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Document 62015CJ0004

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 21 de julho de 2016.
Staatssecretaris van Financiën contra Argos Supply Trading BV.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden.
Reenvio prejudicial — União aduaneira — Pauta aduaneira comum — Regimes económicos aduaneiros — Aperfeiçoamento passivo — Regulamento (CEE) n.° 2913/92 — Artigo 148.°, alínea c) — Emissão de uma autorização — Condições económicas — Inexistência de prejuízo grave dos interesses essenciais dos transformadores comunitários — Conceito de ‘transformadores comunitários’.
Processo C-4/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:580

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

21 de julho de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — União aduaneira — Pauta aduaneira comum — Regimes económicos aduaneiros — Aperfeiçoamento passivo — Regulamento (CEE) n.o 2913/92 — Artigo 148.o, alínea c) — Emissão de uma autorização — Condições económicas — Inexistência de prejuízo grave dos interesses essenciais dos transformadores comunitários — Conceito de ‘transformadores comunitários’»

No processo C‑4/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), por decisão de 19 de dezembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de janeiro de 2015, no processo

Staatssecretaris van Financiën

contra

Argos Supply Trading BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Lycourgos, E. Juhász, C. Vajda e K. Jürimäe (relatora), juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 13 de janeiro de 2016,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Argos Supply Trading BV, por J. A. G. Winkels e O. R. L. Gemin, belastingadviseurs,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e B. Koopman, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por K. Nasopoulou e K. Karavasili, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Grønfeldt, H. Kranenborg e A. Lewis, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 7 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 148.o, alínea c), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 19, a seguir «código aduaneiro»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Staatssecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças, Países Baixos) à Argos Supply Trading BV (a seguir «Argos») a propósito do indeferimento, pelas autoridades aduaneiras neerlandesas, de um pedido de autorização para recorrer ao regime de aperfeiçoamento passivo apresentado por esta sociedade.

Quadro jurídico

Regulamento (CEE) n.o 2473/86

3

O Regulamento (CEE) n.o 2473/86 do Conselho, de 24 de julho de 1986, relativo ao regime de aperfeiçoamento passivo e ao regime de trocas comerciais padrão (JO 1986, L 212, p. 1), continha as disposições aplicáveis a este regime aduaneiro até à entrada em vigor do código aduaneiro. O primeiro considerando deste regulamento enunciava:

«Considerando que, no âmbito da divisão internacional do trabalho, numerosas empresas comunitárias recorrem ao regime de aperfeiçoamento passivo, isto é, à exportação de mercadorias com vista à sua reimportação após transformação, processamento ou reparação; que o recurso a este regime é justificado por razões de caráter económico ou técnico;».

Código aduaneiro

4

A partir de 1 de maio de 2016, o Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1; retificação no JO 2013, L 287, p. 90), substituiu o código aduaneiro. Todavia, tendo em conta a data dos factos no processo principal, o código aduaneiro continua aplicável ao presente processo.

5

O terceiro e o quarto considerando do código aduaneiro enunciavam:

«Considerando que, partindo de ideia de um mercado interno, o código deve conter normas e procedimentos gerais capazes de garantir a aplicação das medidas pautais e outras tomadas no plano comunitário no âmbito das trocas comerciais entre a [União Europeia] e os países terceiros, incluindo as medidas de política agrícola e de política comercial e tendo em conta as exigências dessas políticas comuns;

Considerando que se revela oportuno precisar que o código se aplica sem prejuízo de disposições especiais para outras áreas; que semelhantes disposições especiais podem nomeadamente existir ou ser estabelecidas na área da legislação agrícola, estatística ou de política comercial e dos recursos próprios;».

6

O artigo 84.o do código aduaneiro dispunha que quando era utilizada a expressão «regime aduaneiro económico» nos artigos 85.° a 90.° desse código, deveria entender‑se que se aplicava, designadamente, à transformação sob controlo aduaneiro e ao aperfeiçoamento passivo.

7

De acordo com o artigo 85.o do referido código, o recurso a qualquer regime aduaneiro económico ficava subordinado à emissão de uma autorização pelas autoridades aduaneiras.

