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Document 62020CJ0617

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 2 de junho de 2022.
Processo intentado por T.N. e N.N.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Medidas relativas ao direito das sucessões — Regulamento (UE) n.o 650/2012 — Artigos 13.o e 28.o — Validade da declaração de repúdio da herança — Herdeiro com residência num Estado‑Membro que não o do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão — Declaração feita no órgão jurisdicional do Estado‑Membro da residência habitual desse herdeiro.
Processo C-617/20.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:426

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

2 de junho de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Medidas relativas ao direito das sucessões — Regulamento (UE) n.o 650/2012 — Artigos 13.o e 28.o — Validade da declaração de repúdio da herança — Herdeiro com residência num Estado‑Membro que não o do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão — Declaração feita no órgão jurisdicional do Estado‑Membro da residência habitual desse herdeiro»

No processo C‑617/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen, Alemanha), por Decisão de 11 de novembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de novembro de 2020, no processo

T.N.,

N.N.

sendo interveniente:

E.G.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, I. Jarukaitis, M. Ilešič (relator), D. Gratsias e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Greco, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, inicialmente por S. Grünheid, W. Wils e M. Wilderspin, em seguida por S. Grünheid e W. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de janeiro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 13.o e 28.o do Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO 2012, L 201, p. 107).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado por T.N. e N.N. a propósito do pedido de emissão de um certificado sucessório comum relativo à sucessão de W.N., cônjuge de E.G. e tio de T.N. e de N.N. (a seguir «sobrinhos do de cujus»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 7, 32 e 67 do Regulamento n.o 650/2012 enunciam:

«(7)

É conveniente facilitar o bom funcionamento do mercado interno suprimindo os entraves à livre circulação de pessoas que atualmente se defrontam com dificuldades para exercerem os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça. No espaço europeu de justiça, os cidadãos devem ter a possibilidade de organizar antecipadamente a sua sucessão. É necessário garantir eficazmente os direitos dos herdeiros e dos legatários, das outras pessoas próximas do falecido, bem como dos credores da sucessão.

[…]

(32)

A fim de facilitar as diligências dos herdeiros e legatários que residem habitualmente num Estado‑Membro diferente daquele em que a sucessão está a ser ou será tratada, o presente regulamento deverá autorizar qualquer pessoa habilitada nos termos da lei aplicável à sucessão a fazer declarações relativas à aceitação ou ao repúdio da herança, de um legado ou da legítima, ou relativas à limitação da sua responsabilidade pelas dívidas da herança, na forma prevista pela lei do Estado‑Membro da sua residência habitual perante os órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro. Tal não obstará a que essas declarações sejam feitas perante outras autoridades nesse Estado‑Membro que sejam competentes para receber declarações nos termos do direito nacional. As pessoas que optem por recorrer à possibilidade de fazer declarações no Estado‑Membro da sua residência habitual deverão elas próprias informar o órgão jurisdicional ou a autoridade que trata ou tratará da sucessão acerca da existência de tais declarações, dentro do prazo eventualmente previsto pela lei aplicável à sucessão.

[…]

(67)

A fim de que as sucessões com incidência transfronteiriça na União sejam decididas de uma forma célere, fácil e eficaz, o herdeiro, o legatário, o executor testamentário ou o administrador da herança deverão poder provar facilmente a sua qualidade e/ou os seus direitos e poderes noutro Estado‑Membro, por exemplo no Estado‑Membro onde se situam os bens da herança. […]»

4

O capítulo II deste regulamento, com a epígrafe «Competência», compreende, nomeadamente, os seus artigos 4.o e 13.o

5

O artigo 4.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Competência geral», prevê:

«São competentes para decidir do conjunto da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do óbito.»

