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Document 62020CJ0301

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 1 de julho de 2021.
UE e HC contra Vorarlberger Landes- und Hypotheken-Bank AG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 650/2012 — Certificado sucessório europeu — Validade de uma cópia autenticada do certificado sem prazo de validade — Artigo 65.o, n.o 1 — Artigo 69.o — Efeitos do certificado relativamente às pessoas designadas no certificado que não pediram a sua emissão — Artigo 70.o, n.o 3 — Data a ter em conta na apreciação da validade da cópia — Efeitos em matéria de prova da cópia.
Processo C-301/20.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:528

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

1 de julho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 650/2012 — Certificado sucessório europeu — Validade de uma cópia autenticada do certificado sem prazo de validade — Artigo 65.o, n.o 1 — Artigo 69.o — Efeitos do certificado relativamente às pessoas designadas no certificado que não pediram a sua emissão — Artigo 70.o, n.o 3 — Data a ter em conta na apreciação da validade da cópia — Efeitos em matéria de prova da cópia»

No processo C‑301/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), por Decisão de 27 de maio de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de julho de 2020, no processo

UE,

HC

contra

Vorarlberger Landes‑ und Hypothekenbank AG,

sendo interveniente:

Herança de VJ,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, C. Toader (relatora) e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll, E. Samoilova e A. Posch, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann e U. Bartl, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agente,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e M. Heller, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de abril de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 63.o, 65.o, n.o 1, 69.o e 70.o, n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO 2012, L 201, p. 107, e retificações JO 2012, L 344, p. 3; JO 2013, L 60, p. 140, e JO 2019, L 243, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe UE e HC, filho e filha de VJ, falecido, que tinha a sua última residência habitual em Espanha, à Vorarlberger Landes‑ und Hypothekenbank AG, um banco sediado na Áustria, a respeito de um pedido de restituição de uma quantia em dinheiro e de títulos consignados judicialmente por este banco.

Quadro jurídico

3

Os considerandos 7, 67, 71 e 72 do Regulamento n.o 650/2012 enunciam:

«(7)

É conveniente facilitar o bom funcionamento do mercado interno suprimindo os entraves à livre circulação de pessoas que atualmente se defrontam com dificuldades para exercerem os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça. No espaço europeu de justiça, os cidadãos devem ter a possibilidade de organizar antecipadamente a sua sucessão. É necessário garantir eficazmente os direitos dos herdeiros e dos legatários, das outras pessoas próximas do falecido, bem como dos credores da sucessão.

[…]

(67)

A fim de que as sucessões com incidência transfronteiriça na União sejam decididas de uma forma célere, fácil e eficaz, o herdeiro, o legatário, o executor testamentário ou o administrador da herança deverão poder provar facilmente a sua qualidade e/ou os seus direitos e poderes noutro Estado‑Membro, por exemplo no Estado‑Membro onde se situam os bens da herança. Para o efeito, o presente regulamento deverá prever a criação de um certificado uniforme, o certificado sucessório europeu (a seguir designado por “certificado”), que será emitido para fins de utilização noutro Estado‑Membro. […]

(71)

O certificado deverá produzir os mesmos efeitos em todos os Estados‑Membros. Não deverá ser um título executivo em si mesmo, mas deverá ter força probatória e presumivelmente comprovar com precisão os elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra lei aplicável a elementos especiais como a validade material de disposições por morte. […] As pessoas que efetuem pagamentos ou entreguem bens da sucessão a uma pessoa indicada no certificado como estando habilitada a aceitar esse pagamento ou esses bens enquanto herdeiro ou legatário deverão beneficiar de proteção adequada se tiverem agido de boa‑fé, baseando‑se na exatidão das informações atestadas no certificado. As pessoas que, baseando‑se na exatidão das informações atestadas no certificado, comprem ou recebam bens da sucessão de uma pessoa indicada no certificado como estando habilitada a dispor desses bens deverão beneficiar de proteção idêntica. Essa proteção deve ser assegurada perante a apresentação de cópias autenticadas que ainda estejam válidas. […]

