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Document 62005CJ0392

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 26 de Abril de 2007.
Georgios Alevizos contra Ypourgos Oikonomikon.
Pedido de decisão prejudicial: Symvoulio tis Epikrateias - Grécia.
Livre circulação de trabalhadores - Directiva 83/183/CEE - Artigo 6.º - Importação definitiva para um Estado-Membro de um veículo de uso pessoal proveniente de outro Estado-Membro - Membro do pessoal das Forças Armadas de um Estado-Membro temporariamente colocado noutro Estado-Membro por razões de serviço - Conceito de ‘residência normal’.
Processo C-392/05.

Colectânea de Jurisprudência 2007 I-03505

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:251

Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Partes

No processo C‑392/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias (Grécia), por decisão de 30 de Junho de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 31 de Outubro de 2005, no processo

Georgios Alevizos

contra

Ypourgos Oikonomikon,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, E. Juhász, R. Silva de Lapuerta, J. Malenovský e T. von Danwitz, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Dezembro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

– em representação de G. Alevizos, por P. Damouli, dikigoros,

– em representação do Governo grego, por M. Apessos, I. Bakopoulos e K. Boskovits, na qualidade de agentes,

– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Triantafyllou, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 25 de Janeiro de 2007,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão

1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 6.° da Directiva 83/183/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado‑Membro (JO L 105, p. 64; EE 09 F1 p. 161), com a redacção dada pela Directiva 89/604/CEE do Conselho, de 23 de Novembro de 1989 (JO L 348, p. 28, a seguir «Directiva 83/183»).

2. Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe G. Alevizos ao Ypourgos Oikonomikon (Ministro das Finanças), a propósito do imposto especial de consumo e do imposto especial complementar e único de matrícula (a seguir «imposto especial de matrícula»), a que foi sujeito aquando da importação definitiva para a Grécia de um veículo de uso pessoal proveniente de Itália.

Quadro jurídico

Legislação comunitária

Directiva 83/183

3. O primeiro e o segundo considerando da Directiva 83/183 estão redigidos nos termos seguintes:

«Considerando que, para que a população dos Estados‑Membros tome mais consciência da Comunidade Europeia, convém prosseguir em benefício dos particulares a acção empreendida com o propósito de criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno;

Considerando, designadamente, que os entraves fiscais à importação num Estado‑Membro, por particulares, de bens pessoais que se encontrem num outro Estado‑Membro são susceptíveis de dificultar a livre circulação de pessoas na Comunidade; que importa, por conseguinte, eliminar esses entraves na medida do possível, mediante a criação de isenções fiscais;».

4. Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183, os Estados‑Membros concedem, nas condições e nos casos referidos por essa directiva, «uma isenção dos impostos sobre o volume de negócios, dos impostos sobre consumos específicos e outros impostos sobre o consumo normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de bens pessoais provenientes de um outro Estado‑Membro».

5. O n.° 2 deste mesmo artigo 1.° dispõe:

«A presente directiva não abrange os direitos e imposições específicas e/ou periódicas respeitantes à utilização desses bens no interior do país, tais como, por exemplo, os direitos cobrados aquando do registo de veículos automóveis, os impostos de circulação rodoviária, as taxas de televisão.»

6. O artigo 2.° da Directiva 83/183 determina:

«1. Para efeitos do disposto na presente directiva, são considerados ‘bens pessoais’ os bens afectos ao uso pessoal dos interessados ou às necessidades do respectivo agregado familiar. Os referidos bens não devem traduzir, quer pela sua natureza, quer pela sua quantidade, qualquer preocupação de ordem comercial, nem destinar‑se a uma actividade económica, na acepção do artigo 4.° da Directiva 77/388/CEE […]

2. A isenção prevista no artigo 1.° é concedida relativamente aos bens pessoais que:

[...]

b) Tenham sido realmente afectos ao uso do interessado antes da mudança de residência ou do estabelecimento de uma residência secundária. Os Estados‑Membros podem exigir que os veículos rodoviários a motor (incluindo os respectivos reboques), as caravanas, as habitações móveis, os barcos de recreio e os aviões de turismo estejam afectos ao uso do interessado há seis meses, pelo menos, antes da mudança de residência;

[…]»

7. O conceito de «residência normal», na acepção da Directiva 83/183, está definido no n.° 1 do seu artigo 6.°, respeitante às «[r]egras gerais relativas à fixação de residência», nos seguintes termos:

«Para aplicação da presente directiva, entende‑se por ‘residência normal’ o lugar onde uma pessoa vive habitualmente, isto é, durante pelo menos 185 dias por ano civil, em consequência de vínculos pessoais e profissionais, ou, no caso de uma pessoa sem vínculos profissionais, em consequência de vínculos pessoais indicativos de laços estreitos entre ela própria e o lugar onde vive.

Todavia, a residência normal de uma pessoa cujos vínculos profissionais se situem num lugar diferente do lugar onde possui os seus vínculos pessoais e que, por esse facto, viva alternadamente em lugares distintos situados em dois ou mais Estados‑Membros, considera‑se como estando situada no lugar dos seus vínculos pessoais, desde que aí se desloque regularmente. Esta última condição não é exigida quando uma pessoa permaneça no Estado‑Membro, para efeitos de execução de uma missão de duração determinada. A frequência de uma universidade ou escola não implica a mudança da residência normal.»

8. Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 83/183, a isenção prevista no artigo 1.° da mesma directiva é concedida relativamente à importação dos bens pessoais efectuada por um particular por ocasião da mudança da sua residência normal.

Directiva 92/12/CEE

9. O terceiro, o quarto e o vigésimo considerando da Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), enunciam:

«Considerando que há que definir o conceito de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo; que apenas as mercadorias que são tratadas como tal em todos os Estados‑Membros podem ser objecto de disposições específicas;

[…]

Considerando que, para garantir o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, a exigibilidade dos impostos especiais de consumo deve ser idêntica em todos os Estados‑Membros;

[…]

Considerando que, devido à supressão do princípio da tributação na importação, nas relações entre os Estados‑Membros, as disposições relativas às isenções e franquias à importação já não se justificam no tocante às relações entre os Estados‑Membros; que convém, portanto, suprimir essas disposições e adaptar em conformidade as directivas em causa;».

10. A Directiva 92/12 tem por objecto, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, «estabelece[r] o regime dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e outros impostos indirectos que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo desses produtos, com exclusão do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e dos impostos estabelecidos pela Comunidade Europeia».

11. O artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/12 dispõe:

«A presente directiva é aplicável, a nível comunitário, aos produtos seguintes, tal como definidos nas respectivas directivas:

– óleos minerais,

– álcool e bebidas alcoólicas,

– tabacos manufacturados.»

12. Nos termos do artigo 23.°, n.° 3, da Directiva 92/12:

«As disposições relativas aos impostos especiais de consumo previstas nas seguintes directivas deixarão de produzir efeitos a partir de 31 de Dezembro de 1992:

[…]

– Directiva 83/183/CEE […],

[…]»

Legislação nacional

13. A Directiva 83/183 foi transposta para o direito grego pelo Decreto D.264/23 do Ministro das Finanças, de 8 de Março de 1985 (FEK B’ 139/18.3.1985). Este decreto foi substituído pelo Decreto D.245/11 do Ministro das Finanças, de 1 de Março de 1988 (FEK B’ 195/6.4.1988, a seguir «Decreto D.245/11»).

14. Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, o Decreto D.245/11 «determina os casos em que é concedida a isenção dos direitos aduaneiros e dos outros impostos relativos aos bens pessoais importados por particulares».

15. O artigo 2.°, n.° 1, alínea c), do Decreto D.245/11, na versão que resulta do artigo 15.° da Lei n.° 2187/1994 (FEK A’ 16), que foi adoptado na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Agosto de 1993, Comissão/Grécia (C‑9/92, Colect., p. I‑4467), retoma a definição do conceito de residência normal que se contém no artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 83/183.

16. O artigo 3.°, n.° 1, do Decreto D.245/11 estabelece o princípio da isenção dos direitos aduaneiros e dos outros impostos no que respeita aos bens pessoais importados por pessoas singulares que transfiram a sua residência normal de outro Estado para a Grécia.

17. Do capítulo 8 do Decreto D.245/11 constava um artigo 25.°, assim redigido:

«1. As isenções previstas no artigo 3.° do presente decreto são aplicáveis aos bens pessoais importados por cidadãos gregos, com residência normal na Grécia, que tenham deixado o país para trabalhar no estrangeiro, onde tenham permanecido como trabalhadores por conta de outrem ou como trabalhadores independentes durante mais de dois (2) anos consecutivos, e que, após o termo da sua actividade profissional no estrangeiro, regressem definitivamente à Grécia.

2. Das pessoas referidas no número precedente fazem parte os funcionários públicos gregos (incluindo os diplomatas), os funcionários de justiça, os oficiais, sargentos e praças das Forças Armadas, das Forças de Segurança e da Guarda Costeira, que tenham permanecido mais de dois anos (2) consecutivos no estrangeiro, única e exclusivamente no exercício das suas funções, e que, no termo dessas funções, regressem à Grécia por transferência ou definitivamente.»

18. O artigo 6.°, n.° 13, da Lei n.° 2459/1997, relativa à revogação de isenções fiscais e de outras disposições (FEK A’ 17), revogou, nomeadamente, o artigo 25.° do Decreto D.245/11, «no que se refere à isenção dos bens pessoais dos trabalhadores gregos no estrangeiro, mas unicamente no que diz respeito aos meios de transporte». Segundo esta mesma disposição, «[r]elativamente aos veículos de transporte de passageiros que se encontravam na posse das referidas pessoas em 31 de Dezembro de 1996, o imposto especial de consumo será calculado com base nos coeficientes previstos no artigo 37.° da Lei n.° 1882/1990, alterada, no caso de o desalfandegamento ter lugar nos seis (6) meses seguintes à publicação da presente lei no Jornal Oficial da República Helénica ». Esta disposição entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1997. O prazo previsto no referido artigo 6.°, n.° 13, foi prorrogado até 31 de Dezembro de 1997 pelo artigo 32.°, n.° 1, da Lei n.° 2523/1997 (FEK A’ 179).

19. A Directiva 92/12 foi transposta para o direito grego pela Lei n.° 2127/1993, relativa à harmonização, com o direito comunitário, do regime fiscal dos produtos petrolíferos, do álcool etílico e das bebidas alcoólicas e do tabaco manufacturado, bem como de outras disposições (FEK A’ 48).

