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Documento 62001CJ0207

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 11 de Setembro de 2003.
Altair Chimica SpA contra ENEL Distribuzione SpA.
Pedido de decisão prejudicial: Corte d'appello di Firenze - Itália.
Concorrência - Posição dominante - Fornecimento de electricidade - Facturação de um sovrapprezzo.
Processo C-207/01.

Colectânea de Jurisprudência 2003 I-08875

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2003:451

62001J0207

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 11 de Setembro de 2003. - Altair Chimica SpA contra ENEL Distribuzione SpA. - Pedido de decisão prejudicial: Corte d'appello di Firenze - Itália. - Concorrência - Posição dominante - Fornecimento de electricidade - Facturação de um sovrapprezzo. - Processo C-207/01.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-08875


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Questões prejudiciais - Admissibilidade - Necessidade de fornecer ao Tribunal de Justiça precisões suficientes sobre o contexto factual e legal

(Artigo 234.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 23.° )

2. Concorrência - Regras comunitárias - Âmbito de aplicação material - Comportamento anticoncorrencial - Conceito - Comportamento de uma empresa imposto pela legislação nacional, que se limita à cobrança, por conta do Estado, de suplementos de preço que constituem imposições - Exclusão

(Artigos 81.° CE e 82.° CE)

3. Actos das instituições - Recomendações - Efeito directo - Exclusão - Tomada em consideração pelo juiz nacional - Obrigação - Alcance

(Artigo 249.° , quinto parágrafo, CE)

4. Indústria - Estruturas tarifárias para a energia eléctrica - Recomendação 81/924 - Âmbito de aplicação material - Suplementos de preço sobre o fornecimento de electricidade - Exclusão

(Recomendação 81/924 do Conselho)

Sumário


1. A necessidade de obter uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inscrevem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões. As informações fornecidas nas decisões de reenvio não devem apenas permitir ao Tribunal dar respostas úteis, mas devem também dar aos Governos dos Estados-Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça. Cabe ao Tribunal de Justiça velar por que esta possibilidade seja salvaguarda, tendo em conta o facto de que, nos termos da disposição referida, apenas as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas.

( cf. n.os 24, 25 )

2. Referindo-se os artigos 81.° CE e 82.° CE apenas a comportamentos contrários à concorrência adoptados pelas empresas por sua própria iniciativa, não são aplicáveis se às empresas for imposto, por uma legislação nacional, um comportamento contrário à concorrência, ou se esta legislação criar um quadro jurídico que, por si só, elimine qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte. Numa situação deste tipo, como resulta das referidas disposições, a limitação da concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas. Pelo contrário, os artigos 81.° CE e 82.° CE podem ser aplicados se se verificar que a legislação nacional deixa subsistir a possibilidade de existência de concorrência susceptível de ser entravada, limitada ou falseada por comportamentos autónomos das empresas.

Assim, não pode constituir um comportamento anticoncorrencial a acção de uma empresa que intervém na qualidade de cobrador de impostos. Tal é o caso de uma empresa que, não intervindo na qualidade de operador económico nem dispondo de qualquer margem de apreciação, se limita à cobrança, por conta do Estado, de suplementos de preço que constituem imposições exclusivamente da competência do Estado, tais como o suplemento de preço para encargos nucleares e o suplemento de preço para as novas instalações que utilizem fontes renováveis e equiparadas, instituídos pela lei italiana, sobre os fornecimentos de electricidade.

( cf. n.os 30-35 )

3. Mesmo que as recomendações não se destinem a produzir efeitos vinculativos nem estejam em condições de criar direitos que os particulares possam invocar perante um tribunal nacional, não estão, no entanto, desprovidas de todo e qualquer efeito jurídico. Com efeito, os juízes nacionais são obrigados a ter em consideração as recomendações para a resolução dos litígios que lhes são submetidos, nomeadamente quando elas esclarecem a interpretação de disposições nacionais adoptadas com o fim de garantir a sua aplicação ou quando elas têm por objecto completar disposições comunitárias com carácter vinculativo.

( cf. n.° 41 )

4. Resulta tanto do seu título como dos princípios que enuncia que a Recomendação 81/924, relativa às estruturas tarifárias para a energia eléctrica na Comunidade, apenas se aplica à estrutura das tarifas da energia eléctrica. Com efeito, ela pretende unificar os princípios que estão na base das estruturas tarifárias nos diversos Estados-Membros e melhorar a transparência e a publicidade dos preços da electricidade. Embora esta recomendação dê indicações quanto aos diversos custos que os preços devem cobrir, não contém, em contrapartida, qualquer indício que permita concluir que pode ser interpretada no sentido de que se aplica à adopção de um imposto sobre o consumo de energia eléctrica. Por conseguinte, a referida recomendação não é susceptível de impedir um Estado-Membro de cobrar suplementos de preços sobre o fornecimento de electricidade.