(72)

A autoridade deverá emitir o certificado mediante pedido. A autoridade emissora conservará o certificado original e entregará uma ou mais cópias autenticadas do certificado ao requerente e a qualquer pessoa que demonstre possuir um legítimo interesse. […]»

4

Nos termos do artigo 62.o deste regulamento, sob a epígrafe «Criação de um certificado sucessório europeu»:

«1.   O presente regulamento cria um certificado sucessório europeu (a seguir designado “certificado”), que deve ser emitido para fins de utilização noutro Estado‑Membro e produzir os efeitos enunciados no artigo 69.o

2.   O recurso ao certificado não é obrigatório.

3.   O certificado não substitui os documentos internos utilizados para efeitos análogos nos Estados‑Membros. Todavia, uma vez emitido com vista a ser utilizado noutro Estado‑Membro, o certificado produz também os efeitos enunciados no artigo 69.o no Estado‑Membro cujas autoridades o emitiram por força do presente capítulo.»

5

O artigo 63.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Finalidade do certificado», dispõe:

«1.   O certificado destina‑se a ser utilizado pelos herdeiros, pelos legatários que tenham direitos na sucessão e pelos executores testamentários ou administradores de heranças que necessitem de invocar noutro Estado‑Membro a sua qualidade ou exercer os seus direitos de herdeiros ou legatários e/ou os seus poderes de executores testamentários ou administradores de uma herança.

2.   O certificado pode ser utilizado, nomeadamente, para comprovar um ou mais dos seguintes elementos específicos:

a)

A qualidade e/ou direitos de cada herdeiro ou legatário, consoante o caso, mencionado no certificado e as respetivas quotas‑partes da herança;

[…]»

6

O artigo 65.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Pedido de certificado», prevê:

«1.   O certificado é emitido a pedido de qualquer das pessoas referidas no artigo 63.o, n.o 1 (a seguir designada “requerente”).

[…]

3.   O pedido deve incluir as informações abaixo enunciadas, na medida em que sejam do conhecimento do requerente e em que a autoridade emissora delas necessite para poder atestar os elementos que o requerente pretende sejam atestados, e ser acompanhado de todos os documentos pertinentes, quer no original quer em cópias, que preencham as condições necessárias para comprovar a sua autenticidade, sem prejuízo do artigo 66.o, n.o 2:

[…]

e)

Dados relativos a outros eventuais beneficiários ao abrigo de uma disposição por morte ou por lei: apelido e nome(s) próprio(s) ou razão social, número de identificação (se disponível) e endereço;

[…]»

7

Nos termos do artigo 68.o do Regulamento n.o 650/2012, sob a epígrafe «Conteúdo do certificado»:

«Tanto quanto seja necessário para a finalidade da emissão, o certificado inclui as seguintes informações:

[…]

g)

Dados relativos aos beneficiários: apelido (eventualmente, apelido de solteiro), nome(s) próprio(s) e número de identificação (se disponível);

[…]»

8

O artigo 69.o deste regulamento, sob a epígrafe «Efeitos do certificado», dispõe:

«1.   O certificado produz efeitos em todos os Estados‑Membros sem necessidade de recurso a qualquer procedimento.

2.   Presume‑se que o certificado comprova com exatidão os elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra legislação aplicável a determinados elementos. Presume‑se que quem o certificado mencionar como herdeiro, legatário, executor testamentário ou administrador da herança tem a qualidade mencionada no certificado e/ou é titular dos direitos ou dos poderes indicados no certificado e que não estão associadas a esses direitos ou poderes outras condições e/ou restrições para além das referidas no certificado.

3.   Quem, agindo com base nas informações atestadas num certificado, efetuar pagamentos ou entregar bens a outra pessoa mencionada no certificado como estando habilitado a aceitar pagamentos ou bens, é considerada como tendo efetuado a transação com uma pessoa habilitada a aceitar pagamentos ou bens, a menos que tenha conhecimento de que o conteúdo do certificado não é exato ou ignore tal inexatidão devido a negligência grosseira.