6

O artigo 13.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Aceitação ou repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima», dispõe:

«Para além do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão, nos termos do disposto no presente regulamento, os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território se situa a residência habitual de qualquer pessoa que, nos termos da lei aplicável à sucessão, possa fazer perante um órgão jurisdicional uma declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima ou uma declaração destinada a limitar a responsabilidade da pessoa em causa no que respeita às dívidas da herança, são competentes para receber essas declarações sempre que, nos termos da lei desse Estado‑Membro, tais declarações possam ser feitas perante um órgão jurisdicional.»

7

O capítulo III do Regulamento n.o 650/2012, com a epígrafe «Lei aplicável», inclui, nomeadamente, os seus artigos 21.o, 23.o e 28.o

8

O artigo 21.o deste regulamento, sob a epígrafe «Regra geral», prevê, no seu n.o 1:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao conjunto da sucessão é a lei do Estado onde o falecido tinha residência habitual no momento do óbito.»

9

O artigo 23.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Âmbito da lei aplicável», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   A lei designada nos termos do artigo 21.o ou do artigo 22.o regula toda a sucessão.

2.   Essa lei rege, nomeadamente:

[…]

e)

A transmissão dos bens, direitos e obrigações que compõem a herança aos herdeiros e, consoante o caso, aos legatários, incluindo as condições e os efeitos da aceitação da sucessão ou do legado ou do seu repúdio […].

[…]»

10

O artigo 28.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Validade quanto à forma da aceitação ou do repúdio», dispõe:

«Uma declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima, ou uma declaração destinada a limitar a responsabilidade do autor da declaração, é igualmente válida quanto à forma se respeitar os requisitos:

a)

Da lei aplicável à sucessão por força do artigo 21.o ou do artigo 22.o; ou

b)

Da lei do Estado onde o autor da declaração tem residência habitual.»

Direito alemão

11

O § 1942 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «BGB»), sob a epígrafe «Aceitação e repúdio da sucessão», dispõe:

«1. A sucessão é transferida para o herdeiro designado sem prejuízo do direito de a repudiar (transferência da sucessão).

[…]»

12

Nos termos do § 1943 do BGB, sob a epígrafe «Aceitação e repúdio da sucessão»:

«O herdeiro não pode repudiar a sucessão se a tiver aceitado ou se o prazo para a repudiar tiver expirado; uma vez expirado o prazo, considera‑se que a sucessão foi aceite.»

13

O § 1944 do BGB, sob a epígrafe «Prazo para repudiar a sucessão», prevê:

«1. A sucessão só pode ser repudiada no prazo de seis semanas.

2. O prazo começa a correr no momento em que o herdeiro toma conhecimento do seu direito e do título de designação para a herança. […]

3. O prazo é de seis meses se o de cujus teve a sua última residência no estrangeiro ou se o herdeiro se encontrava no estrangeiro no momento em que começa a correr o prazo.»

14

O § 1945 do BGB, sob a epígrafe «Forma de repúdio da sucessão», enuncia:

«O repúdio da sucessão é feito mediante declaração nesse sentido no órgão jurisdicional da sucessão; a declaração é registada em ata ou em documento publicamente autenticado.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

W.N., cidadão neerlandês, cuja última residência habitual se situava na Alemanha, faleceu em 21 de maio de 2018 em Bremen (Alemanha).

16

Em 21 de janeiro de 2019, E.G., cônjuge de W.N. e residente na Alemanha, requereu ao Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen, Alemanha), o órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão de W.N., a emissão de um certificado sucessório, segundo a qual, por sucessão ab intestato, tinha direito a 3/4 da herança de W.N., e os sobrinhos do de cujus, ambos residentes nos Países Baixos, tinham direito, cada um, a 1/8 desta herança.

17

Por carta de 19 de junho de 2019, esse órgão jurisdicional informou os sobrinhos do de cujus de que estava em curso um processo sucessório ab intestato e pediu‑lhes que lhe transmitissem determinados documentos para efeitos de liquidação da sucessão.

