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Documento 62018CJ0678

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 21 de novembro de 2019.
Procureur-Generaal bij de Hoge Raad der Nederlanden.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden.
Reenvio prejudicial — Desenhos ou modelos — Regulamento (CE) n.o 6/2002 — Artigo 90.o, n.o 1 — Medidas provisórias e cautelares — Competência dos órgãos jurisdicionais nacionais de primeira instância — Competência exclusiva dos tribunais designados por esta disposição.
Processo C-678/18.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2019:998

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

21 de novembro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Desenhos ou modelos — Regulamento (CE) n.o 6/2002 — Artigo 90.o, n.o 1 — Medidas provisórias e cautelares — Competência dos órgãos jurisdicionais nacionais de primeira instância — Competência exclusiva dos tribunais designados por esta disposição»

No processo C‑678/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), por Decisão de 2 de novembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de novembro de 2018, no processo

Procureur‑Generaal bij de Hoge Raad der Nederlanden

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, S. Rodin, D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Procureur‑Generaal bij de Hoge Raad der Nederlanden, por R. van Peursem, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por C. S. Schillemans e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por É. Gippini Fournier e A. Nijenhuis, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso de cassação no interesse da lei interposto pelo Procureur‑Generaal bij de Hoge Raad der Nederlanden (Procurador‑Geral junto do Supremo Tribunal dos Países Baixos, a seguir «Procurador‑Geral») contra uma sentença do juiz das providências cautelares do rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos), proferida em 12 de janeiro de 2017, a respeito da determinação dos órgãos jurisdicionais competentes para ordenar medidas provisórias e cautelares em matéria de desenhos e modelos comunitários.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O título IX do Regulamento n.o 6/2002, com a epígrafe «Competência e procedimento em ações judiciais relativas a desenhos e modelos comunitários», inclui uma secção 2, com a epígrafe «Litígios em matéria de infração e validade dos desenhos ou modelos comunitários», composta pelos artigos 80.o a 92.o deste regulamento.

4

O artigo 80.o do Regulamento n.o 6/2002, com a epígrafe «Tribunais de desenhos e modelos comunitários», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros designarão no seu território um número tão limitado quanto possível de tribunais nacionais de primeira e de segunda instância (tribunais de desenhos e modelos comunitários) para desempenhar as funções que lhes são atribuídas pelo presente regulamento.»

5

O artigo 81.o deste regulamento, com a epígrafe «Competência em matéria de contrafação e de validade», prevê:

«Os tribunais de desenhos e modelos comunitários têm competência exclusiva em relação a:

a)

Ações de contrafação e — se a legislação nacional o permitir — ações por ameaça de contrafação de desenhos ou modelos comunitários;

b)

Ações de verificação de não contrafação de desenhos ou modelos comunitários, se a legislação nacional as permitir;

c)

Ações de declaração de nulidade de desenhos ou modelos comunitários não registados;

d)

Pedidos reconvencionais de declaração de nulidade de desenhos ou modelos comunitários apresentados em ligação com as ações referidas na alínea a).»

6

O artigo 90.o do referido regulamento, com a epígrafe «Medidas provisórias e cautelares», tem a seguinte redação:

«1.   Podem ser requeridas aos tribunais de um Estado‑Membro, e nomeadamente aos tribunais de desenhos e modelos comunitários, medidas provisórias e cautelares em relação a um desenho ou modelo comunitário, do tipo previsto pela legislação desse Estado para os desenhos ou modelos nacionais, mesmo que, por força do disposto no presente regulamento, um tribunal de desenhos e modelos comunitários de outro Estado‑Membro seja competente para conhecer do fundo da questão.

[…]

3.   Um tribunal de desenhos e modelos comunitários cuja competência se fundamente no disposto nos n.os 1, 2, 3 ou 4 do artigo 82.o é competente para ordenar medidas provisórias e cautelares, que, sob reserva de qualquer processo necessário para fins de reconhecimento e execução nos termos do disposto no título III da Convenção de Execução, são aplicáveis no território de qualquer Estado‑Membro. Nenhum outro órgão jurisdicional tem esta competência.»