4.   Caso uma pessoa mencionada no certificado como estando habilitada a dispor de bens da sucessão disponha desses bens a favor de outra pessoa, considera‑se que esta última, se agir com base nas informações atestadas no certificado, efetuou uma transação com a pessoa habilitada a dispor dos bens em causa, a menos que tenha conhecimento de que o conteúdo do certificado não é exato ou ignore tal inexatidão devido a negligência grosseira.

5.   O certificado constitui um documento válido para a inscrição de bens da sucessão no registo competente de um Estado‑Membro, sem prejuízo do disposto no artigo 1.o, n.o 2, alíneas k) e l).»

9

O artigo 70.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Cópias autenticadas do certificado», prevê:

«1.   O original do certificado é conservado pela autoridade emissora, que entrega uma ou mais cópias autenticadas ao requerente e a qualquer pessoa que demonstre possuir um interesse legítimo.

2.   Para efeitos do disposto no artigo 71.o, n.o 3, e no artigo 73.o, n.o 2, a autoridade emissora mantém uma lista das pessoas a quem foram entregues cópias autenticadas nos termos do n.o 1 do presente artigo.

3.   As cópias autenticadas entregues são válidas durante um prazo limitado de seis meses, a indicar na cópia autenticada como data de validade. Em casos excecionais devidamente justificados, a autoridade emissora pode, não obstante, decidir que o prazo de validade é maior. Decorrido este prazo, qualquer detentor de uma cópia autenticada deve, para poder utilizar o certificado para os fins indicados no artigo 63.o, solicitar à autoridade emissora uma prorrogação do prazo de validade da cópia autenticada ou uma nova cópia autenticada.»

10

O artigo 71.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Retificação, suspensão ou anulação do certificado», enuncia no seu n.o 3:

«A autoridade emissora deve informar sem demora todas as pessoas a quem foram entregues cópias autenticadas do certificado nos termos do artigo 70.o, n.o 1, de qualquer retificação, modificação ou revogação do certificado.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

A Vorarlberger Landes‑ und Hypothekenbank consignou judicialmente uma quantia em dinheiro e títulos, após HC e UE, bem como o seu pai, VJ, terem pedido a restituição desses ativos, invocando a existência de direitos concorrentes cujo mérito era controverso.

12

VJ, que tinha estabelecido a sua última residência habitual em Espanha, faleceu em 5 de maio de 2017. Na sequência da sua morte, o processo da sucessão decorreu perante um notário espanhol, em conformidade com o direito espanhol.

13

HC e UE pediram a libertação do objeto consignado e apresentaram no Bezirksgericht Bregenz (Tribunal de Primeira Instância de Bregenz, Áustria) uma cópia autenticada de um certificado sucessório europeu, emitida pelo referido notário espanhol a pedido de HC, a fim de provar a sua qualidade de herdeiros de VJ, em conformidade com os artigos 62.o e seguintes do Regulamento n.o 650/2012. Essa cópia, que adota a forma de um «formulário V» (a seguir «formulário V»), como prevê o Regulamento de Execução (UE) n.o 1329/2014 da Comissão, de 9 de dezembro de 2014, que estabelece os formulários referidos no Regulamento n.o 650/2012 (JO 2014, L 359, p. 30), contém a menção «por tempo indeterminado» na secção «Válida até». UE é mencionado no referido certificado, juntamente com o nome da sua irmã, como o beneficiário de metade da herança em causa.

