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Document 62021CJ0444

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 29 de junho de 2023.
Comissão Europeia contra Irlanda.
Incumprimento de Estado — Ambiente — Diretiva 92/43/CEE — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Zonas especiais de conservação — Região biogeográfica atlântica — Artigo 4.°, n.o 4, e artigo 6.°, n.o 1 — Inexistência de designação de zonas especiais de conservação e fixação dos objetivos de conservação — Inexistência ou insuficiência de medidas de conservação.
Processo C-444/21.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:524

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

29 de junho de 2023 ( *1 )

Índice

 

I. Quadro jurídico

 

II. Procedimento pré‑contencioso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

 

III. Quanto à ação

 

A. Quanto à primeira acusação, relativa à não designação das zonas especiais de conservação

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

B. Quanto à segunda acusação, relativa à não fixação de objetivos de conservação

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

C. Quanto à terceira acusação, relativo à violação da obrigação de fixar as medidas de conservação necessárias

 

1. Argumentos das partes

 

a) Sítios que, segundo a Comissão, não são objeto de nenhuma medida de conservação ou são objeto de medidas de conservação parciais

 

b) Sítios que, segundo a Comissão, são objeto de medidas de conservação que não se baseiam nos objetivos de conservação

 

c) Uma prática persistente e sistemática que consiste em estabelecer medidas de conservação que não são suficientemente precisas e que não permitem fazer face a todas as pressões e ameaças importantes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

a) Observações preliminares

 

b) Sítios que, segundo a Comissão, não são objeto de nenhuma medida de conservação ou são objeto de medidas de conservação incompletas

 

c) Sítios que, segundo a Comissão, são objeto de medidas de conservação que não se baseiam nos objetivos de conservação

 

d) Uma prática persistente e sistemática que consiste em estabelecer medidas de conservação que não são suficientemente precisas e que não permitem fazer face a todas as pressões e ameaças importantes

 

Quanto às despesas

«Incumprimento de Estado — Ambiente — Diretiva 92/43/CEE — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Zonas especiais de conservação — Região biogeográfica atlântica — Artigo 4.o, n.o 4, e artigo 6.o, n.o 1 — Inexistência de designação de zonas especiais de conservação e fixação dos objetivos de conservação — Inexistência ou insuficiência de medidas de conservação»

No processo C‑444/21,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, intentada em 16 de julho de 2021,

Comissão Europeia, representada por C. Hermes e M. Noll‑Ehlers, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

Irlanda, representada por M. Browne, A. Joyce, M. Lane e J. Quaney, na qualidade de agentes, assistidos por E. Barrington, SC, A. Carroll, BL, e M. Gray, SC,

demandada,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, L. Arastey Sahún (relatora), F. Biltgen, N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de novembro de 2022,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 9 de fevereiro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que:

ao não designar como zonas especiais de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, 217 dos 423 sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica que foram inscritos na lista estabelecida pela Decisão 2004/813/CE da Comissão, de 7 de dezembro de 2004, que adota, nos termos da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica (JO 2004, L 387, p. 1), atualizada pela Decisão 2008/23/CE da Comissão, de 12 de novembro de 2007, que adota, em aplicação da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a primeira lista atualizada dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica (JO 2008, L 12, p. 1), e pela Decisão 2009/96/CE da Comissão, de 12 de dezembro de 2008, que adota, em aplicação da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a segunda lista atualizada dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica (JO 2009, L 43, p. 466) (a seguir «sítios de importância comunitária em causa»);

ao não fixar objetivos detalhados de conservação específicos para cada um dos sítios no que respeita a 140 dos 423 sítios de importância comunitária em causa, e

ao não adotar as medidas de conservação necessárias que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais enumerados no anexo I e das espécies enumeradas no anexo II da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013 (JO L 158, p. 193) (a seguir «Diretiva “Habitats”»), presentes nos 423 sítios de importância comunitária em causa,

a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, n.o 4, e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats».

I. Quadro jurídico

2

Os terceiro e oitavo considerandos da Diretiva «Habitats» enunciam:

«Considerando que, consistindo o objetivo principal da presente diretiva em favorecer a manutenção da biodiversidade, tomando simultaneamente em consideração as exigências económicas, sociais, culturais e regionais, contribui para o objetivo geral de desenvolvimento sustentável; que a manutenção dessa biodiversidade pode, em certos casos, requerer a manutenção e até mesmo o encorajamento de atividades humanas;

[…]

Considerando que, em cada zona designada, devem ser aplicadas as medidas necessárias para concretizar os objetivos de conservação prosseguidos.»

3

O artigo 1.o, alínea l), desta diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

l)

Zona especial de conservação: um sítio de importância comunitária designado pelos Estados‑Membros por um ato regulamentar, administrativo e/ou contratual em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável, dos habitats naturais e/ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado».

4

Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva:

«As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.»

5

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva prevê:

«1.   É criada uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação denominada “Natura 2000”. Esta rede, formada por sítios que alojam tipos de habitats naturais constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural.

A rede Natura 2000 compreende também as zonas de proteção especial designadas pelos Estados‑Membros nos termos da Diretiva 79/409/CEE.

2.   Cada Estado‑Membro contribuirá para a constituição da rede Natura 2000 em função da representação no seu território dos tipos de habitats naturais e dos habitats das espécies a que se refere o n.o 1. Cada Estado‑Membro designará para o efeito, nos termos do disposto no artigo 4.o, sítios como zonas especiais de conservação, tendo em conta os objetivos constantes do n.o 1.»

6

O artigo 4.o da Diretiva «Habitats» dispõe:

«1.   Com base nos critérios estabelecidos no anexo III (fase 1) e nas informações científicas pertinentes, cada Estado‑Membro proporá uma lista dos sítios, indicando os tipos de habitats naturais do anexo I e as espécies do anexo II (nativas do seu território) que tais sítios alojam. No caso das espécies animais que ocupam vastas zonas, esses sítios corresponderão a locais dentro da área de repartição natural das referidas espécies que representem os elementos físicos ou biológicos essenciais à sua vida ou reprodução. No caso das espécies aquáticas que ocupam vastas zonas, esses sítios apenas serão propostos quando for possível identificar com clareza uma zona que apresente os elementos físicos e biológicos essenciais à sua vida ou reprodução. Os Estados‑Membros proporão, se necessário, adaptações à referida lista em função dos resultados da vigilância a que se refere o artigo 11.o

A lista será enviada à Comissão nos três anos subsequentes à notificação da diretiva, ao mesmo tempo que as informações relativas a cada sítio. Tais informações compreenderão um mapa do sítio, a sua denominação, localização e extensão, bem como os dados resultantes da aplicação dos critérios especificados no anexo III (fase 1), e serão fornecidas com base num formulário elaborado pela Comissão segundo o procedimento a que se refere o artigo 21.o

2.   Com base nos critérios constantes do anexo III (fase 2) e no âmbito de cada uma das cinco regiões biogeográficas a que se refere a alínea c), subalínea iii), do artigo 1.o e do conjunto do território a que se refere o n.o 1 do artigo 2.o, a Comissão elaborará, em concertação com cada Estado‑Membro, e a partir das listas dos Estados‑Membros, um projeto de lista dos sítios de importância comunitária do qual constarão os que integrem um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou uma ou mais espécies prioritárias.

Os Estados‑Membros cujos sítios que integrem tipos de habitats naturais e espécies prioritários representem mais de 5 % do território nacional podem, mediante acordo da Comissão, solicitar que os critérios referidos no anexo III (fase 2) sejam aplicados com mais flexibilidade na seleção do conjunto dos sítios de importância comunitária existentes no seu território.

A lista dos sítios selecionados como de importância comunitária, que indique os que integram um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou uma ou mais espécies prioritárias, será elaborada pela Comissão segundo o procedimento a que se refere o artigo 21.o

3.   A lista referida no número anterior será elaborada num prazo máximo de seis anos a contar da notificação da presente diretiva.

4.   A partir do momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido nos termos do procedimento previsto no n.o 2, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio como zona especial de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, estabelecendo prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável de um tipo ou mais de habitats naturais a que se refere o anexo I ou de uma ou mais espécies a que se refere o anexo II e para a coerência da rede Natura 2000, por um lado, e em função das ameaças de degradação e de destruição que pesam sobre esses sítios, por outro.

5.   Logo que um sítio seja inscrito na lista prevista no terceiro parágrafo do n.o 2 ficará sujeito ao disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 6.o»

7

Nos termos do artigo 6.o dessa diretiva:

«1.   Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

2.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos da presente diretiva.

3.   Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.o 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.   Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projeto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000. […]

[…]»

II. Procedimento pré‑contencioso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

8

Através da Decisão 2004/813, a Comissão adotou uma lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica, dos quais 413 estão localizados no território da Irlanda. O prazo de seis anos para a designação destes sítios como zonas especiais de conservação, previsto no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats», expirou em 7 de dezembro de 2010. Esta lista foi atualizada pelas Decisões 2008/23 e 2009/96, que procederam à fusão, no que respeita à Irlanda, de dois sítios e acrescentaram 11, elevando assim para 423 o número total de sítios localizados no território deste Estado‑Membro.

9

Por carta de 23 de abril de 2013, a Comissão pediu à Irlanda que lhe fornecesse informações sobre as medidas tomadas com vista a dar cumprimento ao disposto no artigo 4.o, n.o 4, e no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» e, em particular, sobre os progressos na designação como zonas especiais de conservação dos sítios de importância comunitária em causa, bem como sobre o estado de preparação dos objetivos e das medidas de conservação.

