EUR-Lex Acesso ao direito da União Europeia

Voltar à página inicial do EUR-Lex

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62015CJ0070

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de julho de 2016.
Emmanuel Lebek contra Janusz Domino.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Najwyższy.
Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.° 44/2001 — Artigo 34.°, ponto 2 — Não comparência do demandado — Reconhecimento e execução de decisões — Fundamentos de recusa — Falta de citação ou notificação em tempo útil da petição inicial ao demandado revel — Conceito de ‘recurso’ — Pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso — Regulamento (CE) n.° 1393/2007 — Artigo 19.°, n.° 4 — Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais — Prazo em que é admissível o pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso.
Processo C-70/15.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2016:524

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de julho de 2016 ( *1 )

«Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 34.o, ponto 2 — Não comparência do demandado — Reconhecimento e execução de decisões — Fundamentos de recusa — Falta de citação ou notificação em tempo útil da petição inicial ao demandado revel — Conceito de ‘recurso’ — Pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso — Regulamento (CE) n.o 1393/2007 — Artigo 19.o, n.o 4 — Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais — Prazo em que é admissível o pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso»

No processo C‑70/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Najwyższy (Tribunal Supremo, Polónia), por decisão de 27 de novembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de fevereiro de 2015, no processo

Emmanuel Lebek

contra

Janusz Domino,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. Toader (relatora), A. Rosas, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e R. Chambel Margarido, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Owsiany‑Hornung e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 7 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação, por um lado, do artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I»), e, por outro, do artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho (JO 2007, L 324, p. 79).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Emmanuel Lebek a Janusz Domino a respeito do reconhecimento, na Polónia, da força executiva de uma sentença proferida por um tribunal francês.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento Bruxelas I

3

Os considerandos 2, 6 e 16 a 18 do Regulamento Bruxelas I estabelecem o seguinte:

«(2)

Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo presente regulamento.

[...]

(6)

Para alcançar o objetivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, é necessário e adequado que as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões sejam determinadas por um instrumento jurídico comunitário vinculativo e diretamente aplicável.

[...]

(16)

A confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado‑Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, exceto em caso de impugnação.

(17)

A mesma confiança recíproca implica a eficácia e a rapidez do procedimento para tornar executória num Estado‑Membro uma decisão proferida noutro Estado‑Membro. Para este fim, a declaração de executoriedade de uma decisão deve ser dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos, sem a possibilidade de o tribunal invocar por sua própria iniciativa qualquer dos fundamentos previstos pelo presente regulamento para uma decisão não ser executada.

(18)

O respeito pelos direitos de defesa impõe, todavia, que o requerido possa interpor recurso, examinado de forma contraditória, contra a declaração de executoriedade, se entender que é aplicável qualquer fundamento para a não execução. Também deve ser dada ao requerente a possibilidade de recorrer, se lhe for recusada a declaração de executoriedade.»

4

O artigo 26.o, n.os 1 e 2, do Regulamento Bruxelas I dispõe:

«1.   Quando o requerido domiciliado no território de um Estado‑Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado‑Membro e não compareça, o juiz declarar‑se‑á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições do presente regulamento.

2.   O tribunal deve suspender a instância enquanto não se demonstrar que ao requerido foi dada a oportunidade de receber o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efetuadas todas as diligências.»

5

Nos termos do artigo 26.o, n.o 3, deste regulamento, será aplicável o artigo 19.o do Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados‑Membros (JO 2000, L 160, p. 37), em vez do disposto no artigo 26.o, n.o 2, do Regulamento Bruxelas I, se o ato que iniciou a instância tiver sido transmitido por um Estado‑Membro a outro em execução do Regulamento n.o 1348/2000.

6

Nos termos do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I, «[a]s decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo».

7

O artigo 34.o, ponto 2, do referido regulamento dispõe que uma decisão não será reconhecida «se o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer».