8

O artigo 133.o do mesmo código dispunha:

«A autorização [de transformação sob controlo aduaneiro] apenas será concedida:

[...]

e)

Desde que estejam preenchidas as condições necessárias para que o regime possa contribuir para favorecer a criação ou a manutenção de uma atividade de transformação de mercadorias na [União] sem que sejam prejudicados os interesses essenciais dos produtores comunitários de mercadorias similares (condições económicas) [...]»

9

O artigo 145.o do código aduaneiro previa:

«1.   O regime de aperfeiçoamento passivo [...] permite exportar temporariamente mercadorias comunitárias do território aduaneiro da [União], a fim de as submeter a operações de aperfeiçoamento e de introduzir em livre prática os produtos resultantes destas operações com isenção total ou parcial dos direitos de importação.

[...]

3.   Entende‑se por:

a)

Mercadorias de exportação temporária, as mercadorias sujeitas ao regime de aperfeiçoamento passivo;

b)

Operações de aperfeiçoamento, as operações referidas nos primeiro, segundo e terceiro travessões da alínea c) do n.o 2 do artigo 114.o;

c)

Produtos compensadores, todos os produtos resultantes de operações de aperfeiçoamento;

[...]»

10

O artigo 148.o do mesmo código enunciava:

«A autorização [de aperfeiçoamento passivo] apenas será concedida:

[...]

c)

Desde que a concessão do benefício do regime do aperfeiçoamento passivo não seja suscetível de prejudicar gravemente os interesses essenciais dos transformadores comunitários (condições económicas).»

11

O artigo 151.o, n.o 1, do referido código previa:

«A isenção total ou parcial dos direitos de importação prevista no artigo 145.o consiste em deduzir do montante dos direitos de importação correspondentes aos produtos compensadores introduzidos em livre prática o montante dos direitos de importação que seriam aplicáveis, na mesma data, às mercadorias de exportação temporária se estas fossem importadas para o território aduaneiro da [União] pr[o]cedentes do país onde foram objeto da operação ou da última operação de aperfeiçoamento.»

Regulamento de aplicação

12

O Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 (JO 1993, L 253, p. 1), foi revogado, com efeitos a partir de 1 de maio de 2016, pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 2016/481 da Comissão, de 1 de abril de 2016 (JO 2016, L 87, p. 24). Contudo, tendo em conta a data dos factos no processo principal, o Regulamento n.o 2454/93, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 993/2001 da Comissão, de 4 de maio de 2001 (JO 2001, L 141, p. 1) (a seguir «regulamento de aplicação»), continua aplicável ao referido processo.

13

O capítulo 6 do título III do regulamento de aplicação, sob a epígrafe «Regimes aduaneiros económicos», respeitava ao regime de aperfeiçoamento passivo. O artigo 585.o deste regulamento, que figura nesse capítulo, dispunha:

«1.   Salvo indicações em contrário, os interesses essenciais dos transformadores comunitários são considerados como não sendo gravemente prejudicados.

[...]»

Nomenclatura Combinada

14

A Nomenclatura Combinada que figura no Anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1214/2007 da Comissão, de 20 de setembro de 2007 (JO 2007, L 286, p. 1), contém um capítulo 22, sob a epígrafe «Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres». Este capítulo compreende, designadamente, a subposição 2207 10 00, intitulada «Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume igual ou superior a 80% vol». As mercadorias classificadas nesta posição estão sujeitas a direitos aduaneiros de 19,2 euros por hectolitro, equivalentes a uma tributação ad valorem de cerca de 40%.

15

A subposição 3824 90 97, intitulada «Outros», figura no capítulo 38, sob a epígrafe «Produtos diversos das indústrias químicas», desta Nomenclatura Combinada. Os direitos aduaneiros aplicáveis às mercadorias referidas nesta subposição ascendem a 6,5% ad valorem.

