ISSN 1725-2482

doi:10.3000/17252482.C_2009.318.por

Jornal Oficial

da União Europeia

C 318

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

52.o ano
23 de Dezembro de 2009


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009

2009/C 318/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema A flexigurança no âmbito de reestruturações associadas ao desenvolvimento global (parecer exploratório a pedido da Presidência sueca)

1

2009/C 318/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Cooperação macro-regional — Alargar a Estratégia para o mar Báltico a outras macro-regiões na Europa (parecer exploratório)

6

2009/C 318/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Como tornar a estratégia da UE relativa aos efeitos nocivos do álcool sustentável, de longo prazo e multissectorial (parecer exploratório)

10

2009/C 318/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Relação entre igualdade de género, crescimento económico e taxa de emprego (parecer exploratório)

15

2009/C 318/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Diversidade de formas de empresas (parecer de iniciativa)

22

2009/C 318/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Alimentos provenientes do comércio justo: Auto-regulação ou legislação? (parecer de iniciativa)

29

2009/C 318/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Dimensão Setentrional das Zonas Desfavorecidas (parecer de iniciativa)

35

2009/C 318/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Promoção das políticas e dos programas de eficiência energética junto dos utilizadores finais (parecer de Iniciativa)

39

2009/C 318/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Impacto da crise mundial nos principais sectores transformadores e de serviços europeus (parecer de iniciativa)

43

2009/C 318/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Trabalho e Pobreza: Para uma abordagem global indispensável (parecer de iniciativa)

52

2009/C 318/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Relatório do Grupo de Larosière (parecer de iniciativa)

57

2009/C 318/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O futuro da política agrícola comum após 2013 (aditamento a parecer)

66

 

III   Actos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009

2009/C 318/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu: Rumo a uma estratégia europeia em matéria de e-Justice [COM(2008) 329 final]

69

2009/C 318/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Medicamentos seguros, inovadores e acessíveis: uma nova visão para o sector farmacêutico [COM(2008) 666 final]

74

2009/C 318/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um instrumento de microfinanciamento europeu para o emprego e a inclusão social (instrumento de microfinanciamento Progress) [COM(2009) 333 final — 2009/0096 (COD)]

80

2009/C 318/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Decisão n.o 1672/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece um Programa Comunitário para o Emprego e a Solidariedade Social (Progress) [COM(2009) 340 final — 2009/0091 (COD)]

84

2009/C 318/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que fixa as obrigações dos operadores que colocam no mercado madeira e produtos de madeira [COM(2008) 644 final — 2008/0198 (COD)]

88

2009/C 318/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde sobre a gestão dos bio-resíduos na União Europeia [COM(2008) 811 final]

92

2009/C 318/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Abordagem comunitária sobre a prevenção de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem [COM(2009) 82 final]

97

2009/C 318/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde — Revisão da política relativa à RTE-T — Para uma melhor integração da rede transeuropeia de transportes ao serviço da política comum de transportes [COM(2009) 44 final]

101

2009/C 318/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões UE, África e China: Rumo a um diálogo e uma cooperação trilateral [COM(2008) 654 final]

106

2009/C 318/22

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre Uma Estratégia da UE para a Juventude — Investir e Mobilizar: Um método aberto de coordenação renovado para abordar os desafios e as oportunidades que se colocam à juventude [COM(2009) 200 final]

113

2009/C 318/23

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 998/2003 relativo às condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação sem carácter comercial de animais de companhia [COM(2009) 268 final — 2009/0077 (COD)]

121

PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009

23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema A flexigurança no âmbito de reestruturações associadas ao desenvolvimento global (parecer exploratório a pedido da Presidência sueca)

2009/C 318/01

Relator: Valerio SALVATORE

Co relator: Enrique CALVET CHAMBON

Por carta de 18 de Dezembro de 2008, Cecilia MALMSTRÖM, vice primeira-ministra adjunta dos Assuntos Europeus, solicitou ao CESE, em nome da futura Presidência sueca, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a elaboração de um parecer exploratório sobre o tema:

«A flexigurança no âmbito de reestruturações associadas ao desenvolvimento global

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais, que emitiu parecer em 10 de Setembro de 2009, sendo relator Valerio SALVATORE e co-relator Enrique CALVET CHAMBON.