14

O pedido dos recorrentes foi julgado improcedente pelo Bezirksgericht Bregenz (Tribunal de Primeira Instância de Bregenz). O Landesgericht Feldkirch (Tribunal Regional de Feldkirch, Áustria) negou provimento ao recurso interposto da decisão proferida em primeira instância. Considerou, primeiro, que só a pessoa que pediu a emissão do certificado sucessório europeu pode provar os seus direitos por meio da apresentação desse certificado; segundo, que a emissão de uma cópia desse certificado sem limite de validade é contrária à exigência de prever um prazo de validade limitado a seis meses para o tratamento dessa cópia; e, terceiro, que esta última devia ser válida à data em que o órgão jurisdicional de primeira instância proferiu a sua decisão.

15

O órgão jurisdicional de reenvio, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), foi chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de «Revision» da decisão proferida pelo Landesgericht Feldkirch (Tribunal Regional de Feldkirch). Salienta que, nos termos do direito austríaco, a libertação dos ativos consignados necessita de um pedido escrito conjunto de todas as partes («partes contrárias»), enquanto não tiver sido proferida uma decisão judicial definitiva. Assim, para proferir a sua decisão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a cópia do certificado sucessório europeu pode ser utilizada para determinar os direitos dos herdeiros.

16

Especialmente, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça) tem dúvidas, em primeiro lugar, quanto à validade de uma cópia autenticada que não contenha prazo de validade. Salienta que esta situação não está prevista no Regulamento n.o 650/2012 e que não existe jurisprudência do Tribunal de Justiça a este respeito. O órgão jurisdicional de reenvio evoca, por um lado, a possibilidade de esse documento não produzir efeitos devido a essa irregularidade e, por outro, o facto de a menção «por tempo indeterminado» poder constituir uma prorrogação do prazo de validade se for considerada um «caso excecional», na aceção do artigo 70.o, n.o 3, deste regulamento. No entanto, a redação desta disposição pode igualmente ser interpretada no sentido de que esse documento é válido durante um prazo limitado de seis meses e, neste caso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a data a partir da qual este período deve ser calculado.

17

Em segundo lugar, este órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se, uma vez que o Regulamento n.o 650/2012 não prevê o caso de só um dos herdeiros pedir a emissão do certificado sucessório europeu, o efeito desse certificado apenas diz respeito ao «requerente» ou também a todas as pessoas nele mencionadas.

18

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre as eventuais consequências do termo do prazo de validade de uma cópia do certificado sucessório europeu. A este respeito, evoca a existência de divergências entre as diferentes posições doutrinais na matéria e entre a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais austríacos e dos órgãos jurisdicionais alemães quanto à questão de saber se basta que essa cópia seja válida na data da apresentação do pedido à autoridade competente ou se a referida cópia deve ainda ser válida no momento em que a decisão é proferida.

19

Nestas condições, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento [n.o 650/2012] ser interpretado no sentido de que uma cópia do certificado emitida, em violação desta disposição, por tempo indeterminado e sem indicação de uma data de validade,

é válida e eficaz por tempo indeterminado, ou

só é válida durante um período de seis meses a contar da data de emissão da cópia autenticada; ou

só é válida por um período de seis meses a contar de outra data, ou

é inválida e inadequada para ser utilizada para os efeitos do artigo 63.o do Regulamento n.o 650/2012?

2)

Deve o artigo 65.o, n.o 1, em conjugação com o artigo 69.o, n.o 3, do Regulamento [n.o 650/2012] ser interpretado no sentido de que os efeitos do certificado se produzem em benefício de todas as pessoas nominalmente designadas no certificado como herdeiros, legatários, executores testamentários ou administradores da herança, pelo que as pessoas que não pediram a emissão do certificado também o podem utilizar nos termos do artigo 63.o do Regulamento n.o 650/2012?

3)

Deve o artigo 69.o, em conjugação com o artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento n.o 650/2012 ser interpretado no sentido de que o efeito de legitimação da cópia autenticada de um certificado sucessório deve ser reconhecido no caso de essa cópia ainda ser válida no momento da sua primeira apresentação, apesar de ter expirado antes da decisão da autoridade requerida, ou esta disposição não se opõe ao direito nacional que exige a validade do certificado também no momento da decisão?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e terceira questões

20

Com as suas primeira e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que é válida uma cópia autenticada do certificado sucessório europeu, com a menção «por tempo indeterminado», e de que os seus efeitos, na aceção do artigo 69.o deste regulamento, devem ser reconhecidos sem limitação no tempo, uma vez que essa cópia era válida no momento da sua apresentação inicial.