16

De acordo com as subposições 2710 11 25 a 2710 11 90, que figuram no capítulo 27 da referida Nomenclatura Combinada, sob a epígrafe «Combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua destilação; matérias betuminosas; ceras minerais», todas as mercadorias correspondentes à denominação «Gasolinas para motor» estão sujeitas a uma tributação ad valorem de 4,7%.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

17

Em 30 de junho de 2008, a Argos apresentou às autoridades aduaneiras neerlandesas um pedido nos termos do artigo 85.o do código aduaneiro, com vista à emissão de uma autorização para recorrer ao regime de aperfeiçoamento passivo. Esta sociedade pretendia colocar sob este regime gasolina de origem comunitária, destinada a ser exportada a fim de ser incorporada no bioetanol proveniente de um Estado terceiro e que não foi introduzido em livre prática na União. Com esta mistura, que apresentava uma relação de cerca de 15 unidades de gasolina para 85 unidades de bioetanol, a Argos obteve Etanol 85 (a seguir «E 85»), um biocombustível utilizável em determinados veículos adaptados, designados veículos «multicombustível».

18

Resulta deste pedido que a Argos projetava realizar a referida mistura em alto mar. A gasolina e o bioetanol seriam carregados num navio, a partir de um porto neerlandês, em dois compartimentos separados por uma divisória. Após a partida do referido navio, uma vez fora das águas territoriais da União, esta divisória seria removida de maneira a que os dois componentes se misturassem, sendo este processo estimulado pela ondulação do mar. Em seguida, o navio regressaria aos Países Baixos.

19

O E 85 assim obtido seria então declarado à alfândega para ser introduzido em livre prática na União e submetido aos direitos aduaneiros correspondentes a este produto, que ascendem a 6,5% ad valorem. Neste contexto, a aplicação do regime de aperfeiçoamento passivo permitiria à Argos beneficiar de uma redução desses direitos equivalente ao montante dos direitos aduaneiros, à taxa de 4,7% ad valorem, que seriam aplicáveis, na mesma data, à gasolina de origem comunitária, se esta tivesse sido importada e introduzida em livre prática na União procedente do local onde foi misturada.

20

As autoridades aduaneiras neerlandesas submeteram, para parecer, o pedido da Argos à Comissão Europeia, para que esta averiguasse se estavam preenchidas as condições económicas a que o artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro subordina a concessão de uma autorização para recorrer ao regime de aperfeiçoamento passivo. Em seguida, a Comissão requereu o parecer do comité do código aduaneiro (a seguir «comité») sobre este pedido.

21

O comité considerou que devia ser recusado à Argos o benefício do recurso a este regime porque as referidas condições não estavam reunidas. Fundamentou a sua decisão nos argumentos apresentados pela Comissão numa reunião do comité realizada em 11 de novembro de 2009. Nessa reunião, esta instituição alegou que a importação de uma grande quantidade de E 85 na União afetaria gravemente os interesses essenciais dos produtores comunitários de bioetanol. Com efeito, o E 85 importado concorria diretamente com o bioetanol comunitário, uma vez que o E 85 é composto essencialmente por bioetanol. Ora, de acordo com a Comissão, a indústria comunitária do bioetanol debatia‑se com uma situação de sobrecapacidade.

22

Por decisão de 13 de abril de 2010, as autoridades aduaneiras neerlandesas, com base nestes argumentos, indeferiram o pedido da Argos. Esta sociedade interpôs, então, recurso da decisão de indeferimento do seu pedido no Rechtbank Haarlem (Tribunal de Haarlem, Países Baixos), que negou provimento ao seu recurso.

23

A Argos recorreu da decisão do Rechtbank Haarlem (Tribunal de Haarlem) para o Gerechtshof te Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amesterdão, Países Baixos). Por decisão de 3 de outubro de 2013, este último órgão jurisdicional anulou a decisão da primeira instância, considerando, designadamente, que, para demonstrar se as condições económicas a que estava subordinado o recurso ao regime de aperfeiçoamento passivo estavam preenchidas no caso em apreço, havia que averiguar se a transformação da gasolina comunitária em E 85 sob o regime de aperfeiçoamento passivo conduzia à violação, não dos interesses essenciais dos produtores comunitários de bioetanol mas dos interesses dos produtores comunitários de E 85. Ora, de acordo com o referido órgão jurisdicional, uma vez que as autoridades aduaneiras neerlandesas não dispunham de elementos que demonstravam que o benefício do regime requerido teria afetado os interesses destes últimos produtores, deviam ter considerado que as referidas condições económicas estavam preenchidas, de acordo com a presunção prevista no artigo 585.o, n.o 1, do regulamento de aplicação. O Secretário de Estado das Finanças interpôs então recurso de cassação no Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos).

