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Documento 62016CJ0048

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 17 de maio de 2017.
ERGO Poist’ovňa, a.s., contra Alžbeta Barlíková.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresný súd Dunajská Streda.
Reenvio prejudicial — Agentes comerciais independentes — Diretiva 86/653/CEE — Comissão do agente comercial — Artigo 11.o — Não execução parcial do contrato celebrado entre o terceiro e o comitente — Consequências para o direito à comissão — Noção de “circunstâncias imputáveis ao comitente”.
Processo C-48/16.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2017:377

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

17 de maio de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Agentes comerciais independentes — Diretiva 86/653/CEE — Comissão do agente comercial — Artigo 11.o — Não execução parcial do contrato celebrado entre o terceiro e o comitente — Consequências para o direito à comissão — Noção de “circunstâncias imputáveis ao comitente”»

No processo C‑48/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Okresný súd Dunajská Streda (Tribunal Distrital de Dunajská Streda, Eslováquia), por decisão de 23 de novembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de janeiro de 2016, no processo

ERGO Poist’ovňa a.s.

contra

Alžbeta Barlíková,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, C. Vajda, K. Jürimäe (relatora) e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo eslovaco, por B. Ricziová, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por K.‑P. Wojcik, A. Tokár e L. Malferrari, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de janeiro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 11.o da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (JO 1986, L 382, p. 17).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a ERGO Poist’ovňa a.s. (a seguir «ERGO») e Alžbeta Barlíková a respeito do pedido de pagamento de 11421,42 euros, reclamados pela ERGO a A. Barlíková, a título de restituição de comissões.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O segundo e terceiro considerandos da Diretiva 86/653 enunciam:

«Considerando que as diferenças entre as legislações nacionais em matéria de representação comercial afetam sensivelmente, no interior da [União Europeia], as condições de concorrência e o exercício da profissão e diminuem o nível de proteção dos agentes comerciais nas relações com os seus comitentes, assim como a segurança das operações comerciais; que, por outro lado, essas diferenças são suscetíveis de dificultar sensivelmente o estabelecimento e o funcionamento dos contratos de representação comercial entre um comitente e um agente comercial estabelecidos em Estados‑Membros diferentes;

Considerando que as trocas de mercadorias entre Estados‑Membros se devem efetuar em condições análogas às de um mercado único, o que impõe a aproximação dos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros na medida do necessário para o bom funcionamento deste mercado comum; que, a este respeito, as regras de conflitos de leis, mesmo unificadas, não eliminam, no domínio da representação comercial, os inconvenientes atrás apontados e não dispensam portanto a harmonização proposta.»

4

O artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, o agente comercial é a pessoa que, como intermediário independente, é encarregada a título permanente, quer de negociar a venda ou a compra de mercadorias para uma outra pessoa, adiante designada “comitente”, quer de negociar e concluir tais operações em nome e por conta do comitente.»

5

O artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«O agente comercial deve, no exercício das suas atividades, zelar pelos interesses do comitente e agir lealmente e de boa‑fé.»

6

O artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva estabelece:

«Nas suas relações com o agente comercial, o comitente deve agir lealmente e de boa‑fé.»

7

O capítulo III da Diretiva 86/653, com a epígrafe «Remuneração», inclui, entre outras, as regras aplicáveis ao caso em que o agente comercial é remunerado através de uma comissão. Nos termos do artigo 6.o, n.o 2, desta diretiva, consideram‑se como constituindo uma comissão para os efeitos da referida diretiva «os elementos da remuneração que variem com o número ou o valor dos negócios».

8

O artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva está redigido do seguinte modo:

«Pelas operações comerciais concluídas durante a vigência do contrato de agência, o agente comercial tem direito à comissão:

a)

Se a operação tiver sido concluída em consequência da sua intervenção, ou

b)

Se a operação tiver sido concluída com um terceiro já seu anterior cliente para operações do mesmo género.»

9

O artigo 10.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

«O direito à comissão adquire‑se logo que e na medida em que se verifique uma das seguintes circunstâncias:

a)

O comitente ter executado a operação;

b)

O comitente dever ter executado a operação por força do acordo concluído com o terceiro;

c)

O terceiro ter executado a operação.»

