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Document 62003CJ0060

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 12 de Outubro de 2004.
Wolff & Müller GmbH & Co. KG contra José Filipe Pereira Félix.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesarbeitsgericht - Alemanha.
Artigo 49.º CE - Restrições à livre prestação de serviços - Empresas do sector da construção civil - Subempreitada - Obrigação da empresa de se constituir fiadora relativamente ao salário mínimo dos trabalhadores contratados por um subempreiteiro.
Processo C-60/03.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-09553

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:610

Arrêt de la Cour

Processo C-60/03

Wolff & Müller GmbH & Co. KG

contra

José Filipe Pereira Félix

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesarbeitsgericht)

«Artigo 49.° CE – Restrições à livre prestação de serviços – Empresas do sector da construção civil – Subempreitada – Obrigação da empresa de se constituir fiadora relativamente ao salário mínimo dos trabalhadores contratados por um subempreiteiro»

Sumário do acórdão

Livre prestação de serviços – Destacamento de trabalhadores efectuado no âmbito de uma prestação de serviços – Directiva 96/71 – Regulamentação nacional que prevê que uma empresa que recorre aos serviços de uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro seja responsável como fiadora relativamente ao salário mínimo dos trabalhadores contratados por outra empresa – Restrição à livre prestação de serviços – Justificação por razões de interesse geral – Protecção social dos trabalhadores

(Artigo 49.° CE; Directiva 96/71 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 5.°)

O artigo 5.° da Directiva 96/71, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, nos termos do qual os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas em caso de não cumprimento desta directiva e assegurarão especialmente que os trabalhadores e/ou os seus representantes disponham de procedimentos adequados para garantir o cumprimento das obrigações previstas na mesma directiva, interpretado à luz do artigo 49.° CE, não se opõe, em princípio, a normas nacionais segundo as quais uma empresa de construção civil estabelecida no Estado‑Membro em causa e que contrata uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro para efectuar obras de construção civil responde como fiadora, com renúncia ao benefício da excussão prévia, pelas obrigações dessa empresa ou de um seu subempreiteiro relativas ao pagamento do salário mínimo dos trabalhadores ao serviço desta última ou das cotizações para um organismo comum às partes numa convenção colectiva, quando o salário mínimo consista num montante a pagar ao trabalhador, após dedução dos impostos e cotizações para a segurança social e para a promoção do emprego ou de outras prestações semelhantes em matéria de segurança social (salário líquido), e isto mesmo quando as normas nacionais visadas não tenham como objectivo prioritário a protecção da remuneração do trabalhador ou quando a protecção da remuneração seja apenas um seu objectivo secundário.

Com efeito, se o direito ao salário mínimo constitui um elemento de protecção dos trabalhadores, que figura entre as razões imperativas de interesse geral susceptíveis de justificar uma eventual restrição à livre prestação de serviços, as modalidades processuais que lhes permitem obter o respeito deste direito, como a responsabilidade do fiador, devem ser igualmente consideradas aptas para garantir essa protecção, na medida em que esta norma aproveita aos trabalhadores destacados porquanto acrescenta, em seu benefício, ao primeiro devedor do salário mínimo, que é o seu empregador, um segundo devedor, que fica vinculado solidariamente com o primeiro e que, geralmente, é até mais solvente do que ele.

(cf. n.os 28, 34, 35, 37, 40, 45, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
12 de Outubro de 2004(1)

«Artigo 49.° CE – Restrições à livre prestação de serviços – Empresas do sector da construção civil – Subempreitada – Obrigação da empresa de se constituir fiadora relativamente ao salário mínimo dos trabalhadores contratados por um subempreiteiro»

No processo C-60/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesarbeitsgericht (Alemanha), por despacho de 6 de Novembro de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Fevereiro de 2003, no processo

Wolff & Müller GmbH & Co. KG

contra

José Filipe Pereira Félix,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),,



composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, C. Gulmann, R. Schintgen, F. Macken e N. Colneric, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,
secretário: M. Múgica Arzamendi, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 10 de Junho de 2004,vistas as observações apresentadas:

em representação da Wolff & Müller GmbH & Co. KG, por T. Möller, Rechtsanwalt,

em representação de J. F. Pereira Félix, por M. Veiga, Rechtsanwältin,

em representação do Governo alemão, por A. Tiemann, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues bem como por C. Bergeot‑Nunes e O. Christmann, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por E. Riedl e G. Hesse, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Patakia, na qualidade de agente, assistida por R. Karpenstein, Rechtsanwalt,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem conclusões,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação do artigo 49.° CE.