21

Refira‑se, a título preliminar, que o prazo previsto no n.o 3 do artigo 70.o do Regulamento n.o 650/2012 não afeta o período de validade do certificado sucessório europeu, mas apenas o período de validade das suas cópias autenticadas. Além disso, como decorre do n.o 1 deste artigo 70.o, lido à luz do considerando 72 deste regulamento, o certificado sucessório europeu deve ser conservado pela autoridade emissora, que entrega cópias do mesmo.

22

Resulta da redação do artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento n.o 650/2012 que as cópias autenticadas desse certificado têm um prazo de validade limitado de seis meses, a indicar na cópia autenticada como data de validade. Em casos excecionais devidamente justificados, a autoridade emissora pode decidir que o prazo de validade é maior. Decorrido este prazo de seis meses, qualquer detentor de uma cópia autenticada de um certificado sucessório europeu deve, para poder utilizar este certificado para os fins indicados no artigo 63.o, solicitar à autoridade emissora uma prorrogação do prazo de validade desta cópia autenticada ou uma nova cópia autenticada.

23

Com efeito, a limitação do prazo de validade das cópias foi prevista pelo facto de o certificado sucessório europeu produzir efeitos em todos os Estados‑Membros e se presumir que comprova com exatidão os elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra legislação aplicável a determinados elementos, bem como a qualidade e os direitos das pessoas designadas de herdeiros, legatários, executores testamentários ou administradores da herança, nos termos do artigo 69.o, n.os 1 e 2, deste regulamento.

24

A este respeito, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 41 das suas conclusões, o prazo de seis meses previsto no artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento n.o 650/2012 permite assegurar uma correspondência entre o conteúdo da cópia autenticada do certificado sucessório europeu e a realidade da sucessão e, nomeadamente, verificar periodicamente se esse certificado não foi retificado, modificado ou revogado, nos termos do artigo 71.o deste regulamento, ou se os seus efeitos não foram suspensos, nos termos do artigo 73.o deste último.

25

Daqui decorre que a validade dessa cópia autenticada é limitada, salvo casos excecionais, a seis meses.

26

No entanto, coloca‑se a questão de saber se, quando a autoridade emissora precisou expressamente, no formulário V, que essa cópia não tem prazo de validade, esta deve ser considerada válida por um período de seis meses ou se essa falta de prazo de validade obsta à utilização da referida cópia, na aceção do artigo 63.o do referido regulamento.

27

A este respeito, o objetivo do Regulamento n.o 650/2012, conforme resulta do seu considerando 7, que visa facilitar o bom funcionamento do mercado interno suprimindo os entraves à livre circulação de pessoas que se defrontam com dificuldades para exercerem os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça, ficaria comprometido se os herdeiros ou as outras pessoas com um interesse legítimo não pudessem provar os seus direitos devido a um erro formal que figurasse na cópia autenticada do certificado sucessório europeu que lhes foi entregue e tivessem de pedir uma nova cópia desse certificado, o que implicaria uma prorrogação dos prazos e um aumento dos eventuais custos.

28

Por conseguinte, quando uma cópia autenticada do certificado sucessório europeu inclua a menção «por tempo indeterminado», essa cópia deve ser considerada válida por um período de seis meses.

29

No que diz respeito à data de início do período de validade dessa cópia, importa salientar que a autoridade emissora deve indicar, no formulário V, após a data de validade da cópia autenticada, a data da sua emissão. Assim, o cálculo do período de validade deve ser efetuado a partir desta data, a qual garante a previsibilidade e a segurança jurídica exigidas no que se refere à utilização da referida cópia.

