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Document 62021CJ0604

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de março de 2023.
Vapo Atlantic SA contra Entidade Nacional para o Setor Energético E.P.E.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Reenvio prejudicial — Procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação — Diretiva 98/34/CE — Artigo 1.°, ponto 4 — Conceito de “outra exigência” — Artigo 1.°, ponto 11 — Conceito de “regra técnica” — Artigo 8.°, n.° 1 — Obrigação de os Estados‑Membros comunicarem à Comissão Europeia qualquer projeto de regra técnica — Disposição nacional que prevê a incorporação de uma determinada percentagem de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários — Artigo 10.°, n.° 1, terceiro travessão — Conceito de “cláusula de salvaguarda prevista num ato vinculativo da União” — Não inclusão do artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30/CE.
Processo C-604/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:175

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

9 de março de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação — Diretiva 98/34/CE — Artigo 1.o, ponto 4 — Conceito de “outra exigência” — Artigo 1.o, ponto 11 — Conceito de “regra técnica” — Artigo 8.o, n.o 1 — Obrigação de os Estados‑Membros comunicarem à Comissão Europeia qualquer projeto de regra técnica — Disposição nacional que prevê a incorporação de uma determinada percentagem de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários — Artigo 10.o, n.o 1, terceiro travessão — Conceito de “cláusula de salvaguarda prevista num ato vinculativo da União” — Não inclusão do artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30/CE»

No processo C‑604/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (Portugal), por Decisão de 14 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de setembro de 2021, no processo

Vapo Atlantic, S. A.,

contra

Entidade Nacional para o Setor Energético, E.P.E.,

sendo intervenientes:

Fundo Ambiental,

Fundo de Eficiência Energética (FEE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, M. Safjan, N. Piçarra, N. Jääskinen e M. Gavalec (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Vapo Atlantic, S. A., por N. Franco Bruno, R. Leandro Vasconcelos e M. Martins Pereira, advogados,

em representação da Entidade Nacional para o Setor Energético, E.P.E., por G. Capitão, advogado,

em representação do Governo português, por P. Barros da Costa, M. Branco, C. Chambel Alves e J. Reis Silva, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Braga da Cruz, B. De Meester e M. Escobar Gómez, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, ponto 3, do artigo 8.o, n.o 1, e do artigo 10.o, n.o 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 1998, L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO 2006, L 363, p. 81) (a seguir «Diretiva 98/34»), do artigo 7.o‑A, n.o 2, da Diretiva 98/70/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1998, relativa à qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel e que altera a Diretiva 93/12/CEE do Conselho (JO 1998, L 350, p. 58), conforme alterada pela Diretiva 2009/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009 (JO 2009, L 140, p. 88) (a seguir «Diretiva 98/70»), do artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30, e do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (JO 2009, L 140, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Vapo Atlantic, S. A., à Entidade Nacional para o Setor Energético, E.P.E. (a seguir «ENSE»), a respeito de uma decisão desta última que impõe uma compensação financeira à Vapo Atlantic pela não demonstração da incorporação de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários por si introduzidos no consumo com referência ao segundo trimestre de 2020.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 98/34

3

O artigo 1.o da Diretiva 98/34 previa:

«Para efeitos da presente diretiva entende‑se por:

[...]

3)

“Especificação técnica”: a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto, tais como os níveis de qualidade ou de propriedade de utilização, a segurança, as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que respeita à denominação de venda, à terminologia, aos símbolos, aos ensaios e métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem, bem como aos processos de avaliação da conformidade.

[...]

4)

“Outra exigência”: uma exigência, distinta de uma especificação técnica, imposta a um produto por motivos de defesa, nomeadamente dos consumidores, ou do ambiente, e que vise o seu ciclo de vida após a colocação no mercado, como sejam condições de utilização, de reciclagem, de reutilização ou de eliminação, sempre que essas condições possam influenciar significativamente a composição ou a natureza do produto ou a sua comercialização.

[...]

6)

“Norma”: a especificação técnica aprovada por um organismo reconhecido com atividade normativa para aplicação repetida ou contínua, cujo cumprimento não é obrigatório e pertença a uma das seguintes categorias:

norma internacional: norma adotada por uma organização internacional de normalização e colocada à disposição do público,

norma europeia: norma adotada por um organismo europeu de normalização e colocada à disposição do público,

norma nacional: norma adotada por um organismo nacional de normalização e colocada à disposição do público.