20. O artigo 75.° da Lei n.° 2127/1993 determina:

«Os veículos automóveis e os motociclos que preencham os requisitos dos artigos 9.° e 10.° do Tratado CEE e que sejam enviados ou transportados de outros Estados‑Membros para o território nacional estão sujeitos ao imposto especial de consumo previsto para os veículos correspondentes importados ou produzidos no território nacional.»

21. O artigo 83.° da mesma lei dispõe:

«A isenção total ou parcial do imposto especial de consumo prevista pelas disposições pertinentes em vigor para os veículos que são importados definitivamente de países terceiros aplica‑se, nas mesmas condições, aos veículos referidos no artigo 75.°»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

22. G. Alevizos, oficial da Força Aérea grega, foi colocado, de 12 de Julho de 1995 a 8 de Agosto de 1997, por um despacho do Ministro da Defesa grego, no quartel‑general das Forças Aliadas do Sul da Europa, situado em Nápoles (Itália), onde ocupou um cargo no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Uma decisão do Chefe de Estado‑Maior General da Força Aérea concedeu um subsídio para a mudança da mulher e dos dois filhos de G. Alevizos para Itália.

23. No termo do período de serviço previsto para esse cargo, o Consulado Geral da República Helénica em Nápoles emitiu, a favor de G. Alevizos e dos membros da sua família, um certificado de regresso à Grécia, no qual G. Alevizos era qualificado de pessoa abrangida pelo capítulo 8 do Decreto D.245/11.

24. A este certificado estava anexa uma declaração do interessado, segundo a qual este desejava importar para a Grécia um veículo automóvel de uso privado, da marca Mercedes, modelo E 200 (ano de fabrico: 1996), que adquirira na Alemanha em 17 de Dezembro de 1996 e que entrara na sua posse em 23 de Dezembro seguinte.

25. Ao regressar à Grécia, G. Alevizos entregou na estância aduaneira de Eleusina uma declaração de transferência deste veículo.

26. Por decisão de 28 de Agosto de 1997, a referida estância exigiu a G. Alevizos a quantia de 4 136 413 GRD, a título do imposto especial de consumo previsto no artigo 75.° da Lei n.° 2127/1993, quantia que foi calculada, de acordo com o artigo 6.°, n.° 13, da Lei n.° 2459/1997, com base nos coeficientes reduzidos definidos no artigo 37.° da Lei n.° 1882/1990 então em vigor. Pela mesma decisão, foi ainda exigida ao interessado a quantia de 1 470 775 GRD, a título do imposto especial de matrícula, por aplicação do artigo 15.°, n.° 7, da Lei n.° 2367/1953.

27. Após ter pago as quantias que lhe foram exigidas a título quer do imposto especial de consumo quer do imposto especial de matrícula (a seguir, em conjunto, «impostos em causa no processo principal»), G. Alevizos interpôs recurso da decisão de tributação de 28 de Agosto de 1997 para o Dioikitiko Protodikeio Athinon (tribunal administrativo de primeira instância de Atenas), o qual reformou esta decisão em parte, aumentando a percentagem de dedução por usura do veículo relacionada com a utilização normal.

28. G. Alevizos recorreu desta decisão para o Dioikitiko Efeteio Athinon (tribunal administrativo de segunda instância de Atenas).

29. Confirmando a decisão proferida em primeira instância, este último tribunal considerou que a estada de G. Alevizos em Nápoles correspondia a uma missão de duração determinada e que, durante o período da sua colocação na OTAN, nessa cidade, a sua residência normal, na acepção dos artigos 6.°, n.° 1, da Directiva 83/183 e 2.° do Decreto D.245/11, continuara a ser na Grécia, onde estava situado o centro permanente dos seus interesses pessoais e profissionais, não obstante os membros da sua família o terem acompanhado na mudança para Itália.

30. O Dioikitiko Efeteio Athinon decidiu, consequentemente, que o caso de G. Alevizos não era abrangido pelo artigo 3.° do Decreto D.245/11, mas sim pelos artigos 25.°, n. os  1 e 2, deste mesmo decreto e 6.°, n.° 13, da Lei n.° 2459/1997 que revogou, a partir de 1 de Janeiro de 1997, as disposições do referido artigo 25.°

31. G. Alevizos interpôs recurso de cassação do acórdão do Dioikitiko Efeteio Athinon para o órgão jurisdicional de reenvio.

32. Nestas condições, tendo dúvidas quanto ao modo de interpretar o conceito de «residência normal», na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 83/183, o Symvoulio tis Epikrateias decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os funcionários públicos e os oficiais, sargentos e praças das Forças Armadas, das Forças de Segurança e da Guarda Costeira estão abrangidos, como os outros trabalhadores, pelo artigo 6.° da Directiva 83/183 do Conselho, podendo obter «residência normal» noutro país onde permaneçam, pelo menos, 185 dias por ano civil em execução de uma missão de duração determinada, ou mantêm, mesmo no decurso da sua missão nesse outro país, a sua residência normal na Grécia, independentemente de terem transferido para o outro país os seus vínculos pessoais e profissionais?»

Quanto à questão prejudicial

33. Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 83/183 deve ser interpretado no sentido de que um membro do pessoal da Administração Pública, das Forças Armadas, das Forças de Segurança ou da Guarda Costeira de um Estado‑Membro, que resida pelo menos 185 dias por ano noutro Estado‑Membro com os membros da sua família para neste Estado cumprir uma missão com uma duração determinada, tem, durante o período dessa missão, a sua residência normal, na acepção do referido artigo 6.°, n.° 1, nesse outro Estado‑Membro ou, pelo contrário, continua a ter essa residência no primeiro Estado‑Membro.

