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Document 62007CJ0523

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 2 de Abril de 2009.
A.
Pedido de decisão prejudicial: Korkein hallinto-oikeus - Finlândia.
Cooperação judiciária em matéria civil - Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental - Regulamento (CE) n.º 2201/2003 - Âmbito de aplicação material - Conceito de ‘matéria civil’ - Decisão de retirada e colocação de menores fora do meio familiar - Residência habitual do menor - Medidas cautelares - Competência.
Processo C-523/07.

Colectânea de Jurisprudência 2009 I-02805

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:225

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

2 de Abril de 2009 ( *1 )

«Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Âmbito de aplicação material — Conceito de ‘matéria civil’ — Decisão de retirada e colocação de menores fora do meio familiar — Residência habitual do menor — Medidas cautelares — Competência»

No processo C-523/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos dos artigos 68.o CE e 234.o CE, apresentado pelo Korkein hallinto-oikeus (Finlândia), por decisão de 19 de Novembro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo intentado por

A,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, A. Ó Caoimh, J. N. Cunha Rodrigues (relator), U. Lõhmus e P. Lindh, juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Outubro de 2008,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski e A. Guimaraes-Purokoski, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por M. Lumma e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por T. Papadopoulou, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por R. Adam, na qualidade de agente, assistido por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

em representação do Governo do Reino Unido, por V. Jackson, na qualidade de agente, assistida por C. Howard, QC,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. Aalto e V. Joris, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 29 de Janeiro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO L 338, p. 1, a seguir «regulamento»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso interposto por A, mãe dos menores C, D e E, da decisão do Kuopion hallinto-oikeus [Tribunal Administrativo de Kuopio (Finlândia)] que confirmou a decisão da Perusturvalautakunta (comissão de garantia das necessidades básicas, a seguir «comissão de garantia») que ordenou a retirada urgente dos menores e a sua colocação num lar de acolhimento profissional.

Quadro jurídico

Direito comunitário

3

O décimo segundo e décimo terceiro considerandos do regulamento têm a seguinte redacção:

«(12)

As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

(13)

No interesse da criança, o presente regulamento permite que o tribunal competente possa, a título excepcional e em certas condições, remeter o processo a um tribunal de outro Estado-Membro se este estiver em melhores condições para dele conhecer. […]»

4

O artigo 1.o, n.o 1, do regulamento dispõe:

«1.   O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

[…]

b)

À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.»

5

O artigo 8.o, n.o 1, desse regulamento prevê:

«Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.»

6

O artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento tem a seguinte redacção:

«Se não puder ser determinada a residência habitual da criança nem for possível determinar a competência com base no artigo 12.o, são competentes os tribunais do Estado-Membro onde a criança se encontra.»

7

O artigo 15.o, n.o 1, do regulamento dispõe:

«Excepcionalmente, os tribunais de um Estado-Membro competentes para conhecer do mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro Estado-Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se encontra mais bem colocado para conhecer do processo ou de alguns dos seus aspectos específicos, e se tal servir o superior interesse da criança:

a)

Suspender a instância em relação à totalidade ou a parte do processo em questão e convidar as partes a apresentarem um pedido ao tribunal desse outro Estado-Membro, nos termos do n.o 4; ou

b)

Pedir ao tribunal de outro Estado-Membro que se declare competente nos termos do n.o 5.»

8

De acordo com o artigo 17.o desse regulamento:

«O tribunal de um Estado-Membro no qual tenha sido instaurado um processo para o qual não tenha competência nos termos do presente regulamento e para o qual o tribunal de outro Estado-Membro seja competente, por força do presente regulamento, declara-se oficiosamente incompetente.»

9

O artigo 20.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe:

«Em caso de urgência, o disposto no presente regulamento não impede que os tribunais de um Estado-Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse Estado-Membro, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer do mérito.»