Na 456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 111 votos a favor, sem votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer.

1   Conclusões e recomendações

1.1

A Comissão define «flexigurança» como uma «estratégia integrada que visa aumentar, em simultâneo, a flexibilidade e a segurança no mercado de trabalho». É intenção do CESE abordar no presente parecer certas facetas deste conceito – nesta época de crise – especialmente relevantes para manter o maior número possível de pessoas dentro do mercado laboral e para oferecer àqueles que estão fora dele o máximo de oportunidades para encontrarem o mais rapidamente possível um novo emprego. Empregados e empregadores devem congregar esforços e procurar garantir, no âmbito do diálogo social, a manutenção no mercado laboral do maior número de trabalhadores possível.

1.2

Nesta época de crise profunda em que a taxa de desemprego aumenta em flecha, a flexigurança não poderá ser entendida, menos ainda do que antes, como um pacote de medidas destinadas a facilitar o despedimento dos trabalhadores empregados actualmente ou a comprometer a protecção social em geral e a dos desempregados em particular. O CESE considera que, neste momento, é da máxima prioridade adoptar medidas para reforçar justamente a vertente da segurança (no sentido mais lato) do conceito de flexigurança.

1.3

O CESE já teve a oportunidade de realçar a importância da flexigurança interna em pareceres anteriores. A crise só vem realçar a relevância de medidas de flexigurança interna que permitam às empresas adaptar-se à queda repentina das encomendas sem serem forçados a despedir pessoal. As empresas com contabilização dos períodos de actividade (WTA), acordada pelos parceiros sociais, estão muito mais aptas a reagir rapidamente à nova situação do mercado decorrente da crise do que as empresas que não dispõem deste sistema. Uma das lições bem claras a extrair da crise é que os parceiros sociais devem promover o sistema WTA e o horário flexível. O CESE considera indispensável tornar estes instrumentos o mais atraentes possíveis para empregadores e empregados.

1.4

A flexigurança apenas funcionará se os trabalhadores possuírem uma boa formação. Há uma ligação estreita entre as novas competências e a criação de novos empregos. As empresas têm todo o interesse em investir na formação contínua do seu pessoal. Os trabalhadores têm a responsabilidade de continuarem a formar-se. Espera-se que a Estratégia «Lisboa 2010 plus» ofereça soluções para estes problemas.

1.5

A crise também evidencia a importância do diálogo social. Os últimos meses provaram como os parceiros sociais empenhados têm logrado encontrar soluções para problemas prementes. O CESE propõe à Presidência sueca e à Comissão Europeia que estabeleçam uma plataforma na Internet para promover o intercâmbio de experiências com estas iniciativas dos parceiros sociais, mas respeitando as especificidades nacionais, regionais e locais.

1.6

A nível europeu, os parceiros sociais estão actualmente a negociar um acordo-quadro autónomo sobre mercados laborais inclusivos. O CESE está persuadido de que o futuro acordo poderá gerar um verdadeiro valor acrescentado para ajudar as pessoas mais vulneráveis que perderam os seus empregos em consequência da crise a regressarem ao mercado laboral. Também aguarda com grande expectativa o seguimento e a avaliação comuns da aplicação da flexigurança a que se comprometeram os parceiros sociais europeus no seu programa de trabalho para 2009-2010.