[...]

11)

“Regra técnica”: uma especificação técnica, outro requisito ou uma regra relativa aos serviços, incluindo as disposições administrativas que lhes são aplicáveis e cujo cumprimento seja obrigatório de jure ou de facto, para a comercialização, a prestação de serviços, o estabelecimento de um operador de serviços ou a utilização num Estado‑Membro ou numa parte importante desse Estado, assim como, sob reserva das disposições referidas no artigo 10.o, qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa dos Estados‑Membros que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto ou a prestação ou utilização de um serviço ou o estabelecimento como prestador de serviços.

Constituem nomeadamente regras técnicas de facto:

as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas de um Estado‑Membro que remetam para especificações técnicas, outros requisitos ou regras relativas aos serviços, ou para códigos profissionais ou de boa prática que se refiram a especificações técnicas, a outros requisitos ou a regras relativas aos serviços, cuja observância confira uma presunção de conformidade com as prescrições estabelecidas pelas referidas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas,

[...]»

4

O artigo 8.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva dispunha:

«Sob reserva do disposto no artigo 10.o, os Estados‑Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projeto.»

5

Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, terceiro travessão, da referida diretiva:

«Os artigos 8.° e 9.° não são aplicáveis às disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros ou aos acordos voluntários através dos quais estes:

[...]

recorram a cláusulas de salvaguarda previstas em atos comunitários vinculativos».

Diretiva 98/70

6

O artigo 7.o‑A da Diretiva 98/70, sob a epígrafe «Redução das emissões de gases com efeito de estufa», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os Estados‑Membros devem designar o ou os fornecedores responsáveis pela monitorização e a elaboração de relatórios sobre as emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida, por unidade de energia de combustível e de energia fornecida. No caso dos fornecedores de eletricidade para utilização em veículos rodoviários, os Estados‑Membros devem garantir que esses fornecedores possam optar por contribuir para a obrigação de redução estabelecida no n.o 2, se puderem demonstrar que estão habilitados a medir e a monitorizar adequadamente a eletricidade fornecida para utilização naqueles veículos.

A partir de 1 de janeiro de 2011, os fornecedores devem apresentar anualmente à autoridade designada pelo Estado‑Membro um relatório sobre a intensidade dos gases com efeito de estufa dos combustíveis e da energia fornecidos em cada Estado‑Membro, prestando, no mínimo, informações sobre os seguintes elementos:

a)

O volume total de cada tipo de combustível ou de energia fornecidos, com indicação do local de aquisição e da origem desses produtos; e

b)

As emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida, por unidade de energia;

Os Estados‑Membros devem garantir que os relatórios sejam sujeitos a verificação.

Se for caso disso, a Comissão emite orientações para a aplicação do disposto no presente número.

2.   Os Estados‑Membros devem exigir aos fornecedores que reduzam, até 31 de dezembro de 2020, de forma tão gradual quanto possível, até 10 % das emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida, por unidade de energia de combustível e de energia fornecida, por comparação com as normas mínimas para os combustíveis referidas na alínea b) do n.o 5. Esta redução é constituída pelos seguintes elementos:

a)

6 % até 31 de dezembro de 2020. Os Estados‑Membros podem exigir aos fornecedores, para o efeito, que cumpram os seguintes objetivos intercalares: 2 % até 31 de dezembro de 2014 e 4 % até 31 de dezembro de 2017;

b)

2 % adicionais, enquanto objetivo indicativo a atingir até 31 de dezembro de 2020, nos termos da alínea h) do n.o 1 do artigo 9.o, mediante recurso a um ou aos dois métodos seguintes:

i)

o fornecimento de energia no setor dos transportes para utilização em qualquer tipo de veículo rodoviário, máquina móvel não rodoviária (incluindo embarcações de navegação interior), trator agrícola ou florestal ou embarcação de recreio,

ii)

a utilização de qualquer tecnologia (incluindo a captura e o armazenamento de carbono) capaz de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida, por unidade de energia de combustível ou de energia fornecida;

c)

2 % adicionais, enquanto objetivo indicativo a atingir até 31 de dezembro de 2020, nos termos da alínea i) do n.o 1 do artigo 9.o, mediante a utilização de créditos adquiridos através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto, nas condições definidas na Diretiva 2003/87/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003,] relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade [e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO 2003, L 275, p. 32)], para reduzir as emissões no setor do abastecimento de combustíveis.»

