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Document 62011CJ0325

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 19 de dezembro de 2012.
Krystyna Alder e Ewald Alder contra Sabina Orlowska e Czeslaw Orlowski.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy w Koszalinie.
Regulamento (CE) n.° 1393/2007 — Citação e notificação de atos — Parte com domicílio no território de outro Estado‑Membro — Representante com domicílio no território nacional — Inexistência — Atos processuais juntos aos autos — Presunção de conhecimento.
Processo C‑325/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:824

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de dezembro de 2012 ( *1 )

«Regulamento (CE) n.o 1393/2007 — Citação e notificação de atos — Parte com domicílio no território de outro Estado-Membro — Representante com domicílio no território nacional — Inexistência — Atos processuais juntos aos autos — Presunção de conhecimento»

No processo C-325/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Sąd Rejonowy w Koszalinie (Polónia), por decisão de 15 de junho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2011, no processo

Krystyna Alder,

Ewald Alder

contra

Sabina Orłowska,

Czeslaw Orłowski,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, E. Levits, J.-J. Kasel e M. Berger, juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de setembro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação de K. Alder e E. Alder, por K. Góralska, adwokat,

em representação de S. Orłowska e C. Orłowski, por F. Pniewska, consultora jurídica,

em representação do Governo polaco, por B. Czech, M. Arciszewski e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Varone, avvocato dello Stato,

em representação do Governo português, por R. Chambel Margarido e L. Inez Fernandes, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A.-M. Rouchaud-Joët e A. Stobiecka-Kuik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 20 de setembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho (JO L 324, p. 79), e do artigo 18.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K. Alder e E. Alder (a seguir «casal Alder») a S. Orłowska e C. Orłowski (a seguir «casal Orłowski»), relativamente ao pedido apresentado pelos primeiros com vista à reabertura do processo de cobrança de dívida que tinham intentado contra os segundos.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Em conformidade com os considerandos 6 a 8 e 12 do Regulamento n.o 1393/2007:

«(6)

A eficácia e a celeridade nos processos judiciais no domínio civil impõe que os atos judiciais e extrajudiciais sejam transmitidos diretamente e através de meios rápidos entre as entidades locais designadas pelos Estados-Membros. Os Estados-Membros podem indicar a sua intenção de designar uma única entidade de origem ou uma única entidade requerida, ou uma entidade que desempenhe ambas as funções, por um período de cinco anos. Essa designação pode, todavia, ser renovada por períodos de igual duração.

(7)

A celeridade na transmissão justifica a utilização de todos os meios adequados, respeitando determinadas condições quanto à legibilidade e à fidelidade do ato recebido. A segurança da transmissão exige que o ato a transmitir seja acompanhado de um formulário, que deve ser preenchido na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde a citação ou notificação deva ter lugar ou noutra língua reconhecida pelo Estado-Membro requerido.

(8)

O presente regulamento não é aplicável à citação ou notificação de um ato ao representante de uma das partes no Estado-Membro onde decorre a ação, independentemente do local de residência da referida parte.

[…]

(12)

A entidade requerida deverá avisar o destinatário, por escrito, mediante o formulário, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana se este não estiver redigido numa língua que o destinatário compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação. Esta disposição deverá aplicar-se igualmente à citação ou notificação ulterior, depois de o destinatário ter exercido o direito de recusa. As regras sobre a recusa deverão igualmente aplicar-se à citação ou notificação efetuada por agentes diplomáticos ou consulares, pelos serviços postais ou diretamente. É conveniente estabelecer que a citação ou notificação de um ato recusado poderá ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário de uma tradução do ato.»

4

O artigo 1.o deste regulamento prevê:

«1.   O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objeto de citação ou notificação. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade do Estado por atos e omissões no exercício do poder público ([acta iure imperii]).

2.   O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.

[…]»

5

O artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento tem a seguinte redação:

«O ato a transmitir deve ser acompanhado de um pedido, de acordo com o formulário constante do Anexo I. O formulário deve ser preenchido na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local em que deva ser efetuada a citação ou notificação, ou ainda numa outra língua que o Estado-Membro requerido tenha indicado poder aceitar. Cada Estado-Membro deve indicar a língua oficial ou as línguas oficiais das instituições da União Europeia que, além da sua ou das suas, possam ser utilizadas no preenchimento do formulário.»