1.7

A celeridade da recessão económica e a sua acuidade trazem à memória de muitos empregadores os anos de expansão económica quando descobriram como era difícil encontrar pessoal suficiente devidamente qualificado. Agora que têm os olhos postos no futuro, na expectativa da recuperação económica que virá com toda a certeza, evitam eliminar de forma leviana demasiados empregos como fariam se fossem movidos pela única preocupação de poupar custos a curto prazo. No entanto, nenhuma empresa se pode dar ao luxo de ignorar as regras básicas da economia. Em última instância, a principal preocupação das empresas é garantir a sua sobrevivência. Para os trabalhadores afectados é crucial regressar ao mercado laboral o mais depressa possível. Na opinião do CESE, é imperioso prestar-lhes assistência rápida e de qualidade. Os Estados-Membros devem ponderar seriamente em aumentar a quantidade e a qualidade do pessoal nas agências de emprego para estarem à altura de ajudar as pessoas a regressarem rapidamente ao mundo laboral.

1.8

Tendo em conta as especificidades nacionais e regionais, bem como as diferenças entre sectores industriais, a União deveria, assim o espera o CESE, prosseguir os seus trabalhos numa perspectiva europeia e no respeito do princípio da subsidiariedade. Deste modo, criar-se-á o quadro europeu indispensável para garantir a consolidação do modelo social europeu que se encontra em plena evolução de modelo teórico para uma realidade incontornável (1). É necessário delinear um processo pós-Lisboa (Lisboa 2010 plus) para alcançar os objectivos ainda não realizados e os que se vão colocar durante a crise cuja travessia poderá ser longa e penosa. Neste contexto, será decerto crucial o papel da flexigurança. O CESE considera, contudo, necessário equilibrar as vertentes da flexigurança.

1.9

O CESE vê por bem realçar, a este propósito, que as reformas dos mercados de trabalho nos Estados-Membros deverão impedir que continue a crescer o número de empregos precários caracterizados por uma flexibilidade excessiva em detrimento da segurança e que têm aumentado sem cessar nos últimos anos. O CESE recorda a inquietação expressa pelo Comité das Regiões no seu parecer de 7 de Fevereiro de 2008 (2), dizendo recear que a predominância da flexibilidade externa permitisse «a desregulamentação abrangente das condições laborais normais com vista ao aumento do trabalho precário».

2   Contexto

2.1

A Presidência sueca convida o CESE a pronunciar-se sobre o tema da «flexigurança» o qual já foi, aliás, objecto de um seu parecer (3), mas que se insere actualmente num contexto inteiramente novo. A urgência de reanalisar esta questão na óptica da crise financeira confirmou-se numa audição organizada pela Presidência sueca em 7 de Julho de 2009, em Estocolmo.

2.2

O conceito de flexigurança conhece várias abordagens. A Comissão Europeia define-o na sua comunicação (COM(2007) 359) final como uma «estratégia integrada que visa aumentar, em simultâneo, a flexibilidade e a segurança no mercado de trabalho» (4). Uma vez que esta definição foi igualmente utilizada nas conclusões da cimeira extraordinária de Praga de 7 de Maio de 2009, o presente parecer terá por base esta interpretação comum.

2.3

O CESE insiste no facto de as políticas de emprego relevarem da responsabilidade dos Estados-Membros, de acordo com o princípio da subsidiariedade. Uma tentativa de harmonizar as leis laborais colidiria com este princípio e seria inoportuna por atentar contra as tradições e as estruturas geográficas que provaram, entretanto, a sua pertinência e solidez. Além disso, haverá que ter em conta o facto de as economias dos Estados-Membros não apresentarem todas o mesmo nível de desenvolvimento, o que se reflecte obviamente nos seus sistemas de protecção social. Neste contexto, e segundo o CESE, os desafios da UE deveriam ser:

Promover a cooperação entre os Estados-Membros por intermédio da Estratégia Europeia para o Emprego que, desde 2005, está integrada no mecanismo director da Estratégia de Lisboa. Na «orientação» 21 da política de emprego, os Estados-Membros acordam em promover a flexibilidade em conjugação com a segurança do emprego. A UE deve servir de catalizador e zelar por que os Estados-Membros honrem os seus compromissos e, ao mesmo tempo, divulguem e permutem as suas boas práticas no âmbito da política europeia para o emprego.