Diretiva 2009/30

7

Os considerandos 8 e 9 da Diretiva 2009/30 enunciam:

«(8)

A combustão dos combustíveis utilizados nos transportes rodoviários é responsável por cerca de 20 % das emissões comunitárias de gases com efeito de estufa. Uma das abordagens possíveis para reduzir estas emissões consiste em diminuir as emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida desses combustíveis. Isto pode conseguir‑se de diversas formas. Atendendo ao objetivo da Comunidade de intensificar a redução das emissões de gases com efeito de estufa e à significativa contribuição dos transportes rodoviários para essa[s] emissões, dever‑se‑á estabelecer um mecanismo que obrigue os fornecedores de combustíveis a comunicarem as emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida dos combustíveis que fornecem e a reduzirem essas emissões a partir de 2011. A metodologia de cálculo do impacto das emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida dos biocombustíveis deverá ser idêntica à metodologia estabelecida para efeitos do cálculo do impacto dos gases com efeito de estufa nos termos da [Diretiva 2009/28].

(9)

Até 31 de dezembro de 2020, os fornecedores deverão reduzir, gradualmente, até 10 % as emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida dos combustíveis por unidade de energia de combustível e de energia fornecida. Esta redução deverá corresponder a, pelo menos, 6 % até 31 de dezembro de 2020, por comparação com o nível médio de emissões de gases com efeito de estufa por unidade de energia produzida a partir de combustíveis fósseis observado na UE em 2010, através da utilização de biocombustíveis, combustíveis alternativos e reduções a nível da queima e da ventilação nos sítios de produção. Sob reserva de uma revisão, a redução poderá incluir mais uma redução de 2 % através da utilização de tecnologias de captura e armazenamento do carbono compatíveis com o ambiente, bem como de veículos elétricos, e outra redução de 2 % através da compra de créditos ao abrigo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto. Essas reduções suplementares não deverão ser obrigatórias para os Estados‑Membros ou os fornecedores de combustíveis aquando da entrada em vigor da presente diretiva. A revisão deverá abordar o seu caráter não obrigatório.»

8

O artigo 4.o da Diretiva 2009/30, sob a epígrafe «Transposição», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 31 de dezembro de 2010.

Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.

Quando os Estados‑Membros aprovarem tais disposições, estas devem incluir uma referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. As modalidades dessa referência devem ser aprovadas pelos Estados‑Membros.

2.   Os Estados‑Membros devem comunicar à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que aprovarem nas matérias reguladas pela presente diretiva.»

Diretiva 2009/28

9

A Diretiva 2009/28 foi revogada pela Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis (JO 2018, L 328, p. 82), com efeitos a partir de 1 de julho de 2021. Contudo, tendo em conta a data dos factos em causa, o litígio no processo principal continua a ser regido pelas disposições da Diretiva 2009/28.

10

Os considerandos 8 e 9 da Diretiva 2009/28 enunciavam:

«(8)

A Comunicação da Comissão de 10 de janeiro de 2007 intitulada “Roteiro das Energias Renováveis — Energias renováveis no Século XXI: construir um futuro mais sustentável” demonstrou que 20 % para a quota global de energia proveniente de fontes renováveis e 10 % para a energia proveniente de fontes renováveis nos transportes seriam objetivos adequados e realizáveis, e que um enquadramento que inclua objetivos obrigatórios deverá fornecer ao mundo empresarial a estabilidade a longo prazo de que este necessita para realizar investimentos racionais e sustentáveis no setor das energias renováveis capazes de reduzir a dependência das importações de combustíveis fósseis e de fomentar a utilização de novas tecnologias energéticas. Estes objetivos existem no contexto da melhoria da eficiência energética em 20 % até 2020 fixada na Comunicação da Comissão, de 19 de outubro de 2006, intitulada “Plano de Ação para a Eficiência Energética: Concretizar o Potencial”, aprovada pelo Conselho Europeu de março de 2007 e pelo Parlamento Europeu na sua Resolução de 31 de janeiro de 2008 sobre esse plano de ação.