10

Tendo em conta a resposta da Irlanda, de 11 de setembro de 2013, a Comissão considerou que este Estado‑Membro não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força das disposições acima referidas e enviou‑lhe, em 27 de fevereiro de 2015, uma notificação para cumprir.

11

Após ter apreciado a resposta fornecida pela Irlanda por carta de 5 de maio de 2015 e os relatórios de progresso apresentados por este Estado‑Membro, a Comissão emitiu, em 29 de abril de 2016, um parecer fundamentado, em aplicação do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, acusando este Estado‑Membro de não ter cumprido:

a obrigação de designar como zonas especiais de conservação, em conformidade com as exigências do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats», o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, 401 dos sítios de importância comunitária em causa;

a obrigação de fixar, em conformidade com a referida disposição, os objetivos de conservação para 335 desses sítios de importância comunitária;

a obrigação de adotar, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, as medidas de conservação necessárias em relação a todos os referidos sítios de importância comunitária.

12

Na sua resposta de 27 de junho de 2016, a Irlanda salientou, no que respeita às obrigações decorrentes do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats», a complexidade do procedimento de designação dos sítios de importância comunitária em causa em zonas especiais de conservação. Este Estado‑Membro previa assim completar a designação das zonas especiais de conservação no decurso do ano de 2017. No entanto, considerava que os sítios em causa já estavam protegidos pela lei irlandesa como «sítios candidatos à designação de zonas especiais de conservação» (a seguir «sítios candidatos»).

13

Por carta de 9 de novembro de 2018, recebida no mesmo dia pela Irlanda, a Comissão enviou a este Estado‑Membro um parecer fundamentado complementar. A Comissão instou as autoridades irlandesas a darem cumprimento a esse parecer no prazo de dois meses a contar da receção do mesmo. Considerou, doravante, que os incumprimentos desse Estado‑Membro eram relativos a:

255 sítios de importância comunitária, no que respeita à não designação dos sítios de importância comunitária em zonas especiais de conservação,

198 sítios de importância comunitária, no que respeita à não fixação de objetivos de conservação detalhados,

todos os 423 sítios de importância comunitária em causa no que respeita à não fixação das medidas de conservação.

14

Por carta de 11 de janeiro de 2019, a Irlanda indicou que previa designar os restantes sítios como zonas especiais de conservação e fixar os objetivos de conservação para esses sítios o mais tardar até ao fim de 2020 e que estes já estavam protegidos enquanto sítios candidatos. Indicou também um programa de implementação das medidas de conservação.

15

Por mensagens de correio eletrónico de 26 de abril, 2 de maio, 11 de outubro e 12 de dezembro de 2019, bem como de 14 de janeiro e 14 de abril de 2020, a Irlanda informou a Comissão dos progressos nos procedimentos relativos à designação dos sítios de importância comunitária em causa como zonas especiais de conservação e à fixação dos objetivos de conservação.

16

Assim, considerando que a Irlanda não tinha adotado as medidas exigidas para cumprir as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 4.o, n.o 4, e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats», a Comissão intentou, em 16 de julho de 2021, a presente ação.

17

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2021, foi admitida a intervenção da República Federal da Alemanha em apoio das conclusões da Irlanda.

III. Quanto à ação

18

Em apoio da sua ação, a Comissão invoca três acusações, sendo as duas primeiras relativas à violação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats» e a terceira relativa à violação do artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva. Alega, primeiro, que 217 dos sítios de importância comunitária em causa não foram designados como zonas especiais de conservação, segundo, que não foram fixados objetivos de conservação relativamente a 140 dos sítios de importância comunitária em causa e, terceiro, que não foram estabelecidas nenhumas medidas de conservação suficientes para os sítios de importância comunitária em causa.

19

A Irlanda conclui pedindo que a ação de incumprimento seja julgada improcedente. No entanto, a República Federal da Alemanha, que interveio em seu apoio, apenas toma posição sobre a terceira acusação.

A.   Quanto à primeira acusação, relativa à não designação das zonas especiais de conservação

1. Argumentos das partes

20

Com a sua primeira acusação, a Comissão alega que a Irlanda violou as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats», ao não designar 217 dos sítios de importância comunitária em causa como zonas especiais de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos a contar da data de adoção das Decisões 2004/813 e 2009/96.

21

Esta instituição considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a saber os Acórdãos de 27 de fevereiro de 2003, Comissão/Bélgica (C‑415/01, EU:C:2003:118, n.os 22 e 23), e de 14 de outubro de 2010, Comissão/Áustria (C‑535/07, ECLI:EU:C:2010:602, n.o 64), relativa às zonas de proteção especial previstas na Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (JO 2010, L 20, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2013/17 (a seguir Diretiva «Aves»), é aplicável ao caso em apreço tendo em conta os objetivos de conservação prosseguidos pelas Diretivas «Habitats» e «Aves». Ao aplicar esta jurisprudência, a delimitação dessas zonas e as espécies protegidas deveriam, assim, ser objeto de publicação para beneficiarem de uma força vinculativa indiscutível, a fim de ser satisfeita a exigência de segurança jurídica.

22

Como resulta da nota da Comissão sobre a designação de zonas especiais de conservação, de 14 de maio de 2012, o nome e a localização do sítio, das espécies e dos tipos de habitats em relação aos quais a zona especial de conservação é designada devem ser claramente indicados, tal como os limites da referida zona, o objetivo da designação e as disposições de proteção aplicáveis a essa zona.

23

A Irlanda informou a Comissão de que essa designação iria ser efetuada através de atos de legislação secundária. Sem se opor a esse método de designação, esta sublinha, no entanto, que o mesmo apenas abrangeria 206 dos sítios de importância comunitária em causa no termo do prazo fixado no parecer fundamentado complementar, termo do prazo esse a partir do qual o incumprimento devia ser apreciado. Com efeito, a Irlanda reconheceu que só designou 212 sítios, entre os quais seis sítios, a saber, Hempton’s Turbot Bank SAC, Porcupine Bank Canyon SAC, South‑East Rockall Bank, Codling SAC Fault Zone SAC, Blackwater Bank SAC e West Connacht Coast SAC, que não fazem parte dos 423 sítios de importância comunitária em causa. À data da apresentação da petição, 154 sítios continuavam ainda a aguardar designação.

24

A concessão de uma proteção aos sítios desde a sua inscrição na lista de sítios de importância comunitária não põe em causa a obrigação de estes serem designados enquanto zonas especiais de conservação em aplicação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats».

25

Na sua contestação, a Irlanda recorda que o objetivo geral prosseguido pelo artigo 6.o da Diretiva «Habitats» é impor aos Estados‑Membros uma série de obrigações destinadas a manter ou restabelecer, num estado de conservação favorável, habitats naturais e espécies de fauna e de flora selvagens de interesse para a União Europeia, para alcançar o objetivo mais geral dessa diretiva que é garantir um elevado nível de proteção do ambiente [Acórdãos de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża),C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 106, e de 7 de novembro de 2018, Holohan e o., C‑461/17, EU:C:2018:883, n.o 30 e jurisprudência referida].

26

Esse Estado‑Membro alega, primeiro, que as medidas referidas pela Comissão e recordadas no n.o 22 do presente acórdão foram tomadas para o conjunto dos sítios de importância comunitária em causa mediante a proteção conferida pelo direito irlandês a todos os «sítios europeus», conceito de direito irlandês que inclui igualmente os sítios candidatos e também os sítios de importância comunitária. Por conseguinte, o objetivo que consiste em atingir um nível elevado de proteção do ambiente e em contribuir para a constituição da rede Natura 2000 foi cumprido no que respeita ao conjunto dos sítios de importância comunitária em causa.

27

Assim, um sítio candidato beneficia da mesma proteção que as zonas especiais de conservação.

28

A título ilustrativo, as quarta e quinta partes do European Communities (Birds and Natural Habitats) Regulations 2011 (Regulamento de 2011 relativo à transposição das Diretivas «Aves» e «Habitats» das comunidades europeias, a seguir «regulamento de transposição») impõem ao ministro da Habitação, da Administração Local e do Património (a seguir «ministro competente») determinadas obrigações relativas às atividades, aos planos ou aos projetos suscetíveis de afetarem sítios europeus. Assim, protegem de modo igual os sítios quer tenham sido ou não formalmente designados como zonas especiais de conservação.

29

A este respeito, o artigo 28.o do regulamento de transposição impõe ao ministro competente que, quando considere que uma atividade é suscetível de ter um efeito significativo num sítio europeu, proíba, em princípio, essa atividade. Para o efeito, o referido regulamento inclui uma lista das atividades sujeitas a autorização. Além disso, as autoridades públicas deverão ter em conta a lista das atividades sujeitas a autorização quando apreciarem um pedido de autorização ao abrigo de qualquer regime legislativo ou quando propuserem a adoção dos seus próprios planos ou projetos.

30

Por outro lado, a quinta parte deste regulamento prevê um procedimento através do qual uma autoridade pública efetua, se for necessário, uma avaliação adequada de um plano ou de um projeto para o qual essa autoridade pública recebeu um pedido de autorização ou que pretende realizar.

31

Em aplicação do artigo 11.o do referido regulamento, a identificação de um sítio como sítio candidato à designação enquanto sítio de importância comunitária deve ser consultável no gabinete do ministro competente, na Internet, e ser objeto de uma informação aos organismos especificados, aos proprietários fundiários e a toda a população. A informação assim disponível inclui, nomeadamente, um mapa que define o limite do sítio, a sua denominação, a sua localização e a sua extensão, bem como o motivo subjacente à identificação do sítio como sítio candidato à designação enquanto sítio de importância comunitária.

