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Documento 62014CJ0195

Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 4 de junho de 2015.
Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände - Verbraucherzentrale Bundesverband e.V. contra Teekanne GmbH & Co. KG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
Reenvio prejudicial ― Diretiva 2000/13/CE ― Rotulagem e apresentação dos géneros alimentícios ― Artigos 2.°, n.° 1, alínea a), i), e 3.°, n.° 1, ponto 2 ― Rotulagem de natureza a induzir em erro o comprador quanto à composição dos géneros alimentícios ― Lista dos ingredientes ― Utilização da menção ‘aventura de framboesa baunilha’ e de imagens de framboesas e de flores de baunilha na embalagem de uma infusão de frutos que não contém esses ingredientes.
Processo C-195/14.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:361

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

4 de junho de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2000/13/CE — Rotulagem e apresentação dos géneros alimentícios — Artigos 2.°, n.o 1, alínea a), i), e 3.°, n.o 1, ponto 2 — Rotulagem de natureza a induzir em erro o comprador quanto à composição dos géneros alimentícios — Lista dos ingredientes — Utilização da menção ‘aventura de framboesa‑baunilha’ e de imagens de framboesas e de flores de baunilha na embalagem de uma infusão de frutos que não contém esses ingredientes»

No processo C‑195/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 26 de fevereiro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de abril de 2014, no processo

Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände — Verbraucherzentrale Bundesverband e.V.

contra

Teekanne GmbH & Co. KG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, M. Safjan (relator) e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände — Verbraucherzentrale Bundesverband e.V., por J. Kummer e P. Wassermann, Rechtsanwälte,

em representação da Teekanne GmbH & Co. KG, por A. Meyer, Rechtsanwalt,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e C. Madaleno, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e K. Herbout‑Borczak, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, n.o 1, alínea a), i), e 3.°, n.o 1, ponto 2, da Diretiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (JO L 109, p. 29), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 596/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009 (JO L 188, p. 14, a seguir «Diretiva 2000/13»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände — Verbraucherzentrale Bundesverband e.V. (União federal das centrais e associações de consumidores, a seguir «BVV») à Teekanne GmbH & Co. KG (a seguir «Teekanne») a propósito do caráter pretensamente enganoso da rotulagem de um género alimentício.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2000/13

3

A Diretiva 2000/13 foi revogada com efeitos a partir de 13 de dezembro de 2014, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1924/2006 e (CE) n.o 1925/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 87/250/CEE da Comissão, 90/496/CEE do Conselho, 1999/10/CE da Comissão, 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, 2002/67/CE e 2008/5/CE da Comissão e o Regulamento (CE) n.o 608/2004 da Comissão (JO L 304, p. 18). Porém, atendendo à data dos factos do litígio no processo principal, este último continua a ser regido pela Diretiva 2000/13.

4

Nos termos dos considerandos 6, 8 e 14 desta diretiva:

«(6)

Qualquer recomendação relativa à rotulagem dos géneros alimentícios deve ter como imperativo principal a necessidade de informação e proteção dos consumidores.

[…]

(8)

A rotulagem pormenorizada relativa à natureza exata e às características do produto, que permite ao consumidor efetuar a sua escolha com pleno conhecimento, é a mais adequada, na medida em que cria menor número de obstáculos à liberdade de comércio.

[…]

(14)

As normas de rotulagem, devem igualmente proibir informações que induzam em erro o comprador [...]. Para ser eficaz, esta proibição deve ser extensiva à apresentação dos géneros alimentícios e à respetiva publicidade.»

5

O artigo 1.o, n.os 1 e 3, alínea a), da referida diretiva enuncia:

«1.   A presente diretiva diz respeito à rotulagem dos géneros alimentícios destinados a serem fornecidos diretamente ao consumidor final, bem como a certos aspetos relacionados com a sua apresentação e respetiva publicidade.

[…]

3.   Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

a)

‘Rotulagem’: as menções, indicações, marcas de fabrico ou de comércio, imagens ou símbolos referentes a um género alimentício e que figurem em qualquer embalagem, documento, aviso, rótulo, anel ou gargantilha que acompanhe ou seja referente a este género alimentício».

6

O artigo 2.o, n.o 1, alínea a), i), da mesma diretiva prevê:

«A rotulagem e as modalidades em que é realizada não podem:

a)

Ser de natureza a induzir em erro o comprador, nomeadamente:

i)

no que respeita às características do género alimentício e, em especial, no que se refere à natureza, identidade, qualidades, composição, quantidade, durabilidade, origem ou proveniência, modo de fabrico ou de obtenção.»