18

Em 13 de setembro de 2019 os sobrinhos do de cujus entregaram no rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos), uma declaração de repúdio da herança, que foi inscrita no registo das sucessões desse tribunal em 30 de setembro de 2019.

19

Por carta de 22 de novembro de 2019, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) comunicou o pedido do certificado sucessório aos sobrinhos do de cujus e convidou‑os a apresentarem as suas observações.

20

Por carta de 13 de dezembro de 2019, redigida em língua neerlandesa, os sobrinhos do de cujus transmitiram ao Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) cópias dos documentos produzidos pelo rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia) na sequência das suas declarações de repúdio da sucessão do de cujus. Por carta de 3 de janeiro de 2020, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) comunicou aos sobrinhos do de cujus que, na falta de tradução em língua alemã, a sua carta, incluindo os documentos comunicados, não podia ser tomada em consideração.

21

Por carta de 15 de janeiro de 2020, redigida em língua alemã, N.N. informou o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) de que ele e o seu irmão tinham renunciado à sucessão do de cujus, que, em conformidade com o direito da União, a declaração relativa a essa renúncia tinha sido registada em língua neerlandesa pelas autoridades judiciárias competentes e que, por conseguinte, não era necessária nenhuma tradução em língua alemã dos documentos em causa. Em resposta, esse órgão jurisdicional recordou a necessidade de traduzir os documentos pertinentes em causa e de respeitar os prazos fixados para renunciar à sucessão.

22

Por Despacho de 27 de fevereiro de 2020, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) apurou os factos necessários à emissão do certificado sucessório, em conformidade com o pedido de E.G., e declarou que a herança se considerava aceite pelos sobrinhos do de cujus.

23

Estes últimos interpuseram recurso desse despacho e requereram uma prorrogação do prazo para a apresentação de elementos de prova suplementares. Em 30 de julho de 2020, apresentaram ao Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) uma cópia a cores, bem como uma tradução para a língua alemã dos documentos produzidos pelo rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia). Uma vez que o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) lhes opôs a não transmissão dos originais destes atos, estes foram‑lhe enviados em 17 de agosto de 2020.

24

Por Despacho de 2 de setembro de 2020, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) negou provimento ao recurso e remeteu o processo ao órgão jurisdicional de reenvio, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen, Alemanha), declarando que, uma vez que os sobrinhos do de cujus não tinham renunciado à sucessão deste último no prazo fixado, considerava‑se que tinham aceitado essa herança. Para que a declaração relativa à renúncia à sucessão seja válida, não basta que o órgão jurisdicional alemão competente seja simplesmente informado dessa declaração feita perante o órgão jurisdicional neerlandês em causa, nem que receba uma cópia dos documentos pertinentes, mas é necessário que disponha dos documentos originais pertinentes. Ora, estes só lhe chegaram após o termo do prazo de seis meses previsto no § 1944, n.o 3, do BGB.

25

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no caso de o herdeiro fazer uma declaração relativa à renúncia à sucessão no órgão jurisdicional competente do seu lugar de residência habitual, nos termos dos artigos 13.o e 28.o do Regulamento n.o 650/2012, quais os requisitos exigidos para que se considere estabelecida em tempo útil essa declaração que, nos termos da lei aplicável à sucessão, deve ser feita dentro de um certo prazo perante o órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão.

26

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, a este respeito, a existência, na Alemanha, de divergências doutrinais e jurisprudenciais quanto à validade da declaração relativa à renúncia à sucessão feita perante um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro diferente daquele que é, em princípio, competente para decidir da sucessão. De acordo com uma primeira corrente doutrinal e jurisprudencial, que é maioritária, a validade dessa declaração perante o órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão decorre do simples facto de ser feita perante o órgão jurisdicional do Estado‑Membro da residência habitual do herdeiro.