10

O artigo 53.o do regulamento estabelece:

«Cada Estado-Membro designa uma ou várias autoridades centrais encarregadas de o assistir na aplicação do presente regulamento, especificando as respectivas competências territoriais ou materiais. Quando um Estado-Membro tenha designado várias autoridades centrais, as comunicações devem, em princípio, ser enviadas directamente à autoridade central competente. Se for enviada uma comunicação a uma autoridade central não competente, esta será responsável pela sua transmissão à autoridade central competente e pela informação do remetente.»

11

O artigo 55.o desse regulamento dispõe nomeadamente:

«A pedido de uma autoridade central de outro Estado-Membro ou do titular da responsabilidade parental, as autoridades centrais cooperam em casos específicos, a fim de cumprir os objectivos do presente regulamento, devendo, para o efeito, actuando directamente ou através de autoridades públicas ou outras entidades, tomar todas as medidas apropriadas, nos termos da legislação desse Estado-Membro em matéria de protecção de dados pessoais, para:

a)

Recolher e proceder ao intercâmbio de informações:

i)

sobre a situação da criança,

ii)

sobre qualquer procedimento em curso, ou

iii)

sobre qualquer decisão proferida em relação à criança;

[…]

c)

Apoiar a comunicação entre tribunais, nomeadamente para efeitos dos n.os 6 e 7 do artigo 11.o e do artigo 15.o;

[…]»

Legislação nacional

12

Segundo o § 15, n.o 1, da lei da assistência social [sosiaalihuoltolaki (710/1982), a seguir «Lei 710/1982»)], na versão em vigor à data dos factos no processo principal, em casos de urgência ou quando as circunstâncias o exijam, o município deve também encarregar-se da organização dos cuidados no estabelecimento e de outros serviços sociais a prestar às pessoas que se encontrem no município mas que nele não residam.

13

Nos termos do § 16 da lei de protecção de menores [lastensuojelulaki (683/1983), a seguir «Lei 683/1983)»], na versão em vigor à data dos factos do processo principal, um órgão de acção social do município deve adoptar medidas de auxílio imediatas quando as condições em que a criança ou o adolescente é criado ameacem ou não garantam a sua saúde ou o seu desenvolvimento.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

Em Dezembro de 2001, os menores C, D e F mudaram-se para a Suécia com a sua mãe, A, e com o seu padrasto, F. No passado, D e E tinham sido colocados sob a protecção da cidade de X, na Finlândia. Esta intervenção tinha sido motivada pela violência exercida pelo padrasto e foi posteriormente revogada. No Verão de 2005, esta família saiu da Suécia para passar férias na Finlândia. Permaneceu na Finlândia alojada em caravanas em diversos parques de campismo, sem que os menores fossem à escola. Em 30 de Outubro de 2005, a referida família requereu uma habitação aos serviços sociais da cidade de Y (Finlândia).

15

Por decisões da comissão de garantia de 16 de Novembro de 2005, adoptadas com base na Lei 683/1983, os menores C, D e E foram sujeitos a uma medida urgente de retirada na Finlândia e colocados numa família de acolhimento, por terem sido deixados ao abandono.

16

A e F requereram a anulação das decisões relativas a esta retirada urgente.

17

Por decisões de 15 de Dezembro de 2005, a comissão de garantia indeferiu o pedido de anulação apresentado e, ao abrigo do § 16 da Lei 683/1983, assumiu a guarda dos menores C, D e E e ordenou a sua entrega a um lar de acolhimento profissional.