Direito neerlandês

7

O artigo 3.o de la wet tot uitvoering van de verordening van de Raad van de Europese Unie betreffende Gemeenschapsmodellen houdende aanwijzing van de rechtbank voor het Gemeenschapsmodel (Uitvoeringswet EG‑verordening betreffende Gemeenschapsmodellen) (Lei de Execução do Regulamento do Conselho da União Europeia relativo aos Desenhos ou Modelos Comunitários, que designa o tribunal de desenhos e modelos comunitários), de 4 de novembro de 2004 (Stb. 2004, n.o 573, a seguir «Lei de 4 de novembro de 2004»), dispõe:

«Têm competência exclusiva para conhecer de todas as ações referidas no artigo 81.o do Regulamento [n.o 6/2002] o Tribunal de Primeira Instância de Haia, em primeira instância, e, em sede de procedimento cautelar, o juiz das providências cautelares daquele tribunal.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

8

A Spin Master Ltd é uma empresa com sede em Toronto (Canadá) que opera no setor dos brinquedos. Comercializa, sob a marca Bunchems, um brinquedo constituído por pequenas bolas de plástico aglomeráveis entre si, disponíveis em oito cores. Estas bolas permitem criar todo o tipo de formas e figuras.

9

Em 16 de janeiro de 2015, foi registado em nome da Spin Master, sob o número 002614669‑0002, um modelo comunitário para este brinquedo.

10

A High5 Products BV é uma sociedade com sede em Waalwijk (Países Baixos) que distribui, sob a denominação «Linkeez», um brinquedo constituído por pequenas bolas de plástico aglomeráveis entre si, também disponíveis em oito cores.

11

Por carta de 18 de novembro de 2016, a Spin Master notificou a High5 Products para pôr termo à contrafação do modelo comunitário acima referido.

12

Uma vez que a High5 Products não deu seguimento a essa notificação, a Spin Master intentou um procedimento cautelar perante o juiz das providências cautelares do rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) para proibir a comercialização do brinquedo distribuído pela High5 Products.

13

Uma vez que foi suscitada uma exceção de incompetência a seu respeito, o juiz das providências cautelares do rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) considerou, numa Sentença de 12 de janeiro de 2017, que era competente para conhecer do procedimento cautelar que lhe tinha sido submetido. A este respeito, baseou‑se na circunstância de que, por um lado, o direito neerlandês lhe confere competência para se pronunciar sobre um pedido da mesma natureza baseado num modelo Benelux e, por outro, o artigo 3.o da Lei de 4 de novembro de 2004 não significa que ele não é competente no âmbito de um procedimento cautelar que dá origem à apresentação de um pedido de proibição limitada ao território dos Países Baixos, como o que lhe foi submetido.

14

Em 31 de agosto de 2018, o Procurador‑Geral interpôs recurso de cassação no interesse da lei contra essa sentença no Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), com o fundamento de que, em seu entender, o juiz das providências cautelares do rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos), enquanto órgão jurisdicional designado nos termos do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, dispõe de competência exclusiva em matéria de desenhos ou modelos comunitários, incluindo em relação às medidas provisórias e cautelares.

15

O órgão jurisdicional de reenvio refere que a questão que lhe é colocada é a de saber se o artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 se opõe a que a legislação de um Estado‑Membro preveja que a competência exclusiva dos tribunais designados nos termos do artigo 80.o, n.o 1, deste regulamento seja igualmente válida para as medidas provisórias e cautelares, na aceção do referido artigo 90.o, n.o 1.

16

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha o facto de, com a adoção do artigo 3.o da Lei de 4 de novembro de 2004, o legislador neerlandês ter procurado aproveitar a competência específica em matéria de propriedade intelectual do rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia) e do Gerechtshof Den Haag (Tribunal de Recurso de Haia, Países Baixos). Observa que a questão da competência exclusiva dos tribunais designados nos termos do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 para as medidas provisórias e cautelares deu origem a apreciações divergentes na jurisprudência e na doutrina, incluindo noutros Estados‑Membros que não o Reino dos Países Baixos.