(9)

O Conselho Europeu de março de 2007 reafirmou o compromisso da Comunidade para com o desenvolvimento à escala comunitária da energia proveniente de fontes renováveis para além de 2010. Aprovou como objetivo obrigatório uma quota de 20 % de energia proveniente de fontes renováveis no consumo energético comunitário global até 2020 e um objetivo obrigatório mínimo de 10 % a alcançar por todos os Estados‑Membros para a quota de biocombustíveis no consumo de gasolina e gasóleo pelos transportes até 2020, a introduzir de forma economicamente eficaz. Afirmou que o caráter obrigatório do objetivo fixado para os biocombustíveis é adequado desde que a produção seja sustentável, que passem a estar comercialmente disponíveis biocombustíveis de segunda geração e que seja alterada a [Diretiva 98/70] a fim de permitir níveis adequados de mistura. O Conselho Europeu de março de 2008 reiterou que é essencial definir e cumprir critérios de sustentabilidade efetiva para os biocombustíveis e garantir a disponibilidade comercial dos biocombustíveis de segunda geração. O Conselho Europeu de junho de 2008 voltou a referir os critérios de sustentabilidade e o desenvolvimento de biocombustíveis de segunda geração e salientou a necessidade de avaliar os eventuais impactos da produção de biocombustíveis nos produtos agroalimentares e de tomar as medidas adequadas para colmatar eventuais lacunas. Declarou ainda que as consequências ambientais e sociais da produção e do consumo de biocombustíveis deverão continuar a ser analisadas.»

11

O artigo 1.o da Diretiva 2009/28, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», previa:

«A presente diretiva estabelece um quadro comum para a promoção de energia proveniente das fontes renováveis. Fixa objetivos nacionais obrigatórios para a quota global de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia e para a quota de energia proveniente de fontes renováveis consumida pelos transportes. [...]»

12

O artigo 3.o da Diretiva 2009/28, sob a epígrafe «Objetivos globais nacionais obrigatórios e medidas para a utilização de energia proveniente de fontes renováveis», dispunha, no seu n.o 4:

«Cada Estado‑Membro deve assegurar que a sua quota de energia proveniente de fontes renováveis consumida por todos os modos de transporte em 2020 represente, pelo menos, 10 % do consumo final de energia nos transportes nesse Estado‑Membro.

[...]»

13

Na sua última versão em vigor, a Diretiva 2009/28 tinha sido alterada pela Diretiva (UE) 2015/1513 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015 (JO 2015, L 239, p. 1), que previa, em conformidade com o seu artigo 4.o, n.o 1, que as alterações introduzidas por esta fossem transpostas pelos Estados‑Membros até 10 de setembro de 2017, os quais eram igualmente obrigados a informar imediatamente a Comissão de todas as medidas de transposição.

Direito português

14

O artigo 11.o do Decreto‑Lei n.o 117/2010, de 25 de outubro de 2010, conforme alterado pelo Decreto‑Lei n.o 6/2012, de 17 de janeiro de 2012 (a seguir «Decreto‑Lei n.o 117/2010»), dispõe, no seu n.o 1:

«As entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo, processando as declarações de introdução no consumo (DIC) nos termos do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, aprovado pelo Decreto‑Lei n.o 73/2010, de 21 de junho, alterado pela Lei n.o 55‑A/2010, de 31 de dezembro, [...] estão obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação nas seguintes percentagens de biocombustíveis, em teor energético, relativamente às quantidades de combustíveis rodoviários por si colocados no consumo, com exceção do gás de petróleo liquefeito (GPL) e do gás natural:

a)

2011 e 2012 – 5,0 %;

b)

2013 e 2014 – 5,5 %;

c)

2015 e 2016 – 7,5 %;

d)

2017 e 2018 – 9,0 %;

e)

2019 e 2020 – 10,0 %.»

15

O preâmbulo do Decreto‑Lei n.o 6/2012 precisa que «o Decreto‑Lei n.o 117/2010 [...] que transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a [Diretiva 2009/28] e a [Diretiva 2009/30], estabelece os critérios de sustentabilidade de produção e utilização de biocombustíveis e biolíquidos, os mecanismos de promoção de biocombustíveis nos transportes terrestres e, bem assim, define os limites de incorporação obrigatória de biocombustíveis».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

A Vapo Atlantic é uma sociedade que exerce a sua atividade no mercado de combustíveis em Portugal.

17

Uma vez que tem o estatuto fiscal de destinatário registado, não dispõe de condições legais para proceder à incorporação física de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários que introduz no consumo em Portugal. Por conseguinte, adquire, a uma sociedade sediada em Espanha, esses combustíveis que têm incorporado biocombustível em proporções que respeitam o estabelecido na legislação espanhola.