32

Em segundo lugar, a Irlanda sublinha, sem prejuízo do que precede, a complexidade do procedimento de designação formal dos sítios de importância comunitária em causa enquanto zonas especiais de conservação, que inclui na maioria das vezes a obrigação de informar os proprietários em causa e de lhes permitir oporem‑se a essa designação, o que é essencial para lhes garantir proteção jurídica. Assim, a designação formal dos sítios em causa implicou a necessidade de dialogar com 18516 proprietários e de tratar os 674 recursos interpostos por esses proprietários.

33

Além disso, dos sítios ainda não designados, 20 sítios são turfeiras altas cujo fim do procedimento de designação depende de um acordo com a Comissão sobre a solução de gestão global da rede dessas turfeiras altas que é objeto de um diálogo aprofundado com a referida instituição.

34

Na sua réplica, a Comissão contesta que o procedimento de designação dessas 20 turfeiras altas dependa do resultado das discussões sobre a forma como estas devem ser geridas, e refere que, no que respeita à eventual complexidade do procedimento de designação formal no direito irlandês, por exemplo a necessidade de apreciar os recursos dos proprietários fundiários, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros não podem invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações resultantes do direito da União [Acórdão de 12 de novembro de 2019, Comissão/Irlanda (Parque eólico de Derrybrien),C‑261/18, EU:C:2019:955, n.o 89 e jurisprudência referida].

35

Esta instituição considera que resulta do âmbito do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats» que existe uma obrigação de concluir o procedimento previsto nesse artigo através da designação de um sítio em zonas especiais de conservação. A interpretação inversa apresentada pela Irlanda privaria o n.o 4 do referido artigo de qualquer efeito útil.

36

A obrigação de proteger os sítios antes da sua designação como zonas especiais de conservação está, aliás, prevista no artigo 4.o, n.o 5, da Diretiva «Habitats».

37

Por outro lado, a proteção conferida aos sítios candidatos ao abrigo do direito irlandês é inferior à que deve ser conferida às zonas especiais de conservação, que são as únicas abrangidas pela obrigação de fixar medidas de conservação em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva.

38

Além disso, esta proteção não responde à exigência de clareza e de segurança jurídica. Com efeito, a lista dos sítios candidatos é suscetível de evoluir em função das objeções formuladas pelas pessoas em causa.

39

Na sua tréplica, a Irlanda sublinha que resulta da nota da Comissão, referida no n.o 22 do presente acórdão, que o procedimento para a designação das zonas especiais de conservação é regulado pelo direito interno dos Estados‑Membros. Em conformidade com a sua margem de apreciação, a Irlanda optou por designar as zonas especiais de conservação conferindo‑lhes, enquanto sítios europeus, todas as proteções exigidas.

40

Segundo este Estado‑Membro, a afirmação da possível evolução do perímetro dos sítios antes da designação formal não está fundamentada. Por outro lado, a designação das zonas especiais de conservação não torna definitivas as suas fronteiras, uma vez que estas podem ser alteradas posteriormente à sua designação em caso de erro científico.

41

A interpretação apresentada pela Irlanda não priva de efeito útil o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats». Com efeito, o direito irlandês responde às obrigações decorrentes desse número e assegura, assim, a proteção dos sítios em causa impondo a aplicação do princípio da precaução e a realização das avaliações referidas no artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva.

42

A proteção conferida pela regulamentação irlandesa aos sítios candidatos vai além da que decorre do artigo 4.o, n.o 5, da Diretiva «Habitats», uma vez que essa regulamentação prevê a publicação dos detalhes e do alcance do sítio em causa, dos interesses elegíveis e de uma lista de atividades que necessitam de autorização prévia para serem executadas.

43

À data da apresentação da tréplica, a Irlanda refere ter concluído a designação formal de 339 dos 423 sítios de importância comunitária em causa.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

44

A título preliminar, importa recordar que o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva «Habitats» impõe aos Estados‑Membros a obrigação de contribuírem para a constituição da rede Natura 2000 em função da representação, nos seus respetivos territórios, dos tipos de habitats naturais que figuram no anexo I dessa diretiva e dos habitats das espécies que figuram no anexo II da referida diretiva, e de designar, para o efeito, nos termos do artigo 4.o da mesma diretiva e no termo do procedimento estabelecido por esta, sítios como zonas especiais de conservação.

45

O procedimento de designação dos sítios como zonas especiais de conservação, conforme previsto no artigo 4.o da Diretiva «Habitats», desenrola‑se em quatro fases. Segundo este artigo 4.o, n.o 1, cada Estado‑Membro propõe uma lista de sítios indicando os tipos de habitats naturais e as espécies indígenas que alojam e essa lista é enviada à Comissão (primeira fase). Em conformidade com o n.o 2 do referido artigo 4.o, a Comissão elabora, em concertação com cada Estado‑Membro, e a partir das listas dos Estados‑Membros, um projeto de lista dos sítios de importância comunitária (segunda fase). Com base nesse projeto de lista, a Comissão adota a lista dos sítios selecionados (terceira fase). Em aplicação do n.o 4 do mesmo artigo 4.o, a partir do momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio como zona especial de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, estabelecendo prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável de um tipo de habitat natural ou de uma espécie e para a coerência da rede Natura 2000 (quarta fase) (v., neste sentido, Acórdão de 12 de junho de 2019, CFE,C‑43/18, EU:C:2019:483, n.o 37).

46

A Irlanda não contesta o facto de que, à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado complementar, nenhum dos 217 sítios em causa foi objeto de uma designação formal como zona especial de conservação. Invoca, no entanto, o facto de a proteção que confere aos sítios candidatos ser análoga à proteção conferida às zonas especiais de conservação, de modo que os objetivos da Diretiva «Habitats» estão preenchidos.

47

A este respeito, importa recordar que, no âmbito de uma ação por incumprimento contra a República Portuguesa, este Estado‑Membro tinha invocado, como fundamento de defesa, o argumento de que as medidas e os programas de conservação nacionais existentes, que vinculam juridicamente a administração pública, se aplicam aos sítios de importância comunitária em causa a partir da data da comunicação à Comissão da lista elaborada pela República Portuguesa em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» [v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação), C‑290/18, EU:C:2019:669, n.o 31].

48

Em resposta a este argumento, por um lado, o Tribunal de Justiça declarou que as disposições de uma diretiva devem ser aplicadas com caráter obrigatório incontestável, com a especificidade, precisão e clareza necessárias, a fim de ser satisfeita a exigência da segurança jurídica [Acórdão de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação), C‑290/18, EU:C:2019:669, n.o 35].

49

Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou que a República Portuguesa, ao alegar que os procedimentos de designação dos sítios de importância comunitária em causa como zonas especiais de conservação de um ponto de vista formal não estavas completos, não contestava que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, ainda não tinha designado esses sítios como zonas especiais de conservação [Acórdão de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação), C‑290/18, EU:C:2019:669, n.o 37].

50

Este raciocínio é igualmente aplicável ao fundamento de defesa invocado pela Irlanda segundo o qual a proteção concedida pela regulamentação irlandesa em relação aos sítios de importância comunitária e aos sítios candidatos é suficiente para satisfazer as obrigações que decorrem do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats».

51

No caso em apreço, há que salientar que a regulamentação nacional invocada pela Irlanda, em apoio da sua resposta à primeira acusação da petição da Comissão, regulamentação que, segundo este Estado‑Membro, confere uma proteção suficiente aos sítios de importância comunitária em causa na falta da designação destes últimos como zonas especiais de conservação, não é suscetível de satisfazer a obrigação específica, prevista no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats», de designar formalmente os sítios de importância comunitária como zonas especiais de conservação.

52

Com efeito, essa obrigação constitui uma fase obrigatória do regime de proteção dos habitats e das espécies previstos nesta diretiva.

53

A esta obrigação acrescem as obrigações de determinar os objetivos de conservação, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats», e de fixar as medidas de conservação, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia,C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 50).

54

Esta última obrigação de os Estados‑Membros adotarem medidas de conservação necessárias para proteger as zonas especiais de conservação, que está prevista no artigo 6.o da Diretiva «Habitats», é distinta da obrigação formal de esses Estados, prevista no artigo 4.o, n.o 4, desta diretiva, designarem os sítios de importância comunitária como zonas especiais de conservação, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 45 do presente acórdão.

55

No que respeita à complexidade do procedimento de designação formal sublinhado pela Irlanda, que resulta, nomeadamente, da interposição pelos proprietários dos sítios em causa de recursos jurídicos contra essa designação, há que recordar que os Estados‑Membros não podem invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações resultantes do direito da União [Acórdão de 12 de novembro de 2019, Comissão/Irlanda (Parque eólico de Derrybrien),C‑261/18, EU:C:2019:955, n.o 89 e jurisprudência referida].

56

Nestas condições, há que declarar que, ao não ter designado enquanto zonas especiais de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, 217 dos 423 sítios de importância comunitária em causa, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats».

57

Por conseguinte, a primeira acusação deve ser julgada procedente.

B.   Quanto à segunda acusação, relativa à não fixação de objetivos de conservação

1. Argumentos das partes

58

Com a sua segunda acusação, a Comissão alega que a Irlanda violou as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats» ao não fixar objetivos detalhados de conservação para 140 dos sítios de importância comunitária em causa.