10

O artigo 11.o da Diretiva 86/653 dispõe:

«1.   O direito à comissão só se extingue se e na medida em que:

o contrato entre o terceiro e o comitente não for executado, e

a não execução não for devida a circunstâncias imputáveis ao comitente.

2.   As comissões que o agente comercial já tiver recebido serão reembolsadas, se se extinguir o respetivo direito.

3.   O disposto no n.o 1 não pode ser derrogado por acordo em prejuízo do agente comercial.»

Direito eslovaco

Código comercial

11

O artigo 642.o do Obchodný zákonník (Código Comercial), que tem por objeto o contrato de mediação, estabelece:

«Pelo contrato de mediação, o mediador obriga‑se a desenvolver uma atividade destinada a obter para o interessado a oportunidade de celebrar um determinado contrato com um terceiro e o interessado compromete‑se a pagar uma contrapartida (comissão) ao mediador.»

12

A Diretiva 86/653 foi transposta para o direito eslovaco pelos artigos 652.° e seguintes do Código Comercial. O artigo 652.o, n.o 1, desse código prevê:

«Pelo contrato de agência comercial, o agente compromete‑se a desenvolver profissionalmente para o comitente as operações destinadas à celebração de um determinado tipo de contratos (a seguir “operações”), ou a negociar e concluir as referidas operações em nome e por conta do comitente, e este compromete‑se a pagar uma comissão ao agente.»

13

O artigo 660.o, n.os 1 e 2, do mesmo código dispõe:

«1.   O direito à comissão constitui‑se no momento em que […]

a)

o comitente cumpriu as obrigações decorrentes da operação, ou

b)

o comitente estava obrigado a cumprir as obrigações decorrentes da operação […] ou

c)

o terceiro cumpriu as obrigações decorrentes da operação.

2.   O direito à comissão constitui‑se o mais tardar no momento em que o terceiro cumpre a sua obrigação ou está obrigado a cumpri‑la, desde que o comitente já tenha cumprido a sua. Embora o terceiro deva cumprir a sua obrigação apenas alguns meses após a conclusão da operação, o agente tem direito à comissão após a conclusão da operação.»

14

O artigo 662.o, n.os 1 e 3, do Código Comercial dispõe:

«1.   O direito à comissão extingue‑se se for evidente que o contrato entre o comitente e o terceiro não será executado e a sua não execução não se deve a circunstâncias imputáveis ao comitente, salvo estipulação em contrário.

[…]

3.   A extinção do direito à comissão a que se refere o n.o 1 pode ser objeto de estipulação diversa no contrato, desde que em sentido mais favorável para o agente comercial.»

Código Civil

15

O artigo 801.o, n.os 1 e 2, do Občiansky zákonník (Código Civil) dispõe:

«1.   O seguro extingue‑se quando o prémio relativo ao primeiro período de seguro ou o prémio único não tenham sido pagos no prazo de três meses a contar do dia do respetivo vencimento.

2.   O seguro extingue‑se igualmente quando o prémio relativo ao período subsequente de seguro não seja pago no prazo de um mês a contar do dia da notificação do aviso para pagamento por parte da seguradora, desde que o prémio não tenha sido pago antes da notificação do referido aviso […]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Em 13 de março de 2012, a ERGO, sociedade que opera no setor dos seguros, e Alžbeta Barlíková celebraram um contrato que designaram por «contrato de mediação com um agente financeiro vinculado» (a seguir «contrato litigioso»). Este contrato remetia para o artigo 642.o do Código Comercial.

17

Mediante o referido contrato, Alžbeta Barlíková obrigava‑se a exercer uma atividade de «mediação no setor dos seguros» a favor da ERGO. Esta atividade consistia em angariar clientes e em propor‑lhes a celebração de contratos de seguro daquela sociedade. Alžbeta Barlíková estava igualmente mandatada para celebrar esses contratos em nome e por conta da ERGO.

18

Em contrapartida pela celebração dos contratos de seguro, Alžbeta Barlíková recebia uma comissão correspondente a uma percentagem do prémio periódico ou anual do seguro. Alžbeta Barlíková tinha direito ao pagamento antecipado dessa comissão logo que celebrasse o contrato com o cliente. No entanto, o direito à comissão só ficava adquirido definitivamente se o contrato de seguro se mantivesse durante três ou cinco anos.