18

A Vapo Atlantic não apresentou à ENSE nenhum comprovativo de aprovação por parte da Comissão Europeia do sistema de certificação voluntário aplicado pela sociedade a quem adquire os combustíveis rodoviários em Espanha.

19

No segundo trimestre de 2020, a Vapo Atlantic introduziu no consumo 7582 toneladas de combustíveis rodoviários.

20

A ENSE verificou que, contrariamente à obrigação que lhe é imposta pelo Decreto‑Lei n.o 117/2010, a Vapo Atlantic não dispunha de nenhum título de biocombustível, sendo certo que necessitaria de deter, pelo menos, 758 títulos, para demonstrar que respeitava a obrigação de incorporar 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários que introduziu no consumo no segundo trimestre de 2020.

21

Por conseguinte, a ENSE adotou uma decisão que impunha à Vapo Atlantic o pagamento do montante de 908084 euros, a título de compensação financeira, pelo facto de esta não ter demonstrado a incorporação de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários por si introduzidos no consumo durante o segundo trimestre de 2020, violando o artigo 11.o, n.o 1, do Decreto‑Lei n.o 117/2010.

22

A Vapo Atlantic impugnou essa decisão no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (Portugal), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

23

Esse órgão jurisdicional sublinha que o projeto da legislação nacional referida no n.o 21 do presente acórdão não parece ter sido comunicado à Comissão antes da publicação e da entrada em vigor dessa legislação.

24

O referido órgão jurisdicional interroga‑se, em substância, sobre a interpretação das disposições da Diretiva 98/34, a fim de determinar se a referida legislação constitui uma «regra técnica» que deveria ter sido comunicada à Comissão.

25

Em primeiro lugar, esse mesmo órgão jurisdicional interroga‑se se o artigo 11.o, n.o 1, do Decreto‑Lei n.o 117/2010, que define apenas as percentagens de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo sem definir uma qualquer característica desses biocombustíveis, deve ou não considerar‑se «regra técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34 e, mais especificamente, se se trata de «outra exigência» na aceção deste artigo 1.o, ponto 4.

26

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o artigo 11.o, n.o 1, do Decreto‑Lei n.o 117/2010 se subsumirá à exceção que consta do próprio artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva, uma vez que esta disposição de direito nacional constitui uma «mera transposição integral de uma norma [...] europeia». Com efeito, o artigo 7.o‑A, n.o 2, da Diretiva 98/70 impõe aos Estados‑Membros a obrigação de exigirem aos fornecedores a redução, de forma tão gradual quanto possível, até 10 % das emissões de gases com efeito de estufa.

27

Em terceiro lugar, esse órgão jurisdicional interroga‑se se o artigo 11.o, n.o 1, do Decreto‑Lei n.o 117/2010 se subsumirá ao disposto no artigo 10.o, n.o 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34, atendendo ao artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30 e ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2015/1513. Com efeito, estas duas últimas disposições podem ser consideradas «cláusulas de salvaguarda previstas em atos comunitários vinculativos» na aceção do artigo 10.o, n.o 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34.

28

Em quarto lugar, o referido órgão jurisdicional interroga‑se, a título subsidiário, sobre as consequências a extrair do incumprimento da obrigação de comunicação do projeto de legislação, prevista no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34. O órgão jurisdicional de reenvio reconhece que, em princípio, a falta de comunicação de disposições nacionais ao abrigo desta disposição implica a inoponibilidade das mesmas. Contudo, tem dúvidas a este respeito, uma vez que essa interpretação levaria ao generalizado incumprimento da obrigação de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo. Esta mesma interpretação comprometeria não apenas o objetivo nacional, mas o próprio objetivo europeu em matéria de redução de emissão de gases com efeito de estufa e da promoção de fontes de energia renováveis.

29

Nestas circunstâncias, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O disposto no [artigo] l.°, [ponto] 3, da Diretiva [98/34] deve ser interpretado no sentido de que corresponde ao conceito de “outra exigência”, para efeitos do disposto no [artigo] 8.°, n.o 1, da mesma [d]iretiva, a definição da percentagem de biocombustíveis que, de acordo com o disposto no [artigo] 7.°‑A da Diretiva [98/70], aditado pela Diretiva [2009/30], e em consonância com o objetivo enunciado no [artigo] 3.°, n.o 4, da Diretiva [2009/28], um determinado operador económico está obrigado a incorporar nos combustíveis por si introduzidos no consumo, como sucede no caso da legislação nacional em causa?