8

O artigo 35.o do referido regulamento está redigido da seguinte forma:

«1.   As decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções 3, 4 e 6 do capítulo II ou no caso previsto no artigo 72.o

2.   Na apreciação das competências referidas no parágrafo anterior, a autoridade requerida estará vinculada às decisões sobre a matéria de facto com base nas quais o tribunal do Estado‑Membro de origem tiver fundamentado a sua competência.

3.   Sem prejuízo do disposto nos primeiro e segundo parágrafos, não pode proceder‑se ao controlo da competência dos tribunais do Estado‑Membro de origem. As regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública a que se refere o ponto 1 do artigo 34.o»

9

O artigo 38.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I prevê:

«As decisões proferidas num Estado‑Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.»

10

O artigo 45.o do mesmo regulamento dispõe:

«1.   O tribunal onde foi interposto o recurso ao abrigo dos artigos 43.° ou 44.° apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34.° e 35.° Este tribunal decidirá sem demora.

2.   As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objeto de revisão de mérito.»

Regulamento n.o 1393/2007

11

Nos termos dos considerandos 6, 7 e 12 do Regulamento n.o 1393/2007:

«(6)

A eficácia e a celeridade nos processos judiciais no domínio civil impõem que os atos judiciais e extrajudiciais sejam transmitidos diretamente e através de meios rápidos entre as entidades locais designadas pelos Estados‑Membros. Os Estados‑Membros podem indicar a sua intenção de designar uma única entidade de origem ou uma única entidade requerida, ou uma entidade que desempenhe ambas as funções, por um período de cinco anos. Essa designação pode, todavia, ser renovada por períodos de igual duração.

(7)

A celeridade na transmissão justifica a utilização de todos os meios adequados, respeitando determinadas condições quanto à legibilidade e à fidelidade do ato recebido. A segurança da transmissão exige que o ato a transmitir seja acompanhado de um formulário, que deve ser preenchido na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde a citação ou notificação deva ter lugar ou noutra língua reconhecida pelo Estado‑Membro requerido.

[...]

(12)

A entidade requerida deverá avisar o destinatário, por escrito, mediante o formulário, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana se este não estiver redigido numa língua que o destinatário compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação. Esta disposição deverá aplicar‑se igualmente à citação ou notificação ulterior, depois de o destinatário ter exercido o direito de recusa. As regras sobre a recusa deverão igualmente aplicar‑se à citação ou notificação efetuada por agentes diplomáticos ou consulares, pelos serviços postais ou diretamente. É conveniente estabelecer que a citação ou notificação de um ato recusado poderá ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário de uma tradução do ato.»

12

O artigo 1.o deste regulamento enuncia:

«1.   O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro para aí ser objeto de citação ou notificação. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade do Estado por atos e omissões no exercício do poder público («acta iure imperii»).

2.   O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.

[...]»

13

O artigo 19.o, n.o 4, do mesmo regulamento prevê:

«Se tiver sido transmitida uma petição inicial ou ato equivalente a outro Estado‑Membro para citação ou notificação, nos termos do presente regulamento, e tiver sido proferida uma decisão contra um demandado que não tenha comparecido, o juiz pode relevar ao demandado o efeito perentório do prazo para recurso, se concorrerem as condições seguintes:

a)

Não ter tido o demandado, sem que tenha havido culpa da sua parte, conhecimento do dito ato em tempo útil para se defender ou conhecimento da decisão em tempo útil para interpor recurso; e

b)

Não parecerem as possibilidades de defesa do demandado desprovidas de qualquer fundamento.

O pedido de relevação deve ser formulado em prazo razoável a contar do momento em que o demandado tenha conhecimento da decisão.

Qualquer Estado‑Membro pode comunicar, nos termos do n.o 1 do artigo 23.o, que esse pedido não será atendido se for formulado após o decurso de um prazo que indicará na comunicação, contanto que esse prazo não seja inferior a um ano contado da data da decisão.»