19

Além disso, o contrato litigioso estipulava que o não pagamento dos prémios pelo cliente implicava a extinção do direito à comissão, se ocorresse durante os primeiros meses de vigência do contrato de seguro, ou a uma redução proporcional do montante da comissão, se ocorresse depois dos três primeiros meses de vigência do contrato.

20

Alžbeta Barlíková angariou muitos clientes para a ERGO. Em conformidade com o contrato litigioso, no momento da celebração dos contratos de seguro com os clientes, recebeu, por antecipação, as comissões que lhe eram devidas. Contudo, três a seis meses após a assinatura desses contratos de seguro, alguns clientes deixaram de pagar os prémios relativos a esses contratos e não deram seguimento aos avisos de pagamento dos montantes em dívida enviados pela ERGO. Em consequência, os contratos extinguiram‑se ope legis em aplicação do artigo 801.o do Código Civil. Alguns clientes indicaram à ERGO que cessaram o pagamento dos prémios por terem perdido a confiança na sociedade pelo facto de ela lhes ter dado um atendimento inapropriado.

21

Na sequência da extinção dos contratos de seguro em causa, e nos termos do contrato litigioso, a ERGO exigiu a Alžbeta Barlíková o reembolso das comissões antecipadas a título dos contratos de seguro, num montante total de 11421,42 euros. Não tendo Alžbeta Barlíková pago esse montante, a ERGO propôs no Okresný súd Dunajská Streda (Tribunal Distrital de Dunajská Streda, Eslováquia) uma ação em que pediu a condenação no pagamento desse montante.

22

Nesse tribunal, Alžbeta Barlíková alegou que a extinção dos referidos contratos de seguro era imputável à ERGO. Com efeito, resulta de cartas enviadas por vários clientes a essa sociedade que não lhes foi dado um atendimento correto, designadamente por lhes ter pedido a resposta a muitas questões já depois da celebração do contrato de seguro e por lhes terem sido enviadas cartas de aviso para efetuarem pagamentos de prémios já pagos.

23

Neste contexto, o tribunal de reenvio pretende esclarecer se o artigo 662.o do Código do Comércio, que transpõe o artigo 11.o da Diretiva 86/653, se opõe às cláusulas do contrato litigioso nos termos das quais o não pagamento dos prémios previstos no contrato celebrado entre o comitente e o terceiro extingue o direito à comissão ou permite a redução do seu montante na proporção da duração do contrato.

24

Para este efeito, o tribunal de reenvio pergunta se, por um lado, o artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 86/653 permite ter em conta as características próprias dos contratos de longa duração. O tribunal salienta, a este respeito, que a referida diretiva não contempla a hipótese de incumprimento parcial do contrato. Por outro lado, o tribunal de reenvio considera que há que clarificar a noção de «imputabilidade ao comitente», no sentido do artigo 11.o, n.o 1, segundo travessão, da mesma diretiva. Segundo aquele tribunal, essa clarificação é importante no presente processo devido ao regime especial aplicável à extinção dos contratos de seguro previsto no artigo 801.o, n.o 2, do Código Civil. Nos termos desse artigo, os tomadores de seguro podem pôr fim aos contratos não pagando os prémios devidos, mesmo que possam recorrer às formas clássicas de rutura do contrato, como a denúncia ou a rescisão. Assim, do ponto de vista jurídico, a extinção é a omissão do segurado (falta de pagamento do prémio), que, por si só, constitui uma violação de uma obrigação. Essa omissão, contudo, pode ter diversas causas — o segurado pode ter vários motivos para essa conduta.

25

Nestas condições, o Okresný súd Dunajská Streda (Tribunal Distrital de Dunajská Streda) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A expressão “o contrato entre o terceiro e o comitente não for executado”, constante do artigo 11.o da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (a seguir “Diretiva 86/653”) deve ser interpretada no sentido de que abrange:

a)

a não execução total do contrato, e por conseguinte, o caso em que nem o comitente nem o terceiro efetuam ao menos parcialmente as prestações previstas no contrato, ou

b)

igualmente a não execução parcial do contrato, e por conseguinte, por exemplo, se não tiver sido alcançado o volume de negócios previsto ou se o contrato não tiver sido mantido pelo período temporal estipulado?

2.