59

Esta instituição deduz a obrigação de fixar objetivos detalhados de conservação para cada sítio no prazo de seis anos do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats», tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.os 46 a 52).

60

À data em que terminou o prazo fixado no parecer fundamentado complementar, a Irlanda não cumpria essa obrigação relativamente a 140 dos 423 sítios de importância comunitária em causa.

61

Na sua contestação, a Irlanda reconhece não ter concluído o procedimento de identificação e de publicação dos objetivos de conservação específicos para todos os 423 sítios de importância comunitária em causa.

62

Este Estado‑Membro refere que envidou esforços significativos para identificar e publicar objetivos de conservação específicos. No entanto, a pandemia de COVID‑19 atrasou a conclusão dos trabalhos. À data da contestação da Irlanda, 371 sítios dispunham de objetivos de conservação. À data da tréplica desse Estado‑Membro, tinham sido fixados objetivos de conservação para todos os sítios.

63

Tendo em conta os progressos realizados, não existe uma violação substancial do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats».

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

64

No que respeita aos termos do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats», há que salientar que, embora a redação desta disposição não mencione expressamente a obrigação de fixar objetivos de conservação, esta disposição exige, no entanto, que as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa, ao designarem a zona especial de conservação, estabeleçam as prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento de um tipo de habitat num estado de conservação favorável. Ora, estabelecer essas prioridades implica que esses objetivos de conservação já tenham sido fixados (Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia,C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 46).

65

Assim, e tendo igualmente em conta o contexto e a finalidade do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats», o Tribunal de Justiça considerou que, embora resulte desta disposição que a designação das zonas especiais de conservação e a determinação das prioridades em matéria de conservação devem ser efetuadas o mais rapidamente possível e, em todo o caso, num prazo de seis anos a contar do momento em que um sítio de importância comunitária foi escolhido no âmbito do procedimento previsto no n.o 2 desse artigo, este prazo é aplicável igualmente à fixação dos objetivos de conservação, uma vez que estes são necessários para a fixação dessas prioridades e devem, assim, preceder a fixação das mesmas (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia,C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.os 47 a 53).

66

Importa acrescentar que os únicos objetivos específicos e precisos que podem ser qualificados de «objetivos de conservação», na aceção da Diretiva «Habitats» (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia,C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 59).

67

No caso em apreço, os prazos de seis anos que foram fixados à Irlanda para designar os sítios cuja lista figura nas Decisões 2004/813 e 2009/96 expiraram, respetivamente, em 7 de dezembro de 2007 e em 12 de dezembro de 2014.

68

A Irlanda reconhece que, no termo do prazo previsto no parecer fundamentado complementar, a saber, em 9 de janeiro de 2019, não tinha fixado na ordem jurídica nacional os objetivos específicos de conservação relativos aos 140 sítios de importância comunitária a respeito dos quais a Comissão formula a segunda acusação.

69

Nestas condições, há que declarar que, ao não fixar objetivos detalhados de conservação específicos para cada um dos sítios no que respeita a 140 dos 423 sítios de importância comunitária em causa, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats».

70

Por conseguinte, a segunda acusação deve ser julgada procedente.

C.   Quanto à terceira acusação, relativo à violação da obrigação de fixar as medidas de conservação necessárias

1. Argumentos das partes

71

Na sua petição, a Comissão acusa a Irlanda de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» ao não ter adotado as medidas de conservação necessárias. Antes de mais, não foi adotada nenhuma medida de conservação relativamente a 230 sítios. Em seguida, as medidas de conservação adotadas em 149 outros sítios são apenas parcelares. Além disso, as medidas dos 44 sítios objeto de medidas de conservação completas não são válidas, uma vez que foram adotadas antes da fixação dos objetivos de conservação. Por último, a Irlanda é acusada de ter adotado uma prática geral que consiste em fixar medidas de conservação insuficientemente precisas.

a) Sítios que, segundo a Comissão, não são objeto de nenhuma medida de conservação ou são objeto de medidas de conservação parciais

72

A Comissão considera que as medidas de conservação exigidas deveriam ter sido adotadas no prazo de seis anos previsto no artigo 4.o, n.o 4, desta diretiva aplicável à designação de zonas especiais de conservação. Alega que as medidas de conservação na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats», devem, segundo os Acórdãos de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação) (C‑290/18, EU:C:2019:669, n.o 52), e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 76), ser fixadas e aplicadas no âmbito dessas zonas especiais de conservação e, assim, no prazo de designação destas últimas.

73

A Comissão considera que resulta claramente da redação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» que o Estado‑Membro em causa deve implementar medidas de conservação para todas as zonas especiais de conservação do seu território.

74

Ora, por um lado, a Irlanda não lhe comunicou nenhuma medida de conservação relativa a 230 sítios dos 423 sítios de importância comunitária em causa.

75

Por outro lado, no que respeita aos restantes 193 sítios, que são objeto de medidas de conservação, a Comissão alega, com base nos Acórdãos de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação) (C‑290/18, EU:C:2019:669, n.o 55), e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 86), que as medidas de conservação devem ser fixadas em função de cada espécie e de cada tipo de habitat presente em cada um dos sítios em causa. Ora, a Irlanda só implementou medidas de conservação relativamente a uma parte das espécies e/ou dos tipos de habitats protegidos em 149 sítios.

76

A Comissão expôs que chegou a esse número comparando o número de elementos elegíveis dos sítios, indicado pela Irlanda nos formulários‑tipo de dados pertinentes, e o número destes elementos em relação aos quais a Irlanda indicou ter estabelecido medidas de conservação.

77

As medidas indicadas pela Irlanda na sua resposta ao parecer fundamentado da Comissão são insuficientes para reduzir o número de sítios que são objeto de medidas de conservação parciais. Com efeito, segundo a Comissão, a maioria destas medidas apenas se encontram em fase de elaboração, mais precisamente na fase preparatória. Além disso, a Irlanda não forneceu nenhuma informação que permita concluir que as medidas referidas completam o conjunto das medidas de conservação e abrangem, por conseguinte, todos os elementos dos sítios em causa que apresentam interesse.

78

Na sua contestação, a Irlanda expõe que aplicou medidas de conservação globais e detalhadas através de dez programas nacionais. Os referidos programas são elaborados por tipos de habitats e por espécie e não por sítio. No entanto, a execução dos referidos programas é realizada de maneira específica em cada sítio. Estes elementos demonstram que este Estado‑Membro não só respeita o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats», mas também que pretende cumprir os requisitos dessa disposição de forma pragmática, assegurando uma proteção adequada das espécies e habitats em causa.

79

Mais especificamente, esse Estado‑Membro indica ter adotado medidas de conservação completas para 79 sítios que figuram no anexo à contestação e apresentado as medidas adotadas para uma amostra de 6 sítios a título ilustrativo. Em vários sítios, foram implementadas medidas de conservação, pelo menos parciais.

80

A Irlanda indica que o regulamento de transposição contém medidas de conservação, na parte em que impõe uma autorização prévia para o exercício de uma atividade e visa, assim, evitar que o sítio em causa não sofra um prejuízo. Por conseguinte, cada um dos sítios em causa é objeto de medidas de conservação.

81

A Irlanda reconhece que a forma como a informação era transmitida à Comissão poderia ter falhas. Tendo em conta a inexistência de um sistema centralizado de gestão de dados para recolher as intervenções e as medidas de gestão dos sítios em causa, seria difícil transmitir de forma exaustiva os resultados, com base em elementos de prova, do nível local de gestão dos sítios para o nível nacional. Está prevista uma plataforma centralizada de dados.

82

A Comissão salienta que os 10 programas nacionais referidos pela Irlanda e a lista de 79 sítios alegadamente objeto de medidas de conservação completas apenas dizem respeito, em conjunto, a 137 sítios. A Irlanda admite, assim, que existem pelo menos 286 sítios que estariam desprovidos de medidas de conservação.

83

No que respeita a esses 79 sítios e aos sítios suplementares visados pelos 10 programas nacionais invocados pela Irlanda ao referir‑se ao conteúdo dos documentos anexados à sua contestação, a Comissão afirma que este Estado‑Membro não indica, na sua contestação, em que parte dos anexos é mencionado o caráter alegadamente «exaustivo e completo» das medidas de conservação relativas a esses 79 sítios, nem remete para os 10 programas, que supostamente resumiu num desses anexos, para refutar, em especial, o caráter incompleto das medidas de conservação. Assim, em conformidade com o artigo 124.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, não há que ter em conta as informações que figuram nesses anexos.

84

Além disso, quatro desses 10 programas foram adotados depois de o prazo fixado no parecer fundamentado complementar ter expirado. Resulta igualmente do anexo da contestação que alguns desses programas só abrangem parcialmente os elementos elegíveis dos sítios.

85

Na sua tréplica, a Irlanda alega que a interpretação que a Comissão faz do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats», preconizada pela Comissão, segundo a qual esta disposição exige a demonstração de que as medidas de conservação foram aplicadas em todos os sítios, e que essas medidas funcionam, é irrealizável e ignora o contexto real. Esta interpretação não encontra fundamento nem na diretiva nem na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

86

As medidas de conservação necessitam, pela sua natureza, de ajustamentos, pelo que a identificação de medidas adicionais ou diferentes não é suficiente para demonstrar um incumprimento por parte da Irlanda. Basta que a Irlanda assegure constantemente uma vigilância das medidas de conservação aplicadas em toda a rede Natura 2000, a fim de assegurar que as ameaças e as pressões que foram identificadas para os diferentes sítios sejam tidas em conta. Esta interpretação é corroborada pelos artigos 11.° e 17.° da Diretiva «Habitats», que preveem a avaliação das medidas de conservação, assim como, se necessário, o ajustamento da sua aplicação para garantir a sua eficácia.