6

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007:

«O requerente é avisado, pela entidade de origem competente para a transmissão, de que o destinatário pode recusar a receção do ato se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 8.o»

7

O artigo 14.o deste regulamento dispõe:

«Os Estados-Membros podem proceder diretamente pelos serviços postais à citação ou notificação de atos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de receção ou equivalente.»

8

O artigo 19.o, n.o 1, do referido regulamento prevê:

«Se tiver sido transmitida uma petição inicial ou ato equivalente a outro Estado-Membro para citação ou notificação nos termos do presente regulamento, e se o demandado não tiver comparecido, o juiz sobrestará na decisão enquanto não for determinado:

a)

Que o ato foi objeto de citação ou notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado-Membro requerido para a citação ou notificação de atos emitidos no seu território e dirigidos a pessoas que aí se encontrem; ou

b)

Que o ato foi efetivamente entregue ao demandado ou na sua residência, segundo outra forma prevista pelo presente regulamento;

e que, em qualquer destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega, foi feita em tempo útil para que o demandado pudesse defender-se.»

Direito polaco

9

O artigo 11355 do Código de Processo Civil dispõe:

«1.   A parte que tiver o seu domicílio, paradeiro habitual ou sede no estrangeiro, se não constituir mandatário com domicílio profissional na República da Polónia, está obrigada a nomear um representante para receber as notificações na República da Polónia.

2.   Se a parte não nomear representante para receber as notificações, os atos processuais que lhe forem dirigidos são juntos aos autos, considerando-se aquela notificada. A parte deve ser informada deste facto na primeira notificação que lhe for feita. Deve ser ainda informada da possibilidade de contestar o pedido introdutório da instância e de se pronunciar por escrito, bem como sobre quem pode recair a nomeação de mandatário judicial.»

10

Segundo o artigo 401.o do Código de Processo Civil:

«A reabertura do processo por nulidade pode ser requerida:

1)

se uma pessoa não autorizada fez parte da composição do tribunal ou se o juiz que proferiu a decisão for recusado nos termos da lei e a parte não tiver tido a possibilidade, antes de a sentença transitar em julgado, de requerer a recusa;

2)

se uma parte não tiver capacidade judiciária ativa ou passiva ou se não estiver devidamente representada ou tiver sido privada do seu poder de agir devido a violação do direito; contudo, um pedido de reabertura do processo não pode ocorrer se a impossibilidade de agir cessou antes de a sentença ter transitado em julgado ou se tiver sido invocada na petição a inexistência de mandatário ou se a parte tiver confirmado a realização das diligências processuais.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

Em 20 de novembro de 2008, o casal Alder, residente na Alemanha, intentou uma ação de cobrança de dívida no Sąd Rejonowy w Koszalinie contra o casal Orłowski, residente na Polónia.

12

O Sąd Rejonowy w Koszalinie informou os recorrentes da sua obrigação de, no prazo de um mês, comunicarem o nome de um representante na Polónia para receber as notificações de atos processuais e chamou a atenção para o facto de que, se não tiver sido nomeado nenhum representante até ao termo do prazo, os atos que lhes forem dirigidos são juntos aos autos e considerados como lhes tendo sido notificados.

13

Na medida em que nenhum representante autorizado a receber as notificações na Polónia foi indicado pelo casal Alder, a sua notificação para a audiência marcada para 5 de junho de 2009 e a contestação apresentada pelo casal Orłowski foram juntas aos autos, nos termos da regra segundo a qual estes atos se consideram ter sido notificados aos autores por força do artigo 11355 do Código de Processo Civil. Estes não compareceram na referida audiência em que o Sąd Rejonowy w Koszalinie apreciou as provas e deu por finda a fase do contraditório. Nesse mesmo dia, proferiu uma sentença que julgou a ação improcedente e que, não tendo sido objeto de recurso, transitou em julgado.