Caso a interpretação constante da alínea b) da primeira questão esteja correta, deve o artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 ser interpretado no sentido de que não constitui uma derrogação em prejuízo do agente a cláusula do contrato de agência segundo a qual este é obrigado a restituir uma quota proporcional da sua comissão se o contrato entre o comitente e o terceiro não for executado conforme estipulado, designadamente, no contrato de agência comercial?

3.

Perante factos como os do processo principal, para avaliar se se verificam “circunstâncias imputáveis ao comitente”, no sentido do artigo 11.o, n.o 1, segundo travessão, da Diretiva 86/653, devem ser examinadas:

a)

unicamente as circunstâncias jurídicas que conduziram diretamente à cessação do contrato (por exemplo se a cessação do contrato se deve a incumprimento das obrigações decorrentes do mesmo por parte do terceiro);

b)

ou deve igualmente examinar‑se se tais circunstâncias jurídicas não resultaram da conduta do comitente nas relações jurídicas com o referido terceiro, que determinou uma perda de confiança do terceiro no comitente e, como tal, o induziu à violação das obrigações decorrentes do contrato com o comitente?»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

26

A título liminar, por um lado, importa salientar que, como resulta do pedido de decisão prejudicial, a ERGO alegou no tribunal de reenvio que a Diretiva 86/653 não é aplicável ao processo principal, uma vez que o contrato litigioso, tendo em conta a sua epígrafe e a remissão para o artigo 642.o do Código Comercial, não é um contrato de agência comercial, mas um contrato de mediação.

27

A este respeito, é suficiente constatar que resulta do pedido de decisão prejudicial que o tribunal de reenvio considera que o contrato litigioso deve ser qualificado como um contrato de agência comercial e não como contrato de mediação. O presente acórdão baseia‑se, portanto, nesta última alternativa.

28

Por outro lado, importa salientar que este contrato não é abrangido no campo de aplicação da Diretiva 86/653, a qual se aplica, de acordo com a definição de «agente comercial» constante do seu artigo 1.o, n.o 2, apenas aos agentes comerciais encarregados a título permanente, quer de negociar quer de negociar e concluir a venda ou a compra de mercadorias. Um agente comercial cuja atividade consiste, como no caso do processo principal, em negociar e a celebrar contratos de serviços de seguros não é portanto abrangido pela definição desse artigo 1.o, n.o 2.

29

Decorre, no entanto, de jurisprudência constante que, quando a legislação nacional pretende adequar‑se, quanto às soluções que dá a situações puramente internas, às soluções adotadas no direito da União, a fim, nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou de eventuais distorções de concorrência, ou ainda de assegurar um processo único em situações comparáveis, há um interesse manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retirados do direito da União sejam interpretados de modo uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar (v. acórdão de 3 de dezembro de 2015, Quenon K., C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 17 e jurisprudência referida).

30

A este respeito, o tribunal de reenvio expôs estar consciente de que o litígio nele pendente se situava fora do campo de aplicação do direito da União. No entanto, ao remeter para o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de março de 2006, Poseidon Chartering (C‑3/04, EU:C:2006:176), indicou que as normas da Diretiva 86/653 se aplicavam ao caso em apreço, relativo a um contrato de agência comercial relativo a serviços de seguros.

31

Como referido no n.o 12 do presente acórdão, a Diretiva 86/653 foi transposta para o direito eslovaco nos artigos 652.° e seguintes do Código Comercial. Como observou o Governo eslovaco, esses artigos não se aplicam apenas à compra e venda de mercadorias mas aplicam‑se igualmente aos contratos de prestação de serviços. Daqui decorre que, ao transpor desta forma as disposições dessa diretiva, o legislador eslovaco decidiu tratar de igual modo os contratos de agência relativos a mercadorias e os contratos de agência relativos a prestações de serviços.

32

Verifica‑se portanto que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o presente pedido de decisão prejudicial.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

33

Com a sua primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que se aplica não apenas aos casos de não execução total do contrato entre o comitente e o terceiro mas também aos casos de não execução parcial do contrato, como o não cumprimento do volume das operações ou da duração prevista no contrato.

34

Na maioria das versões linguísticas, o artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, dessa diretiva prevê que o direito à comissão só se extingue «se e na medida em que» o contrato entre o terceiro e o comitente não for executado.