( cf. n.os 42, 43 )

Partes


No processo C-207/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pela Corte d'appello di Firenze (Itália), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Altair Chimica SpA

e

ENEL Distribuzione SpA,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 81.° CE, 82.° CE e 85.° CE, da Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), tal como alterada pela Directiva 96/99/CE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 8, p. 12), e da Recomendação 81/924/CEE do Conselho, de 27 de Outubro de 1981, relativa às estruturas tarifárias para a energia eléctrica na Comunidade (JO L 337, p. 12; EE 12 F4 p. 34),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, R. Schintgen (relator), V. Skouris, F. Macken e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,

secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Altair Chimica SpA, por F. Lorenzoni, avvocato,

- em representação do Governo italiano, por U. Leanza, na qualidade de agente, assistido por G. De Bellis, avvocato dello Stato,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa, na qualidade de agente

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Altair Chimica SpA, representada por F. Lorenzoni, da ENEL Distribuzione SpA, representada por G. M. Roberti e A. Franchi, avvocati, do Governo italiano, representado por G. de Bellis, e da Comissão, representada por E. Traversa, na audiência de 16 de Janeiro de 2003,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de

13 de Março de 2003,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 23 de Janeiro de 2001, entrado no Tribunal de Justiça a 18 de Maio seguinte, a Corte d'appello di Firenze (Itália) submeteu, ao abrigo do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 81.° CE, 82.° CE e 85.° CE, da Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), tal como alterada pela Directiva 96/99/CE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 8, p. 12, a seguir «Directiva 92/12»), e da Recomendação 81/924/CEE do Conselho, de 27 de Outubro de 1981, relativa às estruturas tarifárias para a energia eléctrica na Comunidade (JO L 337, p. 12; EE 12 F4 p. 34).

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a Altair Chimica SpA (a seguir «Altair») à ENEL Distribuzione SpA (a seguir «ENEL») acerca da cobrança de suplementos de preço da electricidade.

Questão jurídica

Regulamentação comunitária

3 O terceiro considerando da Directiva 92/12 está assim redigido:

«[c]onsiderando que há que definir o conceito de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo; que apenas as mercadorias que são tratadas como tal em todos os Estados-Membros podem ser objecto de disposições específicas; que esses produtos podem ser objecto de outras imposições indirectas com finalidades específicas; que a manutenção ou a introdução de outras imposições indirectas não deve dar origem a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira».

4 O artigo 3.° da Directiva 92/12 dispõe:

«1. A presente directiva é aplicável, a nível comunitário, aos produtos seguintes, tal como definidos nas respectivas directivas:

- óleos minerais,

- álcool e bebidas alcoólicas,

- tabacos manufacturados.

2. Os produtos mencionados no n.° 1 podem ser sujeitos a outras imposições indirectas com finalidades específicas, desde que essas imposições respeitem as regras de tributação aplicáveis em matéria de impostos especiais de consumo ou de IVA para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e o controlo do imposto.

3. Os Estados-Membros conservam a faculdade de introduzir ou manter imposições sobre outros produtos que não os mencionados no n.° 1, desde que essas imposições não dêem origem, todavia, a formalidades na passagem das fronteiras nas trocas comerciais entre Estados-Membros.

Sob reserva do respeito desta mesma condição, os Estados-Membros terão igualmente a faculdade de aplicar taxas sobre as prestações de serviços que não tenham o carácter de imposto sobre o volume de negócios, incluindo as imposições relacionadas com produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.»

5 A Directiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 12), tal como alterada pela Directiva 94/74/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 365, p. 46, a seguir «Directiva 92/81»), define mais detalhadamente os óleos minerais sujeitos a direitos especiais de consumo harmonizados.

6 O artigo 2.° , n.° 1, desta directiva enumera de modo limitativo os produtos a que ela se aplica. A electricidade não consta entre esses produtos.