17

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação a dar ao artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002. De acordo com uma primeira interpretação, o legislador da União instituiu assim uma exceção imperativa à vontade, expressa de outra forma neste regulamento, de estimular a especialização dos juízes, uma vez que os Estados‑Membros não são livres de atribuir aos tribunais de desenhos e modelos comunitários competência exclusiva para conhecer de todos os pedidos de medidas provisórias e cautelares em matéria de modelos. De acordo com uma segunda interpretação, o legislador da União quis, assim, unicamente autorizar os Estados‑Membros a prever, na sua legislação nacional, que a competência para conhecer deste tipo de pedidos fosse igualmente concedida aos outros órgãos jurisdicionais competentes para tomar tais medidas nos processos relativos aos desenhos ou modelos nacionais.

18

Considera igualmente que, na medida em que o artigo 81.o do Regulamento n.o 6/2002 estabelece de forma imperativa a competência interna dos tribunais de desenhos e modelos comunitários para os pedidos a que este artigo se refere, o artigo 90.o só se aplica às medidas provisórias e cautelares de outra natureza.

19

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que a anulação de uma sentença na sequência de um recurso no interesse da lei interposto pelo Procurador‑Geral não tem influência na situação jurídica das partes em causa nessa sentença, uma vez que, nesse caso, os debates apenas dizem respeito a uma questão de direito suscitada em numerosos processos e que é objeto de apreciações divergentes.

20

Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 ser interpretado no sentido de que prevê a atribuição imperativa, a todos os órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro nele referidos, da competência para ordenar medidas provisórias e cautelares, ou esta disposição deixa aos Estados‑Membros a liberdade — total ou parcial — de atribuir a competência para ordenar tais medidas exclusivamente aos órgãos jurisdicionais designados como tribunais (de primeira e de segunda instância) de desenhos e modelos comunitários nos termos do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

21

Segundo as informações do órgão jurisdicional de reenvio, a interposição de um recurso de cassação no interesse da lei é da competência exclusiva do Procurador‑Geral e tem por objeto a anulação de uma decisão judicial, depois de esgotadas as vias de recurso ordinárias à disposição das partes. Quando esse recurso de cassação é acolhido, a decisão judicial em causa é anulada sem que, todavia, haja alteração da situação inter partes.

22

O Governo neerlandês refere que o pedido de decisão prejudicial é admissível, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a pronunciar‑se sobre um recurso no interesse da lei interposto pelo Procurador‑Geral, que constitui uma via de recurso destinada a assegurar a uniformidade do direito e da sua evolução nacional.

23

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora o artigo 267.o TFUE não sujeite o recurso ao Tribunal de Justiça ao caráter contraditório do processo no decurso do qual o juiz nacional formula uma questão prejudicial, os órgãos jurisdicionais nacionais só podem recorrer ao Tribunal de Justiça se perante eles se encontrar pendente um litígio e se forem chamados a pronunciar‑se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de caráter jurisdicional (Acórdão de 25 de junho de 2009, Roda Golf & Beach Resort, C‑14/08, EU:C:2009:395, n.os 33 e 34, e de 16 de junho de 2016, Pebros Servizi, C‑511/14, EU:C:2016:448, n.o 24).

24

A este respeito, importa apenas, como salientou o advogado‑geral no n.o 33 das suas conclusões, que o órgão jurisdicional que pede ajuda ao Tribunal de Justiça exerça uma função jurisdicional e considere que, para decidir, precisa de uma interpretação do direito da União. A circunstância de a situação entre as partes no litígio que está na origem do pedido de decisão prejudicial já não poder ser alterada na sequência da decisão prejudicial não é suscetível de influenciar estas considerações, que se prendem com a natureza das funções exercidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

25

Além disso, importa recordar que, embora os termos «julgamento da causa», na aceção do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE, abranjam todo o processo que leva à decisão do órgão jurisdicional de reenvio, esses termos devem ser objeto de uma interpretação lata, a fim de evitar que numerosas questões processuais sejam consideradas inadmissíveis e não possam ser objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça e que este último não possa conhecer da interpretação de todas as disposições do direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a aplicar (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de junho de 2015, Fahnenbrock e o., C‑226/13, C‑245/13, C‑247/13 e C‑578/13, EU:C:2015:383, n.o 30, e de 16 de junho de 2016, Pebros Servizi, C‑511/14, EU:C:2016:448, n.o 28).