14

Nos termos do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, «[o]s Estados‑Membros comunicam à Comissão as informações a que se referem os artigos 2.°, 3.°, 4.°, 10.°, 11.°, 13.°, 15.° e 19.° […]»

15

A República Francesa, nos termos do referido artigo 23.o, n.o 1, indicou na sua comunicação que o prazo para um eventual pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso pelo demandado é de um ano a contar da prolação da decisão.

Direito francês

16

O artigo 540.o do code de procédure civil (Código de Processo Civil), na redação resultante do décret n.o 2011‑1043, du 1er septembre 2011, relatif aux mesures conservatoires prises après l’ouverture d’une succession et à la procédure en la forme des référés (Decreto n.o 2011‑1043, de 1 de setembro de 2011, relativo às medidas conservatórias tomadas após a abertura de uma sucessão e ao processo de medidas provisórias) (JORF de 2 de setembro de 2011, p. 14884, a seguir «CPC»), prevê:

«No caso de ter sido proferida decisão à revelia ou se a mesma se mostrar contraditória, o juiz tem a faculdade de relevar ao requerido o efeito perentório do prazo se o requerido, sem qualquer falta da sua parte, não tiver tido conhecimento da decisão em tempo útil para exercer o seu recurso ou se se encontrava na impossibilidade de agir.

A relevação do efeito perentório do prazo é pedida ao presidente do órgão jurisdicional competente para conhecer da oposição ou do recurso. O pedido a dirigir ao presidente é formulado nos mesmos termos dos pedidos de medidas provisórias.

O pedido pode ser apresentado até ao termo do prazo de dois meses a contar da data da primeira notificação feita ao interessado, ou, na falta dessa notificação, a contar da primeira medida de execução que tenha por efeito tornar todos ou parte dos bens do devedor indisponíveis.

[...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

No âmbito de um primeiro processo junto dos órgãos jurisdicionais polacos competentes, E. Lebek pediu o reconhecimento e a execução da sentença do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris, França) de 8 de abril de 2010, pelo qual J. Domino foi condenado a pagar‑lhe alimentos no montante de 300 euros mensais.

18

Segundo a decisão de reenvio, a petição inicial apresentada no tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris) não foi citada nem notificada ao demandado, J. Domino, uma vez que a sua morada em Paris, indicada pelo demandante, E. Lebek, não estava correta, estando o demandado domiciliado na Polónia desde 1996. Assim, dado que não teve conhecimento do processo em curso, J. Domino não pôde defender‑se.

19

J. Domino apenas teve conhecimento da sentença daquele órgão jurisdicional francês em julho de 2011, ou seja, mais de um ano após a sua prolação, quando o Sąd Okręgowy w Jeleniej Górze (Tribunal Regional de Jelenia Góra, Polónia), no âmbito do processo intentado neste último órgão jurisdicional, o notificou das cópias certificadas da sentença do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris) e do pedido de E. Lebek tendente a obter o reconhecimento da sua força executiva.

20

Por despachos proferidos, respetivamente, em 23 de novembro de 2011 pelo Sąd Okręgowy w Jeleniej Górze (Tribunal Regional de Jelenia Góra) e 31 de janeiro de 2012 pelo Sąd Apelacyjny we Wrocławiu (Tribunal de Segunda Instância de Wroclaw, Polónia), estes órgãos jurisdicionais indeferiram o pedido de E. Lebek, com o fundamento de que o direito de defesa de J. Domino não tinha sido respeitado, uma vez que este último tinha tomado conhecimento da sentença do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris) numa data em que já não era possível interpor um recurso ordinário.