7 O artigo 2.° , n.os 2 e 3, da Directiva 92/81 prevê, nomeadamente:

«2. Quando destinados a utilização, colocação à venda ou a serem consumidos como combustível de aquecimento ou como carburante, os óleos minerais, com excepção dos óleos cujo nível do imposto especial de consumo se encontra estabelecido na Directiva 92/82/CEE, ficam sujeitos ao imposto especial de consumo. A taxa do imposto especial é igual, segundo a utilização, à taxa aplicável ao combustível ou carburante equivalente.

3. Para além dos produtos tributáveis referidos no n.° 1, é tributado como carburante qualquer produto destinado a utilização, colocação à venda, a ser consumido como carburante ou aditivo ou a aumentar o volume final dos carburantes. Os outros hidrocarbonetos, com excepção do carvão, da lenhite, da turfa ou de outros hidrocarbonetos sólidos semelhantes ou do gás natural, destinados a utilização, colocação à venda ou a serem consumidos no aquecimento são tributados à taxa do imposto aplicável ao óleo mineral equivalente.

Contudo, o carvão, a lenhite, a turfa ou outros hidrocarbonetos sólidos semelhantes ou o gás natural podem ser sujeitos a tributação em conformidade com o n.° 3 do artigo 3.° da Directiva 92/12/CEE.»

8 O artigo 4.° , n.° 3, primeiro parágrafo, da Directiva 92/81 está redigido da seguinte forma:

«O consumo de óleos minerais nas instalações de um estabelecimento produtor de óleos minerais não é considerado facto gerador do imposto se se efectuar para efeitos dessa mesma produção.»

9 A Directiva 92/82/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 19), tal como alterada pela Directiva 94/74 (a seguir «Directiva 92/82»), contém, no seu artigo 2.° , n.° 1, uma lista exaustiva dos óleos minerais a que se aplica. A energia eléctrica não faz parte desta lista.

10 A Recomendação 81/924 convida os Estados-Membros a agirem de modo a que as estruturas tarifárias da energia eléctrica se baseiem nos princípios comuns seguintes:

«1. As estruturas tarifárias da electricidade devem ser organizadas e adoptadas de modo a permitir uma política racional dos preços e a reproduzir os custos suportados pelas diferentes categorias de consumidores; devem ser definidas tendo em conta a utilização racional da energia e de modo a evitar incentivar um consumo não justificado, sendo tão claras e simples quanto possível.

2. Deve ser generalizada a tarifa binominal que, de entre as diferentes fórmulas tarifárias, melhor permite reproduzir a estrutura dos custos do fornecimento de energia eléctrica [...].

3. Devem deixar de ser utilizadas as estruturas tarifárias de carácter promocional, que favorecem um consumo supérfluo e acentuam a diminuição artificial do preço da electricidade.

4. As tarifas baseadas na utilização que é dada à energia eléctrica devem ser eliminadas, a menos que essas tarifas estejam de acordo com as disposições gerais do ponto 1 e contribuam para a realização a longo prazo dos objectivos da política energética.

5. No sentido de transferir a procura para períodos que não os de carga máxima, ou permitir uma repartição da carga, deve-se prever a aplicação de tarifas múltiplas com preços diferenciados e/ou a possibilidade de interromper os fornecimentos.

6. As tarifas não devem ser mantidas a um nível artificialmente baixo, por exemplo, por motivos sociais ou razões ligadas a uma política anti-inflacionista; nestes casos, deve ser conduzida uma acção separada, se for caso disso.

7. As fórmulas tarifárias devem permitir a actualização dos preços a intervalos regulares.

Que continuem as investigações sobre as características da procura de electricidade pelas diversas categorias de consumidores e da sua evolução a longo prazo, e que as desenvolvam em estreita cooperação a nível comunitário, com vista ao melhoramento das estruturas tarifárias.

Que velem por que os preços da electricidade apresentem o mais elevado grau de transparência possível e que estes preços, bem como os custos para os consumidores, sejam, tanto quanto possível, do domínio público.»

Regulamentação nacional

11 O Decreto legislativo n.° 347, de 19 de Outubro de 1944 (GURI n.° 90, série especial, de 5 de Dezembro de 1944), prevê, no seu artigo 1.° , a instituição de um Comitato interministeriale dei prezzi (comité interministerial dos preços, a seguir «CIP») encarregado da coordenação e da disciplina dos preços.