26

Decorre do exposto que, quando um órgão jurisdicional cujas decisões não são suscetíveis de recurso, na aceção do artigo 267.o TFUE, se interroga sobre a interpretação do direito da União no âmbito de um recurso de cassação no interesse da lei, é obrigado a submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, não obstante a circunstância de a situação inter partes não se alterar na sequência da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça a título prejudicial.

27

Consequentemente, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto à questão prejudicial

28

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 deve ser interpretado no sentido de que prevê que os tribunais dos Estados‑Membros competentes para ordenar medidas provisórias ou cautelares em relação a um desenho ou modelo nacional são igualmente competentes para ordenar tais medidas em relação a um desenho ou modelo comunitário ou se os Estados‑Membros são, total ou parcialmente, livres de conferir uma competência exclusiva a este respeito unicamente aos órgãos jurisdicionais designados como tribunais de desenhos e modelos comunitários.

29

O artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 dispõe que podem ser requeridas aos tribunais de um Estado‑Membro, e nomeadamente aos tribunais de desenhos e modelos comunitários, medidas provisórias e cautelares em relação a um desenho ou modelo comunitário, do tipo previsto pela legislação desse Estado para os desenhos ou modelos nacionais, mesmo que, por força do disposto neste regulamento, um tribunal de desenhos e modelos comunitários de outro Estado‑Membro seja competente para conhecer do fundo da questão.

30

A questão do órgão jurisdicional de reenvio incide especialmente sobre a primeira parte desta disposição, a saber, a determinação dos órgãos jurisdicionais competentes em cada Estado‑Membro para ordenar medidas provisórias e cautelares em relação a um desenho ou modelo comunitário.

31

Há que recordar que, para interpretar uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 22 de junho de 2016, Thomas Philipps, C‑419/15, EU:C:2016:468, n.o 18 e jurisprudência referida).

32

Resulta da redação do artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 que um particular pode pedir que sejam ordenadas medidas provisórias e cautelares em relação a um desenho ou modelo comunitário não só aos tribunais de desenhos e modelos comunitários do Estado‑Membro mas também a qualquer tribunal desse Estado competente para adotar essas medidas em relação a desenhos ou modelos nacionais. A este respeito, como o advogado‑geral salientou no n.o 41 das suas conclusões, a utilização da expressão «e nomeadamente» confirma que não tem necessariamente de ser um tribunal especializado.

33

Esta conclusão não é posta em causa pela utilização do termo «podem» no artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002. Não se pode considerar que a utilização deste termo significa que esta disposição confere aos Estados‑Membros um poder de apreciação quanto à atribuição de competência em matéria de medidas provisórias e cautelares em relação a um desenho ou modelo comunitário. Com efeito, como salienta o advogado‑geral no n.o 66 das suas conclusões, o termo «podem» refere‑se, assim, unicamente aos particulares que pretendam recorrer a um tribunal para que este ordene uma medida provisória ou cautelar relativa a uma das ações enunciadas no artigo 81.o do Regulamento n.o 6/2002.

34

Além disso, embora o Governo neerlandês sustente que esta disposição não regula a competência interna dos tribunais num Estado‑Membro, mas precisa as regras de competência internacional em matéria de medidas provisórias e cautelares, resulta de uma leitura exaustiva da referida disposição que só à sua segunda parte, que não é objeto, enquanto tal, da questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode ser conferido tal alcance, que não tem incidência na questão da determinação dos órgãos jurisdicionais competentes, em cada Estado‑Membro, para ordenar medidas provisórias e cautelares em relação a um desenho ou modelo comunitário.

35

Por outro lado, contrariamente ao que afirma esse Governo, a constatação efetuada no n.o 32 do presente acórdão é confirmada pelo contexto em que se insere o artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002.