2)

O [artigo] 8.°, n.o 1, da Diretiva [98/34], quando refere “exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia” deve ser interpretado no sentido de excluir uma norma de direito nacional que define as percentagens de incorporação de biocombustíveis, de acordo com o disposto no [artigo] 7.°‑A, n.o 2, da Diretiva [98/70], aditado pela Diretiva [2009/30], em consonância com o objetivo visado no [artigo] 3.°, n.o 4, da Diretiva [2009/28]?

3)

O disposto no [artigo] 4.°, n.o 1, segundo [parágrafo], da Diretiva [2009/30], bem como o disposto no [artigo] 4.°, n.o 1, da Diretiva [2015/1513], devem ser interpretados no sentido de se tratarem de cláusulas de salvaguarda previstas em atos comunitários vinculativos, para os efeitos previstos no [artigo] 10.°, n.o 1, terceiro travessão, da Diretiva [98/34]?

4)

Não ficando a resposta prejudicada pelas anteriores, o disposto no [artigo] 8.°, n.o 1, da Diretiva [98/34] deve ser interpretado no sentido de tornar inoponível ao operador económico a disposição nacional, como a que está em causa no processo, que define a percentagem de incorporação de biocombustíveis, em transposição do [artigo] 7.°‑A, n.o 2, da Diretiva [98/70], aditado pela Diretiva [2009/30]?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

30

A ENSE considera que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, uma vez que a redação das disposições cuja interpretação é pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio é clara e não há, portanto, nenhuma dúvida merecedora de um esclarecimento.

31

A este respeito, é jurisprudência constante que, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 27 e jurisprudência referida).

32

No caso em apreço, basta constatar que, como resulta do pedido de decisão prejudicial, as questões submetidas têm uma relação direta com o litígio no processo principal e são pertinentes para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio dirimi‑lo. Por outro lado, este pedido contém elementos suficientes para determinar o alcance destas questões e dar‑lhes uma resposta útil.

33

Em todo o caso, o órgão jurisdicional de reenvio não está de modo algum proibido de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça cuja resposta, no entender de uma das partes no processo principal, não deixa margem para nenhuma dúvida razoável. Assim, mesmo admitindo que seja esse o caso, o pedido de decisão prejudicial que comporta tais questões não se torna, por isso, inadmissível (Acórdão de 14 de outubro de 2021, Viesgo Infraestructuras Energéticas, C‑683/19, EU:C:2021:847, n.o 26).

34

Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e quarta questões

35

A título preliminar, há que recordar que, no litígio no processo principal, foi imposto à Vapo Atlantic o pagamento de uma compensação financeira por ter violado o artigo 11.o, n.o 1, do Decreto‑Lei n.o 117/2010, uma vez que esta sociedade não tinha cumprido a sua obrigação de apresentar os títulos que permitiam demonstrar a incorporação de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários por si introduzidos no consumo durante o segundo trimestre de 2020.

36

A este respeito, embora o órgão jurisdicional de reenvio se tenha referido formalmente, na sua primeira questão, ao artigo 1.o, ponto 3, da Diretiva 98/34, resulta da redação desta questão que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a obrigação imposta pela legislação nacional corresponde ao conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.o, ponto 4, desta diretiva e constitui, assim, uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 11, da referida diretiva.

37

Por conseguinte, há que considerar que, com as suas questões primeira e quarta, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional que fixa um objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.o, ponto 4, desta diretiva e constitui, assim, uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 11, da referida diretiva, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, da mesma diretiva.

38

Em primeiro lugar, importa recordar que o conceito de «outra exigência» é definido no artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34 como uma «exigência, distinta de uma especificação técnica, imposta a um produto por motivos de defesa, nomeadamente dos consumidores, ou do ambiente, e que vise o seu ciclo de vida após a colocação no mercado, como sejam condições de utilização, de reciclagem, de reutilização ou de eliminação, sempre que essas condições possam influenciar significativamente a composição ou a natureza do produto ou a sua comercialização».

39

Em conformidade com jurisprudência constante, cabe nesta categoria uma regulamentação que fixe uma condição que possa influenciar significativamente a composição, a natureza ou a comercialização de um produto, uma vez que estas «outras exigências» visam as exigências resultantes da tomada em consideração do ciclo de vida do produto em causa, após a sua colocação no mercado, relativas, nomeadamente, à utilização do mesmo (Acórdão de 28 de maio de 2020, ECO‑WIND Construction, C‑727/17, EU:C:2020:393, n.o 40 e jurisprudência referida).