12 O artigo 1.° do Decreto legislativo n.° 896, de 15 de Setembro de 1947 (GURI n.° 217, de 22 de Setembro de 1947, p. 2789), conferiu ao CIP o poder de criar caixas de compensação e de estabelecer as modalidades das contribuições correspondentes para efeitos de unificação ou de perequação dos preços. A Cassa conguaglio per il settore elletrico (Caixa de perequação do sector eléctrico, a seguir «Caixa») foi constituída com base neste texto legal. A Caixa foi financiada, nomeadamente pelo «sovrapprezzo termico» (suplemento de preço térmico), sendo este último um suplemento de preço da electricidade, fixado para encorajar economias de energia e cujo montante era periodicamente revisto pelo CIP.

13 Em 1987, a República Italiana decidiu, por referendo, abandonar a produção de electricidade nuclear e parar as centrais nucleares. Para fazer face aos custos provocados por esta decisão, o CIP, por deliberação de 27 de Janeiro de 1988 (GURI n.° 26, de 2 de Fevereiro de 1988, p. 27), decidiu instituir uma «maggiorazione straordinaria del sovrapprezzo termico» (aumento extraordinário do suplemento de preço térmico), a ser aplicada a título provisório.

14 Por força da Lei n.° 9, de 9 de Janeiro de 1991 (suplemento ordinário do GURI n.° 13, de 16 de Janeiro de 1991, p. 3), este aumento extraordinário foi denominado «sovrapprezzo per onere nucleare» (suplemento de preço para encargos nucleares). Além disso, tornou-se permanente e as receitas que gera estão afectas, nomeadamente, ao reembolso à ENEL e às empresas de construção de centrais nucleares atingidas pelos encargos suplementares provocados pela decisão de abandonar definitivamente a construção de centrais nucleares.

15 O artigo 22.° da Lei 9/91 prevê a adopção de medidas destinadas a incentivar a produção de electricidade a partir de fontes de energia renováveis ou equiparadas.

16 Por deliberação de 29 de Abril de 1992 (GURI n.° 109, de 12 de Maio de 1992, p. 21), o CIP decidiu instituir um «sovrapprezzo per nuovi impianti da fonti rinnovabili e assimilate» (suplemento de preço para novas instalações que utilizem fontes renováveis e equiparadas), destinado a financiar os auxílios concedidos às empresas que produzam electricidade a partir de fontes de energia renováveis. Este suplemento consiste na cobrança de um montante sobre os fornecimentos de electricidade com taxas regressivas em função da potência da energia eléctrica consumida.

17 A «maggiorazione staordinaria del sovrapprezzo termico» e o «sovrapprezzo per nuovi impianti da fonti rinnovabili e assimilate» (a seguir «suplementos») são cobrados pela ENEL, que os entrega à Caixa. Esta redistribui os montantes cobrados entre as diferentes empresas às quais eles se destinam.

O litígio no processo principal e a questão prejudicial

18 A Altair é uma sociedade que produz soda cáustica, potassa cáustica e cloreto de potássio através de um processo electroquímico. Esta actividade constitui, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma indústria com elevado consumo de energia para a qual a electricidade é utilizada como «energia do processo» e constitui uma verdadeira matéria-prima que se integra no processo de produção, na medida em que se incorpora no produto final sem dele poder ser separada.

19 Tal como resulta dos autos, num primeiro tempo, a Altair recusou-se a pagar os suplementos relativos ao consumo de electricidade dos meses de Fevereiro e de Março de 1997. Em consequência, a ENEL, por petição de 27 de Junho de 1997, pediu ao presidente do Tribunale di Firenze que ordenasse à Altair o pagamento dos montantes em causa.

20 Tendo, na sequência de diversos processos, sido condenada no pagamento dos montantes em litígio, a Altair recorreu para a Corte d'appello di Firenze. Neste órgão jurisdicional, alegou que as disposições regulamentares que instituem os suplementos são incompatíveis com o direito comunitário, designadamente com os artigos 81.° CE, 82.° CE e 85.° CE, e com a Directiva 92/12 e a Recomendação 81/924.

21 Considerando que a solução do litígio que tinha que decidir exigia a interpretação de diferentes disposições do direito comunitário, a Corte d'appello di Firenze decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«A Corte d'appello di Firenze submete ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias uma questão prejudicial sobre a interpretação exacta dos artigos 81.° [CE], 82.° [CE] e 85.° [CE] e da Directiva 92/12 e da Recomendação do Conselho CEE n.° 924, de 27 de Outubro, com a finalidade de determinar se a legislação interna constituída pelos decretos legislativos n.° 347/44 e 896/47 e o decreto do Presidente da República n.° 373/94, decreto legislativo n.° 98/48 e a lei n.° 9/91, é compatível com o disposições comunitárias referidas.»