30

Quanto às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio relativamente à data em que a cópia autenticada do certificado sucessório europeu deve ser válida para produzir os seus efeitos, na aceção do artigo 69.o do Regulamento n.o 650/2012, e, designadamente, relativamente ao termo, durante o processo, da validade dessa cópia, há que indicar que nenhuma disposição deste regulamento responde diretamente a tal questão.

31

Contudo, como salientou o advogado‑geral, nomeadamente no n.o 49 das suas conclusões, os efeitos dessa cópia devem ser os mesmos em todos os Estados‑Membros, pelo que a sua validade deve ser regida pelo Regulamento n.o 650/2012.

32

Com efeito, resulta do considerando 71 do Regulamento n.o 650/2012 que o certificado sucessório europeu deve produzir os mesmos efeitos em todos os Estados‑Membros e que deve ser assegurada uma proteção às pessoas que se baseiem na exatidão das informações atestadas nesse certificado, quando sejam apresentadas cópias autenticadas que ainda estejam válidas. Tal assegura, designadamente, a proteção de terceiros que efetuem pagamentos ou entreguem bens da sucessão a uma pessoa mencionada no certificado como estando habilitada a aceitar esse pagamento ou esse bem na qualidade de herdeira.

33

Ora, se a validade da cópia autenticada do certificado sucessório europeu fosse exigida à data da adoção da decisão requerida pela autoridade à qual essa cópia é apresentada ou ainda durante o respetivo processo judicial, e não à data da apresentação do pedido, essa exigência poderia lesar os direitos dos herdeiros e dos outros sucessores, os quais, não exercendo nenhuma influência sobre a duração do processo que culminasse nessa decisão, deveriam, sendo caso disso, pedir e apresentar essa cópia diversas vezes.

34

Como refere o advogado‑geral nos n.os 58 e 59 das suas conclusões, essa interpretação provocaria atrasos, diligências e esforços adicionais, tanto para os interessados na sucessão como para as autoridades responsáveis pela mesma, e seria contrária ao objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 650/2012, que consiste, como foi recordado no n.o 27 do presente acórdão, em regular de forma célere, fácil e eficaz uma sucessão com incidência transfronteiriça, bem como os direitos dos interessados na sucessão, como resulta dos considerandos 7 e 67 deste regulamento.

35

Além disso, o artigo 71.o, n.o 3, do Regulamento n.o 650/2012 precisa que a autoridade emissora deve informar sem demora todas as pessoas a quem foram entregues cópias autenticadas, das quais, por força do artigo 70.o, n.o 2, deste regulamento, mantém uma lista, de qualquer retificação, modificação ou revogação do certificado sucessório europeu, a fim de, em conformidade com o considerando 72 do referido regulamento, evitar utilizações abusivas dessas cópias e limitar o risco de a cópia autenticada, cuja validade tenha expirado no momento da adoção da decisão requerida, não corresponder ao conteúdo do certificado sucessório europeu.

36

A este respeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 70 das suas conclusões, quando a autoridade à qual foi apresentada a cópia autenticada do certificado sucessório europeu dispõe de elementos que justifiquem razoavelmente duvidar do estado do certificado original, a mesma pode, excecionalmente, pedir a apresentação de uma nova cópia ou de uma cópia cujo prazo de validade tenha sido prorrogado.

37

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira e terceira questões que o artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma cópia autenticada do certificado sucessório europeu, com a menção «por tempo indeterminado», é válida por um período de seis meses a partir da data da sua emissão e produz efeitos, na aceção do artigo 69.o desse regulamento, se for válida no momento da sua apresentação inicial à autoridade competente.

Quanto à segunda questão

38

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 65.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012, lido em conjugação com o seu artigo 69.o, n.o 3, deve ser interpretado no sentido de que os efeitos do certificado sucessório europeu se produzem em relação a todas as pessoas que aí são nominalmente designadas, como herdeiros, legatários, executores testamentários ou administradores da herança, mesmo que não tenham elas próprias pedido a sua emissão.