18

A interpôs um recurso no Kuopion hallinto-oikeus de anulação dessas decisões, pedindo ainda que lhe fosse atribuída a guarda dos seus filhos. A precisou que, quando regressou à Suécia com F, em meados de Novembro de 2005, os seus filhos tinham ficado na Finlândia com a irmã do padrasto. Por decisão de 25 de Outubro de 2006, este órgão jurisdicional negou provimento ao recurso e confirmou as decisões impugnadas. Fundamentou a sua decisão referindo que, à luz do § 15, n.o 1, da Lei 710/1982, a comissão de garantia tinha agido no âmbito das suas competências. O referido órgão jurisdicional acrescentou que as condições de vida dos menores em causa tinham posto gravemente em risco a sua saúde psíquica e física e o seu desenvolvimento. A retirada e a colocação dos menores ter-lhes-iam permitido receber os cuidados psiquiátricos de que necessitavam e frequentar a escola, bem como desfrutar de um ambiente seguro e estável.

19

A recorreu desta decisão para o Korkein hallinto-oikeus (Supremo Tribunal Administrativo), alegando a incompetência das autoridades finlandesas. Referiu que as crianças C, D e E tinham, desde 2 de Abril de 2007, a nacionalidade sueca e que há muito tempo residiam de forma permanente na Suécia. Consequentemente, o processo era da competência dos órgãos jurisdicionais suecos.

20

Considerando que a interpretação do regulamento era necessária para se pronunciar sobre a causa, o Korkein hallinto-oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

O [r]egulamento […] é aplicável à execução de uma decisão, em todas as suas partes, se essa decisão tiver, como no caso aqui em apreço, a forma de uma decisão única sobre a aplicação de uma medida de [retirada] imediata e de colocação de um menor fora da sua família, tomada no quadro do direito público relativo à protecção dos menores?

b)

Ou esse regulamento, tendo em conta o seu artigo 1.o, n.o 2, alínea d), só é aplicável à parte da decisão que diz respeito à colocação do menor fora da sua família?

2)

Como deve ser interpretado, em direito comunitário, o conceito de ‘residência habitual’ a que se refere o artigo 8.o, n.o 1, do regulamento bem como o artigo 13.o, n.o 1, conexo com o mesmo, em especial quando a residência permanente do menor esteja situada num Estado-Membro mas o menor se encontre noutro Estado-Membro onde vive sem habitação fixa?

3)

a)

Se se entender que a residência habitual do menor não se encontra neste outro Estado-Membro, em que condições uma medida cautelar urgente (uma medida de [retirada]) pode, apesar disso, ser adoptada com fundamento no artigo 20.o, n.o 1, do regulamento, no referido Estado-Membro?

b)

As medidas cautelares a que se refere o artigo 20.o, n.o 1, do regulamento são apenas aquelas que podem ser aplicadas em conformidade com o direito nacional, e as disposições do direito nacional relativas a essas medidas são vinculativas quando da aplicação do referido artigo?

c)

Após adopção da medida cautelar, deve o processo ser oficiosamente remetido a um órgão jurisdicional do Estado-Membro competente?

4)

Se o órgão jurisdicional do Estado-Membro carecer de competência, deve o mesmo julgar o pedido inadmissível ou remeter o processo a um órgão jurisdicional de outro Estado-Membro?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

21

Esta questão visa, em substância, determinar se o artigo 1.o, n.o 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, se aplica a uma decisão única que ordena a retirada urgente e a colocação de uma criança fora da sua família, e, por outro, se a mesma decisão se inclui no conceito de «matérias civis», na acepção desta disposição, quando é tomada no quadro de normas de direito público relativas à protecção de menores.

22

Esta questão foi submetida pelo mesmo órgão jurisdicional de reenvio, baseia-se na mesma fundamentação e está redigida exactamente nos mesmos termos da que deu lugar ao acórdão de 27 de Novembro de 2007, C (C-435/06, Colect., p. I-10141). Deste modo, exige a mesma resposta que foi dada à primeira questão no acórdão C, já referido.

23

Com efeito, o artigo 2.o, n.o 7, do regulamento determina que a responsabilidade parental abrange o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança.

24

De acordo com o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), do regulamento, a colocação de uma criança numa família de acolhimento ou numa instituição faz parte das matérias relativas à responsabilidade parental.

25

Por outro lado, resulta do quinto considerando do regulamento que, a fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de protecção da criança.