35

A utilização da locução «na medida em que» indica que, para determinar se o direito à comissão se extinguiu, é necessário ter em conta a proporção em que o contrato não foi executado. Assim, pode ser deduzido da utilização dessa locução que o artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, da referida diretiva se aplica quer em caso de não execução total quer em caso de não execução parcial do contrato.

36

Contudo, as versões em língua checa, letã e eslovaca do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 86/653 não têm termos que se possam traduzir por «na medida em que».

37

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de modo uniforme à luz das versões redigidas em todas as línguas da União. Em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de um texto da União, a disposição em questão deve ser interpretada em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso, C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 27).

38

Daqui decorre que, perante a divergência mencionada no n.o 36 do presente acórdão, há que interpretar o artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 86/653 à luz da sistemática geral e da finalidade dessa diretiva.

39

Em primeiro lugar, no tocante à sistemática geral da Diretiva 86/653, o artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva prevê que o agente comercial tem direito à comissão quando a operação tenha sido realizada devido à sua intervenção. O artigo 10.o, n.o 1, da referida diretiva precisa, contudo, que a comissão se adquire «logo que e na medida em que» a operação tenha sido ou devesse ser executada. É certo que não pode ser tirada qualquer conclusão da utilização da locução «na medida em que», a partir do momento em que ela não é utilizada em todas as versões linguísticas.

40

Resulta, todavia, da leitura conjugada dos artigos 7.°, n.o 1, e 10.°, n.o 1, da Diretiva 86/653 que, embora o agente comercial tenha direito à comissão relativamente às operações que o comitente celebrou com os clientes que ele angariou, esse direito só se concretiza no momento da execução das operações em causa ou no momento em que elas deviam ter sido executadas. Pode assim ser deduzido que a comissão é adquirida à medida dessa execução, a qual, no caso de contratos de execução sucessiva de longa duração, como é o caso dos contratos de seguro em causa no processo principal, é escalonada no tempo. Ora, se a comissão só é adquirida na proporção da execução das operações, o direito à comissão extingue‑se se as operações não tiverem sido executadas. Há assim que interpretar o artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, dessa diretiva no sentido de que se aplica igualmente aos casos de não execução parcial do contrato celebrado entre o comitente e o terceiro.

41

Em segundo lugar, no que diz respeito à finalidade da Diretiva 86/653, há que recordar que resulta dos seus considerandos segundo e terceiro que ela tem por objetivo proteger o agente comercial na sua relação com o comitente (v., neste sentido, acórdão de 3 de dezembro de 2015, Quenon K., C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 23).

42

Decorre, no entanto, dos artigos 3.°, n.o 1, e 4.°, n.o 1, da mesma diretiva que o agente comercial e o comitente devem agir lealmente e de boa‑fé nas suas relações recíprocas. Resulta igualmente do artigo 10.o, n.o 1, da diretiva que o legislador pretendeu subordinar a aquisição da comissão à execução do contrato e não à sua celebração.

43

Ora, a interpretação do artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 86/653, no sentido de ser exclusivamente aplicável aos casos de não execução total do contrato, seria contrária à finalidade das disposições da diretiva citadas no número anterior do presente acórdão, assim como da diretiva em geral, se, no tocante a contratos de longa duração, como é o caso dos contratos de seguro em causa no processo principal, o agente recebesse a totalidade da sua comissão desde o início da execução dos contratos, sem ter em consideração uma eventual não execução parcial dos mesmos.

44

Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que se aplica não apenas aos casos de não execução total do contrato celebrado entre o comitente e o terceiro mas igualmente aos casos de não execução parcial do contrato, como os casos de não cumprimento do volume de operações ou da duração prevista no contrato.

Quanto à segunda questão

45

Com a segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que a cláusula de um contrato de agência comercial nos termos da qual o agente se obriga a reembolsar, proporcionalmente, parte da sua comissão em caso de não execução parcial do contrato celebrado entre o comitente e o terceiro constitui uma derrogação «em prejuízo do agente comercial», no sentido do artigo 11.o, n.o 3, dessa diretiva.

46

Note‑se que o artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 86/653 proíbe derrogar por acordo o artigo 11.o, n.o 1, da mesma diretiva, em prejuízo do agente comercial.