3   Um novo dado

3.1   A crise

3.1.1

Os efeitos da maior crise económica da história da Comunidade são assaz evidentes a curto prazo: a dívida pública dos Estados-Membros da UE cresce a uma velocidade sem precedentes. Não obstante os bancos centrais de todo o mundo terem inundado os mercados de liquidez, o sistema bancário continua a não funcionar como em tempos normais. Sobretudo as pequenas e médias empresas (PME), bem como os trabalhadores independentes encontram grandes dificuldades no acesso a novos créditos. Os efeitos nefastos do desemprego nas empresas e no mercado interno não tardarão a fazer-se sentir. Ao mesmo tempo, é extremamente rara e difícil a criação de novos empregos.

3.1.2

Não obstante o seu último parecer sobre o tema datar apenas da Primavera de 2008, o CESE considera que, perante a gravidade da situação económica e social actual, é indispensável adaptar, a curto prazo, o modelo da flexigurança. O CESE congratula-se com o pedido que lhe é endereçado pela Presidência sueca para examinar como os Estados-Membros poderão usar a flexigurança para fins de reestruturação no contexto do desenvolvimento mundial. Quando se fala de desenvolvimento mundial pensa-se na crise financeira e nas consequências trágicas para a economia real e o emprego. Esta crise já provou ser a crise económica mais grave dos últimos oitenta anos e os seus efeitos vão muito provavelmente marcar todo o século XXI. Ela é tanto mais grave quanto é acompanhada por duas outras crises que representam enormes desafios à escala mundial: a crise climática e a crise demográfica.

3.1.3

A crise altera o ambiente socioeconómico em que podem ser encaradas as reformas do mercado de trabalho. Isso é evidente seja qual for a posição que se defenda sobre a oportunidade, a exequibilidade, ou melhor, a necessidade ou a impossibilidade de tais reformas estruturais em tempo de crise. Entretanto, o CESE insiste em sublinhar que a inclusão e a reinserção dos desempregados no mercado de trabalho devem constituir uma das prioridades absolutas.

3.1.4

É, no entanto, propósito do CESE extrair conclusões das suas considerações e formular propostas concretas e construtivas sobre os parâmetros que constituem a flexigurança, ou seja, a flexibilidade e a segurança. O CESE reputa ainda indispensável a gestão equilibrada das medidas de flexibilidade e de segurança se se pretende evitar conflitos sociais como os que se começam a fazer sentir em toda a Europa.

3.2   A flexibilidade interna e externa

3.2.1

A flexibilidade interna deve ser o resultado do diálogo social entre a direcção e os trabalhadores ou os seus representantes, os parceiros sociais, a nível da empresa ou do sector envolvido. Ele evitará a perda de postos de trabalho e poderá funcionar, num período tão difícil, como um elemento estabilizador essencial da coesão social na Europa. O entendimento entre entidades patronais e trabalhadores é necessário para garantir que as empresas assumam a sua responsabilidade social e mantenham os trabalhadores no mercado de trabalho reforçando o emprego. O papel dos governos é essencial para apoiar estas medidas, mas não devem intervir em detrimento da sua capacidade de fornecer prestações sociais fundamentais, como a segurança (seja em forma de produtos alimentares, de tráfego aéreo e da universalidade dos serviços de interesse geral ou dos prestados pela polícia) e a educação, doravante numa lógica de aprendizagem ao longo da vida.

3.2.2

Todas as reformas sociais se devem inserir no seu contexto socioeconómico e político. A flexigurança em tempo de crise coloca sem dúvida algumas questões espinhosas, sobretudo se os sacrifícios exigidos para uma hipotética empregabilidade não oferecerem garantias. É, pois, necessário estar bem ciente de que a flexigurança apenas será útil se traduzida na compreensão comum dos parceiros sociais e não apenas de um. Isso obriga a analisar muito atentamente a vertente da segurança e o equilíbrio entre segurança e flexibilidade. Ora, o CESE é de opinião que a Comissão Europeia deveria concentrar a sua análise nas possibilidades da flexibilidade interna que pode ser um instrumento eficaz no âmbito da flexigurança para combater o desemprego (5).