24

Este órgão jurisdicional considera que o resultado deste recurso depende da interpretação do conceito de «transformadores comunitários» que figura no artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro e, mais concretamente, da questão de saber se este conceito é suscetível de incluir os produtores comunitários de bioetanol.

25

O referido órgão jurisdicional tem dúvidas, em especial, quanto à questão de saber se há que aplicar, por analogia, ao regime de aperfeiçoamento passivo a resposta dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 11 de maio de 2006, Friesland Coberco Dairy Foods (C‑11/05, EU:C:2006:312), a respeito do regime de transformação sob controlo aduaneiro. Decorre desse acórdão que, no âmbito do exame do respeito das condições económicas a que o recurso a este último regime está subordinado, devem ser tidos em conta tanto os interesses económicos dos produtores comunitários do produto final obtido após a transformação como os dos produtores comunitários de matérias‑primas utilizadas durante essa transformação.

26

Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«No âmbito do exame das condições económicas para a concessão de um regime de aperfeiçoamento passivo, deve o conceito de ‘transformadores comunitários’, na aceção do artigo 148.o, alínea c), do [código aduaneiro], ser interpretado no sentido de que também abrange os produtores comunitários de matérias‑primas e produtos semitransformados idênticos aos que são utilizados, como produtos não comunitários, no processo de aperfeiçoamento?»

Quanto à questão prejudicial

Observações preliminares

27

Em primeiro lugar, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) indicou, na sua decisão de reenvio, que, nas circunstâncias factuais do processo principal, como estabelecidas pelo Gerechtshof te Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amesterdão), nenhum elemento demonstrava que o benefício do regime de aperfeiçoamento passivo requerido pela Argos afetaria os interesses essenciais dos produtores comunitários de E 85.

28

No entanto, a Comissão contesta esta premissa e alega, em substância, que o recurso a este regime afetaria tanto os interesses essenciais dos produtores comunitários de bioetanol como os dos produtores comunitários de E 85. Tal decorre, em especial, da ata da reunião do comité de 11 de novembro de 2009, referida no n.o 21 do presente acórdão. Ora, de acordo com a Comissão, caso se admitisse que o benefício do referido regime afetaria igualmente os interesses essenciais dos produtores comunitários de E 85, a questão prejudicial seria irrelevante.

29

Na medida em que a Comissão pretende pôr em causa o quadro factual do processo principal que resulta da decisão de reenvio, há que recordar que, no contexto de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, fundado numa nítida separação de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, qualquer apreciação dos factos da causa é da competência do tribunal nacional. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de um diploma do direito da União com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (v., designadamente, acórdão de 16 de julho de 1998, Dumon e Froment, C‑235/95, EU:C:1998:365, n.o 25 e jurisprudência referida).

30

Não compete, portanto, ao Tribunal de Justiça apreciar se, no processo principal, o benefício do aperfeiçoamento passivo requerido pela Argos prejudicaria ou não os interesses essenciais dos produtores comunitários de E 85. Em contrapartida, cabe‑lhe responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio partindo do pressuposto, estabelecido por este último, de que os interesses desses produtores não seriam afetados.

31

Em segundo lugar, no que respeita ao argumento do Governo helénico de que o regime de aperfeiçoamento passivo não se aplica a operações de aperfeiçoamento efetuadas em alto mar, na medida em que o artigo 151.o, n.o 1, do código aduaneiro exige que essas operações ocorram num determinado «país», há que considerar, à semelhança do advogado‑geral nos n.os 46 a 49 das suas conclusões, que, tendo em conta a redação do artigo 145.o deste código, este regime pode aplicar‑se desde que as referidas operações sejam realizadas fora do território aduaneiro da União. Assim, a circunstância de, no processo principal, as operações previstas pela Argos deverem ser realizadas em alto mar não é suscetível de impedir a aplicação das disposições do código aduaneiro a esse regime aduaneiro económico.