21

Ulteriormente, E. Lebek apresentou uma segunda petição no Sąd Okręgowy w Jeleniej Górze (Tribunal Regional de Jelenia Góra), com um objeto idêntico ao do pedido anteriormente indeferido, suscitando novos factos, a saber, que as notificações relativas à sentença do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris) ao demandado foram efetuadas em 17 e 31 de maio de 2012, nos termos das disposições do Regulamento n.o 1393/2007. Estas notificações diziam respeito a essa sentença, bem como a uma informação dirigida ao demandado, em que se reproduziam, designadamente, as disposições do artigo 540.o do CPC. Segundo esta informação, o demandado podia apresentar um pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso, nos dois meses seguintes à notificação da sentença em causa.

22

Por sentença de 14 de dezembro de 2012, que salientava que o demandado não tinha apresentado tal pedido no prazo assim estabelecido, o Sąd Okręgowy w Jeleniej Górze (Tribunal Regional de Jelenia Góra) deferiu o segundo pedido de E. Lebek, ao considerar que estava garantido o respeito pelo direito de defesa, e declarou a sentença do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris) executória na Polónia.

23

Por decisão de 27 de maio de 2013, na sequência do recurso interposto por J. Domino, o Sąd Apelacyjny we Wrocławiu (Tribunal de Segunda Instância de Wroclaw) alterou a sentença impugnada e indeferiu o pedido de reconhecimento, com o fundamento de que o artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I devia ser interpretado no sentido de que a mera possibilidade de apresentar um pedido com vista à relevação do efeito perentório do prazo de recurso não significava que existiam reais possibilidades de interpor um recurso da sentença do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris), dependendo esse recurso, com efeito, de uma decisão positiva prévia do órgão jurisdicional francês relativamente ao referido pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso.

24

E. Lebek interpôs, no Sąd Najwyższy (Tribunal Supremo, Polónia), um recurso de cassação contra esta decisão do Sąd Apelacyjny we Wrocławiu (Tribunal de Segunda Instância de Wroclaw).

25

Segundo o Sąd Najwyższy (Tribunal Supremo), quando o demandado tenha tido a possibilidade de apresentar, no Estado de origem da decisão em causa, um pedido de reinício da contagem do prazo de recurso contra essa decisão, não pode invocar os fundamentos de recusa de declaração de executoriedade da decisão, enunciados no artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I.

26

Esse órgão jurisdicional considera que o conceito de «recurso», que figura no artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I, deveria ser objeto de uma interpretação ampla, dado que a ratio legis desta disposição consiste na proteção do demandado quando foi proferida uma sentença contra si, quando o ato que iniciou a instância não lhe tiver sido comunicado ou notificado. Tal proteção é também assegurada quando é possível apresentar um pedido de reinício da contagem do prazo de recurso.

27

O mesmo órgão jurisdicional recorda também que, nos termos do artigo 19.o, n.o 4, e do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, em França, o prazo durante o qual o pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso é admissível é de um ano a contar da prolação da sentença em causa.

28

Daqui decorre que, se o artigo 19.o, n.o 4, do referido regulamento devesse ser interpretado no sentido de que exclui a aplicação das disposições nacionais que regem a questão da prorrogação do prazo de recurso, como o artigo 540.o do CPC, isso significaria que, decorrido o prazo de um ano, o demandado já não poderia validamente apresentar um pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso e, por conseguinte, que o demandado já não poderia interpor recurso, na aceção do artigo 34.o, ponto 2, último membro de frase, do Regulamento Bruxelas I.

29

O Sąd Najwyższy (Tribunal Supremo) considera, contudo, que o artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1393/2007 não apresenta um tal caráter exclusivo e não se opõe à aplicação das disposições nacionais que regem o reinício da contagem do prazo. Assim, esta disposição apenas estabelece as normas mínimas de proteção de um demandado revel, a quem a ação não foi citada ou notificada, deixando aos Estados‑Membros a possibilidade de aplicarem medidas mais favoráveis.

30

Nestas condições, o Sąd Najwyższy (Tribunal Supremo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento [Bruxelas I] ser interpretado no sentido de que a possibilidade nele mencionada de interposição de um recurso abrange tanto o caso em que esse recurso pode ser interposto dentro do prazo previsto no direito nacional como o caso em que, embora este prazo já tenha decorrido, ainda seja possível apresentar um pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso e, na sequência deste — depois de este pedido ter sido deferido —, apresentar o recurso apropriado?