2
Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio entre a Wolff & Müller GmbH & Co. KG (a seguir «Wolff & Müller»), uma empresa de construção, e José Filipe Pereira Félix, relativamente à responsabilidade daquela empresa, enquanto fiadora do pagamento do salário mínimo devido a J. F. Pereira Félix pelo seu empregador.


Enquadramento jurídico

Regulamentação comunitária

3
O quinto considerando da Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO 1997, L 18, p. 1), declara:

«[C]onsiderando que essa promoção da prestação transnacional de serviços impõe uma concorrência leal e medidas que garantam o respeito pelos direitos dos trabalhadores.»

4
Nos termos do artigo 1.° da Directiva 96/71, intitulado «Âmbito de aplicação»:

«1.     A presente directiva é aplicável às empresas estabelecidas num Estado‑Membro que, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços e nos termos do n.° 3, destaquem trabalhadores para o território de um Estado‑Membro.

[…]

3.       A presente directiva é aplicável sempre que as empresas mencionadas no n.° 1 tomem uma das seguintes medidas transnacionais:

a)
Destacar um trabalhador para o território de um Estado‑Membro, por sua conta e sob a sua direcção, no âmbito de um contrato celebrado entre a empresa destacadora e o destinatário da prestação de serviços que trabalha nesse Estado‑Membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre a empresa destacadora e o trabalhador;

[…]»

5
O artigo 3.° da Directiva 96/71, intitulado «Condições de trabalho e emprego», estabelece no seu n.° 1:

«Os Estados‑Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no n.° 1 do artigo 1.° garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado‑Membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:

por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas

e/ou

por convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na acepção do n.° 8, na medida em que digam respeito às actividades referidas no anexo:

[...]

c)
Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; a presente alínea não se aplica aos regimes complementares voluntários de reforma;

[…]»

6
Nos termos do artigo 5.° da Directiva 96/71, intitulado «Medidas»:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas em caso de não cumprimento da presente directiva.

Os Estados‑Membros assegurarão especialmente que os trabalhadores e/ou os seus representantes disponham de processos adequados para garantir o cumprimento das obrigações previstas na presente directiva.»

Legislação nacional

7
A Verordnung über zwingende Arbeitsbedingungen in Baugewerbe (Regulamento relativo às condições imperativas de trabalho no sector da construção civil) de 25 de Agosto de 1999 (BGBl. 1999 I, p. 1894), estabelece no seu § 1:

«As normas da convenção colectiva que fixa um salário mínimo no sector da construção civil no território da República Federal da Alemanha (convenção sobre o salário mínimo), de 26 de Maio de 1999, indicadas no anexo 1 do presente regulamento, aplicam‑se a todos os empregadores e trabalhadores não vinculados por essa convenção que estejam no seu domínio de aplicação em 1 de Setembro de 1999, se a actividade principal da empresa for a construção, na acepção do § 211, n.° 1, do livro III do Sozialgesetzbuch [código alemão da segurança social, a seguir ‘SGB III’]. As normas da convenção colectiva aplicam‑se igualmente aos empregadores que tenham a sua sede no estrangeiro e aos seus trabalhadores que exerçam a actividade no âmbito de aplicação do regulamento.»

8
Nos termos do § 1a da Arbeitnehmer‑Entsendegestez (lei relativa ao destacamento dos trabalhadores, a seguir «AEntG»), introduzido pelo § 10 da Gesetz zu Korrekturen der Sozialversicherung und zur Sicherung der Arbeitnehmerrechte (lei que altera a segurança social e que garante os direitos dos trabalhadores), de 19 de Dezembro de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 3843), entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999:

«A empresa que contratar outra empresa para realizar obras de construção, na acepção do § 211, n.° 1, do SGB III, responde, como fiadora, com renúncia ao benefício da excussão prévia, pelas obrigações desta empresa, de um subempreiteiro ou de um locador de mão‑de‑obra utilizado pela empresa ou por um subempreiteiro, pelo pagamento do salário mínimo aos trabalhadores ou pelo pagamento das cotizações para um organismo comum às partes da convenção colectiva, nos termos do § 1, n.° 1, segundo e terceiro períodos, n.° 2a, n.° 3, segundo e terceiro períodos, ou n.° 3a, quarto e quinto períodos. O salário mínimo, na acepção do primeiro período desta disposição, compreende o montante devido ao trabalhador após dedução dos impostos e dos descontos para a segurança social e para promoção do emprego ou das cotizações semelhantes da segurança social (salário líquido).»