40

No caso em apreço, as questões do órgão jurisdicional de reenvio têm por objeto uma legislação nacional que exige aos operadores económicos que procedem à introdução no consumo de combustíveis rodoviários, com exceção do GPL e do gás natural, que contribuam para o cumprimento dos objetivos de incorporação de biocombustíveis nas quantidades anuais de combustíveis rodoviários por si introduzidos no consumo, a saber, um objetivo de 10 % relativamente ao ano de 2020. Mesmo que essa legislação não especifique o tipo de combustível rodoviário visado, não fixe a percentagem de biocombustível que deve ser fisicamente incorporado nos combustíveis rodoviários, nem especifique o tipo de biocombustível a incorporar, o requisito que prevê, adotado para efeitos de proteção do ambiente, visa o ciclo de vida dos combustíveis rodoviários após a sua colocação no mercado e pode influenciar significativamente a comercialização dos referidos produtos, na medida em que o incumprimento da obrigação de incorporação de biocombustíveis prevista é suscetível de implicar a imposição de uma compensação financeira.

41

Daqui decorre que uma legislação nacional que fixe um objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente ao ano de 2020 é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34 e constitui, assim, uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 11, desta diretiva.

42

Em segundo lugar, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, a Diretiva 98/34 tem por finalidade, através de um controlo preventivo, proteger a livre circulação de mercadorias, que é um dos fundamentos da União. Esse controlo é útil na medida em que as regras técnicas abrangidas por essa diretiva podem constituir entraves às trocas de mercadorias entre Estados‑Membros, entraves que só podem ser admitidos se forem necessários para satisfazer exigências imperativas que prossigam um objetivo de interesse geral (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de abril de 1996, CIA Security International, C‑194/94, EU:C:1996:172, n.o 40, e de 19 de julho de 2012, Fortuna e o., C‑213/11, C‑214/11 e C‑217/11, EU:C:2012:495, n.o 26 e jurisprudência referida).

43

Neste contexto, o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34 impõe, em princípio, aos Estados‑Membros que comuniquem imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a inobservância da obrigação de comunicação prevista neste artigo 8.o, n.o 1, constitui um vício processual essencial suscetível de acarretar a inaplicabilidade das regras técnicas em causa, de modo que estas não podem ser opostas aos particulares (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 1996, CIA Security International, C‑194/94, EU:C:1996:172, n.o 54).

44

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e quarta questões que o artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional que fixa um objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34 e constitui assim uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 11, desta diretiva, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva.

Quanto à segunda questão

45

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional que visa transpor o artigo 7.o‑A, n.o 2, da Diretiva 98/70 em consonância com o objetivo que figura no artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2009/28 é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma norma europeia na aceção do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34 e, por conseguinte, de se eximir à obrigação de comunicação prevista nesta disposição.

46

A este respeito, em conformidade com o artigo 1.o, ponto 6, da Diretiva 98/34, constitui uma «norma», na aceção desta diretiva, a especificação técnica aprovada por um organismo reconhecido com atividade normativa cujo cumprimento não é obrigatório e pertença à categoria das normas internacionais, à das normas europeias ou à das normas nacionais. A «norma europeia» é definida por esta disposição como a que é adotada por um organismo europeu de normalização e colocada à disposição do público.

47

Decorre, assim, destas definições que o conceito de «norma europeia», considerado no contexto das regras técnicas, e mais especificamente da Diretiva 98/34, tem um âmbito limitado às normas adotadas por um organismo europeu de normalização.

48

Ora, não resulta do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2009/28 nem do artigo 7.o‑A, n.o 2, da Diretiva 98/70 que o legislador da União tenha adotado, através dessas disposições, «normas europeias» na aceção do artigo 1.o, ponto 6, da Diretiva 98/34.

49

Com efeito, por um lado, o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2009/28, lido à luz dos considerandos 8 e 9 e do artigo 1.o da mesma, limita‑se a fixar objetivos obrigatórios segundo os quais a quota de energia proveniente de fontes renováveis consumida por todos os modos de transporte em 2020 represente, pelo menos, 10 % do consumo final de energia nos transportes em cada Estado‑Membro, deixando aos Estados‑Membros uma margem de apreciação quanto às medidas que consideram adequadas para alcançar esses objetivos.