36

A este respeito, há que salientar que esta disposição faz parte do título IX deste regulamento, com a epígrafe «Competência e procedimento em ações judiciais relativas a desenhos e modelos comunitários». Mais precisamente, figura na secção 2 desse título, com a epígrafe «Litígios em matéria de infração e validade dos desenhos ou modelos comunitários», que abrange os artigos 80.o a 92.o do referido regulamento.

37

Ora, decorre da economia geral do Regulamento n.o 6/2002 que as disposições dessa secção 2 contêm regras específicas de competência jurisdicional em matéria de ações de contrafação ou de declaração de nulidade de desenhos ou modelos comunitários. Estas regras específicas distinguem‑se igualmente das regras de competência próprias dos litígios relativos aos desenhos e modelos comunitários diferentes das ações de contrafação e de declaração de nulidade, enunciadas na secção 3 do título IX do referido regulamento.

38

Portanto, contrariamente ao que alega o Governo neerlandês, as medidas provisórias e cautelares relativas a um desenho ou modelo comunitário, previstas no artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, por um lado, são relativas às ações de contrafação ou de declaração de nulidade enunciadas no artigo 81.o deste regulamento e, por outro, podem ser ordenadas pelos tribunais de um Estado‑Membro, que são competentes para adotar essas medidas em relação a desenhos e modelos nacionais.

39

A este respeito, o alcance do artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 não pode ser diferente do das outras disposições da secção 2 do título IX deste regulamento, uma vez que, como sublinha o advogado‑geral no n.o 50 das suas conclusões, o referido artigo 90.o, n.o 1, assim como os artigos 82.o a 89.o do referido regulamento, remete para as ações mencionadas no artigo 81.o do mesmo regulamento.

40

Tal interpretação deste artigo 90.o, n.o 1, responde, além disso, aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 6/2002. Com efeito, é certo que, com a instituição de tribunais de desenhos e modelos comunitários em cada Estado‑Membro, o legislador da União pretendeu introduzir uma especialização dos órgãos jurisdicionais competentes em matéria de desenhos ou modelos comunitários, a fim de, como indica o considerando 28 deste regulamento, contribuir para o desenvolvimento de uma interpretação uniforme dos requisitos de validade destes últimos.

41

Todavia, embora a prossecução deste objetivo de interpretação uniforme seja inteiramente fundada no que respeita aos processos judiciais relativos ao mérito de ações de contrafação ou de declaração de nulidade, o legislador da União recordou também, no considerando 29 do Regulamento n.o 6/2002, que o exercício dos direitos conferidos por um desenho ou modelo deve ser garantido de modo eficaz em todo o território da União. Por conseguinte, podia assegurar, relativamente aos pedidos de medidas provisórias e cautelares em matéria de contrafação ou de declaração de nulidade, que imperativos de proximidade e de eficácia prevalecessem sobre o objetivo de especialização.

42

A atribuição da competência para adotar tais medidas a qualquer órgão jurisdicional de um Estado‑Membro competente para adotar medidas da mesma natureza em relação a desenhos ou modelos nacionais é, assim, suscetível de fazer cessar rápida e eficazmente os atos que infrinjam os direitos de titulares de um desenho ou modelo comunitário.

43

Acresce que, o efeito dessas medidas provisórias e cautelares é, por natureza, limitado no tempo e a sua atribuição pelo órgão jurisdicional competente na matéria não pode antecipar a decisão da ação de contrafação ou de declaração de nulidade intentada quanto ao mérito, que é da competência exclusiva dos tribunais de desenhos e modelos comunitários.

44

Resulta de tudo o que precede que o artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 deve ser interpretado no sentido de que prevê que os tribunais dos Estados‑Membros competentes para ordenar medidas provisórias ou cautelares em relação a um desenho ou modelo nacional são igualmente competentes para ordenar tais medidas em relação a um desenho ou modelo comunitário.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários, deve ser interpretado no sentido de que prevê que os tribunais dos Estados‑Membros competentes para ordenar medidas provisórias ou cautelares em relação a um desenho ou modelo nacional são igualmente competentes para ordenar tais medidas em relação a um desenho ou modelo comunitário.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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