O litígio do processo principal e a questão prejudicial

9
J. F. Pereira Félix é um nacional português que, de 21 de Fevereiro a 15 de Maio de 2000, trabalhou em Berlim (Alemanha) como pedreiro numa obra, como trabalhador de uma empresa de construção com sede em Portugal. Esta empresa executou nessa obra trabalhos em betão e betão armado para a Wolff & Müller.

10
Por acção intentada em 4 de Setembro de 2000 no Arbeitsgericht Berlin (Alemanha), J. F. Pereira Félix exigiu do seu empregador e da Wolff & Müller, enquanto devedores solidários, o pagamento de salários em dívida no montante de 4 019, 23 DEM. Alegou que a Wolff & Müller, como fiadora, respondia, nos termos do § 1a da AEntG, pelos montantes correspondentes aos salários por ele não recebidos.

11
A Wolff & Müller contestou os pedidos de J. F. Pereira Félix, alegando, designadamente, que a sua responsabilidade não existe, porque o § 1a da AentG viola a sua liberdade de exercício de uma profissão consagrada no § 12 da Grundgesetz (Lei Fundamental) e infringe a liberdade de prestação de serviços consagrada pelo Tratado CE.

12
O Arbeitsgericht Berlin considerou procedente o pedido de J. F. Pereira Félix. O Landesarbeitsgericht (Alemanha) negou parcialmente provimento ao recurso interposto daquela decisão pela Wolff & Müller, que interpôs recurso de revista para o Bundesarbeitsgericht.

13
Este último considerou que se verificam as condições prévias para que exista a responsabilidade da Wolff & Müller enquanto fiadora nos termos do § 1a da AEntG. Considerou igualmente que essa disposição é compatível com o § 12 da Grundgesetz, por se tratar de uma restrição proporcionada. No entanto, a referida disposição da AEntG parece‑lhe susceptível de constituir um entrave à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 49.° CE.

14
A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a responsabilidade a título de fiador prevista no § 1a da AentG (a seguir «responsabilidade do fiador») pode exigir fiscalizações intensas e obrigações de prova que afectarão particularmente os subempreiteiros estrangeiros. Isso implicaria custos e encargos administrativos adicionais, não apenas para o empreiteiro geral, mas igualmente para os subempreiteiros. Estes encargos obstariam à prestação de serviços de construção na Alemanha por parte das empresas de construção civil dos outros Estados‑Membros, ao tornarem as referidas prestações menos atractivas.

15
Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a violação da liberdade de prestação de serviços resultante do § 1a da AEntG é justificada.

16
Por um lado, segundo o referido órgão jurisdicional, é certo que a responsabilidade do fiador confere ao trabalhador uma vantagem real que contribui para o proteger. Os trabalhadores disporiam, para além do seu empregador, de um devedor suplementar para exercerem o seu direito ao salário líquido previsto pela regulamentação nacional.

17
O órgão jurisdicional de reenvio considera que, todavia, esta vantagem só produz efeitos limitados. Para um trabalhador estrangeiro destacado, seria, na prática, muitas vezes difícil exercer nos tribunais alemães o seu direito ao salário contra a empresa responsável como fiadora. Não tendo o destacamento, frequentemente, uma duração superior a alguns meses para um projecto de construção determinado, os trabalhadores geralmente não conhecem a língua alemã e não conhecem o direito aplicável na Alemanha. O recurso a um tribunal alemão por parte dos trabalhadores para exercerem os seus direitos com base na responsabilidade do fiador defronta portanto enormes dificuldades. Por outro lado, esta protecção perderá o seu valor económico se as hipóteses reais de se ser trabalhador assalariado na Alemanha diminuírem de forma sensível.