39

O artigo 63.o, n.os 1 e 2, alínea a), do referido regulamento, relativo à finalidade do certificado sucessório europeu, enumera a lista das pessoas que o podem utilizar, a saber, os herdeiros, os legatários que tenham direitos na sucessão e os executores testamentários ou os administradores de heranças, a fim de demonstrar noutro Estado‑Membro, nomeadamente, a sua qualidade e os seus direitos sucessórios (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2018, Mahnkopf, C‑558/16, EU:C:2018:138, n.o 36 e jurisprudência referida).

40

Em conformidade com o artigo 65.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012, o certificado sucessório europeu é emitido a pedido de qualquer das pessoas referidas no artigo 63.o, n.o 1, deste regulamento. O artigo 65.o, n.o 3, alínea e), deste regulamento especifica que o pedido de certificado sucessório europeu deve conter, nomeadamente, os dados relativos a outros eventuais beneficiários ao abrigo de uma disposição por morte ou por lei, que não sejam o requerente. Esta informação deve, por força do artigo 68.o, alínea g), deste regulamento, ser incluída nesse certificado.

41

O artigo 69.o, n.o 3, do Regulamento n.o 650/2012 prevê que os pagamentos ou a entrega de bens possam ser efetuados, com base nas informações que constam do certificado sucessório europeu, a favor de uma pessoa nele mencionada, na qualidade de herdeiro, legatário, executor testamentário ou administrador, como estando habilitada a aceitar pagamentos ou bens. Assim, os efeitos do certificado sucessório europeu podem produzir‑se em relação àquela, sem que esta disposição especifique se deve ter a qualidade de requerente.

42

Além disso, independentemente da qualidade do requerente, nos termos do artigo 70.o, n.o 1, deste regulamento, a autoridade emissora, que conserva o original do certificado, entrega uma ou mais cópias autenticadas ao requerente e a qualquer pessoa que demonstre possuir um interesse legítimo. Daqui resulta que uma obrigação que impõe que a pessoa que invoca a cópia autenticada de um certificado sucessório europeu seja imperativamente aquela que inicialmente pediu o certificado é contrária à própria redação do artigo 70.o, n.o 1, do referido regulamento.

43

Nenhuma destas disposições impõe que a pessoa que utiliza uma cópia autenticada do certificado sucessório europeu para beneficiar dos efeitos deste último tenha a qualidade de requerente desse certificado.

44

Além disso, como salientou a Comissão Europeia nas suas observações escritas, se qualquer interessado fosse obrigado a pedir um certificado sucessório europeu e a sua cópia autenticada para uma determinada herança, quando já tinham sido emitidos certificados e cópias para esta última, decorreriam daí custos inúteis. Ora, essa obrigação seria contrária ao objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 650/2012, como resulta do seu considerando 67, que consiste em regular de forma célere, fácil e eficaz uma sucessão com incidência transfronteiriça.

45

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão, que o artigo 65.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012, lido em conjugação com o artigo 69.o, n.o 3, deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o certificado sucessório europeu produz efeitos em relação a todas as pessoas que nele são nominalmente designadas, mesmo que não tenham elas próprias pedido a sua emissão.

Quanto às despesas

46

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

1)

O artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, deve ser interpretado no sentido de que uma cópia autenticada do certificado sucessório europeu, com a menção «por tempo indeterminado», é válida por um período de seis meses a partir da data da sua emissão e produz efeitos, na aceção do artigo 69.o desse regulamento, se for válida no momento da sua apresentação inicial à autoridade competente.

 

2)

O artigo 65.o, n.o 1, do Regulamento n.o 650/2012, lido em conjugação com o artigo 69.o, n.o 3, deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o certificado sucessório europeu produz efeitos em relação a todas as pessoas que nele são nominalmente designadas, mesmo que não tenham elas próprias pedido a sua emissão.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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