87

O facto de os programas de conservação não estarem explicitamente ligados às fronteiras dos sítios não põe em causa a eficácia dessas medidas. Pelo contrário, a implementação de programas globais, e não de medidas individuais para cada sítio, tem consequências globais na proteção das espécies e dos habitats e reflete a necessária coordenação das ações para responder à complexidade do objetivo de conservação.

88

Em anexo à sua tréplica, a Irlanda apresenta as medidas de conservação adotadas em relação a 6 sítios suplementares, que figuram na lista de 79 sítios, e 21 sítios relativos ao morcego Rhinolophus hipposideros, bem como os elementos adicionais respeitantes aos poucos sítios que tinha selecionado a título ilustrativo na sua contestação.

89

No seu articulado de intervenção, a República Federal da Alemanha opõe‑se à interpretação segundo a qual as medidas de conservação devem ser relativas a cada espécie ou cada tipo de habitat presentes nos sítios em causa.

90

A jurisprudência do Tribunal de Justiça refere‑se não a uma obrigação de tomar medidas de conservação próprias ou individuais para cada espécie ou tipo de habitat, mas sim a medidas de conservação estabelecidas em função das exigências ecológicas de cada espécie e de cada tipo de habitat [Acórdão de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação), C‑290/18, não publicado, EU:C:2019:669, n.o 55].

91

No Acórdão de 7 de dezembro de 2000, Comissão/França (C‑374/98, EU:C:2000:670, n.o 20), relativo à Diretiva «Aves», mas aplicável à Diretiva «Habitats», o Tribunal de Justiça julgou improcedente a acusação invocada contra a República França, segundo a qual as medidas de conservação especiais teriam sido insuficientes sem disposições específicas para cada espécie de aves selvagens presente na zona em causa devido ao facto de as disposições nacionais em causa, uma vez que previam a proibição de atividades suscetíveis de prejudicar a integridade dos biótopos em causa, beneficiarem toda a avifauna que frequenta as zonas abrangidas por essa regulamentação.

92

Segundo o contexto, ou são suficientes proibições gerais para prevenir os principais riscos ou ameaças sobre o sítio ou são necessárias medidas diferenciadas. Assim, seria excessivamente formalista exigir sistematicamente medidas específicas para cada zona.

93

No seu articulado de resposta à intervenção da República Federal da Alemanha, a Comissão defende‑se de qualquer formalismo.

94

Esta instituição concorda com a República Federal da Alemanha no que respeita ao facto de uma medida de conservação poder visar vários elementos se estes apresentarem exigências ecológicas semelhantes. No entanto, cada habitat e cada espécie presentes no sítio devem beneficiar das medidas de conservação necessárias baseadas em objetivos de conservação específicos. Isso não se verifica no caso em apreço, uma vez que a Irlanda apenas comunicou medidas para um subconjunto dos elementos pertinentes.

b) Sítios que, segundo a Comissão, são objeto de medidas de conservação que não se baseiam nos objetivos de conservação

95

Na sua petição, a Comissão acusa a Irlanda de ter adotado medidas de conservação quando os objetivos de conservação ainda não estavam estabelecidos no que respeita aos 44 sítios em causa que eram objeto de medidas de conservação completas.

96

Segundo esta instituição, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente do Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.os 46 a 52), que as medidas de conservação devem basear‑se nos objetivos de conservação.

97

A referida instituição daí deduz a obrigação legal de basear as medidas de conservação nos objetivos de conservação específicos para cada um dos sítios e claramente definidos, incluindo um componente material (os objetivos e as medidas devem estar correlacionados) e um componente sequencial (os objetivos não devem suceder às medidas). Esta abordagem é confirmada pela interpretação sistemática do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» à luz do artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva, que prevê que a avaliação dos projetos suscetíveis de afetar uma zona especial de conservação deve ter em conta os objetivos de conservação.

98

Na sua contestação, a Irlanda contesta a interpretação do Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047), preconizada pela Comissão, que é demasiado literal e não tem em conta o espírito e a redação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats». No processo que deu origem a esse acórdão, não foi fixado nenhum objetivo de conservação. Há que distinguir essa situação da situação do caso em apreço, no qual os objetivos de conservação foram fixados posteriormente ao estabelecimento das medidas de conservação.

99

Na sua réplica, a Comissão acrescenta que o facto de os objetivos de conservação deverem preceder as medidas de conservação se impõe tendo em conta o objeto e a finalidade da Diretiva «Habitats». Com efeito, os objetivos de conservação definem os parâmetros que permitem avaliar se as medidas de conservação atingem esses objetivos. Se os objetivos de conservação fossem estabelecidos posteriormente às medidas de conservação, haveria o risco de esses objetivos se limitarem a refletir medidas de conservação previamente definidas.

100

Na sua tréplica, a Irlanda sublinha que a interpretação da Comissão conduz ao afastamento das medidas de conservação aplicadas pelos Estados‑Membros para efeitos da Diretiva «Habitats» por serem anteriores à publicação dos objetivos de conservação.

101

Ora, as medidas de conservação em causa baseiam‑se numa avaliação adaptada das ameaças e das pressões.

102

No seu articulado de intervenção, a República Federal da Alemanha considera igualmente que o incumprimento não pode resultar de um simples erro de ordem cronológica entre o estabelecimento dos objetivos de conservação e a fixação das medidas de conservação. O elemento decisivo é a eficácia das medidas de conservação, independentemente da data em que estas são adotadas.

103

Outra interpretação obrigaria a adotar de novo, de forma puramente formal, as medidas de conservação apesar de as medidas adotadas serem eficazes e preencherem plenamente os critérios materiais do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats». A imposição desta exigência formal contrariaria a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente do Acórdão de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża) (C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 213), segundo a qual o elemento principal é que as medidas de conservação necessárias sejam implementadas de forma efetiva.

104

A República Federal da Alemanha também vê uma contradição no raciocínio da Comissão. Por um lado, essa instituição considera que os objetivos de conservação devem ser estabelecidos a partir do momento em que um sítio é designado como sítio de importância comunitária. Por outro lado, admite que seja aplicado ao estabelecimento desses objetivos o prazo de 6 anos previsto no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats».

105

Na sua resposta ao articulado de intervenção da República Federal da Alemanha, a Comissão alega que a hipótese de as medidas de conservação, adotadas antes do estabelecimento dos objetivos de conservação, responderem a esses objetivos é pura coincidência. Pelo contrário, existiria um risco de os objetivos de conservação ex post não cumprirem a sua função de determinação da contribuição potencial de um sítio para a rede Natura 2000, uma vez que estes refletiam simplesmente a ambição das medidas de conservação existentes que não se baseavam em objetivos de conservação e, assim, não se centravam no objetivo geral prosseguido pela Diretiva «Habitats», a saber, a manutenção e o restabelecimento de um estado de conservação favorável. Este problema acentua‑se quando, como no caso em apreço, as medidas são sistematicamente anteriores ao estabelecimento dos objetivos.

106

Por outro lado, a referida instituição refuta qualquer contradição na sua interpretação. A ordem imposta pela Diretiva «Habitats» segue a redação dos artigos 4.° e 6.° desta diretiva.

c) Uma prática persistente e sistemática que consiste em estabelecer medidas de conservação que não são suficientemente precisas e que não permitem fazer face a todas as pressões e ameaças importantes

107

Na sua petição, a Comissão alega que as medidas de conservação devem ser claras e precisas. As medidas genéricas, de orientação ou que necessitem de medidas de concretização com vista à sua implementação efetiva não são suficientes (Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia,C‑849/19, ECLI:EU:C:2020:1047, n.os 77 e 78 e jurisprudência referida).

108

Além disso, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» prevê igualmente uma exigência qualitativa, a saber que essas medidas devem permitir responder a todas as principais pressões ou ameaças.

109

No caso em apreço, as medidas de conservação implementadas pela Irlanda são, de forma sistemática e persistente, insuficientemente precisas e detalhadas para responder a todas as pressões e ameaças importantes.

110

A Comissão pode, ao abrigo do artigo 258.o TFUE, obter a declaração de que as disposições de uma diretiva não foram respeitadas devido à adoção pelas autoridades de um Estado‑Membro de uma prática geral contrária a essas disposições, eventualmente ilustrada por situações específicas (Acórdão de 26 de abril de 2005, Comissão/Irlanda,C‑494/01, EU:C:2005:250, n.o 27).

111

Esta instituição alega, com base numa avaliação qualitativa de um amplo leque de sítios irlandeses objeto de medidas de conservação existentes, que as medidas de conservação implementadas nos sítios irlandeses eram de forma sistemática e persistente de qualidade insuficiente, uma vez que não eram suficientemente precisas e detalhadas ou eram insuficientes para responder a todas as pressões e ameaças importantes.

112

A Comissão ilustra este defeito sistémico através de uma avaliação detalhada centrada em dois tipos de habitats prioritários importantes que figuram num amplo leque de sítios irlandeses, a saber, por um lado, as lagunas costeiras e as turfeiras de cobertura, e, por outro, uma espécie particularmente ameaçada, o mexilhão perlífero de água doce.