27

De acordo com uma segunda corrente doutrinal e jurisprudencial, a declaração relativa à renúncia à sucessão só é válida se for transmitida em boa e devida forma ao órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão ou, em todo o caso, levada ao seu conhecimento. A este respeito, resulta do considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012 que, para o legislador da União, essa declaração só pode produzir efeitos depois de ter sido dada a conhecer a esse órgão jurisdicional. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que o artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, contrariamente ao direito alemão, não prevê a obrigação de o órgão jurisdicional do Estado‑Membro da residência habitual do herdeiro levar a declaração relativa à renúncia à sucessão feita perante si ao conhecimento do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão.

28

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, no processo principal, se a corrente referida no n.o 26 do presente acórdão fosse seguida, a declaração relativa à renúncia à sucessão em causa seria considerada válida do dia em que foi feita pelos sobrinhos do de cujus perante o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia), ou seja, em 13 de setembro de 2019. Por conseguinte, nesta hipótese, o prazo de seis meses previsto no § 1944, n.o 3, do BGB, para renunciar à herança, o qual começa a correr a partir da data em que o herdeiro toma conhecimento da atribuição da herança, foi respeitado pelos sobrinhos do de cujus.

29

Segundo a outra corrente exposta no n.o 27 do presente acórdão, a validade da declaração relativa à renúncia à sucessão em causa pode depender da data em que o órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão tomou conhecimento dessa declaração. Coloca‑se, todavia, a questão dos requisitos de forma a que está subordinada a validade dessa declaração, nomeadamente saber se basta informar o órgãos jurisdicional competente para decidir da sucessão sobre a existência dessa declaração, remeter‑lhe cópias dos documentos pertinentes ou comunicar‑lhe informações redigidas na língua dessa declaração, ou se, pelo contrário, há que remeter a esse órgão jurisdicional os originais dos documentos relativos à renúncia elaborados pelo órgãos jurisdicional de outro Estado‑Membro, bem como uma tradução autenticada na língua do órgãos jurisdicional competente para decidir dessa sucessão.

30

Nestas condições, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior de Bremen) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A declaração de repúdio da herança entregue pelo herdeiro no tribunal competente do Estado‑Membro do lugar da sua residência habitual, de acordo com as exigências de forma aí aplicáveis, substitui a declaração de repúdio da herança que deve ser entregue no tribunal de outro Estado‑Membro que é o tribunal competente para o processo sucessório, de forma que essa declaração, no momento em que é apresentada, se deve considerar eficazmente apresentada (substituição)?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Para a eficácia da declaração de repúdio da herança, é necessário, para além da validade formal da declaração apresentada no tribunal competente do lugar da residência habitual do declarante, que o declarante informe o tribunal competente para o processo sucessório da entrega dessa declaração?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão e de resposta afirmativa à segunda questão:

a)

Para a eficácia da declaração de repúdio da herança, especialmente para o cumprimento do prazo de apresentação dessa declaração no tribunal competente para o processo sucessório, é necessário que este tribunal seja informado da declaração na sua língua oficial?

b)

Para a eficácia da declaração de repúdio da herança, especialmente para o cumprimento do prazo de apresentação dessa declaração no tribunal competente para o processo sucessório, é necessário que seja transmitido a esse tribunal o original do documento elaborado pelo tribunal da residência do declarante, acompanhado de uma tradução?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

31

Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 26 de outubro de 2021, PL Holdings, C‑109/20, EU:C:2021:875, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

32

O presente reenvio prejudicial tem por objeto os requisitos exigidos para que uma declaração relativa à renúncia à sucessão, na aceção dos artigos 13.o e 28.o do Regulamento n.o 650/2012, feita perante o órgão jurisdicional do Estado da residência habitual do herdeiro que renuncia seja considerada válida. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, nomeadamente, sobre a questão de saber se e, sendo caso disso, quando e de que modo essa declaração deve ser levada ao conhecimento do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão.