Quanto ao mérito

32

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um pedido de autorização para recorrer ao regime de aperfeiçoamento passivo, a fim de apreciar se estão preenchidas as condições económicas a que o recurso a este regime está subordinado, há que ter em conta não só os interesses essenciais dos produtores comunitários de produtos análogos ao produto final que resultaria das operações de aperfeiçoamento previstas mas também os dos produtores comunitários de produtos análogos às matérias‑primas ou aos produtos semitransformados não comunitários destinados a ser incorporados nas mercadorias comunitárias de exportação temporária durante essas operações.

33

De acordo com este órgão jurisdicional, há que, designadamente, saber se a resposta dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 11 de maio de 2006, Friesland Coberco Dairy Foods (C‑11/05, EU:C:2006:312, n.o 52), a respeito do regime de transformação sob controlo aduaneiro, é transponível para o de aperfeiçoamento passivo. Com efeito, neste acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, no âmbito da apreciação das condições económicas previstas no artigo 133.o, alínea e), do código aduaneiro, para o recurso à transformação sob controlo aduaneiro, deve ser tido em conta não só o mercado dos produtos finais mas também a situação económica do mercado das matérias‑primas utilizadas para fabricar os referidos produtos.

34

A este respeito, há que observar que, como resulta do artigo 84.o do código aduaneiro, o aperfeiçoamento passivo e a transformação sob controlo aduaneiro constituem ambos regimes aduaneiros económicos. O recurso a um ou a outro destes regimes necessita, de acordo com o artigo 85.o deste código, de uma autorização emitida pelas autoridades aduaneiras. Nestes dois regimes, esta autorização está subordinada, designadamente, ao respeito de condições, ditas «económicas», previstas, no que respeita à transformação sob controlo aduaneiro, no artigo 133.o, alínea e), do referido código, e, no que respeita ao aperfeiçoamento passivo, no artigo 148.o, alínea c), do mesmo código.

35

Todavia, as referidas condições económicas estão redigidas em termos diferentes, consoante o regime em causa. Com efeito, o artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro dispõe que a autorização para o aperfeiçoamento passivo apenas será dada desde que a concessão do benefício do regime de aperfeiçoamento passivo não seja suscetível de prejudicar gravemente os interesses essenciais dos transformadores comunitários. O artigo 133.o, alínea e), deste código enuncia, por seu lado, que a autorização de transformação sob controlo aduaneiro apenas será concedida desde que estejam preenchidas as condições necessárias para que o regime possa contribuir para favorecer a criação ou a manutenção de uma atividade de transformação de mercadorias na União sem que sejam prejudicados os interesses essenciais dos produtores comunitários de mercadorias similares.

36

Em especial, a utilização do conceito de «transformadores» no artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro parece sugerir que, a fim de apreciar se estão preenchidas as condições económicas a que o recurso ao regime de aperfeiçoamento passivo está subordinado, há unicamente que ter em conta os interesses essenciais dos industriais que efetuam, na União, operações de transformação, tendo as referidas condições, por conseguinte, um objeto mais reduzido do que as da transformação sob controlo aduaneiro, como interpretadas pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 11 de maio de 2006, Friesland Coberco Dairy Foods (C‑11/05, EU:C:2006:312).

37

Contudo, os termos do artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro não são desprovidos de ambiguidade. Com efeito, não precisam nem os mercados a que as atividades dos referidos «transformadores» dizem respeito nem os elementos específicos a ter em conta para apreciar um eventual prejuízo dos seus interesses essenciais. Por conseguinte, há que interpretar esta disposição à luz da economia geral e da finalidade do regime de aperfeiçoamento passivo (v., neste sentido, acórdãos de 19 de junho de 1980, Roudolff, 803/79, EU:C:1980:166, n.o 7, e de 11 de maio de 2006, Friesland Coberco Dairy Foods, C‑11/05, EU:C:2006:312, n.o 47).

38

A este respeito, resulta do artigo 145.o do código aduaneiro que o regime de aperfeiçoamento passivo permite exportar temporariamente mercadorias comunitárias para fora do território aduaneiro da União, a fim de as submeter a operações de aperfeiçoamento e de introduzir em livre prática os produtos resultantes dessas operações, designados «produtos compensadores», com isenção total ou parcial dos direitos de importação. Mais concretamente, nos termos do artigo 151.o, n.o 1, deste código, o benefício do referido regime leva à dedução dos direitos de importação correspondentes aos referidos produtos compensadores de um montante equivalente aos direitos de importação que seriam aplicáveis, na mesma data, às mercadorias comunitárias de exportação temporária, se estas tivessem sido importadas para o território aduaneiro da União procedentes do país onde foram objeto da operação ou da última operação de aperfeiçoamento.