50

Por outro lado, o artigo 7.o‑A, n.o 2, da Diretiva 98/70 concretiza a vontade do legislador da União de reduzir até 10 % as emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida, por unidade de energia, do combustível e da energia fornecida. Contudo, como resulta desta disposição, em conjugação com os considerandos 8 e 9 da Diretiva 2009/30, os Estados‑Membros conservam uma margem de apreciação para alcançar essa redução, através da utilização de biocombustíveis ou de combustíveis alternativos ou ainda através de reduções a nível da queima.

51

Daqui resulta que nem o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2009/28 nem o artigo 7.o‑A, n.o 2, da Diretiva 98/70 impõem uma «norma» na aceção do artigo 1.o, ponto 6, da Diretiva 98/34.

52

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional que visa transpor o artigo 7.o‑A, n.o 2, da Diretiva 98/70 em consonância com o objetivo que figura no artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2009/28 não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma norma europeia na aceção do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34 e, por conseguinte, de se eximir à obrigação de comunicação prevista nesta disposição.

Quanto à terceira questão

53

A título preliminar, importa observar que a legislação nacional em causa no processo principal entrou em vigor em 18 de janeiro de 2012, ao passo que a Diretiva 2015/1513, à qual o órgão jurisdicional de reenvio se refere na terceira questão, entrou em vigor, em conformidade com o seu artigo 5.o, em 5 de outubro de 2015. Nestas circunstâncias, não há que ter em consideração esta diretiva para responder a esta questão.

54

Por conseguinte, há que considerar que, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30 deve ser interpretado no sentido de que esta disposição constitui uma cláusula de salvaguarda prevista num ato vinculativo da União, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34.

55

Importa salientar que os dois primeiros parágrafos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2009/30 se limitam a fixar aos Estados‑Membros um prazo para a transposição da mesma, a saber, até 31 de dezembro de 2010, através de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas necessárias para esse efeito, exigindo‑lhes que comuniquem imediatamente à Comissão o texto dessas disposições. O terceiro parágrafo desta disposição prevê, por sua vez, que, quando os Estados‑Membros aprovarem tais disposições, estas devem fazer referência à Diretiva 2009/30.

56

Ora, nada no texto do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2009/30 leva a pensar que o legislador da União pretendeu introduzir nesta diretiva uma cláusula de salvaguarda na aceção do artigo 114.o, n.o 10, TFUE, a que os Estados‑Membros poderiam ter recorrido.

57

A este respeito, esta última disposição prevê que as medidas de harmonização compreenderão, nos casos adequados, uma cláusula de salvaguarda que autorize os Estados‑Membros a tomarem, por uma ou mais razões não económicas previstas no artigo 36.o TFUE, medidas provisórias sujeitas a um processo de controlo da União. Daqui resulta que essa cláusula de salvaguarda deve estar expressamente prevista no ato de harmonização. Ora, o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2009/30 não preenche estas características e não pode, portanto, constituir uma cláusula de salvaguarda desse tipo.

58

Decorre do que precede que há que responder à terceira questão que o artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30 deve ser interpretado no sentido de que esta disposição não constitui uma cláusula de salvaguarda prevista num ato vinculativo da União, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34.

Quanto às despesas

59

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006,

deve ser interpretado no sentido de que:

uma legislação nacional que fixa um objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e constitui assim uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34, conforme alterada, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada.

 

2)

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada pela Diretiva 2006/96,

deve ser interpretado no sentido de que:

uma legislação nacional que visa transpor o artigo 7.o‑A, n.o 2, da Diretiva 98/70/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1998, relativa à qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel e que altera a Diretiva 93/12/CEE do Conselho, conforme alterada pela Diretiva 2009/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, em consonância com o objetivo que figura no artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE, não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma norma europeia na aceção do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e, por conseguinte, de se eximir à obrigação de comunicação prevista nesta disposição.

 

3)

O artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30,

deve ser interpretado no sentido de que:

esta disposição não constitui uma cláusula de salvaguarda prevista num ato vinculativo da União, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34, conforme alterada pela Diretiva 2006/96.

 

Jürimäe

Safjan

Piçarra

Jääskinen

Gavalec

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de março de 2023.

O Secretário

A. Calot Escobar

A Presidente de Secção

K. Jürimäe


( *1 ) Língua do processo: português.

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