113

Estes exemplos são representativos e, por conseguinte, reveladores de uma violação geral e persistente, por parte da Irlanda, do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats». Dizem respeito a um grande número de sítios, que foram escolhidos, nomeadamente, devido ao seu estado de conservação — desfavorável ou mau — referido nos relatórios da Irlanda elaborados nos termos do artigo 17.o desta diretiva e à importância dos habitats e das espécies em causa, nomeadamente, por a Irlanda alojar uma grande parte das turfeiras de cobertura e dos mexilhões perlíferos de água doce. Por último, a repartição geográfica dos sítios apreciados é representativa da configuração geográfica da rede dos sítios de importância comunitária e das zonas especiais de proteção na Irlanda.

114

Assim, antes de mais, a Comissão dá exemplo das lagunas costeiras, em relação às quais foram comunicadas, nomeadamente, as medidas de conservação de «escavação» e de «imersão», bem como de «gestão dos níveis de água». Estas medidas não são suficientemente específicas em termos quantitativos e de indicação dos atores responsáveis ou das atividades a executar e não respondem, nomeadamente, à pressão relativa à poluição das águas.

115

O amplo leque de pressões sobre este tipo de habitat e a insuficiência dessas medidas são confirmados no relatório elaborado pela Irlanda no ano de 2019 ao abrigo da Diretiva «Habitats», segundo o qual o estado das lagunas é mau e está a deteriorar‑se.

116

Em seguida, a Comissão dá o exemplo das turfeiras de cobertura. As medidas de conservação dos sítios em causa são demasiado genéricas. Neste contexto, esta instituição cita elementos como a «remoção mecânica de turfa», a «extração de turfa», a «queima», a «desflorestação», o «pastoreio», a «gestão florestal geral», a «gestão dos níveis de água», «outras consequências ligadas às atividades turísticas e de lazer», a «caça», a «remoção de tranqueiros», a «remoção/controlo das espécies vegetais», bem como a «colocação de vedação».

117

Resulta do relatório da Irlanda relativo ao ano de 2013 ao abrigo da Diretiva «Habitats» revela que essas medidas se concentraram na ameaça que representa o sobrepastoreio, mas não respondem suficientemente às outras pressões e ameaças importantes que pesam sobre as turfeiras de cobertura, tais como, conforme resulta do relatório da Irlanda relativo ao ano de 2019, os parques eólicos e outras infraestruturas, o corte da turfa, a erosão, a queima, a arborização, as atividades agrícolas que implicam um depósito de azoto ou a drenagem. Estes relatórios indicam que o estado dessas turfeiras é mau e está a deteriorar‑se.

118

Por último, a Comissão dá o exemplo dos sítios de proteção do mexilhão perlífero de água doce e considera que as medidas de conservação destes sítios se referem, de maneira muito genérica, às «descargas», à «eliminação dos resíduos domésticos», à «poluição da água» ou à «irrigação», sem prever medidas de conservação acompanhadas de termos quantitativos, de agentes responsáveis ou de calendários.

119

Além disso, considera que essas medidas não respondem às pressões, identificadas pela Irlanda, resultantes da «poluição difusa das águas de superfície causada pelas atividades agrícolas e silvícolas», da «captação de águas de superfície para o abastecimento público de água», de «incêndios» ou da «plantação florestal em terrenos descobertos».

120

As medidas do projeto KerryLIFE, para o qual a Irlanda remete na sua resposta ao parecer fundamentado complementar da Comissão, são insuficientes, nomeadamente por não corrigirem as pressões exercidas pela silvicultura sobre os sítios em causa. A Irlanda faz também referência ao projeto de parceria europeia para a inovação que diz respeito a sete sítios de proteção do mexilhão perlífero de água doce, mas não fornece informações sobre a forma como as medidas associadas respondem a cada uma das principais pressões e ameaças com que a espécie visada é confrontada nesses sítios.

121

O relatório elaborado pela Irlanda relativo ao ano de 2019 ao abrigo da Diretiva «Habitats» confirma as pressões exercidas sobre os referidos sítios e revela a insuficiência das medidas de conservação destes, uma vez que o estado global destes últimos é aí avaliado como sendo mau e estando a deteriorar‑se.

122

Na sua contestação, a Irlanda expõe, a título ilustrativo, que foram elaborados planos de recuperação e de drenagem específicos para cada um dos sítios em relação a toda a rede de turfeiras altas da Irlanda designadas como zonas especiais de conservação, incluindo 53 sítios em causa, e que atualmente são aplicadas medidas de conservação em toda essa rede. As medidas de conservação apresentadas em cada plano são concebidas para atingir, em cada zona especial de conservação, os objetivos previstos pelo objetivo de conservação específico do sítio para o habitat«turfeiras altas ativas» constantes do anexo I da Diretiva «Habitats». Estes planos são atualmente executados, em aplicação de diferentes vertentes do programa de conservação das turfeiras altas.

123

Na sua réplica, a Comissão alega que as explicações sumárias que figuram na contestação e nos anexos desta não demonstram que as medidas adotadas são suficientemente precisas e detalhadas para os tipos de habitats e as espécies visados pela presente acusação. A Irlanda não precisou «quem faz o quê, onde e quando», nem se as medidas adotadas são suficientes para fazer face a todas as pressões e ameaças essenciais.

124

Além disso, entre os 6 sítios referidos no n.o 79 do presente acórdão, que fazem parte dos 79 sítios relativamente aos quais a Irlanda alega ter adotado medidas de conservação completas, o sítio Carrownagappul Bog SAC é um dos sítios de turfeiras altas em relação aos quais apenas existem planos de recuperação no estado de projeto e o sítio Slieve Bloom Mountains diz respeito a uma turfeira de cobertura, que necessita de um restabelecimento ativo e relativamente à qual ainda não foi elaborado nenhum plano de restabelecimento.

125

A inexistência de medidas de conservação destinadas a fazer face aos problemas colocados pela silvicultura na bacia hidrográfica dos sítios que alojam mexilhões perlíferos de água doce é, por sua vez, corroborada pela última análise científica sobre a espécie e a sua conservação. O projeto KerryLIFE é aí criticado na parte em que não permitiu restabelecer zonas que foram drenadas para a silvicultura.

126

Na sua tréplica, a Irlanda sublinha o seu trabalho de melhoria das medidas de conservação. Este Estado‑Membro considera que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» não exige que as medidas de conservação respondem necessariamente a todas as ameaças e pressões que pesam sobre um sítio num determinado momento.

127

No seu articulado de intervenção, a República Federal da Alemanha contesta o nível de exaustividade e de precisão exigido pela Comissão e opõe‑se à tomada em consideração dos relatórios elaborados pela Irlanda com base no artigo 17.o da Diretiva «Habitats» para provar esse incumprimento.

128

Quanto ao caráter exaustivo das medidas, talvez fosse possível, já através de uma simples proibição geral de cometer atos prejudiciais, prevenir todos os principais riscos e ameaças em causa. Exigir genericamente que se adotem sempre medidas específicas e próprias para cada zona em relação a cada ameaça, a cada espécie ou habitat natural seria um puro formalismo.

129

No que respeita ao nível de precisão, este Estado‑Membro considera que não se deve deduzir da exigência de medidas de conservação claras e precisas que estas devem sempre incluir objetivos quantitativos, prazos para agir ou especificar «quem faz o quê, onde e quando».

130

Com efeito, resulta do Acórdão de 10 de maio de 2007, Comissão/Áustria (C‑508/04, EU:C:2007:274, n.o 76), que a Diretiva «Habitats» impõe a adoção de medidas de conservação necessárias e limita as eventuais faculdades regulamentares ou de decisão das autoridades nacionais quanto aos meios a utilizar e às opções técnicas a tomar no âmbito das referidas medidas. Além disso, no Acórdão de 14 de outubro de 2010, Comissão/Áustria (C‑535/07, EU:C:2010:602, n.o 60), relativo à Diretiva «Aves», o Tribunal de Justiça declarou que esta diretiva, ao vincular o Estado‑Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixa às instâncias nacionais a competência relativa à forma e aos meios de aplicação da referida diretiva.

131

No que respeita à utilização feita dos relatórios elaborados pela Irlanda com base no artigo 17.o da Diretiva «Habitats», a República Federal da Alemanha sublinha que esses relatórios se referem não especificamente à situação dos sítios em causa, mas sim à de todo o território em causa. Por conseguinte, não se pode daí retirar uma conclusão sobre a efetividade das medidas tomadas nos sítios em causa.

132

Além disso, as evoluções observadas nesses relatórios poderiam resultar do facto de se tratar de populações e de ecossistemas naturais com uma flutuação por vezes elevada — devida à natureza — ou uma dinâmica própria, dinâmica esta que poderia, além disso, ser reforçada, sobreposta ou entravada por diversas influências antropogénicas, as quais nem sempre podem ser compensadas por medidas específicas para as zonas protegidas.

133

Na sua resposta às alegações de intervenção da República Federal da Alemanha, a Comissão afirma que é certamente possível que uma medida de conservação vise vários elementos se estes tiverem exigências ecológicas semelhantes. No entanto, o problema relativo a vários sítios irlandeses era que a Irlanda, em relação a vários sítios, só tinha comunicado medidas para um subconjunto dos elementos pertinentes.