39

Tal regime justifica‑se pela sua finalidade, a saber, evitar a tributação aduaneira das mercadorias exportadas para efeitos do aperfeiçoamento no momento da sua reimportação no território da União (v., neste sentido, acórdãos de 17 de julho de 1997, Wacker Werke, C‑142/96, EU:C:1997:386, n.o 21, e de 2 de outubro de 2003, GEFCO, C‑411/01, EU:C:2003:536, n.o 51). A este respeito, resulta do primeiro considerando do Regulamento n.o 2473/86 que, ao instituir este regime, o legislador pretendeu registar o facto de que as empresas da União realizam, frequentemente, por razoes económicas ou técnicas, operações de aperfeiçoamento no território de Estados terceiros, antes de reimportarem para a União as mercadorias assim aperfeiçoadas.

40

Daqui resulta que o objetivo principal desse regime aduaneiro económico é neutralizar, como salientou o advogado‑geral no n.o 67 das suas conclusões, determinadas consequências, consideradas nefastas para a indústria da União, que resultariam da aplicação dos regimes comuns de importação ou de exportação.

41

Neste contexto, as condições económicas a que o recurso ao regime de aperfeiçoamento passivo está subordinado, que figuram no artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro, têm como função permitir às autoridades aduaneiras apreciar se o recurso ao aperfeiçoamento passivo é essencialmente favorável à referida indústria, assegurando que as vantagens que um operador tira do benefício do referido regime não implicam, em contrapartida, desvantagens significativas para outros produtores da União. As referidas condições económicas devem, portanto, ser interpretadas de modo a permitir às autoridades aduaneiras terem plenamente em conta tais conflitos de interesses na indústria da União (v., por analogia, acórdão de 11 de maio de 2006, Friesland Coberco Dairy Foods, C‑11/05, EU:C:2006:312, n.os 49 e 50).

42

No que respeita a estes conflitos de interesses, há que constatar que, ao favorecer a deslocalização de operações de aperfeiçoamento de mercadorias comunitárias para fora da União, o benefício do regime de aperfeiçoamento passivo concedido a um operador comunitário é suscetível de afetar principalmente os interesses essenciais dos industriais que efetuam, na União, operações de aperfeiçoamento similares, ou seja, os produtores de produtos análogos ao que resulta do aperfeiçoamento passivo.

43

No entanto, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que a operação de aperfeiçoamento prevista pela Argos implica a integração, nas mercadorias comunitárias temporariamente exportadas, de uma quantidade significativa de uma matéria‑prima não comunitária, ou seja, o bioetanol, e em que os direitos aduaneiros correspondentes a esta matéria‑prima, de cerca de 40% ad valorem, são sensivelmente mais elevados do que os que seriam aplicáveis ao produto compensador obtido após esta operação, sendo o E 85 tributado em 6,5% ad valorem, há que concluir que o recurso ao regime de aperfeiçoamento passivo para esta operação é igualmente suscetível de prejudicar gravemente os interesses essenciais dos operadores que produzem na União a referida matéria‑prima.

44

Com efeito, efetuar esta mesma operação de aperfeiçoamento fora da União permitiria a uma sociedade como a Argos importar para a União a parte correspondente a esta mesma matéria‑prima, escapando ao pagamento dos direitos aduaneiros que lhe são aplicáveis e que visam, precisamente, proteger os referidos produtores comunitários contra tal importação. Nesta situação, o benefício do regime de aperfeiçoamento passivo apresentaria uma vantagem adicional para o operador que requer este regime, que consiste na isenção parcial que obteria dos direitos aduaneiros aplicáveis sobre o produto compensador, tornando, assim, ainda mais vantajoso este tipo de operações que, no entanto, são desfavoráveis aos interesses dos produtores da União.