14

Em 29 de outubro de 2009, os recorrentes pediram ao Sąd Rejonowy w Koszalinie a reabertura do processo de cobrança de dívida, tendo requerido a anulação da referida sentença e a reapreciação da causa. A este respeito, alegaram, nomeadamente, que, pelo facto de não terem sido efetivamente notificados da audiência, lhes tinha sido negada a possibilidade de agir no processo. Por este facto, não tendo notificado os atos judiciais no seu domicílio na Alemanha, o órgão jurisdicional de reenvio violou o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e as disposições do Regulamento n.o 1393/2007.

15

Por sentença de 23 de junho de 2010, o Sąd Rejonowy w Koszalinie indeferiu o pedido de reabertura, invocando que o processo civil polaco estava em conformidade com o direito da União. Na sequência do recurso interposto pelos recorrentes, o Sąd Okręgowy w Koszalinie anulou a referida sentença, considerando que a ficção de que a notificação se considerava feita era contrária ao Regulamento n.o 1393/2007, e remeteu o processo ao Sąd Rejonowy w Koszalinie para nova decisão.

16

O Sąd Rejonowy w Koszalinie afirmou, contudo, que não partilhava deste entendimento. Com efeito, considerou, por um lado, que o Regulamento n.o 1393/2007 não podia ser aplicado no processo principal, na medida em que só regula os casos em que um ato judicial deve ser notificado noutro Estado-Membro por força das regras processuais nacionais. Por outro lado, tendo em conta o artigo 18.o TFUE, entendeu que a regra segundo a qual os atos se consideram notificados não pode criar uma discriminação direta e, ainda que pudesse constituir uma discriminação indireta, estaria, em qualquer caso, justificada pelo seu objetivo de garantir o bom desenrolar do processo, atendendo às dificuldades e aos custos relacionados com as notificações de atos no estrangeiro, ou mesmo ao seu caráter irrealizável.

17

Nestas condições, o Sąd Rejonowy w Koszalinie decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 1.°, n.o 1, do Regulamento […] n.o 1393/2007 […] e 18.° TFUE ser interpretados no sentido de que é lícito admitir a junção aos autos de determinados atos processuais dirigidos a pessoas com domicílio ou paradeiro habitual noutro Estado-Membro, com a consequência de se presumir que esses atos lhes foram notificados, quando essas pessoas não tiverem nomeado um representante para receber notificações domiciliado no Estado-Membro em que o processo corre os seus termos?»

Quanto à questão prejudicial

18

Com a sua questão, o Sąd Rejonowy w Koszalinie pergunta, no essencial, se o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007 e, eventualmente, o artigo 18.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que obstam à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê que os atos judiciais dirigidos a pessoa com domicílio ou paradeiro habitual noutro Estado-Membro são juntos aos autos, com a consequência de se presumir que estes atos lhe foram notificados, quando essa pessoa não tiver nomeado um representante para receber notificações com domicílio no Estado-Membro no qual o processo corre os seus termos.

19

Para responder a esta questão há, antes de mais, que delimitar o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1393/2007, de modo a verificar se abrange a citação e a notificação de atos judiciais nas circunstâncias definidas por este regulamento, de entre as quais, nomeadamente, as previstas na legislação nacional em causa no processo principal, ou se, como alega o Governo polaco, o referido regulamento só se aplica quando estes atos devam ser citados ou notificados noutro Estado-Membro nos termos das normas processuais em vigor no Estado-Membro em que o processo corre os seus termos.

20

A este respeito, importa observar que a redação do artigo 1.o, n.o 1, do mesmo regulamento precisa que este é aplicável, em matéria civil e comercial, «quando um ato judicial […] deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objeto de citação ou notificação».

21

Ora, embora seja verdade, como sustenta o Governo polaco, que o próprio texto desta disposição não contém nenhuma indicação expressa quanto às circunstâncias em que esse ato «deve» ser citado ou notificado de um Estado-Membro para outro, não é menos certo que a leitura conjugada de outras disposições do Regulamento n.o 1393/2007 fornece esclarecimentos úteis a este respeito.

22

Em especial, por um lado, o n.o 2 do artigo 1.o do Regulamento n.o 1393/2007 prevê expressamente que este não se aplica quando o endereço do destinatário seja desconhecido.