134

Além disso, a Comissão afirma que a margem de apreciação deixada aos Estados‑Membros nos meios de aplicação das medidas de conservação é limitada. Antes de mais, resulta do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» que as medidas de conservação devem responder a todas as principais pressões ou ameaças suscetíveis de afetar os tipos de habitats e as espécies existentes no sítio. Em seguida, as medidas de conservação devem ser claras e precisas. Por último, o Tribunal de Justiça declarou que as medidas de conservação eram insuficientes se tivessem caráter genérico e de orientação ou se necessitassem de medidas de concretização para efeitos da sua efetiva aplicação [Acórdãos de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação), C‑290/18, EU:C:2019:669, n.o 55, e de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia,C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 82]. A qualidade das medidas de conservação, incluindo a sua precisão, não é, assim, deixada à livre apreciação dos Estados‑Membros.

135

Por outro lado, o relatório elaborado com base no artigo 17.o da Diretiva «Habitats» indica que o estado de conservação para os três tipos de habitats«lagunas costeiras» e «turfeiras de cobertura», bem como para uma espécie particularmente ameaçada, o mexilhão perlífero de água doce, registam uma tendência «de deterioração» na rede Natura 2000. Por conseguinte, refere‑se expressamente à situação nas zonas Natura 2000.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

a) Observações preliminares

136

Há que recordar que o artigo 6.o da Diretiva «Habitats» sujeita os Estados‑Membros a uma série de obrigações e prevê procedimentos específicos destinados a assegurar, conforme resulta do artigo 2.o, n.o 2, dessa diretiva, a manutenção ou, se for caso disso, a reconstituição, num estado de conservação favorável, dos habitats naturais e das espécies de fauna e flora selvagens de interesse para a União, a fim de atingir o objetivo mais geral da referida diretiva que é garantir um alto nível de proteção do ambiente nos sítios por ela protegidos (Acórdão de 7 de novembro de 2018, Holohan e o., C‑461/17, EU:C:2018:883, n.o 30 e jurisprudência referida).

137

Mais particularmente, por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats», em cada zona especial de conservação, os Estados‑Membros devem fixar as medidas de conservação necessárias que respondam às exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais que constam do anexo I dessa diretiva e das espécies que constam do anexo II dessa diretiva presentes no sítio em causa [Acórdão de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża),C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 207].

138

As obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força do artigo 6.o da Diretiva «Habitats», incluindo a obrigação de adotarem as medidas de conservação necessárias previstas no n.o 1 desse artigo, devem ser aplicadas de maneira efetiva e através de medidas completas, claras e precisas [Acórdão de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação), C‑290/18, não publicado, EU:C:2019:669, n.o 53 e jurisprudência referida].

139

No caso em apreço, há que salientar que, como foi declarado no n.o 56 do presente acórdão, a Irlanda não designou enquanto zonas especiais de conservação o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, 217 dos 423 sítios de importância comunitária em causa. Ora, as medidas de conservação necessárias, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats», devem ser estabelecidas e aplicadas no âmbito dessas zonas especiais de conservação [v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação), C‑290/18, não publicado, EU:C:2019:669, n.o 52].

140

A circunstância de a Irlanda não ter cumprido a obrigação decorrente do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats» de designar como zonas especiais de conservação os sítios de importância comunitária em causa não a subtrai, no que respeita a esses mesmos sítios, à obrigação de estabelecer as medidas de conservação necessárias, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva e a uma declaração de incumprimento em caso de violação desta última obrigação [v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação), C‑290/18, não publicado, EU:C:2019:669, n.os 52 a 54].

b) Sítios que, segundo a Comissão, não são objeto de nenhuma medida de conservação ou são objeto de medidas de conservação incompletas

141

Feita esta precisão, há que recordar que, segundo jurisprudência constante relativa ao ónus da prova no âmbito de um processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É a esta última que cabe apresentar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este possa verificar a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção [Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Suécia (Estações de tratamento),C‑22/20, EU:C:2021:669, n.o 143 e jurisprudência referida].

142

Porém, os Estados‑Membros devem, por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE, facilitar à Comissão o cumprimento da sua missão, que consiste, designadamente, segundo o artigo 17.o, n.o 1, TUE, em velar pela aplicação das disposições do Tratado FUE, bem como das medidas tomadas pelas instituições por força deste. Em particular, deve ter‑se em consideração que, tratando‑se de verificar a correta aplicação, na prática, das disposições nacionais destinadas a assegurar a efetiva execução de uma diretiva, a Comissão, que não dispõe de poderes próprios de investigação na matéria, está largamente dependente dos elementos fornecidos por eventuais queixosos, bem como pelo Estado‑Membro em causa [Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Suécia (Estações de tratamento),C‑22/20, EU:C:2021:669, n.o 144 e jurisprudência referida].

143

Daqui resulta, nomeadamente, que, quando a Comissão tenha fornecido elementos suficientes que revelem determinados factos, incumbe ao Estado‑Membro contestar de modo substancial e detalhado os dados assim apresentados (Acórdão de 26 de abril de 2005, Comissão/Irlanda,C‑494/01, EU:C:2005:250, n.o 44).

144

No caso em apreço, a Comissão alegou que a Irlanda não lhe comunicou nenhuma medida de conservação relativa a 230 sítios dos 423 sítios de importância comunitária em causa. Além disso, afirma, com base na comparação referida no n.o 71 do presente acórdão, que, entre 193 dos restantes sítios, para os quais existem medidas de conservação, 149 sítios não são objeto de medidas completas, que abrangem cada espécie e cada tipo de habitat presentes de forma significativa.

145

Em resposta a este argumento, por um lado, a Irlanda alega que as medidas de conservação são aplicadas através de dez programas nacionais elaborados em função dos tipos de habitats e de espécies, bem como pelo regulamento de transposição, que prevê uma autorização prévia para o exercício de uma atividade suscetível de ter consequências significativas ou nefastas ou de deteriorar um sítio de importância comunitária.

146

Por outro lado, esse Estado‑Membro indica ter adotado medidas de conservação completas para 79 dos sítios de importância comunitária em causa.

147

A este respeito, em primeiro lugar, no que respeita ao referido regulamento de transposição, importa recordar que o artigo 6.o da Diretiva «Habitats» classifica as medidas em três categorias, a saber, as medidas de conservação, as medidas de prevenção e as medidas de compensação, respetivamente previstas nos n.os 1, 2 e 4 deste artigo (Acórdão de 21 de julho de 2016, Orleans e o., C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.o 33).

148

Os n.os 2 e 3 do artigo 6.o da Diretiva «Habitats» preveem, respetivamente, a obrigação de evitar a deterioração dos sítios e a avaliação adequada dos planos e dos projetos suscetíveis de afetar os sítios de forma significativa. O objetivo destes dois números consiste, assim, em proteger os sítios de deteriorações.

149

Para aplicar o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva «Habitats», tanto pode ser necessário adotar medidas destinadas a evitar prejuízos e perturbações externas causados pelo homem como medidas destinadas a neutralizar evoluções naturais suscetíveis de deteriorar o estado de conservação das espécies e dos habitats naturais nas zonas especiais de conservação (Acórdão de 20 de outubro de 2005, Comissão/Reino Unido,C‑6/04, EU:C:2005:626, n.o 34).

150

As medidas de conservação referidas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» não podem, por maioria de razão, em princípio, limitar‑se às medidas destinadas a evitar prejuízos e perturbações externas causados pelo homem e devem incluir, se necessário, as medidas pró‑ativas positivas para a manutenção ou o restabelecimento num estado de conservação do sítio.

151

Nestas condições, há que concluir que o regulamento de transposição, que se limita a prever uma autorização prévia para o exercício de uma atividade suscetível de ter consequências significativas nefastas ou de deteriorar um sítio de importância comunitária, não é suficiente para cumprir as obrigações do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats».

152

No que respeita, em segundo lugar, aos 10 programas nacionais elaborados pela Irlanda em função dos tipos de habitats e de espécies, bem como à lista de 79 sítios relativamente aos quais esse Estado‑Membro alega ter adotado medidas de conservação completas, há que observar, em primeiro lugar, que as informações apresentadas ao Tribunal de Justiça por esse Estado‑Membro não são suficientes para refutar a argumentação da Comissão segundo a qual não existem medidas de conservação para os 230 sítios objeto da presente acusação.

153

Em segundo lugar, as informações apresentadas ao Tribunal de Justiça pela Irlanda não permitem demonstrar que as medidas adotadas por este Estado‑Membro incluem sistematicamente, para o conjunto dos 193 sítios referidos no n.o 144 do presente acórdão e além dos 44 sítios relativamente aos quais a Comissão o aceita, medidas de conservação fixadas em função das exigências ecológicas de cada espécie e de cada tipo de habitat presentes nesses sítios. Ora, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats» exige que as medidas de conservação sejam fixadas em função das exigências ecológicas de cada espécie e de cada tipo de habitat presentes em cada um dos sítios de importância comunitária em causa [v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Comissão/Portugal (Designação e proteção de zonas especiais de conservação), C‑290/18, EU:C:2019:669, n.o 55].

154

Por conseguinte, há que declarar que o referido Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats», por um lado, ao não ter adotado medidas de conservação para 230 dos 423 sítios em causa e, por outro, ao não ter adotado medidas de conservação completas para 149 dos 193 sítios restantes.

c) Sítios que, segundo a Comissão, são objeto de medidas de conservação que não se baseiam nos objetivos de conservação

155

Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros são obrigados a estabelecer as medidas de conservação necessárias que satisfaçam as exigências ecológicas, pressupondo a sua identificação a fixação dos objetivos de conservação (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia,C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 49).