7

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2000/13 dispõe:

«A rotulagem dos géneros alimentícios incluirá, nas condições e sem prejuízo das derrogações previstas nos artigos 4.° a 17.°, unicamente as seguintes indicações obrigatórias:

1)

Denominação de venda;

2)

Lista dos ingredientes;

[…]»

8

O artigo 6.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Os ingredientes serão indicados de acordo com o presente artigo e com os anexos I, II, III e III A.

[…]

a)

Entende‑se por ‘ingrediente’ qualquer substância, incluindo os aditivos e as enzimas, utilizada no fabrico ou preparação de um género alimentício e ainda presente no produto acabado, mesmo que de forma alterada.

[…]

5.   A lista dos ingredientes deve ser estabelecida pela enumeração de todos os ingredientes que constituem o género alimentício, por ordem de peso decrescente no momento do seu fabrico. Deve ser precedida de uma indicação adequada incluindo a palavra ‘ingredientes’.

[…]

6.   Os ingredientes serão designados pelo seu nome específico ou, se for caso disso, em conformidade com as regras previstas no artigo 5.o

Contudo:

[…]

os aromatizantes serão designados em conformidade com o anexo III da presente diretiva,

[…]

7.   As disposições comunitárias e, na sua ausência, as disposições nacionais podem prever, para certos géneros alimentícios, que a denominação de venda deve ser acompanhada pela indicação de um ou vários ingredientes determinados.

[…]»

Regulamento (CE) n.o 178/2002

9

O Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1), prevê, no seu artigo 8.o, sob a epígrafe «Proteção dos interesses dos consumidores»:

«1.   A legislação alimentar tem como objetivo a proteção dos interesses dos consumidores e fornecer‑lhes uma base para que façam escolhas com conhecimento de causa em relação aos géneros alimentícios que consomem. Visa prevenir:

a)

práticas fraudulentas ou enganosas;

b)

a adulteração de géneros alimentícios;

c)

quaisquer outras práticas que possam induzir em erro o consumidor.»

10

O artigo 16.o deste regulamento enuncia:

«Sem prejuízo de disposições mais específicas da legislação alimentar, a rotulagem, a publicidade e a apresentação dos géneros alimentícios ou dos alimentos para animais, incluindo a sua forma, aparência ou embalagem, os materiais de embalagem utilizados, a maneira como estão dispostos e o local onde estão expostos, bem como a informação que é posta à disposição acerca deles através de quaisquer meios de comunicação, não devem induzir em erro o consumidor.»

Direito alemão

11

A Lei sobre a concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (BGB1. 2010 I, p. 254, a seguir «UWG»), enuncia, no seu § 4, ponto 11:

«Exemplos de práticas comerciais desleais

Pratica um ato de concorrência desleal quem, designadamente,

[…]

11.

Violar uma disposição legal que se destine, entre outros, a regulamentar o comportamento no mercado no interesse dos operadores do mercado.»

12

O § 5, n.o 1, ponto 1, da UWG dispõe:

«Práticas comerciais que induzem em erro

1)

Constitui um ato de concorrência desleal qualquer prática comercial que induza em erro. Uma prática comercial induz em erro quando contém indicações inexatas ou outras indicações enganosas relativas a um ou a vários dos seguintes elementos:

1.

Características essenciais do bem ou do serviço, tais como a sua disponibilidade, natureza, execução, benefícios, riscos que apresenta, composição, acessórios, modo e data de fabrico, de entrega ou de fornecimento, a sua adequação ao fim a que se destina, possíveis utilizações, quantidade, especificações, assistência pós‑venda e tratamento de reclamações, origem geográfica ou comercial, resultados expectáveis da sua utilização e resultados e características principais dos testes efetuados ao bem ou ao serviço.»

13

Sob a epígrafe «Disposições relativas à proteção contra a fraude», o § 11 do Código relativo aos géneros alimentícios, bens de consumo corrente e géneros alimentícios destinados à alimentação animal (Lebensmittel, Bedarfsgegenstände und Futtermittelgesetzbuch), na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «LFGB»), prevê, no seu n.o 1:

«É proibida a comercialização de géneros alimentícios com denominação, indicações ou apresentações enganosas ou a sua publicidade, em termos gerais ou particulares, através de apresentações ou outras afirmações enganosas. Considera‑se, designadamente, que há fraude:

1.