2)

Deve o artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento [n.o 1393/2007] ser interpretado no sentido de que exclui a aplicação das disposições do direito nacional relativas à relevação do efeito perentório do prazo de recurso, ou no sentido de que o recorrido pode optar entre apresentar o pedido referido nesta disposição e o instituto correspondente do direito nacional?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

31

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «recurso», que figura no artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I, deve ser interpretado no sentido de que inclui também o pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso quando o prazo de interposição de recurso ordinário já terminou.

32

A este respeito, importa recordar que, para garantir, na medida do possível, a igualdade e a uniformidade dos direitos e obrigações que decorrem do Regulamento Bruxelas I para os Estados‑Membros e as pessoas interessadas, não se deve interpretar o conceito de «recurso», na aceção do artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I, como uma simples remissão para o direito interno de qualquer dos Estados em questão. O referido conceito deve ser considerado um conceito autónomo que tem de ser interpretado com referência, designadamente, aos objetivos desse regulamento (v., neste sentido, acórdão de 28 de abril de 2009, Apostolides, C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 41 e jurisprudência aí referida).

33

No que diz respeito aos objetivos do referido regulamento, resulta dos seus considerandos 2, 6, 16 e 17 que o mesmo pretende alcançar o objetivo da livre circulação das decisões dos Estados‑Membros em matéria civil e comercial, simplificando as formalidades para que o respetivo reconhecimento e execução sejam rápidos e simples (acórdão de 14 de dezembro de 2006, ASML, C‑283/05, EU:C:2006:787, n.o 23).

34

Esse objetivo não pode, todavia, ser alcançado à custa de um enfraquecimento, seja qual for a forma que assuma, dos direitos de defesa, como o Tribunal de Justiça decidiu a propósito do artigo 27.o, n.o 2, da Convenção de 27 de setembro de 1968, relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186; a seguir «Convenção de Bruxelas») (acórdão de 14 de dezembro de 2006, ASML, C‑283/05, EU:C:2006:787, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

35

Por outro lado, resulta do considerando 18 do Regulamento Bruxelas I que o respeito pelos direitos de defesa impõe, todavia, que o demandado possa, sendo caso disso, interpor recurso, examinado de forma contraditória, contra a declaração de executoriedade de uma decisão, se entender que é aplicável qualquer fundamento para a não execução.

36

A este respeito, decorre dos considerandos 16 a 18 do Regulamento Bruxelas I que o sistema de recursos contra o reconhecimento ou a execução de uma decisão, nele instituído, visa estabelecer um justo equilíbrio entre a confiança recíproca na justiça no seio da União — que justifica que as decisões proferidas num Estado‑Membro sejam, em princípio, reconhecidas e declaradas executórias de pleno direito noutro Estado‑Membro — e o respeito pelos direitos da defesa, que implica que o demandado possa eventualmente interpor recurso contraditório da declaração que reconhece a executoriedade, se entender que se verifica um motivo de não execução (acórdão de 28 de abril de 2009, Apostolides, C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 73).

37

O Tribunal de Justiça também declarou que os direitos fundamentais, como o respeito dos direitos de defesa, que derivam do direito a um processo equitativo, não constituem prerrogativas absolutas, podendo comportar restrições. Contudo, estas restrições devem corresponder efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituir, à luz do fim prosseguido, uma violação desmesurada dos referidos direitos (v., neste sentido, acórdão de 17 de novembro de 2011, Hypoteční banka, C‑327/10, EU:C:2011:745, n.o 50).

38

No que respeita ao artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I, há que recordar que, ao contrário do artigo 27.o, ponto 2, da Convenção de Bruxelas, não pressupõe necessariamente a regularidade da citação ou notificação da petição inicial, mas a efetiva observância dos direitos de defesa (v. acórdão de 14 de dezembro de 2006, ASML, C‑283/05, EU:C:2006:787, n.o 20).