34. Antes de responder a esta questão, há que verificar se a Directiva 83/183 é aplicável ao processo principal.

Quanto à aplicabilidade da Directiva 83/183

35. Em primeiro lugar, há que examinar, no que respeita à aplicação no tempo da Directiva 83/183, a argumentação do Governo grego segundo a qual as disposições dessa directiva relativas ao imposto especial de consumo deixaram, por força da Directiva 92/12, de ser aplicáveis à data da transferência do veículo de G. Alevizos da Itália para a Grécia.

36. A este respeito, há que notar que, no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/12, o âmbito de aplicação da directiva é definido por referência a três categorias de produtos limitativamente enumeradas, que correspondem, como resulta do terceiro considerando da directiva, às mercadorias que são tratadas como produtos sujeitos a impostos especiais de consumo «em todos os Estados‑Membros». Esta enumeração não compreende os veículos automóveis, que estão, portanto, excluídos do âmbito de aplicação desta mesma directiva.

37. Como a advogada‑geral fez notar nos n. os  33 e 34 das suas conclusões, não se pode admitir, por motivos relacionados, nomeadamente, com a segurança jurídica, que a uma determinada disposição da Directiva 92/12, no presente caso o seu artigo 23.°, n.° 3, seja reconhecida, na ausência de qualquer indicação expressa do legislador nesse sentido, um âmbito de aplicação mais lato que o atribuído, de modo geral, a essa directiva pelo seu artigo 3.°, n.° 1.

38. Além disso, enquanto, para os produtos referidos no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/12, a harmonização por esta realizada, nomeadamente através da uniformização dos critérios de exigibilidade dos impostos especiais de consumo na Comunidade, com o fim de garantir o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno (v. quarto considerando desta mesma directiva; v., ainda, acórdãos de 2 de Abril de 1998, EMU Tabac e o., C‑296/95, Colect., p. I‑1605, n.° 22; de 5 de Abril de 2001, Van de Water, C‑325/99, Colect., p. I‑2729, n.° 39; e de 29 de Abril de 2004, Comissão/Alemanha, C‑240/01, Colect., p. I‑4733, n.° 36), permite afastar a dupla tributação nas relações entre Estados‑Membros, tornando assim supérflua a aplicação a esses produtos das disposições da Directiva 83/183 relativas às isenções na importação em matéria de impostos especiais de consumo (v. vigésimo considerando da Directiva 92/12), as coisas passam‑se diferentemente quanto aos outros produtos.

39. Com efeito, na ausência de uma medida de harmonização comunitária comparável às estabelecidas pela Directiva 92/12 para os produtos referidos no seu artigo 3.°, n.° 1, estes outros produtos estão sujeitos ao risco de dupla tributação nas relações intracomunitárias, como foi realçado pela advogada‑geral no n.° 37 das suas conclusões. Tendo em conta o objectivo de realização do mercado interno, tal risco justifica a manutenção da aplicação das disposições da Directiva 83/183 relativas às isenções fiscais no que respeita a estes produtos.

40. Daqui resulta que o artigo 23.°, n.° 3, da Directiva 92/12, segundo o qual as disposições da Directiva 83/183 relativas aos impostos especiais de consumo deixam de produzir efeitos a partir de 31 de Dezembro de 1992, se refere a estes impostos unicamente na medida em que eles dizem respeito às três categorias de produtos enumeradas no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/12. As referidas disposições mantiveram‑se portanto aplicáveis após esta data, no que respeita aos demais produtos, como os veículos automóveis, que não estão abrangidos pelo domínio de aplicação da Directiva 92/12.

41. Em segundo lugar, importa verificar, no que respeita ao âmbito de aplicação pessoal da Directiva 83/183, se, como sustenta o Governo grego, ela se refere unicamente às importações de bens efectuadas por trabalhadores na acepção do artigo 39.° CE, com exclusão das importações efectuadas por membros da Administração Pública, como G. Alevizos.

42. A este respeito, há que realçar desde logo que a Directiva 83/183 foi adoptada com fundamento no artigo 99.° do Tratado CE (actual artigo 93.° CE). Através desta disposição, o Conselho das Comunidades Europeias foi habilitado a proceder à harmonização das legislações nacionais no domínio, entre outros, dos impostos especiais de consumo, na medida em que essa harmonização seja necessária para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno (acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.° 35).

43. Além disso, resulta da leitura conjugada do primeiro e do segundo considerando da Directiva 83/183 com os artigos 1.° e 2.° da mesma directiva que esta foi adoptada em benefício dos «particulares», com o propósito de melhorar a livre circulação das «pessoas» na Comunidade e de, assim, aumentar o sentimento de pertença à Comunidade, e que, para este fim, a directiva pretende facilitar as importações de bens pessoais, definidos como os bens afectos «ao uso pessoal dos interessados ou às necessidades do respectivo agregado familiar».

44. Deste modo, o âmbito de aplicação pessoal da Directiva 83/183 não pode ser limitado aos trabalhadores na acepção do artigo 39.° CE nem pode excluir, de entre estes, os que ocupam um emprego na Administração Pública de um Estado‑Membro.

45. Daqui resulta que uma situação como a de G. Alevizos entra no âmbito de aplicação pessoal da Directiva 83/183.

46. Há, em terceiro lugar, que examinar o âmbito de aplicação material da Directiva 83/183, no que respeita aos impostos em causa no processo principal.

47. Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183, incluem‑se nomeadamente no domínio de aplicação da isenção prevista nesta disposição os «impostos sobre consumos específicos e outros impostos sobre o consumo normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de bens pessoais provenientes de um outro Estado‑Membro».

48. No caso vertente, um dos impostos em causa no processo principal constitui, nos termos do direito nacional aplicável, um «imposto especial de consumo» (v. n.° 26 do presente acórdão), pelo que se inclui normalmente no âmbito de aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183. Uma vez que, porém, a denominação do imposto em direito nacional não é, enquanto tal, decisiva (v. acórdão de 15 de Julho de 2004, Lindfors, C‑365/02, Colect., p. I‑7183, n.° 24), incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se pode considerar‑se que este imposto é normalmente exigível na importação definitiva, para a Grécia, de um veículo pessoal proveniente de outro Estado‑Membro, como é exigido pelo referido artigo 1.°, n.° 1.

49. No que diz respeito ao imposto especial de matrícula, também exigido ao interessado (v. n.° 26 do presente acórdão), há que recordar que, por força de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, para entrar no âmbito de aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183, o imposto em causa deve corresponder, segundo o direito nacional aplicável, a uma imposição ligada à importação enquanto tal. Em contrapartida, se as disposições nacionais que regem o imposto em causa situam o seu facto gerador numa circunstância diferente da operação de importação, como, por exemplo, a primeira matrícula ou a utilização do veículo no território nacional, o referido imposto não está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183 (v. acórdãos de 29 de Abril de 2004, Weigel, C‑387/01, Colect., p. I‑4981, n.° 47; Lindfors, já referido, n.° 26; e de 16 de Junho de 2005, Comissão/Dinamarca, C‑138/04, não publicado na Colectânea, n.° 13).

50. Na ausência, nos autos trazidos ao conhecimento do Tribunal de Justiça, de qualquer indicação relativa ao facto gerador do imposto especial de matrícula (em causa no processo principal), incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações necessárias, à luz da jurisprudência recordada no número precedente, com base nas disposições nacionais pertinentes.

51. Resulta do que precede que os impostos especiais de consumo como os que estão em causa no processo principal estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183, sempre que se verifique – o que competirá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar – que tais impostos são normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de um veículo de uso pessoal proveniente de outro Estado‑Membro. Um imposto especial complementar e único de matrícula, como o que está em causa no processo principal, é também abrangido pelo referido artigo 1.°, n.° 1, sempre que se revele – o que competirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar – que está relacionado com a operação de importação do veículo enquanto tal.

52. Se se verificar que os impostos em causa no processo principal estão abrangidos pelo domínio de aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183, colocar‑se‑á então a questão da interpretação do artigo 6.°, n.° 1, dessa directiva.

Quanto à interpretação do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 83/183

53. A este respeito, importa, por um lado, recordar que o objectivo da Directiva 83/183, à luz do qual há que responder à questão submetida, é, de acordo com os seus considerandos, favorecer o exercício da livre circulação dos particulares no interior da Comunidade. A supressão dos entraves fiscais à importação, para um Estado‑Membro, de bens pessoais que se encontram noutro Estado‑Membro revela‑se, nesta perspectiva, particularmente necessária à criação de condições análogas às de um mercado interno (v., por analogia, acórdão de 12 de Julho de 2001, Louloudakis, C‑262/99, Colect., p. I‑5547, n.° 58).

54. Por outro lado, a propósito do artigo 7.° da Directiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade, em matéria de importação temporária de certos meios de transporte (JO L 105, p. 59; EE 09 F1 p. 156), que define o conceito de residência normal em termos análogos aos utilizados no artigo 6.° da Directiva 83/183, o Tribunal de Justiça já declarou que os critérios de determinação deste conceito têm em vista tanto a relação, pessoal e profissional, de uma pessoa com um determinado local como a duração dessa relação e que, em consequência, devem ser analisados cumulativamente (v. acórdãos de 23 de Abril de 1991, Ryborg, C‑297/89, Colect., p. I‑1943, n.° 19, e Louloudakis, já referido, n.° 51).

55. Deve considerar‑se que a residência normal é o lugar onde o interessado estabeleceu o centro permanente dos seus interesses (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Ryborg, n.° 19, e Louloudakis, n.° 51).

56. O critério da permanência remete para a condição de o interessado dever residir habitualmente no lugar em causa durante pelo menos 185 dias por ano civil. No processo principal, no qual, de acordo com a matéria tida como assente pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta condição está satisfeita, o facto de a duração da colocação de G. Alevizos na OTAN em Itália ser determinada não exclui, portanto, enquanto tal, que este tenha tido, durante o período em causa, a sua residência normal nesse Estado‑Membro.

57. Para determinar a residência normal enquanto centro permanente dos interesses da pessoa em causa, devem ser tidos em consideração todos os elementos de facto pertinentes (v. acórdão Ryborg, já referido, n.° 20), ou seja, designadamente, a presença física da mesma, a dos membros da sua família, a circunstância de dispor de um local de habitação, o local de escolaridade efectiva dos filhos, o local de exercício das actividades profissionais, o local onde se situam os interesses patrimoniais e o dos vínculos administrativos com as autoridades públicas e os organismos sociais, na medida em que os referidos elementos traduzam a vontade de essa pessoa conferir determinada estabilidade ao local a que está vinculada, em função da continuidade resultante de hábitos de vida e do desenvolvimento de relações sociais e profissionais normais (acórdão Louloudakis, já referido, n.° 55).