18
Por outro lado, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, deve ter‑se em conta o facto de que, segundo a exposição de motivos da AEntG, o objectivo da responsabilidade do fiador é tornar mais difícil a contratação de subempreiteiros provenientes de países ditos «de baixos salários» e, portanto, animar o mercado de trabalho alemão, proteger a existência económica das pequenas e médias empresas na Alemanha e combater o desemprego neste Estado‑Membro. Estas considerações estão no cerne da regulamentação não apenas nos termos da exposição de motivos da referida lei, mas ainda mais se a considerarmos objectivamente. A garantia assim concedida aos trabalhadores estrangeiros, por razões sociais, do direito a um salário duplicado ou mesmo, por vezes, triplicado, quando trabalham em obras na Alemanha, não consta dos objectivos expressamente enunciados no § 1a da AEntG.

19
Considerando que a solução do litígio nele pendente depende da interpretação do artigo 49.° CE, o Bundesarbeitsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 49.° CE (ex‑artigo 59.° do Tratado CE) opõe‑se a normas nacionais nos termos das quais uma empresa de construções que contrata outra empresa para efectuar obras é responsável como fiadora, com renúncia ao benefício da excussão prévia, pelas obrigações dessa empresa, ou de um seu subempreiteiro, relativas ao pagamento do salário mínimo dos trabalhadores ou das cotizações para um organismo comum às partes de uma convenção colectiva, quando o salário mínimo consista no montante a pagar ao trabalhador, após dedução dos impostos e das cotizações para a segurança social e para a promoção do emprego ou de prestações semelhantes em matéria de segurança social (salário líquido), e quando a protecção da remuneração do trabalhador não é o objectivo prioritário daquelas normas ou quando a protecção da remuneração do trabalhador é apenas um seu objectivo secundário?»


Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

20
A Comissão das Comunidades Europeias alega que o problema da responsabilidade do fiador pelas cotizações para um organismo comum às partes numa convenção colectiva não é objecto do litígio no processo principal e, portanto, deve ser afastado do pedido de decisão prejudicial apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

21
A este respeito, deve recordar‑se que uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é inadmissível se for manifesto que a mesma não incide sobre a interpretação do direito comunitário ou que é hipotética (acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 35, e jurisprudência aí citada). E esse não é aqui o caso.

22
Com efeito, resulta do teor da questão colocada, que parafraseia o § 1a da AEntG, que é a disposição controvertida no processo principal, que a questão do pagamento de cotizações a um organismo comum às partes de uma convenção colectiva de trabalho está intimamente ligada à do pagamento do salário mínimo.

23
O pedido de decisão prejudicial é portanto admissível na totalidade.

Quanto ao mérito

24
Deve recordar‑se que, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional que lhe submeteu uma questão prejudicial, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito comunitário a que o juiz nacional não fez referência na sua questão (acórdão de 22 de Janeiro de 2004, COPPI, C‑271/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 27, e jurisprudência aí citada).

25
Ora, como salientam com razão o Governo austríaco e a Comissão nas suas observações escritas, os factos do processo principal, tal como são descritos no despacho de reenvio, devem considerar‑se abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 96/71. Com efeito, eles correspondem ao caso previsto no artigo 1.°, n.° 3, alínea a), desta directiva.

26
Por outro lado, é incontroverso que os factos do processo principal se verificaram no decurso do ano 2000, ou seja, numa data posterior à do termo do prazo concedido aos Estados‑Membros para transposição da Directiva 96/71, fixada em 16 de Dezembro de 1999.

27
Devem, portanto, ter‑se em consideração as disposições da referida directiva no quadro da análise da questão prejudicial.

28
Nos termos do artigo 5.° da Directiva 96/71, os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas em caso de não cumprimento da directiva. Os Estados‑Membros assegurarão especialmente que os trabalhadores e/ou os seus representantes disponham de procedimentos adequados para garantir o cumprimento das obrigações previstas na directiva. Entre estas obrigações consta, como resulta do artigo 3.°, n.° 1, segundo travessão, alínea c), da mesma directiva, a obrigação de velar por que as empresas garantam aos trabalhadores destacados para o seu território o pagamento das remunerações salariais mínimas.

29
Daqui resulta que os Estados‑Membros devem velar, designadamente, por que os trabalhadores deslocados disponham de meios processuais adequados para a obtenção efectiva do salário mínimo.