33

Resulta da decisão de reenvio que os sobrinhos do de cujus declararam, em 13 de setembro de 2019, renunciar à sucessão do de cujus perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro da sua residência habitual, a saber, o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos). Em 13 de dezembro de 2019, informaram o órgão jurisdicional alemão competente para decidir da sucessão, por carta redigida em língua neerlandesa, da existência dessa declaração, juntando cópia dos documentos elaborados pelo órgão jurisdicional neerlandês. Em 15 de janeiro de 2020, informaram novamente o órgão jurisdicional alemão, mas por carta redigida em língua alemã, da existência da referida declaração. Em contrapartida, a tradução em língua alemã e os originais dos documentos elaborados pelo órgão jurisdicional neerlandês só chegaram ao órgão jurisdicional alemão em 17 de agosto de 2020, ou seja, posteriormente ao termo do prazo fixado pelo direito aplicável à sucessão.

34

Nestas circunstâncias, há que considerar que, com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 13.o e 28.o do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretados no sentido de que uma declaração relativa à renúncia à sucessão feita por um herdeiro perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro da sua residência habitual é considerada válida quanto à forma sempre que os requisitos de forma aplicáveis nesse órgão jurisdicional tenham sido respeitados, sem que seja necessário, para efeitos dessa validade, que preencha os requisitos de forma exigidos pela lei aplicável à sucessão.

Quanto ao mérito

35

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance deve normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [Acórdãos de 1 de março de 2018, Mahnkopf, C‑558/16, EU:C:2018:138, n.o 32, e de 9 de setembro de 2021, UM (Contrato translativo de propriedade mortis causa), C‑277/20, EU:C:2021:708, n.o 29].

36

No que respeita, em primeiro lugar, aos termos das disposições em causa e ao seu contexto, importa recordar que o artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 está inserido no capítulo II deste regulamento, que regula o conjunto dos critérios de competência jurisdicional em matéria sucessória. Segundo esta disposição, além do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão ao abrigo deste regulamento, os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território se situa a residência habitual de qualquer pessoa que, nos termos da lei aplicável à sucessão, possa fazer uma declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima ou uma declaração destinada a limitar a responsabilidade da pessoa em causa no que respeita às dívidas da herança, são competentes para receber essas declarações.

37

Este artigo 13.o prevê, assim, um foro alternativo de competência jurisdicional que visa permitir aos herdeiros, que não têm residência habitual no Estado‑Membro cujos tribunais são competentes para decidir da sucessão, em conformidade com as regras gerais dos artigos 4.o a 11.o do Regulamento n.o 650/2012, fazer as suas declarações relativas à aceitação da sucessão ou à renúncia a esta perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro em que têm a sua residência habitual.

38

A referida regra de competência jurisdicional é completada por uma regra de conflito de leis contida no artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012, que está inserido no seu capítulo III que rege a lei aplicável e que regula especificamente a validade de tais declarações quanto à forma. Em conformidade com este artigo, essas declarações são válidas quanto à forma, desde que respeitem, de acordo com a sua alínea a), os requisitos da lei aplicável à sucessão (lex successionis), ou, segundo a sua alínea b), os da lei do Estado onde o autor da declaração tem residência habitual.

39

Pode deduzir‑se dos termos do artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012 que esta disposição foi concebida de forma a reconhecer a validade de uma declaração relativa à renúncia à sucessão, quer quando os requisitos estabelecidos pela lei sucessória estejam preenchidos caso esta seja aplicável, quer quando os requisitos previstos pela lei do Estado da residência habitual do herdeiro que renunciam estejam preenchidos caso esta última seja aplicável.

40

A este respeito, resulta de uma leitura conjugada dos artigos 13.o e 28.o do Regulamento n.o 650/2012 — como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 58 das suas conclusões — que existe uma estreita correlação entre estas duas disposições, pelo que a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro da residência habitual do herdeiro para receber as declarações relativas à renúncia à sucessão está subordinada à condição de a lei sucessória em vigor nesse Estado prever a possibilidade de se fazer tal declaração perante um órgão jurisdicional. Preenchida esta condição, o conjunto dos atos a praticar perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro da residência habitual do herdeiro que pretenda fazer essa declaração é determinado pela lei desse Estado‑Membro.