23

Por outro lado, o considerando 8 do referido regulamento enuncia que este último não é aplicável à citação ou notificação de um ato ao representante de uma das partes no Estado-Membro onde decorre a ação, independentemente do local de residência da referida parte.

24

Decorre, pois, da interpretação sistemática do regulamento em causa que este só prevê duas circunstâncias nas quais a citação e a notificação de um ato judicial entre Estados-Membros caem fora do seu âmbito de aplicação, a saber, por um lado, quando o domicílio ou o paradeiro habitual do destinatário seja desconhecido e, por outro, quando este último tenha nomeado um representante no Estado-Membro no qual o processo corre os seus termos.

25

Nas outras hipóteses, como salientou o advogado-geral no n.o 49 das suas conclusões, sempre que o destinatário de um ato judicial resida no estrangeiro, a citação ou a notificação deste ato estão necessariamente abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1393/2007 e devem, portanto, como prevê o artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento, ser efetuadas através dos meios previstos no próprio regulamente para esse efeito.

26

Uma tal solução, na medida em que decorre diretamente do contexto do referido regulamento, também priva de fundamento a tese defendida pelo Governo polaco, segundo a qual é à luz do direito nacional do Estado-Membro no território do qual decorre a ação que se deve identificar as circunstâncias em que um ato judicial «deve» ser citado ou notificado noutro Estado-Membro, em conformidade com o mesmo regulamento.

27

Com efeito, deixar ao legislador nacional a tarefa de determinar em que casos essa necessidade se manifesta impediria qualquer aplicação uniforme do Regulamento n.o 1393/2007, uma vez que não se pode excluir que os Estados-Membros prevejam soluções diferentes para essa questão (v., neste sentido, acórdão de 8 de novembro de 2005, Leffler, C-443/03, Colet., p. I-9611, n.o 44).

28

Feito este esclarecimento, há que observar que, na medida em que a citação ou a notificação de atos judiciais em circunstâncias como as previstas na legislação nacional em causa no processo principal estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1393/2007, é à luz do sistema e dos objetivos do mesmo que há que verificar a compatibilidade desta legislação com o direito da União, na medida em que institui uma norma segundo a qual se presume que a notificação foi feita mediante a junção aos autos dos atos judiciais quando a parte com domicílio no estrangeiro não tiver nomeado um representante para receber na Polónia as notificações úteis.

29

A este respeito, no que se refere, antes de mais, ao sistema do Regulamento n.o 1393/2007, há que recordar que este último, adotado com base no artigo 61.o, alínea c), CE, tem por objetivo criar, como enunciado no seu considerando 2, um sistema de citação e de notificação intracomunitário, com vista ao bom funcionamento do mercado interno (v., neste sentido, acórdão de 25 de junho de 2009, Roda Golf & Beach Resort, C-14/08, Colet., p. I-5439, n.os 53 a 55).

30

Neste contexto, para garantir a eficácia e a rapidez dos processos judiciais em matéria civil, o artigo 2.o do referido regulamento, lido à luz do seu considerando 6, dispõe que a transmissão dos atos judiciais deve ser efetuada, em princípio, entre as «entidades de origem» e as «entidades requeridas» designadas pelos Estados-Membros.

31

Além disso, o próprio Regulamento n.o 1393/2007 prevê, na sua secção 2, outros meios de transmissão possíveis, sem, de resto, estabelecer qualquer hierarquia entre eles (acórdão de 9 de fevereiro de 2006, Plumex, C-473/04, Colet., p. I-1417, n.os 19 a 22), como a transmissão por via consular ou diplomática, bem como a citação ou notificação por agentes diplomáticos ou consulares, por intermédio dos serviços postais ou ainda, a pedido de qualquer interessado, diretamente por diligência de oficiais de justiça, funcionários ou outras pessoas competentes do Estado-Membro requerido.

32

Ora, sendo estes meios de transmissão dos atos judiciais os únicos previstos de maneira exaustiva pelo sistema instituído no referido regulamento, há que declarar que este não prevê nenhuma margem e obsta, pois, a uma forma de citação ou de notificação fictícia como a que está em vigor na Polónia nos termos do artigo 11355 do Código de Processo Civil.

