que se adapte à estrutura específica da concessão. Os grandes investimentos e custos que a empresa privada é obrigada a suportar nos primeiros anos para realizar as infra-estruturas e iniciar a prestação do serviço em causa devem poder ser contabilizados ao longo de todo o período da concessão. O projecto de harmonização contabilística europeia, tal como se está a delinear, inviabiliza o processo de concessão. A experiência espanhola em matéria de contabilidade, com o tratamento que está a ser dado às novas concessões, poderia ser um exemplo a ter em conta se o objectivo for conseguir formas de colaboração entre o sector público e o privado em projectos de construção e ou de fornecimento de serviços à escala da União Europeia.

5.   Clarificar sensivelmente as regras de concorrência entre as entidades públicas ou para-públicas e as entidades privadas

5.1

Muitas vezes, é às sociedades mistas que são atribuídas directamente as concessões ou direitos especiais ou exclusivos, podendo em determinados casos estender o seu campo de actividade para além da zona em que foram criadas, através da simples alteração dos estatutos. Como resultado, a competição, quando a haja, é por vezes falseada. Nesse caso, devem dispor de contabilidade separada, para que se possa verificar que não praticam subvenções cruzadas, o que falsearia a concorrência.

5.2   O CESE recomenda a clarificação das regras da seguinte forma

5.2.1

Antes da criação de uma entidade mista, a autoridade competente deve considerar as possibilidades de concorrência do mercado e determinar a solução mais apropriada.

5.2.2

Por questões de transparência e eficácia, os processos de criação de entidades mistas devem ser anunciados previamente aos concursos, e os concorrentes privados devem ser convidados de forma clara a eventualmente participarem na criação de sociedades para-públicas. Por último, a abertura de concurso por uma autoridade pública para uma nova prestação, numa entidade mista local deve ser efectuada:

Obrigando a entidade mista, caso saia do seu território de origem, a possuir uma contabilidade separada para que seja possível verificar que não pratica subvenções cruzadas que falseiem a concorrência;

Respeitando os procedimentos comunitários, incluindo os que se relacionam com ajudas estatais;

Controlando as condições de concorrência equitativas em relação ao sector privado (fiscalidade e custos de funcionamento da empresa mista).

6.   Conclusões

O CESE considera que, actualmente, está a emergir um direito específico de PPP em vários Estados. Tendo em conta as experiências em curso, seria preferível:

Permitir a evolução das PPP sob várias formas, ao longo de vários anos;

Obter dos Estados-Membros a comunicação sistemática das diversas formas de PPP, bem como das dificuldades encontradas (vantagens e inconvenientes em relação às formas tradicionais);

Criar juntamente com representantes dos Estados, da Comissão e da sociedade civil (entre os quais o CESE), um observatório da evolução das PPP (para avaliar as experiências em função de diversos critérios, nomeadamente os custos, o acesso à prestação de serviços, consequências para o mercado de trabalho, competitividade, ambiente, etc.);

Sublinhar que para as PPP e concessões, se aplicam os limiares europeus de publicidade (obras, serviços); abaixo destes limiares cada Estado aplicará as suas próprias regras, para evitar um peso administrativo inútil;

Publicar, antes de 2007, uma comunicação interpretativa que clarifique:

a definição das concessões e das PPP,

a posição concorrencial das entidades mistas ou para-públicas,

o diálogo competitivo e o procedimento de publicidade,

a modalidade do «promotor» que favorece a inovação,

a pertinência das ajudas estatais para as entidades mistas ou para-públicas.

Bruxelas, 27 de Outubro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  JO C 14 de 16.1.2001.

(2)  JO L 134 de 30.4.2004.

(3)  Lei-quadro (L 109/94) (G.U. n.o 41 de 19.2.1994) alterada pela lei n.o 216, de 2 de Junho de 1995 (G.U. n.o 127 de 2.6.1995).

(4)  O Ministério das Finanças em Bercy (Paris) foi parcialmente construído com recurso a este instrumento financeiro.

(5)  Despacho n.o 2004-559 sobre os contratos de parceria, publicado no JO de 19 de Junho de 2004.

(6)  Lei de 24/12/93 —contratos públicos— Jornal Oficial Belga (Moniteur belge), 22 Janeiro de 1994. Decretos reais de 8 e 10/1/96 — Jornal Oficial Belga de 26 de Janeiro de 1996, decreto real relativo aos contratos públicos de empreitadas, de fornecimento e de serviços e às concessões de OP.

(7)  Idem.

(8)  Lei de 24 de Dezembro de 1993 (artigo 9) — decreto real de 8 de Janeiro de 1996 (artigo 21) — decreto real de 26 de Setembro de 1996, Maurice-André FLAMME. A lei de 24 de Dezembro de 1993, Journal des Tribunaux (Colectânea de Jurisprudência), 1994. Regime de construção.

(9)  JO L 199, de 9.8.1993.

(10)  A «concessão de empreitadas», consiste num contrato que apresenta os mesmos elementos referidos no ponto a), com a excepção do facto de a contrapartida das empreitadas consistir unicamente no direito de exploração da obra, com um preço estabelecido.

(11)  JO L 209, de 24.7.1992.

(12)  JO L 199, de 9.8.1993.

(13)  JO L 134, de 30.4.2004.

(14)  JO C 121, de 29/4/2000.

(15)  COM(96) 583 final.

(16)  JO C 287 de 22.9.1997.

(17)  Outros pontos do parecer merecem ser citados:

 

«Em diversos países, têm-se desenvolvido os métodos de financiamento privado das obras públicas. Trata-se de contratos de longa duração com participação financeira privada, o que os diferencia dos contratos públicos.».

 

«Recomenda que a actividade das concessões constitua objecto de um regime específico, designadamente para as redes transeuropeias (RTE).».

 

«O CESE propõe que a Comissão Europeia favoreça a promoção dos novos métodos contratuais baseados no financiamento privado das infra-estruturas públicas.».


Top