47

No entanto, o facto de o contrato de agência comercial impor ao agente o reembolso proporcional de parte da sua comissão no caso de um contrato celebrado entre o comitente e um terceiro só ser executado parcialmente não pode, em princípio, ser considerado como «derrogação em prejuízo do agente comercial», no sentido do artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 86/653. Pelo contrário, essa obrigação é conforme com as prescrições do artigo 11.o, n.os 1 e 2, desta diretiva.

48

Com efeito, decorre da resposta à primeira questão que o artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que o direito à comissão do agente comercial pode extinguir‑se igualmente no caso de o contrato celebrado entre o comitente e o terceiro ser parcialmente executado. Além disso, nos termos do artigo 11.o, n.o 2, desta diretiva, as comissões que o agente comercial já recebeu são reembolsadas se se extinguir o direito respetivo. Daqui decorre que, em conformidade com aquelas disposições, o agente pode ser obrigado a reembolsar as comissões já pagas, na medida em que o contrato celebrado entre o comitente e o cliente não tiver sido executado.

49

Importa, por isso, precisar, por um lado, que a obrigação de reembolso da comissão deve ser estritamente proporcional ao âmbito da não execução do contrato. A obrigação de reembolsar uma parte da comissão proporcionalmente superior ao âmbito da não execução constituiria uma derrogação em prejuízo do agente, proibida pelo artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 86/653. Em contrapartida, uma derrogação a favor do agente, que consistiria em exigir o reembolso de uma parte da comissão menor do que o âmbito da não execução do contrato, é possível.

50

Por outro lado, decorre do artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 86/653 que não pode ser contratualmente derrogada a segunda condição prevista no artigo 11.o, n.o 1, da mesma diretiva, nos termos da qual o direito à comissão só se extingue quando a não execução do contrato não é devida a circunstâncias imputáveis ao comitente. Uma cláusula contratual que previsse a extinção do direito à comissão em circunstâncias em que a não execução do contrato se ficasse a dever a circunstâncias imputáveis ao comitente seria, portanto, contrária ao artigo 11.o, n.o 3.

51

Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à segunda questão que o artigo 11.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que a cláusula de um contrato de agência comercial em virtude da qual o agente é obrigado a reembolsar proporcionalmente uma parte da sua comissão em caso de não execução parcial do contrato celebrado entre o comitente e um terceiro não constitui uma «derrogação em prejuízo do agente comercial», no sentido do artigo 11.o, n.o 3, se a parte da comissão objeto da obrigação de reembolso for proporcional ao âmbito da não execução do contrato e com a condição de essa não execução não ser devida a circunstâncias imputáveis ao comitente.

Quanto à terceira questão

52

Com a sua terceira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, n.o 1, segundo travessão, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que a noção de «circunstâncias imputáveis ao comitente» se refere apenas às circunstâncias jurídicas que levaram diretamente à rutura do contrato celebrado entre o comitente e o terceiro ou se essa noção abrange todas as circunstâncias de direito e de facto imputáveis ao comitente que estão na origem da não execução do contrato.

53

A este respeito, importa salientar que, segundo a decisão de reenvio, no processo principal, a não execução dos contratos de seguro que originam, segundo a ERGO, o reembolso das comissões recebidas por Alžbeta Barlíková resulta do não pagamento dos prémios relativos aos contratos por parte de alguns clientes. De acordo com o direito eslovaco, esse facto determina, nos termos do artigo 801.o do Código Civil, a rescisão automática dos contratos em causa. Ora, segundo o juiz de reenvio, no processo principal o não pagamento dos prémios pelos clientes terá sido motivado pela perda de confiança no comitente, o qual terá demonstrado «falta de profissionalismo» para com os seus clientes.

54

A noção de «circunstâncias imputáveis ao comitente» não é definida na Diretiva 86/653. Como salientou o advogado‑geral no n.o 53 das suas conclusões, em algumas versões linguísticas desta diretiva, designadamente na versão francesa, o artigo 11.o, n.o 1, segundo travessão, está formulado em termos neutros, limitando‑se a referir a ideia de que a não execução do contrato celebrado com os terceiros não pode ser atribuída ao comitente. Pelo contrário, noutras versões linguísticas desta diretiva, designadamente na versão eslovaca, essa disposição remete para a ideia de culpa do comitente.

55

Há, portanto, que interpretar o artigo 11.o, n.o 1, segundo travessão, da Diretiva 86/653, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 37 do presente acórdão, à luz, designadamente, da finalidade da diretiva.