26

Uma decisão de retirada de um menor, como a que está em causa no processo principal, inscreve-se, por natureza, no quadro de uma actuação de ordem pública cuja finalidade é satisfazer as necessidades de protecção e de assistência dos menores.

27

No que diz respeito ao conceito de «matérias civis», este deve ser interpretado no sentido de que pode mesmo abranger medidas que, segundo o direito nacional de um Estado-Membro, pertencem ao âmbito do direito público.

28

Esta interpretação é reforçada pelo décimo considerando do regulamento, nos termos do qual o regulamento não se destina a ser aplicável «às medidas públicas de carácter geral em matéria de educação e saúde». Esta exclusão confirma que o legislador comunitário não pretendeu excluir do âmbito de aplicação do regulamento todas as medidas de direito público.

29

Há que responder, por isso, à primeira questão que o artigo 1.o, n.o 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que uma decisão única que ordena a retirada urgente de um menor e a sua colocação fora da sua família é abrangida pelo conceito de «matérias civis», na acepção dessa disposição, quando essa decisão tiver sido tomada no quadro das normas de direito público relativas à protecção de menores.

Quanto à segunda questão

30

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a interpretação a dar ao conceito de «residência habitual», na acepção do artigo 8.o, n.o 1, do regulamento, nomeadamente, numa situação em que o menor tenha residência permanente num Estado-Membro mas se encontre noutro Estado-Membro onde vive sem residência fixa.

31

O artigo 8.o, n.o 1, do regulamento enuncia o princípio segundo o qual a competência dos tribunais dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade parental é determinada em função do lugar da residência habitual do menor no momento que o processo seja instaurado, sem no entanto definir o conteúdo deste conceito.

32

Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, do regulamento, se não puder ser determinada a residência habitual do menor, são competentes os tribunais do Estado-Membro onde ele se encontrar.

33

Deste modo, a simples presença física do menor num Estado-Membro, como regra de competência subsidiária relativamente à enunciada no artigo 8.o do regulamento, não pode bastar para determinar a sua residência habitual.

34

Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito comunitário como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito comunitário que não contenha qualquer remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados em toda a Comunidade de modo autónomo e uniforme, tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pelas normas em causa (v., designadamente, acórdãos de 18 de Janeiro de 1984, Ekro, 327/82, Recueil, p. 107, n.o 11, e de , Nordania Finans e BG Factoring, C-98/07, Colect., p. I-1281, n.o 17).

35

Na medida em que o artigo 8.o, n.o 1, do regulamento não remete expressamente para o direito nacional dos Estados-Membros para efeitos de se determinar o sentido e o alcance do conceito de «residência habitual», essa determinação deve ser efectuada à luz do contexto das disposições e do objectivo do regulamento, nomeadamente o que resulta do seu décimo segundo considerando, segundo o qual as regras de competência que fixa são definidas em função do superior interesse do menor, em particular, o critério da proximidade.

36

A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de residência habitual noutros domínios do direito da União Europeia (v., designadamente, acórdãos de 15 de Setembro de 1994, Magdalena Fernández/Comissão, C-452/93 P, Colect., p. I-4295, n.o 22; de , Adanez-Vega, C-372/02, Colect., p. I-10761, n.o 37; e de , Kozlowski, C-66/08, Colect., p. I-6041) não pode ser directamente aplicada no quadro da apreciação da residência habitual das crianças, na acepção do artigo 8.o, n.o 1, do regulamento.

37

A «residência habitual» do menor, na acepção do artigo 8.o, n.o 1, do regulamento, deve ser determinada com base num conjunto de circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto.

38

Além da presença física do menor num Estado-Membro, devem também ser tidos em consideração outros factores susceptíveis de demonstrar que essa presença de forma alguma tem um carácter temporário ou ocasional e que a residência do menor revela uma determinada integração num ambiente social e familiar.