58. Há que acrescentar que, embora, de acordo com o artigo 6.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Directiva 83/183, o elemento relativo à frequência de um estabelecimento de ensino não implique a transferência da residência normal quando respeitar à própria pessoa interessada, pode contudo, considerado no contexto familiar, constituir indício dessa transferência quando, como G. Alevizos precisou nas suas observações escritas, disser respeito aos seus filhos (v., por analogia, acórdão Louloudakis, já referido, n.° 56).

59. Quanto ao argumento do Governo grego, segundo o qual G. Alevizos conservou, no presente caso, durante o período da sua colocação na OTAN em Itália, os seus vínculos profissionais com a Administração grega, bem como um vínculo social e fiscal com a Grécia, há que realçar, por um lado, que esta circunstância eventual não é susceptível de eliminar o facto de, durante o referido período, o interessado ter exercido a sua actividade profissional em Itália, onde se encontrava então o centro das suas relações profissionais, como a advogada‑geral realçou no n.° 66 das suas conclusões.

60. Por outro lado, resulta do artigo 6.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Directiva 83/183 que esta disposição privilegia os vínculos pessoais quando o interessado não tenha os vínculos pessoais e profissionais concentrados num único Estado‑Membro (v., por analogia, acórdão Louloudakis, já referido, n.° 52).

61. Assim, o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 83/183 determina que sejam simultaneamente tidos em consideração os vínculos profissionais e os vínculos pessoais num determinado local e deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese de uma apreciação global dos vínculos profissionais e pessoais não bastar para localizar o centro permanente dos interesses da pessoa em causa, deve ser dada preferência, para efeitos dessa localização, aos vínculos pessoais (v., por analogia, acórdão Louloudakis, já referido, n.° 53).

62. Resulta do que precede que o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 83/183 deve ser interpretado no sentido de que um membro do pessoal da Administração Pública, das Forças Armadas, das Forças de Segurança ou da Guarda Costeira de um Estado‑Membro, que resida pelo menos 185 dias por ano noutro Estado‑Membro, com os membros da sua família, para nele cumprir uma missão de duração determinada, tem, durante o período dessa missão, a sua residência normal, na acepção do referido artigo 6.°, n.° 1, neste outro Estado‑Membro.

Quanto aos artigos 18.° CE e 39.° CE

63. Na audiência, a Comissão das Comunidades Europeias alegou que o processo principal podia ainda ser examinado à luz dos artigos 18.° CE e 39.° CE.

64. A este respeito, mesmo que, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação do artigo 6.° da Directiva 83/183, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos elementos de interpretação do direito comunitário que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe está submetido, quer tal órgão lhes tenha ou não feito referência no enunciado da sua questão (v., neste sentido, acórdãos de 12 de Dezembro de 1990, SARPP, C‑241/89, Colect., p. I‑4695, n.° 8; de 4 de Março de 1999, Consorzio per la tutela del formaggio Gorgonzola, C‑87/97, Colect., p. I‑1301, n.° 16; Weigel, já referido, n.° 44; e Lindfors, já referido, n.° 32).

65. No caso vertente, na hipótese de os impostos em causa no processo principal não entrarem no âmbito de aplicação do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183, há que examinar a incidência da aplicação desses impostos no direito de um cidadão comunitário, como G. Alevizos, à livre circulação, consagrado nos artigos 18.° CE e 39.° CE.

66. De acordo com jurisprudência consagrada, o artigo 18.° CE, que enuncia de modo genérico o direito de qualquer cidadão da União circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, tem expressão específica no artigo 39.° CE, no que respeita à livre circulação dos trabalhadores (v. acórdãos de 26 de Novembro de 2002, Oteiza Olazabal, C‑100/01, Colect., p. I‑10981, n.° 26, e de 9 de Novembro de 2006, Turpeinen, C‑520/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 13). Nestas condições, importa começar por verificar se o processo principal se enquadra no âmbito do artigo 39.° CE.

67. A este respeito, há que recordar que o conceito de «trabalhador», na acepção do artigo 39.° CE, se reveste de alcance comunitário e não deve ser interpretado de forma restritiva. Deve ser considerada «trabalhador» qualquer pessoa que exerça actividades reais e efectivas, com exclusão de actividades de tal maneira reduzidas que se apresentem como puramente marginais e acessórias. A característica da relação de trabalho é, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a circunstância de uma pessoa realizar, durante um certo tempo, em favor de outra e sob direcção desta, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v., nomeadamente, acórdãos de 3 de Julho de 1986, Lawrie‑Blum, 66/85, Colect., p. 2121, n. os  16 e 17; de 23 de Março de 2004, Collins, C‑138/02, Colect., p. I‑2703, n.° 26; e de 7 de Setembro de 2004, Trojani, C‑456/02, Colect., p. I‑7573, n.° 15).

68. Como resulta de jurisprudência assente, a natureza jurídica da relação de trabalho não é determinante para a aplicação do artigo 39.° CE (v., nomeadamente, acórdãos de 12 de Fevereiro de 1974, Sotgiu, 152/73, Colect., p. 91, n.° 5; de 31 de Maio de 1989, Bettray, 344/87, Colect., p. 1621, n.° 16; e Trojani, já referido, n.° 16). O facto de o trabalhador ter sido contratado na qualidade de funcionário ou ainda de o seu vínculo profissional ser regulado pelo direito público, e não pelo direito privado, é indiferente a este respeito (v. acórdão Sotgiu, já referido, n.° 5).