Quando num género alimentício se utilizam denominações, indicações, apresentações, descrições ou outras afirmações suscetíveis de induzir em erro quanto às suas características, em especial, quanto ao tipo, natureza, composição, quantidade, prazo de validade, origem, proveniência, modo de fabrico ou de obtenção do produto;

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

14

Resulta da decisão de reenvio que a Teekanne comercializa uma infusão de frutos sob a denominação «Felix Himbeer‑Vanille Abenteuer» («Felix aventura de framboesa‑baunilha») (a seguir «infusão de frutos»). A embalagem desta infusão é composta por uma caixa de cartão dobrável, em forma de paralelepípedo, com 20 saquetas.

15

Esta embalagem contém vários elementos, de diferentes tamanhos, cores e tipos de carateres, nomeadamente, imagens de framboesas e de flores de baunilha, as menções «infusão de frutos com aromas naturais» e «infusão de frutos com aromas naturais — sabor a framboesa‑baunilha», bem como um selo gráfico que inclui, num círculo dourado, a menção «contém unicamente ingredientes naturais».

16

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a infusão de frutos não contém nenhum constituinte ou aroma de baunilha ou de framboesa. A lista dos ingredientes, reproduzida num dos lados da embalagem, é a seguinte: «Hibisco, maçã, folhas de amora doce, casca de laranja, roseira brava, aroma natural com sabor a baunilha, casca de limão, aroma natural com sabor a framboesa, amoras, morango, mirtilo, sabugueiro».

17

O BVV intentou uma ação contra a Teekanne no Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Düsseldorf), invocando que os elementos constantes da embalagem da infusão de frutos eram de natureza a induzir em erro o comprador quanto à composição desta infusão. Com efeito, devido a esses elementos, o consumidor esperaria que a referida infusão contivesse constituintes de baunilha e de framboesa, ou, pelo menos, aromas naturais de baunilha e de framboesa.

18

Consequentemente, o BVV pediu a condenação da Teekanne, sob pena de aplicação de sanções, a pôr termo, no âmbito das suas atividades comerciais, à publicidade, ativa ou passiva, da infusão de frutos. O BVV pediu igualmente o reembolso das despesas relativas à advertência, no valor de 200 euros.

19

Por decisão de 16 de março de 2012, o Landgericht Düsseldorf julgou a ação procedente.

20

Tendo a Teekanne interposto recurso, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf) anulou essa decisão, por acórdão de 19 de fevereiro de 2013, e julgou improcedente o pedido do BVV. Esse órgão jurisdicional considerou não existir nenhuma fraude ao consumidor, na aceção do § 4, ponto 11, da UWG, lido em conjugação com o § 11, n.o 1, segundo período, ponto 1, do LFGB, e na aceção do § 5, n.o 1, primeiro e segundo períodos, ponto 1, da UWG.

21

Segundo o referido órgão jurisdicional, em conformidade com a Diretiva 2000/13, essas disposições da UWG e do LFGB deviam ser interpretadas com referência às expectativas do consumidor médio. No caso em apreço, resultaria da lista dos ingredientes da infusão de frutos, reproduzida na respetiva embalagem, que os aromas naturais utilizados têm sabor a framboesa ou a baunilha. Essa lista enunciaria assim sem ambiguidade que os aromas utilizados não são obtidos a partir de baunilha e de framboesa, tendo apenas esse sabor. Ora, de acordo com jurisprudência do Tribunal de Justiça, a existência de uma informação exata e completa resultante da lista dos ingredientes que figura na embalagem seria suficiente para excluir uma fraude ao consumidor.

22

O BVV interpôs recurso de «Revision» desse acórdão no Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça).

23

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a repetição de imagens de framboesas e de flores de baunilha na embalagem da infusão de frutos, que chama a atenção, bem como a da menção «com aromas naturais», e o selo gráfico com a menção «contém unicamente ingredientes naturais», sugerem que o sabor desta infusão seria determinado, nomeadamente, por aromas obtidos a partir de framboesas e de flores de baunilha. A apresentação da referida infusão seria assim concebida para, mesmo no caso de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, ser suscetível de criar uma impressão errada quanto à sua composição. Além disso, a apresentação da infusão de frutos seria suscetível de dissuadir o consumidor a tomar conhecimento da lista dos ingredientes que figura na embalagem, em carateres mais pequenos, e que reflete a realidade.