30
Decorre da letra do artigo 5.° da Directiva 96/71 que os Estados‑Membros dispõem de uma larga margem de apreciação quanto à definição da forma e das modalidades dos procedimentos adequados, na acepção do segundo parágrafo desta disposição. Ao utilizarem essa margem de apreciação, devem sempre respeitar as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdãos de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital, C‑390/99, Colect., p. I‑607, n.os 27 e 28, e de 25 de Março de 2004, Karner, C‑71/02, ainda não publicado na Colectânea, n.os 33 e 34), e portanto, no que diz respeito ao processo principal, a livre prestação de serviços.

31
A este respeito, deve recordar‑se em primeiro lugar que, segundo jurisprudência constante, o artigo 49.° CE exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada a prestadores nacionais e de outros Estados‑Membros, quando seja susceptível de impedir, perturbar ou tornar menos atractivas as actividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos (acórdão de 24 de Janeiro de 2002, Portugaia Construções, C‑164/99, Colect., p. I‑787, n.° 16, e jurisprudência aí citada).

32
Como já foi decidido pelo Tribunal de Justiça, a aplicação das regulamentações nacionais do Estado‑Membro de acolhimento aos prestadores de serviços é susceptível de proibir, perturbar ou tornar menos atractivas as prestações de serviços por pessoas ou empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros, na medida em que implique despesas bem como encargos administrativos e económicos suplementares (acórdão Portugaia Construções, já referido, n.° 18, e jurisprudência aí citada).

33
Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso no processo principal, relativamente à responsabilidade do fiador. A este respeito, importa ter em conta o efeito da referida medida nas prestações de serviços efectuadas não apenas por subempreiteiros estabelecidos noutro Estado‑Membro, mas igualmente por eventuais empreiteiros gerais provenientes de outros Estado‑Membros.

34
Resulta ainda de jurisprudência constante que, quando uma regulamentação como a do § 1a da AEntG, admitindo que constitua uma restrição à livre prestação de serviços, se aplique a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma actividade no território do Estado‑Membro de acolhimento, pode ser justificada quando corresponda a razões imperativas de interesse geral, na medida em que esse interesse não esteja salvaguardado pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado‑Membro em que está estabelecido e desde que seja adequada para garantir a realização do objectivo que as mesmas prosseguem e não ultrapassem o limite do necessário para atingir esse objectivo (v., neste sentido, acórdão Portugaia Construções, já referido, n.° 19, e jurisprudência aí referida).

35
Entre as razões imperativas de interesse geral já reconhecidas pelo Tribunal de Justiça figura a protecção dos trabalhadores (acórdão Portugaia Construções, já referido, n.° 20, e jurisprudência aí referida).

36
Ora, se pode admitir‑se, em princípio, que a aplicação pelo Estado‑Membro de acolhimento da sua regulamentação relativa ao salário mínimo aos prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado‑Membro prossegue um objectivo de interesse geral, a saber, a protecção dos trabalhadores (acórdão Portugaia Construções, já referido, n.° 19, e jurisprudência aí citada), o mesmo se pode dizer, em princípio, das medidas adoptadas pelo Estado‑Membro de acolhimento destinadas a reforçar as modalidades processuais que permitem aos trabalhadores destacados exercer com eficácia o seu direito ao salário mínimo.

37
Com efeito, se o direito ao salário mínimo constitui um elemento de protecção dos trabalhadores, as modalidades processuais que lhes permitem obter o respeito deste direito, como a responsabilidade do fiador em causa no processo principal, devem ser igualmente consideradas aptas para garantir essa protecção.

38
Quanto à observação do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual a protecção do mercado nacional de trabalho, e não a protecção da remuneração do trabalhador, é o objectivo prioritário prosseguido pelo legislador nacional com adopção do § 1a da AEntG, deve recordar‑se que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, objectivamente considerada, a regulamentação em causa no processo principal assegura a protecção dos trabalhadores destacados. Há que constatar que a referida regulamentação acarreta, para os trabalhadores em causa, uma vantagem real que contribui significativamente para a sua protecção social. Neste contexto, a intenção declarada do legislador pode conduzir a uma análise mais circunstanciada das vantagens alegadamente conferidas aos trabalhadores pelas medidas que ele adoptou (acórdão Portugaia Construções, já referido, n.os 28 e 29, bem como a jurisprudência aí citada).