69. Além disso, mesmo admitindo que o lugar ocupado por G. Alevizos na Força Aérea grega, antes da sua colocação temporária na OTAN, pudesse estar abrangido pelo conceito de «emprego na Administração Pública» na acepção do artigo 39.°, n.° 4, CE, na medida em que envolvesse uma participação, directa ou indirecta, no exercício da autoridade pública e nas funções que têm por objecto a salvaguarda dos interesses gerais do Estado ou das outras pessoas colectivas públicas (v., a este respeito, acórdãos de 17 de Dezembro de 1980, Comissão/Bélgica, 149/79, Recueil, p. 3881, n.° 10; de 2 de Julho de 1996, Comissão/Grécia, C‑290/94, Colect., p. I‑3285, n.° 2; e de 30 de Setembro de 2003, Anker e o., C‑47/02, Colect., p. I‑10447, n.° 58), há que recordar que as derrogações admitidas por essa disposição não podem, tendo em consideração o carácter fundamental, na economia do Tratado CE, do princípio da livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, ir além do objectivo para o qual foi estabelecida a referida cláusula de excepção (acórdão Sotgiu, já referido, n.° 4).

70. Este objectivo é o de reservar aos Estados‑Membros a possibilidade de restringir a admissão de estrangeiros para determinados lugares na Administração Pública (acórdão Sotgiu, já referido, n.° 4), que pressupõem, por parte dos seus titulares, a existência de uma relação particular de solidariedade para com o Estado, bem como a reciprocidade dos direitos e dos deveres que são o fundamento do vínculo da nacionalidade (v. acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 10). O artigo 39.°, n.° 4, CE não pode, em contrapartida, ter por efeito privar um trabalhador, uma vez admitido ao serviço da Administração Pública de um Estado‑Membro, da aplicação das disposições dos n. os  1 a 3 do referido artigo 39.° CE (v., neste sentido, acórdão Sotgiu, já referido, n.° 4).

71. Além disso, nenhum elemento dos autos indica, no caso vertente, que a cobrança dos impostos em causa no processo principal esteja ligada ao estatuto de oficial da Força Aérea grega de G. Alevizos. Os referidos impostos são‑lhe aplicados enquanto pessoa que transfere a sua residência de um Estado‑Membro para outro.

72. No que respeita à colocação temporária de G. Alevizos na OTAN, é jurisprudência assente que um nacional comunitário que trabalhe num Estado‑Membro diferente do seu Estado de origem não perde a qualidade de «trabalhador», na acepção do artigo 39.°, n.° 1, CE, pelo facto de ocupar um cargo numa organização internacional (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Março de 1989, Echternach e Moritz, 389/87 e 390/87, Colect., p. 723, n. os  11 e 15; de 13 de Novembro de 2003, Schilling e Fleck‑Schilling, C‑209/01, Colect., p. I‑13389, n.° 28; de 16 de Dezembro de 2004, My, C‑293/03, Colect., p. I‑12013, n.° 37; e de 16 de Fevereiro de 2006, Öberg, C‑185/04, Colect., p. I‑1453, n.° 12).

73. Daqui se conclui que, a um trabalhador nacional de um Estado‑Membro, como é o caso de G. Alevizos, não podem ser recusados os direitos e a protecção que lhe confere o artigo 39.° CE (v., neste sentido, acórdão Öberg, já referido, n.° 13).

74. Resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o conjunto das disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas visa facilitar aos nacionais comunitários o exercício de actividades profissionais de qualquer natureza no território da Comunidade (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.° 94; de 26 de Janeiro de 1999, Terhoeve, C‑18/95, Colect., p. I‑345, n.° 37; de 27 de Janeiro de 2000, Graf, C‑190/98, Colect., p. I‑493, n.° 21; e Weigel, já referido, n.° 52).

75. No caso vertente, a cobrança dos impostos em causa no processo principal poderia ter por efeito tornar menos atractivo o regresso do interessado ao seu Estado‑Membro de origem se, por motivo da regulamentação do referido Estado, tal regresso se traduzisse, após o cumprimento de uma actividade profissional noutro Estado‑Membro, em consequências desfavoráveis relativamente à situação, em matéria fiscal, dos trabalhadores que não exerceram o seu direito à livre circulação. Tais consequências seriam assim susceptíveis de dissuadir o cidadão de um Estado‑Membro de sair dele para exercer a sua actividade no território de outro Estado‑Membro e de fazer uso do seu direito à livre circulação (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Julho de 1992, Singh, C‑370/90, Colect., p. I‑4265, n. os  19 e 23, e de 11 de Julho de 2002, D’Hoop, C‑224/98, Colect., p. I‑6191, n.° 31).

76. No entanto, o Tratado CE não garante a um trabalhador que a transferência das suas actividades para um Estado‑Membro diferente daquele em que residia até então seja neutra em termos tributários. Tendo em conta as disparidades entre as legislações dos Estados‑Membros na matéria, essa transferência pode, conforme o caso, ser mais ou menos vantajosa ou desvantajosa para o trabalhador no plano das imposições indirectas. Daí resulta que, em princípio, uma eventual desvantagem, relativamente à situação em que esse trabalhador exercia as suas actividades antes da referida transferência, não é contrária ao artigo 39.° CE, na condição, porém, de essa legislação não pôr o dito trabalhador em desvantagem relativamente aos que já estavam sujeitos a tal imposição (v. acórdãos, já referidos, Weigel, n.° 55, e Lindfors, n.° 34).