45

Resulta dos elementos precedentes que, à semelhança do que o Tribunal de Justiça declarou no acórdão de 11 de maio de 2006, Friesland Coberco Dairy Foods (C‑11/05, EU:C:2006:312), no que respeita ao regime da transformação sob controlo aduaneiro, o artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar a questão de saber se as condições económicas a que o recurso ao regime de aperfeiçoamento passivo está subordinado estão preenchidas por um pedido de autorização para recorrer a este regime, há que ter em conta não só os interesses essenciais dos produtores comunitários de produtos análogos ao produto que resultaria das operações de aperfeiçoamento previstas mas também os dos produtores comunitários de produtos análogos às matérias‑primas ou aos produtos semitransformados não comunitários destinados a serem incorporados nas mercadorias comunitárias de exportação temporária durante essas operações. O conceito de «transformadores comunitários», que figura no artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro, deve, assim, ser entendido como incluindo estes diferentes produtores da União.

46

Contrariamente ao que a Agros alega no Tribunal de Justiça, esta interpretação não é posta em causa pela afirmação que figura no n.o 21 do acórdão de 17 de julho de 1997, Wacker Werke (C‑142/96, EU:C:1997:386), segundo a qual o eventual surgimento de anomalias pautais que possam ter por consequência conferir um benefício aduaneiro a um operador económico que requer o benefício do regime de aperfeiçoamento passivo é um risco inerente ao sistema instituído por este regime.

47

Com efeito, o processo que deu origem a este acórdão respeitava à questão de saber se era conforme com o sistema de aperfeiçoamento passivo o facto de, nesse processo, os direitos correspondentes às mercadorias de exportação temporária terem excedido os correspondentes aos produtos compensadores, daí resultando que o recurso a este regime tivesse potencialmente levado a uma isenção total dos direitos de importação para estes últimos produtos, e não à questão, distinta, de saber quais os interesses que podiam ser tidos em conta no exame das condições económicas a que o recurso ao referido regime está subordinado. Assim, no referido acórdão, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a questão de saber se as consequências de anomalias pautais podem ou não ser consideradas no âmbito desse exame.

48

Por último, a interpretação que figura no n.o 45 do presente acórdão tem em conta exigências da política agrícola comum, como é exigido pelo terceiro e quarto considerandos do código aduaneiro (v., por analogia, acórdão de 11 de maio de 2006, Friesland Coberco Dairy Foods, C‑11/05, EU:C:2006:312, n.o 51). Com efeito, há que recordar que, como resulta da leitura conjunta do artigo 38.o TFUE e das posições ex 22.08 e ex 22.09 do Anexo I do Tratado FUE, a produção de bioetanol na União constitui uma atividade agrícola abrangida por esta política comum e beneficia, em princípio, da proteção oferecida pelos direitos aduaneiros particularmente elevados aplicáveis à importação do referido produto na União. A interpretação adotada permite, assim, assegurar esta proteção, excluindo que o regime de aperfeiçoamento passivo favoreça um operador que pretenda eludir estes mesmos direitos aduaneiros.

49

Face ao exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 148.o, alínea c), do código aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um pedido de autorização para recorrer ao regime de aperfeiçoamento passivo, a fim de apreciar se estão preenchidas as condições económicas a que o recurso a esse regime está subordinado, há que ter em conta não só os interesses essenciais dos produtores comunitários de produtos análogos ao produto final que resultaria das operações de aperfeiçoamento previstas mas também os dos produtores comunitários de produtos análogos às matérias‑primas ou aos produtos semitransformados não comunitários destinados a serem incorporados nas mercadorias comunitárias de exportação temporária durante essas operações.

Quanto às despesas

50

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 148.o, alínea c), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um pedido de autorização para recorrer ao regime de aperfeiçoamento passivo, a fim de apreciar se estão preenchidas as condições económicas a que o recurso a esse regime está subordinado, há que ter em conta não só os interesses essenciais dos produtores comunitários de produtos análogos ao produto final que resultaria das operações de aperfeiçoamento previstas mas também os dos produtores comunitários de produtos análogos às matérias‑primas ou aos produtos semitransformados não comunitários destinados a serem incorporados nas mercadorias comunitárias de exportação temporária durante essas operações.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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