24

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, à luz dos considerandos 6 e 8 da Diretiva 2003/13, a rotulagem da infusão de frutos e as modalidades em que é realizada são de natureza a induzir em erro o comprador, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), i), desta diretiva.

25

Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Podem a rotulagem e a apresentação dos géneros alimentícios, assim como a publicidade aos mesmos, através da aparência, da descrição ou da representação gráfica, induzir a presença de um determinado ingrediente, quando, de facto, esse ingrediente não está presente e essa ausência resulta apenas da lista de ingredientes prevista no artigo 3.o, n.o 1, ponto 2, da Diretiva [2000/13]?»

Quanto à questão prejudicial

26

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 2.°, n.o 1, alínea a), i), e 3.°, n.o 1, ponto 2, da Diretiva 2000/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a rotulagem de um género alimentício e as modalidades em que é realizada possam sugerir, através da aparência, da descrição ou da representação gráfica de um determinado ingrediente, a presença deste último nesse género alimentício, quando, de facto, esse ingrediente não está presente e essa ausência resulta apenas da lista de ingredientes que figura na embalagem do referido género alimentício.

27

No caso em apreço, por um lado, a embalagem da infusão de frutos contém, nomeadamente, imagens de framboesas e de flores de baunilha, as menções «infusão de frutos com aromas naturais» e «infusão de frutos com aromas naturais — sabor a framboesa‑baunilha» e um selo gráfico com a menção «contém unicamente ingredientes naturais».

28

Por outro lado, segundo a lista de ingredientes reproduzida num dos lados da embalagem, conforme prevista no artigo 3.o, n.o 1, ponto 2, da Diretiva 2000/13 e cuja exatidão e exaustividade não são contestadas, esta infusão contém aromas naturais com «sabor a baunilha» e «sabor a framboesa». Assim, é facto assente que a referida infusão não contém ingredientes naturais extraídos da baunilha ou da framboesa nem aromas obtidos a partir destas.

29

No processo principal, a questão consiste assim em saber se a rotulagem da infusão de frutos é de natureza a induzir em erro o comprador ao sugerir a presença de componentes de framboesa e de flor de baunilha ou de aromas obtidos a partir destes ingredientes, quando tais componentes ou aromas não estão presentes nesta infusão.

30

Conforme enunciam os considerandos 6 e 8 da Diretiva 2000/13, esta tem como imperativo principal a necessidade de informação e proteção dos consumidores, devendo a rotulagem pormenorizada relativa à natureza exata e às características do produto permitir ao consumidor efetuar a sua escolha com pleno conhecimento de causa.

31

A este respeito, o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/13 prevê, em consonância com o respetivo considerando 14, que a rotulagem e as modalidades em que é realizada não podem ser de natureza a induzir em erro o comprador, nomeadamente, no que respeita às características do género alimentício e, em especial, no que se refere à natureza, identidade, qualidades, composição, quantidade, durabilidade, origem ou proveniência, modo de fabrico ou de obtenção do mesmo.

32

Consequentemente, esta disposição exige que o comprador disponha de uma informação correta, neutra e objetiva que não o induza em erro (v., neste sentido, acórdão Comissão/Itália, C‑47/09, EU:C:2010:714, n.o 37).

33

Importa acrescentar que, nos termos do artigo 16.o do Regulamento n.o 178/2002, sem prejuízo de disposições mais específicas da legislação alimentar, a rotulagem, a publicidade e a apresentação dos géneros alimentícios ou dos alimentos para animais, incluindo a sua forma, aparência ou embalagem, os materiais de embalagem utilizados, a maneira como estão dispostos e o local onde estão expostos, bem como a informação que é posta à disposição acerca deles através de quaisquer meios de comunicação, não devem induzir em erro o consumidor.

34

Embora a Diretiva 2000/13 constitua uma disposição mais específica da legislação alimentar, na aceção do artigo 16.o do Regulamento n.o 178/2002, esta última disposição, lida em conjugação com o artigo 8.o do referido regulamento, reafirma que a rotulagem de um género alimentício não pode ter um caráter enganoso.