39

Devem, nomeadamente, ser tidos em consideração a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade da criança, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais da criança no referido Estado.

40

Como a advogada-geral afirmou no n.o 44 das suas conclusões, a intenção dos progenitores de se estabelecerem com a criança noutro Estado-Membro, expressa em determinadas circunstâncias exteriores, como a aquisição ou a locação de uma habitação no Estado-Membro de acolhimento, pode ser um indício da transferência da residência habitual. O pedido de atribuição de uma habitação social dirigido aos serviços sociais em causa do referido Estado pode constituir outro indício.

41

Em contrapartida, o facto de as crianças permanecerem num Estado-Membro onde vivem, durante um curto espaço de tempo, sem residência fixa é susceptível de constituir um indício de que a residência habitual dessas crianças não se encontra nesse Estado.

42

É à luz dos critérios enunciados nos n.os 38 a 41 do presente acórdão e segundo uma apreciação global que incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar o local de residência habitual dos menores.

43

Não se pode, contudo, excluir que, na sequência dessa apreciação, se revele impossível determinar o Estado-Membro da residência habitual do menor. Nesse caso, e embora o artigo 12.o do regulamento, relativo à competência dos tribunais nacionais para as questões relacionadas com a responsabilidade parental quando essas questões estão relacionadas com um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, não seja aplicável, os tribunais nacionais do Estado-Membro em que o menor se encontra adquirem competência para conhecer do mérito da causa, por força do artigo 13.o, n.o 1, do regulamento.

44

Consequentemente, deve-se responder à segunda questão que o conceito de «residência habitual», na acepção do artigo 8.o, n.o 1, do regulamento, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto.

Quanto à terceira questão

45

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em primeiro lugar, a que condições está sujeita uma medida cautelar, como a retirada dos menores, ao abrigo do artigo 20.o, n.o 1, do regulamento. Em segundo lugar, interroga-se sobre a questão de saber se essa medida pode ser aplicada de acordo com o direito nacional e se as regras desse direito relativas a essa medida são vinculativas. Em terceiro lugar, pergunta se, após a aplicação dessa medida cautelar, o processo deve ser remetido ao tribunal competente de outro Estado-Membro.

46

Por força do artigo 20.o, n.o 1, do regulamento, em caso de urgência, as disposições deste mesmo regulamento não impedem que os tribunais de um Estado-Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse Estado, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer do mérito.

47

Resulta da própria redacção deste artigo que a adopção de medidas em matéria de responsabilidade parental pelos tribunais dos Estados-Membros que não são competentes para conhecerem do mérito da causa está sujeita ao cumprimento de três condições cumulativas, a saber:

as medidas em causa devem ser urgentes,

devem ser relativas às pessoas ou bens presentes no Estado-Membro em que tem sede o tribunal nacional ao qual foi submetido o processo, e

devem ter natureza provisória.

48

Essas medidas são aplicáveis aos menores que, tendo a sua residência habitual num Estado-Membro, permaneçam a título temporário ou ocasional noutro Estado-Membro e se encontrem numa situação susceptível de prejudicar gravemente o seu bem-estar, incluindo a sua saúde ou o seu desenvolvimento, justificando assim a adopção imediata de medidas de protecção. A natureza provisória dessas medidas decorre do facto de, por força do artigo 20.o, n.o 2, do regulamento, estas deixarem de ter efeitos quando o tribunal do Estado-Membro competente quanto ao mérito tomar as medidas que considerar adequadas.

49

O regulamento não contém disposições materiais relativas ao tipo de medidas urgentes que devem ser aplicadas.

50

O artigo 20.o, n.o 1, do regulamento dispõe que as medidas provisórias ou cautelares que os tribunais de um Estado-Membro são chamados a tomar em casos de urgência são as «previstas na sua legislação».

51

Neste contexto, incumbe ao legislador nacional enunciar as medidas que as autoridades nacionais devem adoptar com vista à preservação do superior interesse da criança e fixar as modalidades processuais para a sua execução.