77. Nestas condições, a compatibilidade dos impostos em causa no processo principal com o artigo 39.° CE dependerá, nomeadamente, da taxa de tais impostos e das suas normas de aplicação (v. acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 16).

78. No caso vertente, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as disposições nacionais que regem os impostos em causa no processo principal assentam em critérios objectivos e garantem, nomeadamente no que respeita à tomada em consideração da depreciação real do veículo sujeito ao imposto (v., neste sentido, acórdãos de 11 de Dezembro de 1990, Comissão/Dinamarca, C‑47/88, Colect., p. I‑4509, n. os  19 a 22; Weigel, já referido, n.° 70; e de 5 de Outubro de 2006, Nádasdi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, ainda não publicado na Colectânea, n. os  47 e 51 a 57), que G. Alevizos não fique numa situação menos favorável do que aquela em que se encontra um trabalhador que residiu de forma permanente na Grécia (v., neste sentido, acórdão Lindfors, já referido, n.° 35).

79. Caso o órgão jurisdicional de reenvio verifique que há uma situação menos favorável, compete‑lhe examinar se essa diferença de tratamento é justificada por considerações objectivas independentes da residência das pessoas envolvidas e proporcionadas ao objectivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (v. acórdãos, já referidos, D’Hoop, n.° 36, e Lindfors, n.° 35).

80. Uma vez que o processo principal é susceptível de ser abrangido pelo artigo 39.° CE, não é necessário que o Tribunal se pronuncie sobre a interpretação do artigo 18.° CE (v., neste sentido, acórdão Oteiza Olazabal, já referido, n.° 26).

81. Face a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que:

– Os impostos especiais de consumo como os que estão em causa no processo principal estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183, sempre que se verifique – o que competirá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar – que tais impostos são normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de um veículo de uso pessoal proveniente de outro Estado‑Membro. Um imposto especial complementar e único de matrícula, como o que está em causa no processo principal, é abrangido pelo referido artigo 1.°, n.° 1, sempre que se revele – o que competirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar – que está relacionado com a operação de importação do veículo enquanto tal.

– O artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 83/183 deve ser interpretado no sentido de que um membro do pessoal da Administração Pública, das Forças Armadas, das Forças de Segurança ou da Guarda Costeira de um Estado‑Membro, que resida pelo menos 185 dias por ano noutro Estado‑Membro, com os membros da sua família, para nele cumprir uma missão de duração determinada, tem, durante o período dessa missão, a sua residência normal, na acepção do referido artigo 6.°, n.° 1, neste outro Estado‑Membro.

– No caso de, no termo das verificações efectuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, se revelar que os impostos em causa no processo principal não estão abrangidos pela aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183, incumbirá a tal órgão jurisdicional, face às exigências decorrentes do artigo 39.° CE, verificar se a aplicação do direito nacional que rege tais impostos é susceptível de garantir que, no que a eles se refere, a pessoa que, no quadro de uma transferência de residência, procede à importação de um veículo para o Estado‑Membro de origem não seja colocada numa situação menos favorável do que aquela em que se encontram as pessoas que residiram de modo permanente nesse Estado‑Membro e, sendo caso disso, se tal diferença de tratamento se justifica por considerações objectivas independentes da residência das pessoas em causa e proporcionadas ao objectivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional.

Quanto às despesas

82. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

Os impostos especiais de consumo como os que estão em causa no processo principal estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado‑Membro, com a redacção dada pela Directiva 89/604/CEE do Conselho, de 23 de Novembro de 1989, sempre que se verifique – o que competirá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar – que tais impostos são normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de um veículo de uso pessoal proveniente de outro Estado‑Membro. Um imposto especial complementar e único de matrícula, como o que está em causa no processo principal, é abrangido pelo referido artigo 1.°, n.° 1, sempre que se revele – o que competirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar – que está relacionado com a operação de importação do veículo enquanto tal.

O artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 83/183 deve ser interpretado no sentido de que um membro do pessoal da Administração Pública, das Forças Armadas, das Forças de Segurança ou da Guarda Costeira de um Estado‑Membro, que resida pelo menos 185 dias por ano noutro Estado‑Membro, com os membros da sua família, para nele cumprir uma missão de duração determinada, tem, durante o período dessa missão, a sua residência normal, na acepção do referido artigo 6.°, n.° 1, neste outro Estado‑Membro.

No caso de, no termo das verificações efectuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, se revelar que os impostos em causa no processo principal não estão abrangidos pela aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183, incumbirá a tal órgão jurisdicional, face às exigências decorrentes do artigo 39.° CE, verificar se a aplicação do direito nacional que rege tais impostos é susceptível de garantir que, no que a eles se refere, a pessoa que, no quadro de uma transferência de residência, procede à importação de um veículo para o Estado‑Membro de origem não seja colocada numa situação menos favorável do que aquela em que se encontram as pessoas que residiram de modo permanente nesse Estado‑Membro e, sendo caso disso, se tal diferença de tratamento se justifica por considerações objectivas independentes da residência das pessoas em causa e proporcionadas ao objectivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional.

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