35

Com vista a responder ao órgão jurisdicional de reenvio, há que recordar que, em princípio, não incumbe ao Tribunal de Justiça, no âmbito da repartição de competências entre os órgãos jurisdicionais nacionais e da União, pronunciar‑se sobre a questão de saber se a rotulagem de certos produtos é suscetível de induzir o comprador ou o consumidor em erro ou apreciar a questão referente ao caráter eventualmente enganoso de uma denominação de venda. Isso incumbe ao órgão jurisdicional nacional. Todavia, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, eventualmente, prestar esclarecimentos destinados a guiar o órgão jurisdicional nacional na sua decisão (v., designadamente, acórdãos Geffroy, C‑366/98, EU:C:2000:430, n.os 18 a 20, e Severi, C‑446/07, EU:C.2009:530, n.o 60).

36

Para efeitos da apreciação da aptidão de um rótulo para induzir um comprador em erro, o tribunal nacional deve basear‑se essencialmente nas expectativas presumidas, em relação ao referido rótulo, de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, quanto à origem, à proveniência e à qualidade ligada ao género alimentício, sendo essencial que o consumidor não seja induzido em erro e não seja levado a pensar erradamente que o produto tem uma origem, uma proveniência ou uma qualidade diferentes daquelas que tem efetivamente (v., neste sentido, acórdão Severi, C‑446/07, EU:C:2009:530, n.o 61 e jurisprudência referida).

37

A este propósito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se reconhece que os consumidores, cuja decisão de comprar é, nomeadamente, determinada pela composição do produto que têm a intenção de adquirir, leem em primeiro lugar a lista dos ingredientes cuja menção é obrigatória por força do artigo 3.o, n.o 1, ponto 2, da Diretiva 2000/13 (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Alemanha, C‑51/94, EU:C:1995:352, n.o 34, e Darbo, C‑465/98, EU:C:2000:184, n.o 22).

38

No entanto, a circunstância de a lista dos ingredientes figurar na embalagem do produto em causa no processo principal não permite, por si só, excluir que a rotulagem deste produto e as modalidades em que é realizada possam ser de natureza a induzir em erro o comprador, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/13.

39

Com efeito, a rotulagem, conforme definida no artigo 1.o, n.o 3, alínea a), desta diretiva, é composta por menções, indicações, marcas de fabrico ou de comércio, imagens ou símbolos referentes a um género alimentício e que figurem em qualquer embalagem deste género alimentício. Entre esses vários elementos, alguns podem, na prática, ser falsos, errados, ambíguos, contraditórios ou incompreensíveis.

40

Ora, se for esse o caso, a lista dos ingredientes pode, em determinadas situações, mesmo que seja exata e exaustiva, ser inapta para corrigir, de maneira satisfatória, a impressão errada ou equívoca do consumidor no que respeita às características de um género alimentício que resulta dos outros elementos que compõem a rotulagem deste género alimentício.

41

Deste modo, no caso de a rotulagem de um género alimentício e as modalidades em que é realizada, tomadas no seu todo, sugerirem que este género alimentício contém um ingrediente que, na realidade, não está presente, essa rotulagem é de natureza a induzir em erro o comprador no que respeita às características do referido género alimentício.

42

No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a uma análise dos vários elementos que compõem o rótulo da infusão de frutos, com vista a determinar se um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, pode ser induzido em erro quanto à presença de componentes de framboesa e de flor de baunilha ou de aromas obtidos a partir desses ingredientes.

43

No quadro dessa apreciação, o órgão jurisdicional de reenvio deve, nomeadamente, ter em conta os termos e as imagens utilizados, bem como a localização, a dimensão, a cor, o tipo de carateres, o idioma, a sintaxe e a pontuação dos diversos elementos que figuram na embalagem da infusão de frutos.

44

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que os artigos 2.°, n.o 1, alínea a), i), e 3.°, n.o 1, ponto 2, da Diretiva 2000/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a rotulagem de um género alimentício e as modalidades em que é realizada possam sugerir, através da aparência, da descrição ou da representação gráfica de um determinado ingrediente, a presença deste último nesse género alimentício, quando, de facto, esse ingrediente não está presente e essa ausência resulta apenas da lista dos ingredientes que figura na embalagem do referido género alimentício.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

Os artigos 2.°, n.o 1, alínea a), i), e 3.°, n.o 1, ponto 2, da Diretiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios, conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 596/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a rotulagem de um género alimentício e as modalidades em que é realizada possam sugerir, através da aparência, da descrição ou da representação gráfica de um determinado ingrediente, a presença deste último nesse género alimentício, quando, de facto, esse ingrediente não está presente e essa ausência resulta apenas da lista dos ingredientes que figura na embalagem do referido género alimentício.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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