33

Esta constatação é, aliás, corroborada pelos objetivos do regulamento em causa.

34

Com efeito, há, a este respeito, que observar que esse regulamento, como decorre do seu considerando 2, tem na verdade por objetivo melhorar e tornar mais rápida a transmissão entre os Estados-Membros de atos judiciais (v., neste sentido, acórdãos de 8 de maio de 2008, Weiss und Partner, C-14/07, Colet., p. I-3367, n.o 46, e Roda Golf & Beach Resort, já referido, n.o 54).

35

Todavia, como o Tribunal de Justiça já declarou, estes objetivos não podem ser alcançados à custa de um enfraquecimento, seja qual for a forma que assuma, dos direitos de defesa dos seus destinatários, que decorrem do direito a um processo equitativo, consagrado nos artigos 47.° segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 6.°, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (v., neste sentido, acórdão Weiss und Partner, já referido, n.o 47).

36

Nesta perspetiva, como afirmou o advogado-geral nos n.os 46 e 47 das suas conclusões, diversas disposições do Regulamento n.o 1393/2007 visam expressamente conciliar a eficácia e a rapidez da transmissão dos atos judiciais com a exigência de assegurar uma proteção adequada dos direitos de defesa dos destinatários, e isto através, nomeadamente, da garantia de uma receção real e efetiva destes mesmos atos.

37

Em especial, os artigos 4.°, n.o 3, e 5.°, n.o 1, do referido regulamento, lidos à luz do seu considerando 12, preveem a necessidade de a citação ou a notificação dos atos judiciais serem efetuadas através de um formulário e de este ser traduzido numa língua que o destinatário compreenda ou na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, pelo menos numa das línguas oficiais do local em que deva ser efetuada essa citação ou essa notificação.

38

Além disso, o artigo 14.o do Regulamento n.o 1393/2007 impõe que os Estados-Membros que escolham proceder, por intermédio dos serviços postais, à citação ou à notificação de atos judiciais o façam por carta registada com aviso de receção.

39

Na mesma perspetiva, o artigo 19.o, n.o 1, deste regulamento determina que, se o demandado não tiver comparecido, o juiz do Estado-Membro de origem está obrigado a sobrestar na decisão enquanto não for determinado que a petição inicial foi citada ou notificada em tempo útil segundo a forma prescrita pela legislação do Estado-Membro requerido, ou que este ato foi efetivamente entregue ao demandado ou na sua residência, segundo outra forma prevista pelo referido regulamento, em tempo útil para que o referido demandado se pudesse defender.

40

Ora, neste contexto, impõe-se concluir que um sistema de citação ou notificação fictícia, como o previsto no artigo 11355 do Código de Processo Civil, se afigura incompatível com a prossecução dos objetivos de proteção dos direitos de defesa visados pelo Regulamento n.o 1393/2007.

41

Com efeito, como refere o advogado-geral nos n.os 52 a 54 das suas conclusões, este mecanismo priva de qualquer efeito útil o direito de o destinatário de um ato judicial, cujo domicílio ou paradeiro habitual não se situe no Estado-Membro no qual a ação corre, beneficiar de uma receção real e efetiva desse ato, e isto pelo facto de, nomeadamente, não lhe serem assegurados o conhecimento do ato judicial em tempo útil para preparar a sua defesa nem a tradução do mesmo.

42

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que obsta à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê que os atos judiciais dirigidos a pessoa com domicílio ou paradeiro habitual noutro Estado-Membro são juntos aos autos, com a consequência de se presumir que estes atos lhe foram notificados, quando essa pessoa não tiver nomeado um representante para receber as notificações com domicílio no Estado-Membro no qual o processo corre os seus termos.

Quanto às despesas

43

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que obsta à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê que os atos judiciais dirigidos a pessoa com domicílio ou paradeiro habitual noutro Estado-Membro são juntos aos autos, com a consequência de se presumir que estes atos lhe foram notificados, quando essa pessoa não tiver nomeado um representante para receber as notificações com domicílio no Estado-Membro no qual o processo corre os seus termos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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