52

Dado que essas medidas são adoptadas com base nas disposições do direito nacional, o seu carácter vinculativo deve decorrer da legislação nacional em causa.

53

Resta verificar se, na sequência da aplicação de uma medida cautelar, o processo deve ser remetido oficiosamente ao tribunal competente de outro Estado-Membro.

54

Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, alínea b), do regulamento, os tribunais de um Estado-Membro competentes para conhecer do mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro Estado-Membro, com o qual o menor tenha uma ligação particular, se encontra mais bem colocado para conhecer do processo, pedir ao tribunal deste Estado-Membro que se declare competente.

55

No quadro das disposições relativas às regras de competência em matéria de responsabilidade parental, o referido artigo 15.o é o único que prevê um pedido ao tribunal de outro Estado-Membro para se declarar competente.

56

O regulamento não obriga os órgãos jurisdicionais nacionais que adoptam as medidas provisórias ou cautelares a remeter o processo a um tribunal de outro Estado-Membro depois da aplicação dessas medidas.

57

Questão diferente é a de saber se os órgãos jurisdicionais nacionais que aplicaram as medidas provisórias ou cautelares devem informar os tribunais competentes de outro Estado-Membro dessa aplicação.

58

Como foi indicado no n.o 48 do presente acórdão, nos termos do artigo 20.o, n.o 2, do regulamento, as medidas provisórias ou cautelares deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado-Membro competente quanto ao mérito tiver tomado as medidas que considerar adequadas.

59

Uma vez que as medidas provisórias ou cautelares têm um carácter transitório, as circunstâncias relacionadas com a evolução psíquica, psicológica e intelectual do menor podem tornar necessária a intervenção precoce do tribunal competente com vista a adoptar medidas definitivas.

60

A necessidade e a urgência das medidas definitivas devem ser apreciadas à luz da situação do menor, da sua evolução previsível e da eficácia das medidas provisórias ou cautelares tomadas.

61

Neste contexto, a protecção do superior interesse do menor pode obrigar o órgão jurisdicional nacional que tenha aplicado medidas provisórias ou cautelares a informar desse facto, directamente ou por intermédio da autoridade central designada nos termos do artigo 53.o do regulamento, o tribunal competente de outro Estado-Membro.

62

A cooperação em casos específicos de responsabilidade parental está prevista no artigo 55.o do regulamento e inclui, nomeadamente, a recolha e o intercâmbio de informações sobre a situação do menor, os procedimentos em curso e qualquer decisão proferida em relação à criança.

63

O artigo 55.o, alínea c), do regulamento prevê uma comunicação entre os tribunais dos Estados-Membros para efeitos da aplicação deste regulamento.

64

Consequentemente, na medida em que a protecção do superior interesse do menor o exija, o órgão jurisdicional nacional que tenha aplicado medidas provisórias ou cautelares deve informar desse facto, directamente ou por intermédio da autoridade central designada nos termos do artigo 53.o do regulamento, o tribunal competente de outro Estado-Membro.

65

Face ao exposto, deve-se responder à terceira questão que uma medida cautelar, como a retirada de menores, pode ser decidida por um órgão jurisdicional nacional nos termos do artigo 20.o do regulamento desde que estejam preenchidas as seguintes condições:

a medida seja urgente;

seja relativa a pessoas presentes no Estado-Membro em causa, e

tenha natureza provisória.

A aplicação dessa medida e o seu carácter vinculativo são fixados nos termos do direito nacional. Após a aplicação da medida cautelar, o órgão jurisdicional nacional não é obrigado a remeter o processo ao tribunal competente de outro Estado-Membro. No entanto, na medida em que a protecção do superior interesse do menor o exija, o órgão jurisdicional nacional que tenha decretado medidas provisórias ou cautelares deve informar desse facto, directamente ou por intermédio da autoridade central designada nos termos do artigo 53.o do regulamento, o tribunal competente de outro Estado-Membro.