56

Como salientado nos n.os 41 e 42 do presente acórdão, a referida diretiva visa proteger o agente comercial e refere, além do mais, as relações, que devem ser baseados na lealdade e na boa‑fé, entre o agente comercial e o comitente. A condição relativa a que a não execução do contrato não seja devida a circunstâncias imputáveis ao comitente contribui para atingir esses objetivos, impedindo que o comitente fique exonerado da sua obrigação de pagar a comissão ao agente quando é ele que dá origem à não execução da operação.

57

Ora, uma definição restritiva da noção de «circunstâncias imputáveis ao comitente», ligada apenas a causas jurídicas que diretamente dão origem à rutura do contrato, independentemente das circunstâncias de facto ou de direito que explicam a sua ocorrência, não seria conforme com esses objetivos. Com efeito, essa definição restritiva não permitiria avaliar se, na realidade, o comitente causou a rutura do contrato nem se a não execução desse contrato lhe deve ser imputada. Existiriam portanto situações em que o comitente poderia eximir‑se ao pagamento da comissão, mesmo que a rutura fosse consequência do seu próprio comportamento.

58

Era o que se passaria no caso de uma legislação como a que está em causa no processo principal, que prevê que o não pagamento dos prémios determina, nos termos do artigo 801.o do Código Civil, a extinção automática dos contratos de seguro. Com efeito, nos termos dessa legislação, a rutura do contrato é devida ao não cumprimento das obrigações contratuais pelo terceiro que cessa o pagamento dos prémios desses contratos, mas sem ter em consideração a causa da cessão do pagamento.

59

Donde resulta que a noção de «circunstâncias imputáveis ao comitente», constante do artigo 11.o, n.o 1, segundo travessão, da Diretiva 86/653 não se pode referir apenas às causas jurídicas que diretamente implicaram a rutura do contrato, devendo referir‑se às circunstâncias que conduziram a essa rutura, as quais devem ser apreciadas pelo tribunal nacional com base em todas as circunstâncias de direito e de facto pertinentes, a fim de se apurar se a não execução do contrato não ficou a dever‑se a circunstâncias imputáveis ao comitente.

60

Por consequência, no que se refere concretamente aos factos do processo principal, para decidir sobre o pedido de reembolso de comissões formulado pela ERGO e sobre a eventual extinção dos direitos à comissão de Alžbeta Barlíková, cabe ao tribunal de reenvio ter em consideração a totalidade dos factos do processo, para além do mero incumprimento pelos segurados da sua obrigação de pagar os prémios, para se apurar se a não execução dos contratos de seguro em causa não é imputável a essa sociedade.

61

Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à terceira questão que o artigo 11.o, n.o 1, segundo travessão, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que a noção de «circunstâncias imputáveis ao comitente» não se refere apenas às causas jurídicas que conduziram à rutura do contrato celebrado entre o comitente e os terceiros, mas refere‑se a todas as circunstâncias de direito e de facto imputáveis ao comitente que levaram à não execução do contrato.

Quanto às despesas

62

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 11.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais, deve ser interpretado no sentido de que se aplica não apenas aos casos de não execução total do contrato celebrado entre o comitente e o terceiro mas igualmente aos casos de não execução parcial do contrato, como os casos de não cumprimento do volume de operações ou da duração prevista no contrato.

 

2)

O artigo 11.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que a cláusula de um contrato de agência comercial em virtude da qual o agente é obrigado a reembolsar proporcionalmente uma parte da sua comissão em caso de não execução parcial do contrato celebrado entre o comitente e um terceiro não constitui uma «derrogação em prejuízo do agente comercial», no sentido do artigo 11.o, n.o 3, se a parte da comissão objeto da obrigação de reembolso for proporcional ao âmbito da não execução do contrato e com a condição de essa não execução não ser devida a circunstâncias imputáveis ao comitente.

 

3)

O artigo 11.o, n.o 1, segundo travessão, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que a noção de «circunstâncias imputáveis ao comitente» não se refere apenas às causas jurídicas que conduziram à rutura do contrato celebrado entre o comitente e os terceiros, mas refere‑se a todas as circunstâncias de direito e de facto imputáveis ao comitente que levaram à não execução do contrato.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: eslovaco.

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