3.2.3

O CESE entende que estes aspectos da flexigurança devem ser equilibrados e esta não deve ser aplicada em detrimento da segurança. Mas como é que os Estados-Membros podem garantir este equilíbrio numa época de crise? O CESE propõe que as reformas baseadas no modelo da flexigurança sejam examinadas meticulosamente sobre o pano de fundo da crise para evitar repercussões sociais e políticas indesejadas. Estas preocupações devem ser maiores ainda no caso da flexigurança dita «externa».

3.2.4

Conforme se disse acima, as medidas de flexigurança devem ser credíveis em todos os sentidos e, em particular, nos seus aspectos orçamentais. Isso implicará provavelmente a reorientação de prioridades nas despesas orçamentais dos Estados-Membros e, talvez, um reforço das ajudas comunitárias. É que não pode haver flexigurança sem segurança.

3.2.5

Contrariamente ao uso prudente das várias formas de flexibilidade interna, seria arriscado na situação actual forçar reformas do mercado de trabalho com o objectivo de promover mais flexibilidade externa. Nas suas reflexões, a Comissão Europeia tem vindo a insistir neste aspecto da flexigurança. Muitas convenções colectivas na Europa englobam disposições em matéria de flexibilidade na empresa. Esta pode, designadamente, assumir a forma de organização do tempo de trabalho, englobando períodos de formação.

3.3   O diálogo social

3.3.1

O CESE mantém a sua reivindicação relativamente à participação dos parceiros sociais num fórum onde haja uma confrontação permanente de ideias sobre as reformas necessárias para que os dois pólos – empregadores e empregados – zelem por um equilíbrio permanente entre flexibilidade e segurança. Esta abordagem é importante e interessante para o futuro do emprego na Europa. É justamente por isso que a sociedade civil deve ser associada ao debate. Qualquer política de emprego, qualquer reforma do mercado de trabalho tem grande impacto na sociedade. Por isso mesmo, não se deve dissociar estas reformas das perspectivas económicas, sociais e sustentáveis da sociedade.

3.3.2

A flexigurança é um instrumento essencial para atenuar os efeitos da crise financeira e da economia real sobre o mercado de trabalho. Não se deve, contudo, abusar dela facilitando os despedimentos nos países onde o direito laboral garante um certo nível de segurança contra práticas designadas em inglês por «hire and fire». O CESE aprova a clareza com que a Comissão Europeia afirma que a flexigurança não pode transformar-se de modo algum num direito de despedimento.

3.3.3

O CESE considera que qualquer reforma do direito laboral deve fazer-se com os parceiros sociais, porque estará doutro modo condenada ao fracasso. O diálogo social é um garante da democracia participativa, moderna e social. A reformulação do direito laboral deve resultar de uma negociação com os representantes dos trabalhadores. O diálogo social permite, além disso, adoptar diversas formas de flexibilidade interna oferecendo um elevado grau de flexibilidade às empresas, independentemente da tendência ao aumento ou à redução das suas actividades.

3.3.4

O CESE congratula-se com os esforços comuns e os trabalhos realizados conjuntamente pelos parceiros sociais europeus em matéria de flexigurança. O CESE aprecia que os parceiros sociais europeus tenham inscrito no seu programa de trabalho para 2009-2010 o seguimento e a avaliação da aplicação da flexibilidade. O CESE fica a aguardar o relatório sobre esta avaliação e espera que a avaliação comum tenha grande impacto na concepção das várias vias de aplicação da flexigurança nos diversos Estados-Membros.

3.4   Objectivos europeus a curto e a médio prazo

3.4.1

A curto prazo, importa centrar a análise e as possibilidades de aplicação da flexigurança, tendo sempre como condição prévia o diálogo social a todos os níveis, os condicionamentos financeiros e o papel dos governos, no objectivo de preservar o máximo de empregos com o melhor valor acrescentado possível, e reforçar a protecção social global de todos os trabalhadores, independentemente da sua situação no mercado de trabalho.