Quanto à quarta questão

66

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio, pretende saber, no essencial, se, no caso de não ter competência, deve o órgão jurisdicional de um Estado-Membro declarar-se incompetente ou remeter o processo ao tribunal de outro Estado-Membro.

67

De acordo com o artigo 17.o do regulamento, «[o] tribunal de um Estado-Membro no qual tenha sido instaurado um processo para o qual não tenha competência nos termos do presente regulamento e para o qual o tribunal de outro Estado-Membro seja competente, por força do presente regulamento, declara-se oficiosamente incompetente».

68

Como se constatou no n.o 55 do presente acórdão, no quadro das disposições relativas às regras de competência em matéria de responsabilidade parental, o artigo 15.o do regulamento é o único que prevê um pedido ao tribunal de outro Estado-Membro para se declarar competente.

69

No caso de o órgão jurisdicional de um Estado-Membro se declarar oficiosamente incompetente, o regulamento não prevê que o processo seja remetido a um tribunal de outro Estado-Membro.

70

Contudo, pelas mesmas razões indicadas nos n.os 59 a 63 do presente acórdão e na medida em que a protecção do superior interesse do menor o exija, o órgão jurisdicional nacional que se tenha declarado oficiosamente incompetente deve informar desse facto, directamente ou por intermédio da autoridade central designada nos termos do artigo 53.o do regulamento, o tribunal competente de outro Estado-Membro.

71

Consequentemente, deve-se responder à quarta questão que, quando o órgão jurisdicional de um Estado-Membro não tiver competência, deve declarar-se oficiosamente incompetente, sem ser obrigado a remeter o processo a outro órgão jurisdicional. Contudo, na medida em que a protecção do superior interesse do menor o exija, o órgão jurisdicional nacional que se tenha declarado oficiosamente incompetente deve informar desse facto, directamente ou por intermédio da autoridade central designada nos termos do artigo 53.o do regulamento, o tribunal competente de outro Estado-Membro.

Quanto às despesas

72

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que uma decisão única que ordena a retirada urgente de um menor e a sua colocação fora da sua família é abrangida pelo conceito de «matérias civis», na acepção dessa disposição, quando essa decisão tiver sido tomada no quadro das normas de direito público relativas à protecção de menores.

 

2)

O conceito de «residência habitual», na acepção do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto.

 

3)

Uma medida cautelar, como a retirada de menores, pode ser decidida por um órgão jurisdicional nacional nos termos do artigo 20.o do Regulamento n.o 2201/2003 desde que estejam preenchidas as seguintes condições:

a medida em causa seja urgente;

seja relativa a pessoas presentes no Estado-Membro em causa, e

tenha natureza provisória.

 

A aplicação dessa medida e o seu carácter vinculativo são fixados nos termos do direito nacional. Após a aplicação da medida cautelar, o órgão jurisdicional nacional não é obrigado a remeter o processo ao tribunal competente de outro Estado-Membro. No entanto, na medida em que a protecção do superior interesse do menor o exija, o órgão jurisdicional nacional que tenha decretado medidas provisórias ou cautelares deve informar desse facto, directamente ou por intermédio da autoridade central designada nos termos do artigo 53.o do Regulamento n.o 2201/2003, o tribunal competente de outro Estado-Membro.

 

4)

Quando o órgão jurisdicional de um Estado-Membro não tiver competência, deve declarar-se oficiosamente incompetente, sem ser obrigado a remeter o processo a outro órgão jurisdicional. Contudo, na medida em que a protecção do superior interesse do menor o exija, o órgão jurisdicional nacional que se tenha declarado oficiosamente incompetente deve informar desse facto, directamente ou por intermédio da autoridade central designada nos termos do artigo 53.o do Regulamento n.o 2201/2003, o tribunal competente de outro Estado-Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: finlandês.

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