156

O Tribunal de Justiça declarou que a determinação dos objetivos de conservação constitui um requisito prévio necessário no âmbito do estabelecimento das prioridades e das medidas de conservação (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia,C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 50).

157

Daqui resulta que a fixação dos objetivos de conservação constitui uma fase obrigatória e necessária entre a designação das zonas especiais de conservação e a execução de medidas de conservação (Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia,C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 52).

158

É certo que, como resulta dos n.os 64 a 70 do presente acórdão e do Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.os 42 a 61), a não adoção, por um Estado‑Membro, de objetivos de conservação específicos e precisos deve ser considerada uma violação das obrigações que incumbem a esse Estado, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats».

159

Dito isto, como salientou, em substância, a advogada‑geral, nos n.os 85 a 88 das suas conclusões, o artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva não exige que as medidas de conservação sejam adotadas imperativamente após a adoção dos objetivos de conservação.

160

Não é menos verdade que, também no caso de os referidos objetivos serem definidos posteriormente à adoção das medidas de conservação, é necessário que essas medidas respondam a esses objetivos.

161

Ora, no presente processo, no que respeita aos 44 sítios que considera terem sido objeto de medidas de conservação completa, a Comissão não demonstrou que as medidas de conservação concretas, adotadas pela Irlanda, não correspondiam a objetivos de conservação definidos posteriormente à adoção dessas medidas.

162

Nestas condições, há que concluir que o simples facto de ter adotado medidas de conservação para os sítios de importância comunitária em causa antes de ter fixado os objetivos de conservação não constitui uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats», pelo que a Comissão não demonstrou, relativamente aos 44 sítios em causa, que as medidas de conservação adotadas não satisfaziam as exigências da referida disposição.

d) Uma prática persistente e sistemática que consiste em estabelecer medidas de conservação que não são suficientemente precisas e que não permitem fazer face a todas as pressões e ameaças importantes

163

Importa recordar que a Diretiva «Habitats» impõe a adoção de medidas de conservação necessárias, o que exclui qualquer margem de apreciação a este respeito por parte dos Estados‑Membros e limita as eventuais faculdades regulamentares ou decisórias das autoridades nacionais quanto aos meios a utilizar e às opções técnicas a efetuar no âmbito das referidas medidas (Acórdão de 10 de maio de 2007, Comissão/Áustria,C‑508/04, EU:C:2007:274, n.o 76).

164

No caso em apreço, a Comissão apresenta, a título ilustrativo, três exemplos que abrangem, em seu entender, um amplo leque de sítios, e que se referem a dois tipos de habitats prioritários, a saber, as lagunas costeiras e as turfeiras de cobertura, bem como uma espécie prioritária, a saber, o mexilhão perlífero de água doce, para demonstrar que as medidas de conservação adotadas e aplicadas na Irlanda são, de forma sistemática e persistente, de uma qualidade insuficiente, uma vez que não são suficientemente precisas e detalhadas ou são insuficientes para responder a todas as pressões e ameaças importantes.

165

A este respeito, importa recordar que, sem prejuízo da obrigação da Comissão de satisfazer, tanto num caso como no outro, o ónus da prova que lhe incumbe, nada a impede a priori de concomitantemente pretender a declaração de incumprimentos de disposições da diretiva devido à atitude adotada pelas autoridades de um Estado‑Membro a propósito de situações concretas, identificadas de forma específica, e de incumprimentos dessas referidas disposições devido a uma prática generalizada contrária a estas últimas adotada por essas autoridades, de que as referidas situações específicas são o eventual exemplo (Acórdão de 26 de abril de 2005, Comissão/Irlanda,C‑494/01, EU:C:2005:250, n.o 27).

166

Quando a Comissão tenha fornecido elementos suficientes que revelem que as autoridades de um Estado‑Membro adotaram uma prática reiterada e persistente que é contrária às disposições de uma diretiva, incumbe a esse Estado‑Membro contestar de modo substancial e detalhado os dados apresentados e as consequências que daí decorrem (Acórdão de 26 de abril de 2005, Comissão/Irlanda,C‑494/01, EU:C:2005:250, n.o 47).

167

Simultaneamente, tendo em conta a obrigação que lhe incumbe de provar o incumprimento alegado, a Comissão não pode, sob o pretexto de imputar ao Estado‑Membro em causa um incumprimento geral e persistente das obrigações que impendem sobre este último por força do direito da União, eximir‑se de respeitar esta obrigação de fazer prova do incumprimento imputado com base em elementos concretos que caracterizam a violação das disposições específicas que invoca e basear‑se em simples presunções ou causalidades esquemáticas [v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Comissão/Itália (Bactéria Xylella fastidiosa),C‑443/18, EU:C:2019:676, n.o 80].

168

A presente ação diz respeito a 423 sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica.

169

A referida região caracteriza‑se por um grande número de sítios objeto da acusação da Comissão e, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, por uma grande diversidade das espécies e dos habitats presentes nesses sítios.

170

Nesse caso, tendo em conta a jurisprudência referida no n.o 167 do presente acórdão, incumbe à Comissão demonstrar, como salientou, em substância, a advogada‑geral, no n.o 106 das suas conclusões, que os exemplos das espécies e dos habitats apresentados por esta instituição, em apoio da acusação de um incumprimento geral e persistente das obrigações decorrentes da Diretiva «Habitats», são representativos de todos os sítios de importância comunitária em causa.

171

Ora, no presente processo, a Comissão não satisfez o ónus da prova referido no número anterior.

172

É certo que, na sua petição, a Comissão alegou que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado complementar, considerou, com base numa avaliação qualitativa de um amplo leque de sítios irlandeses objeto de medidas de conservação existentes, que as medidas de conservação estabelecidas eram de forma sistemática e persistente de qualidade insuficiente, uma vez que não eram suficientemente precisas e detalhadas ou eram insuficientes para responder a todas as pressões e ameaças importantes.

173

No entanto, nem na sua petição nem na sua réplica a Comissão demonstrou de forma juridicamente bastante, através de argumentos e dados suficientemente precisos, claros e detalhados, que os exemplos que apresenta a título ilustrativo, a saber, no caso em apreço, as lagunas costeiras, as turfeiras de cobertura e mexilhão perlífero de água doce, são representativos de todos os sítios de importância comunitária em causa.

174

Em particular, quanto à constatação, efetuada na petição da Comissão, de que a repartição geográfica dos sítios apreciados representa a configuração geográfica da rede dos sítios de importância comunitária e das zonas especiais de conservação na Irlanda, há que observar que a Comissão remete, a este respeito, para os anexos A.21 e A.22 da sua petição que contêm os mapas da Irlanda. Ora, a apreciação destes mapas não permite, por si só, na falta de interpretação pela Comissão dos dados que aí figuram, apresentada na petição de modo preciso, detalhado e exaustivo, chegar a uma conclusão no que respeita à questão de saber em que medida os três exemplos referidos no número anterior poderiam ser considerados representativos do conjunto dos sítios de importância comunitária em causa.

175

Nestas condições, o argumento da Comissão segundo o qual as medidas de conservação implementadas pela Irlanda apresentavam de forma geral, sistemática e persistente uma qualidade insuficiente, uma vez que não eram suficientemente precisas e detalhadas ou eram insuficientes para responder a todas as pressões e ameaças importantes não pode ser julgado procedente.

176

Por conseguinte, a terceira acusação apenas é procedente, dado que a Irlanda não adotou as medidas de conservação necessárias que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais referidos no anexo I e das espécies referidas no anexo II da Diretiva «Habitats» para os 423 sítios de importância comunitária em causa.

177

Atendendo a todas as considerações que precedem, há que declarar que:

ao não designar como zonas especiais de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, 217 dos 423 sítios de importância comunitária em causa, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats»;

ao não fixar objetivos detalhados de conservação específicos para cada um dos sítios no que respeita a 140 dos 423 sítios de importância comunitária em causa, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva «Habitats»;

ao não adotar as medidas de conservação necessárias que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais referidos no anexo I e das espécies referidas no anexo II da Diretiva «Habitats» presentes nos 423 sítios de importância comunitária em causa, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva.

178

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

Quanto às despesas

179

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Irlanda e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

180

Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, segundo o qual os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, a República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

Ao não designar como zonas especiais de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, 217 dos 423 sítios de importância comunitária que foram inscritos na lista estabelecida pela Decisão 2004/813/CE da Comissão, de 7 de dezembro de 2004, que adota, nos termos da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica, atualizada pela Decisão 2008/23/CE da Comissão, de 12 de novembro de 2007, que adota, em aplicação da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a primeira lista atualizada dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica e pela Decisão 2009/96/CE da Comissão, de 12 de dezembro de 2008, que adota, em aplicação da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a segunda lista atualizada dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, conforme alterada pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013.

 

2)

Ao não fixar objetivos detalhados de conservação específicos para cada um dos sítios no que respeita a 140 dos 423 sítios de importância comunitária em referidos no n.o 1 do dispositivo, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 92/43, conforme alterada pela Diretiva 2013/17.

 

3)

Ao não adotar as medidas de conservação necessárias que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais referidos no anexo I e das espécies referidas no anexo II da Diretiva 92/43, conforme alterada pela Diretiva 2013/17, presentes nos 423 sítios de importância comunitária referidos no n.o 1 do dispositivo, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 92/43, conforme alterada.

 

4)

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 

5)

A Irlanda suporta, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

6)

A República Federal da Alemanha suporta as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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