39

O artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I, para o qual remete o artigo 45.o, n.o 1, deste regulamento, visa assegurar o respeito dos direitos do demandado revel na pendência do processo iniciado no Estado‑Membro de origem, através de um sistema de dupla fiscalização. Por força deste sistema, o juiz do Estado‑Membro requerido deve recusar ou revogar, em caso de recurso, a execução de uma decisão estrangeira proferida à revelia, se a petição inicial ou ato equivalente não tiverem sido citados ou notificados ao demandado revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa, a menos que este não tenha interposto recurso da decisão nos tribunais do Estado‑Membro de origem, embora tivesse tido a possibilidade de o fazer (acórdão de 6 de setembro de 2012, Trade Agency, C‑619/10, EU:C:2012:531, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

40

Contudo, o artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I não implica que o requerido deva tomar novas iniciativas, para além de uma diligência normal, na defesa dos seus direitos, como informar‑se do conteúdo de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro (acórdão de 14 de dezembro de 2006, ASML, C‑283/05, EU:C:2006:787, n.o 39).

41

Por conseguinte, para que se possa considerar que o demandado revel teve a possibilidade, na aceção do artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I, de interpor recurso de uma decisão condenatória proferida à revelia, tem que ter tido conhecimento do conteúdo dessa decisão, o que pressupõe que a mesma lhe tenha sido citada ou notificada (acórdão de 14 de dezembro de 2006, ASML, C‑283/05, EU:C:2006:787, n.o 40).

42

No que respeita mais especificamente ao pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso, há que precisar que um tal pedido tem por objeto restituir ao demandado revel o seu direito de ação judicial após o termo do prazo fixado na lei para o exercício desse direito.

43

Por conseguinte, à semelhança da faculdade de interpor um recurso ordinário, visa assegurar o respeito efetivo dos direitos de defesa dos demandados revéis.

44

Contudo, nos termos do artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1393/2007, a apresentação de um pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso pressupõe que o demandado, sem que tenha havido culpa da sua parte, não tenha tido conhecimento do ato em causa em tempo útil para interpor recurso e que as suas alegações de defesa não sejam desprovidas de qualquer fundamento. Além disso, este pedido deve ser apresentado num prazo razoável.

45

Na medida em que as condições assim estabelecidas no artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1393/2007 estão preenchidas, tendo o demandado ainda a possibilidade de requerer o restabelecimento dos seus direitos de defesa, não se pode considerar que já não está em condições de exercer de modo efetivo os seus direitos de defesa. Nestas circunstâncias, a apresentação de um pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso não pode ser considerada uma nova iniciativa que vai além de uma diligência normal na defesa dos direitos do demandado revel.

46

Se este último não alegou o seu direito de pedir a relevação do efeito perentório do prazo de recurso, quando o poderia ter feito, verificando‑se as condições mencionadas no n.o 44 do presente acórdão, o reconhecimento de uma sentença proferida à revelia contra si não pode ser recusada com fundamento no artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I.

47

Em contrapartida, uma sentença proferida à revelia não deve ser reconhecida se o demandado revel, sem que tenha havido culpa da sua parte, apresentou um pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso, o qual foi em seguida indeferido, apesar de se verificarem as condições previstas no artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1393/2007.

48

Esta solução é suscetível de garantir o respeito pelo direito a um processo equitativo e de assegurar o justo equilíbrio entre, por um lado, a necessidade de assegurar que as decisões proferidas num Estado‑Membro são, em princípio, reconhecidas e declaradas plenamente executórias noutro Estado‑Membro e, por outro, o respeito pelos direitos da defesa.

49

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o conceito de «recurso», que figura no artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I, deve ser interpretado no sentido de que inclui também o pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso, quando o prazo para interposição de recurso ordinário já terminou.