39
O órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas a respeito da vantagem real que teria para os trabalhadores destacados a responsabilidade do fiador devido tanto a dificuldades práticas com que eles se defrontariam para exercer nos tribunais alemães o seu direito ao salário contra o empreiteiro geral, como ao facto de essa protecção perder o seu valor económico quando as hipóteses de se encontrar um trabalho assalariado na Alemanha diminuírem de forma sensível.

40
Contudo, como sublinham com razão J. F. Pereira Félix, os Governos alemão, austríaco e francês, e também a Comissão, o facto é que uma norma como a do § 1a da AEntG aproveita aos trabalhadores destacados porquanto acrescenta, em seu benefício, ao primeiro devedor do salário mínimo, que é o seu empregador, um segundo devedor, que fica vinculado solidariamente com o primeiro e que, geralmente, é até mais solvente do que ele. Considerada objectivamente, essa norma é portanto adequada a assegurar a protecção dos trabalhadores destacados. O litígio do processo principal, em si mesmo, parece aliás confirmar esta vocação protectora do § 1a da AEntG.

41
Na medida em que um dos objectivos prosseguidos pelo legislador nacional consista em prevenir a concorrência desleal por parte de empresas que remuneram os seus trabalhadores a um nível inferior ao correspondente ao salário mínimo, o que cabe ao juiz de reenvio verificar, esse objectivo pode ser tomado em consideração como exigência imperativa susceptível de justificar uma restrição à livre prestação de serviços, desde que as condições recordadas no n.° 34 do presente acórdão estejam reunidas.

42
Aliás, como salienta com razão o Governo austríaco nas suas observações escritas, não existe necessariamente contradição entre o objectivo de defender a concorrência leal e o de assegurar a protecção dos trabalhadores. O quinto considerando da Directiva 96/71 demonstra que estes dois objectivos podem ser prosseguidos concomitantemente.

43
Finalmente, quanto às observações da Wolff & Müller segundo as quais a responsabilidade do fiador é desproporcionada relativamente ao objectivo prosseguido, resulta, com efeito, da jurisprudência citada no n.° 34 do presente acórdão que, para ser justificada, uma medida deve ser adequada a garantir a realização do objectivo que prossegue e não deve exceder o que é necessário para o atingir.

44
Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essas condições estão respeitadas relativamente ao objectivo prosseguido, que é o de garantir a protecção do trabalhador em causa.

45
Nestas condições, deve responder‑se à questão colocada que o artigo 5.° da Directiva 96/71, interpretado à luz do artigo 49.° CE, não se opõe, num caso como o do processo principal, a normas nacionais segundo as quais uma empresa de construção que contrata outra empresa para efectuar obras de construção responde como fiadora, com renúncia ao benefício da excussão prévia, pelas obrigações dessa empresa ou de um seu subempreiteiro relativas ao pagamento do salário mínimo dos trabalhadores ou das cotizações para um organismo comum às partes numa convenção colectiva, quando o salário mínimo consista num montante a pagar ao trabalhador, após dedução dos impostos e cotizações para a segurança social e para a promoção do emprego ou de outras prestações semelhantes em matéria de segurança social (salário líquido), e quando aquelas normas não tenham como objectivo prioritário a protecção da remuneração do trabalhador ou quando a protecção da remuneração seja apenas um seu objectivo secundário.


Quanto às despesas

46
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas com a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça, diferentes das das referidas partes, não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 5.° da Directiva 96/71/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, interpretado à luz do artigo 49.° CE, não se opõe, num caso como o do processo principal, a normas nacionais segundo as quais uma empresa de construção que contrata outra empresa para efectuar obras de construção responde como fiadora, com renúncia ao benefício da excussão prévia, pelas obrigações dessa empresa ou de um seu subempreiteiro relativas ao pagamento do salário mínimo dos trabalhadores ou das cotizações para um organismo comum às partes numa convenção colectiva, quando o salário mínimo consista num montante a pagar ao trabalhador, após dedução dos impostos e cotizações para a segurança social e para a promoção do emprego ou de outras prestações semelhantes em matéria de segurança social (salário líquido), e quando aquelas normas não tenham como objectivo prioritário a protecção da remuneração do trabalhador ou quando a protecção da remuneração seja apenas um seu objectivo secundário.

Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.

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