22 Resulta do despacho de reenvio que a Corte d'appello tende a considerar, por um lado, que os suplementos constituem prestações suplementares, na acepção dos artigos 81.° , n.° 1, alínea e), CE e 82.° , alínea d), CE e, por outro lado, que as matérias-primas não podem ser tributadas.

Quanto à admissibilidade

23 O Governo italiano suscitou dúvidas quanto à admissibilidade do presente reenvio prejudicial. Em seu entender, o despacho de reenvio não contém os elementos mínimos indispensáveis, no que respeita ao contexto jurídico em que se inscreve o litígio no processo principal, nem o quadro factual do processo, não preenchendo, por conseguinte, as condições de admissibilidade tais como resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

24 A este respeito, há que recordar que, segundo uma jurisprudência constante, a necessidade de obter uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inscrevem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões (v., designadamente, acórdão de 21 de Setembro de 1999, Brentjens', C-115/97 a C-117/97, Colect., p. I-6025, n.° 38).

25 As informações fornecidas nas decisões de reenvio não devem apenas permitir ao Tribunal dar respostas úteis, mas devem também dar aos Governos dos Estados-Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça. Cabe ao Tribunal de Justiça velar por que esta possibilidade seja salvaguarda, tendo em conta o facto de que, nos termos da disposição referida, apenas as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas (v., nomeadamente, despachos de 30 de Abril de 1998, Testa e Modesti, C-128/97 e C-137/97, Colect., p. I-2181, n.° 6, e de 11 de Maio de 1999, Anssens, C-325/98, Colect., p. I-2969, n.° 8).

26 No presente caso, verifica-se, da leitura do despacho de reenvio, que o órgão jurisdicional de reenvio definiu de modo suficiente o quadro tanto factual como jurídico em que formula o seu pedido de interpretação do direito comunitário e que forneceu ao Tribunal de Justiça todas as informações necessárias para colocar este em condições de responder utilmente ao referido pedido.

27 De resto, resulta das observações apresentadas, em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, pelo Governo italiano e pela Comissão que as informações contidas no despacho de reenvio lhes permitiram tomar utilmente posição sobre a questão submetida ao Tribunal de Justiça.

28 Segue-se que a questão prejudicial é admissível.

Quanto à questão prejudicial

29 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se os artigos 81.° CE, 82.° CE e 85.° CE, a Directiva 92/12 ou a Recomendação 81/924 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação que prevê a cobrança de suplementos de preço da electricidade tais como os que estão em causa no processo principal quando a electricidade seja utilizada num processo electroquímico.

30 Em primeiro lugar, no que diz respeito à interpretação dos artigos do Tratado, há que recordar, por um lado, que os artigos 81.° CE e 82.° CE apenas se referem a comportamentos contrários à concorrência adoptados pelas empresas por sua própria iniciativa. Se às empresas for imposto, por uma legislação nacional, um comportamento contrário à concorrência, ou se esta legislação criar um quadro jurídico que, por si só, elimine qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, os artigos 81.° CE e 82.° CE não são aplicáveis. Numa situação deste tipo, como resulta das referidas disposições, a limitação da concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas (acórdão de 11 de Novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing, C-359/95 P e C-379/95 P, Colect., p. I-6265, n.° 33).

31 Pelo contrário, os artigos 81.° CE e 82.° CE podem ser aplicados se se verificar que a legislação nacional deixa subsistir a possibilidade de existência de concorrência susceptível de ser entravada, limitada ou falseada por comportamentos autónomos das empresas (acórdão Comissão e França/Ladbroke Racing, já referido, n.° 34).

32 Deve dizer-se, por outro lado, que, face à origem das disposições que regulam os suplementos em causa no processo principal, ao destinatário desses suplementos, à afectação das receitas que eles geram e às penalidades e processos de cobrança previstos no caso de não serem pagos, os referidos suplementos constituem imposições.

33 Esta qualificação está, de resto, em conformidade com a adoptada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 21 de Maio de 1980, Comissão/Itália (73/79, Recueil, p. 1533, n.° 22), acerca de um suplemento de preço do açúcar também instituído pelo CIP e pago a uma caixa de perequação para ser redistribuído à indústria do açúcar italiana.

34 Como tais, embora sejam facturados e cobrados pela ENEL, os suplementos em causa no processo principal são da exclusiva competência do Estado italiano.