Quanto à segunda questão

50

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 4, último parágrafo, do Regulamento n.o 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que exclui a aplicação das disposições do direito nacional relativas ao regime dos pedidos de relevação do efeito perentório do prazo de recurso, quando terminou o prazo de admissibilidade de tais pedidos, conforme especificado na comunicação de um Estado‑Membro à qual se refere a dita disposição.

51

A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE, o regulamento é um ato jurídico da União de alcance geral, obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros. Por conseguinte, devido à sua própria natureza e à sua função no sistema das fontes de direito da União, produz efeitos imediatos e pode conferir aos particulares direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação de proteger (acórdãos de 14 de julho de 2011, Bureau national interprofessionnel du Cognac, C‑4/10 e C‑27/10, EU:C:2011:484, n.o 40, e de 10 de dezembro de 2013, Abdullahi, C‑394/12, EU:C:2013:813, n.o 48).

52

A este respeito, a escolha da forma de regulamento mostra a importância que o legislador da União confere à natureza diretamente aplicável das disposições do Regulamento n.o 1393/2007 e à aplicação uniforme dessas disposições (v., por analogia, acórdãos de 8 de novembro de 2005, Leffler, C‑443/03, EU:C:2005:665, n.o 46, e de 25 de junho de 2009, Roda Golf & Beach Resort, C‑14/08, EU:C:2009:395, n.o 49).

53

Segundo o artigo 19.o, n.o 4, último parágrafo, do Regulamento n.o 1393/2007, qualquer Estado‑Membro pode comunicar, nos termos do n.o 1 do artigo 23.o do mesmo regulamento, que o pedido de relevação do efeito perentório não será atendido se for formulado após o decurso de um prazo que indicará na comunicação, contanto que esse prazo não seja inferior a um ano contado da data da decisão em causa.

54

No caso em apreço, a República Francesa utilizou a faculdade conferida pelo referido artigo 19.o, n.o 4, e indicou, na sua comunicação, que o pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso é inadmissível se for apresentado depois de decorrido um ano a contar da prolação da referida decisão.

55

Por outro lado, segundo jurisprudência constante, os prazos de prescrição cumprem, em termos gerais, a função de assegurar a segurança jurídica (acórdãos de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C‑367/09, EU:C:2010:648, n.o 68, e de 8 de setembro de 2011, Q‑Beef e Bosschaert, C‑89/10 e C‑96/10, EU:C:2011:555, n.o 42).

56

Ora, no processo principal, é ponto assente que J. Domino apenas teve conhecimento da sentença do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris) em julho de 2011, quando o prazo de um ano a contar da data de prolação dessa sentença havia já terminado.

57

Por conseguinte, seria contrário ao princípio da segurança jurídica e à força obrigatória inerente aos regulamentos da União dar ao artigo 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1393/2007 uma interpretação segundo a qual um pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso poderia ainda ser apresentado num prazo previsto pelo direito nacional, quando esse pedido já não era admissível nos termos de uma disposição obrigatória e diretamente aplicável deste regulamento.

58

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 19.o, n.o 4, último parágrafo, do Regulamento n.o 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que exclui a aplicação das disposições do direito nacional relativas ao regime dos pedidos de relevação do efeito perentório do prazo de recurso, quando já terminou o prazo de admissibilidade para a apresentação de tais pedidos, conforme especificado na comunicação de um Estado‑Membro à qual se refere a referida disposição.

Quanto às despesas

59

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O conceito de «recurso», que figura no artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que inclui também o pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso, quando o prazo para interposição de recurso ordinário já terminou.

 

2)

O artigo 19.o, n.o 4, último parágrafo, do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que exclui a aplicação das disposições do direito nacional relativas ao regime dos pedidos de relevação do efeito perentório do prazo de recurso, quando já terminou o prazo de admissibilidade para a apresentação de tais pedidos, conforme especificado na comunicação de um Estado‑Membro à qual se refere a referida disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

Início