41

No que respeita, em segundo lugar, aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 650/2012, tal leitura dos artigos 13.o e 28.o deste regulamento é confirmada pelo seu considerando 32, segundo o qual a finalidade destas disposições é «facilitar as diligências dos herdeiros e legatários que residem habitualmente num Estado‑Membro diferente daquele em que a sucessão está a ser ou será tratada». Para este efeito, segundo esse mesmo considerando, o referido regulamento deverá autorizar qualquer pessoa habilitada, nos termos da lei aplicável à sucessão, a fazer determinadas declarações relativas à sucessão, entre as quais figura igualmente a renúncia a esta, na forma prevista pela lei do Estado‑Membro da sua residência habitual, perante os órgãos jurisdicionais do referido Estado‑Membro. O Tribunal de Justiça já precisou, a este respeito, que o artigo 13.o do mesmo regulamento, lido à luz do seu considerando 32, visa simplificar as diligências dos herdeiros e dos legatários, derrogando as regras de competência enunciadas nos seus artigos 4.o a 11.o (Acórdão de 21 de junho de 2018, Oberle, C‑20/17, EU:C:2018:485, n.o 42).

42

Esta interpretação é, aliás, corroborada pelo objetivo do Regulamento n.o 650/2012, que visa, segundo o seu considerando 7, facilitar o bom funcionamento do mercado interno, suprimindo os entraves à livre circulação das pessoas que pretendam exercer os seus direitos resultantes de uma sucessão transfronteiriça. Em especial, no espaço europeu de justiça, é necessário garantir eficazmente os direitos dos herdeiros e dos legatários, das outras pessoas próximas do falecido, bem como dos credores da sucessão (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de março de 2018, Mahnkopf, C‑558/16, EU:C:2018:138, n.o 35, e de 1 de julho de 2021, Vorarlberger Landes‑ und Hypotheken‑Bank, C‑301/20, EU:C:2021:528, n.os 27 e 34).

43

Assim, no que respeita às declarações relativas à renúncia à sucessão efetuadas perante o órgão jurisdicional competente por força do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, o artigo 28.o, alínea b), deste regulamento garante que esta faculdade, reconhecida ao herdeiro que reside habitualmente num Estado‑Membro que não o do órgão jurisdicional competente para decidir de uma sucessão, seja efetiva.

44

A este respeito, há que declarar que, tendo em conta o alcance limitado da competência do órgão jurisdicional referido no artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, qualquer outra interpretação que vise restringir a validade quanto à forma de uma declaração relativa à renúncia à sucessão, designadamente, sujeitando‑a às exigências de forma da lei aplicável à sucessão, teria por efeito privar as disposições do artigo 13.o e do artigo 28.o, alínea b), deste regulamento de qualquer efeito útil, e prejudicar os objetivos do referido regulamento, bem como o princípio da segurança jurídica.

45

Por conseguinte, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 64 das suas conclusões, o respeito do objetivo do Regulamento n.o 650/2012, que consiste em permitir aos herdeiros fazer declarações relativas à renúncia à sucessão no Estado‑Membro da sua residência habitual, implica que esses herdeiros não tenham de cumprir outras formalidades perante os órgãos jurisdicionais de outros Estados‑Membros diferentes das previstas pela lei do Estado‑Membro onde essa declaração é feita, para que essas declarações sejam consideradas válidas.

46

Quanto à questão relativa à comunicação das referidas declarações ao órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão, há que observar que resulta da última frase do considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012 que «[a]s pessoas que optem por recorrer à possibilidade de fazer declarações no Estado‑Membro da sua residência habitual deverão elas próprias informar o órgão jurisdicional ou a autoridade que trata ou tratará da sucessão acerca da existência de tais declarações, dentro do prazo eventualmente previsto pela lei aplicável à sucessão».