35 Uma vez que a intervenção da ENEL se limita à cobrança, por conta do Estado, desses suplementos, aquela deve ser considerada como um cobrador de impostos. Ora, uma vez que, no exercício dessa função, a ENEL não intervém na qualidade de operador económico nem dispõe de qualquer margem de apreciação, a sua intervenção não pode ser considerada um comportamento anticoncorrencial, na acepção da jurisprudência referida nos n.os 30 e 31 do presente acórdão.

36 Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento de que a cobrança de suplementos como os que estão em causa no processo principal compromete a situação concorrencial dos operadores económicos que lhes estão sujeitos, em relação aos operadores económicos estabelecidos noutros Estados-Membros que não estão sujeitos a essa cobrança. Com efeito, os artigos 81.° CE e 82.° CE são apenas aplicáveis aos comportamentos anticoncorrenciais das empresas e não têm por objecto eliminar as diferenças que possam existir entre os regimes fiscais dos diversos Estados-Membros.

37 Face a estas considerações, há que concluir que os artigos 81.° CE, 82.° CE e 85.° CE não se opõem à cobrança de suplementos como os que estão causa no processo principal.

38 Em segundo lugar, quanto à compatibilidade dos suplementos em causa no processo principal com a Directiva 92/12, há que recordar que a referida directiva enumera, no seu artigo 3.° , n.° 1, os produtos a que se aplica.

39 Ora, resulta claramente da conjugação desta disposição com o artigo 2.° da Directiva 92/81 e com o artigo 2.° da Directiva 92/82 que a electricidade não entra no âmbito da Directiva 92/12.

40 Nestas condições, e sem que seja necessário examinar se, tal como sustenta a Altair, a Directiva 92/12 contém um princípio segundo o qual as matérias-primas não podem ser tributadas, há que declarar que a referida directiva não pode opor-se à cobrança de suplementos tais como os que estão em causa no processo principal.

41 Em terceiro lugar, no que concerne à interpretação da Recomendação 81/924, há que recordar, por um lado, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, mesmo que as recomendações não se destinem a produzir efeitos vinculativos nem estejam em condições de criar direitos que os particulares possam invocar perante um tribunal nacional, não estão, no entanto, desprovidas de todo e qualquer efeito jurídico. Com efeito, os juízes nacionais são obrigados a ter em consideração as recomendações para a resolução dos litígios que lhes são submetidos, nomeadamente quando elas esclarecem a interpretação de disposições nacionais adoptadas com o fim de garantir a sua aplicação ou quando elas têm por objecto completar disposições comunitárias com carácter vinculativo (v. acórdão de 13 de Dezembro de 1989, Grimaldi, C-322/88, Colect., p. 4407, n.os 7, 16 e 18).

42 Por outro lado, importa dizer que resulta tanto do seu título como dos princípios que enuncia que a Recomendação 81/924 apenas se aplica à estrutura das tarifas da energia eléctrica. Com efeito, ela pretende unificar os princípios que estão na base das estruturas tarifárias nos diversos Estados-Membros e melhorar a transparência e a publicidade dos preços da electricidade. Embora esta recomendação dê indicações quanto aos diversos custos que os preços devem cobrir, não contém, em contrapartida, qualquer indício que permita concluir que pode ser interpretada no sentido de que se aplica à adopção de um imposto sobre o consumo de energia eléctrica.

43 Nestas condições, deve dizer-se que a Recomendação 81/924 não é susceptível de impedir um Estado-Membro de cobrar suplementos como os que estão em causa no processo principal.

44 Face ao conjunto das considerações que precedem, há que responder à questão prejudicial que os artigos 81.° CE, 82.° CE e 85.° CE e a Directiva 92/12 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê a cobrança de suplementos de preços da electricidade como os que estão em causa no processo principal, quando a electricidade seja utilizada no processo electroquímico, e que a Recomendação 81/924 não é susceptível de impedir um Estado-Membro de cobrar tais suplementos.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

45 As despesas efectuadas pelo Governo italiano e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pela Corte d'appello di Firenze, por despacho de 23 de Janeiro de 2001, declara:

Os artigos 81.° CE, 82.° CE e 85.° CE e a Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, tal como alterada pela Directiva 96/99/CE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1996, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê a cobrança de suplementos de preços da electricidade como os que estão em causa no processo principal, quando a electricidade seja utilizada num processo electroquímico, e que a Recomendação 81/924/CEE do Conselho, de 27 de Outubro de 1981, relativa às estruturas tarifárias para a energia eléctrica na Comunidade, não é susceptível de impedir um Estado-Membro de cobrar tais suplementos.

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