47

Esta última frase do considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012 deixa entender, à primeira vista, que, segundo o legislador da União, é necessário que a declaração relativa à renúncia à sucessão feita perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro da residência habitual do herdeiro que renuncia seja dada a conhecer ao órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão. No entanto, há que realçar que nem o artigo 13.o nem o artigo 28.o deste regulamento preveem mecanismos de transmissão dessas declarações pelo órgão jurisdicional do Estado‑Membro da residência habitual do herdeiro que renuncia ao órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão. Este considerando 32 presume, no entanto, que as pessoas que tenham utilizado a faculdade de efetuar tais declarações no Estado‑Membro da sua residência habitual assumirão o ónus de comunicar a existência dessas declarações às autoridades encarregadas da sucessão.

48

Assim, na falta de um sistema uniforme no direito da União que preveja a transmissão das declarações relativas à sucessão ao órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão, o considerando 32, último período, do Regulamento n.o 650/2012 deve ser entendido no sentido de que cabe à pessoa que fez uma declaração relativa à renúncia à sucessão realizar as diligências necessárias para que o órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão tome conhecimento da existência de uma declaração válida. Todavia, na falta de cumprimento dessas diligências no prazo fixado pela lei aplicável à sucessão, a validade dessa declaração não pode ser posta em causa.

49

Por conseguinte, a declaração relativa à renúncia à sucessão feita por um herdeiro perante o órgão jurisdicional do Estado‑Membro da sua residência habitual, no cumprimento dos requisitos de forma aplicáveis nesse órgão jurisdicional, deve produzir efeitos jurídicos perante o órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão, desde que este último tenha tomado conhecimento da existência dessa declaração, sem que esta última esteja sujeita aos requisitos adicionais de forma exigidos pela lei aplicável à sucessão.

50

No caso em apreço, resulta dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que os sobrinhos do de cujus fizeram uma declaração relativa à renúncia à sucessão deste perante um órgão jurisdicional neerlandês, no cumprimento dos requisitos de forma aplicáveis nesse órgão jurisdicional, e que o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) tomou conhecimento da existência dessa declaração antes de se pronunciar sobre a sucessão. Por conseguinte, afigura-se que este último órgão jurisdicional deveria ter tomado em consideração a referida declaração, independentemente do respeito dos outros requisitos ou dos esclarecimentos considerados necessários por esse órgão jurisdicional alemão para que essa declaração fosse considerada válida. Com efeito, como resulta do considerando 67 do Regulamento n.o 650/2012, os herdeiros devem poder provar facilmente a sua qualidade e/ou os seus direitos e poderes, a fim de «que as sucessões com incidência transfronteiriça na União sejam decididas de uma forma célere, fácil e eficaz».

51

Em face do exposto, há que responder às questões submetidas que os artigos 13.o e 28.o do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretados no sentido de que uma declaração relativa à renúncia à sucessão feita por um herdeiro perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro da sua residência habitual é considerada válida quanto à forma sempre que os requisitos de forma aplicáveis nesse órgão jurisdicional tenham sido respeitados, sem que seja necessário, para efeitos dessa validade, que preencha os requisitos de forma exigidos pela lei aplicável à sucessão.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

Os artigos 13.o e 28.o do Regulamento (UE) no 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, devem ser interpretados no sentido de que uma declaração relativa à renúncia à sucessão feita por um herdeiro perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro da sua residência habitual é considerada válida quanto à forma sempre que os requisitos de forma aplicáveis nesse órgão jurisdicional tenham sido respeitados, sem que seja necessário, para efeitos dessa validade, que preencha os requisitos de forma exigidos pela lei aplicável à sucessão.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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