3.4.2

O CESE remete para as conclusões do relatório do Conselho de 8 e 9 de Junho sobre a flexigurança em tempo de crise. É fundamental que os desempregados sejam reintegrados no mercado laboral o mais rapidamente possível. O CESE realça a urgência de facultar-lhes ajuda, apoio e orientação eficazes. É preciso incitar os Estados-Membros a aproveitarem mais eficazmente os fundos europeus existentes e a empenharem-se decisivamente em melhorar a qualidade de todos os instrumentos de promoção de emprego, por exemplo, das agências de emprego, para aumentar a sua actividade e a sua eficiência.

3.4.3

O CESE partilha da opinião da Comissão segundo a qual os acordos relativos a prestações de desemprego técnico poderão ser, a curto prazo, um instrumento eficaz para preservar o emprego, prevenir o desemprego e manter o poder de compra. Esses acordos produzem três tipos de efeito: conservação na empresa do saber-fazer e das competências do trabalhador, a não exclusão do trabalhador do mundo laboral e a estabilidade da economia nacional que evita uma vaga de desemprego. A crise tem demonstrado a necessidade de promover a contabilização dos períodos de actividade e a gestão flexível do tempo de trabalho. As empresas que praticam este tipo de contabilização estão muito mais aptas a reagirem rapidamente a novas condições de mercado e a adaptarem-se a súbitas quedas da procura. O CESE solicita aos Estados-Membros e à UE que tornem este instrumento o mais atraente possível para empregadores e empregados.

3.4.4

O CESE exorta os parceiros sociais, a todos os níveis, incluindo os níveis microeconómicos, a articular o diálogo social e os compromissos, que a crise exigirá de todos, em torno da manutenção e da criação de empregos sem prejuízo das remunerações. Os governos deverão encontrar uma maneira de agir como catalisadores e de promover, ou mesmo recompensar este tipo de acordos. O CESE propõe à Presidência sueca e à Comissão Europeia que estabeleçam na Internet uma plataforma capaz de multiplicar os intercâmbios de informações e de experiências com iniciativas dos parceiros sociais ao nível prático, mas respeitando a diversidade das situações a nível nacional, regional e local.

3.4.5

O CESE considera que as quatro dimensões da flexigurança e seus princípios definidos pela Comissão Europeia poderiam contribuir realmente para reduzir o desemprego na Europa. É, contudo, imprescindível zelar pela criação de empregos de qualidade, em que seja garantida uma verdadeira protecção social, que é também fundamental para a coesão social na UE. Neste contexto, o CESE salienta que as reformas dos mercados de emprego nos Estados-Membros terão de impedir que continue a crescer o número de postos de trabalho precários caracterizados por uma flexibilidade excessiva em detrimento da segurança, e que não têm parado de aumentar nos últimos anos. A Comissão deveria fazer um balanço periódico da observância dos princípios da flexigurança nos textos legislativos e na regulamentação referente ao mercado de trabalho. O CESE defende que, na agenda pós-Lisboa, haja uma maior integração dos princípios de flexigurança. Além disso, o CESE sugere a coordenação dos trabalhos dos parceiros sociais europeus com esta agenda.

3.5   Um novo debate europeu

3.5.1

O CESE reputa oportuno que a Presidência sueca lance um debate sobre as facetas da flexigurança que poderão, conforme se pode verificar em muitos Estados-Membros que a praticam, contribuir para ajudar a União a superar esta crise financeira e económica mundial salvaguardando um máximo de empregos e evitando comprometer a coesão social. A UE tem todo o interesse em não perder as qualificações dos seus trabalhadores de que precisará depois da crise. Isso é tanto mais verdade quanto se sabe que a evolução demográfica reduzirá consideravelmente o potencial de mão-de-obra qualificada na maioria dos países europeus.

3.5.2

O despedimento de pessoal qualificado, em tempo de crise, é muito arriscado na perspectiva de um futuro relançamento. Há, com efeito, o perigo de se tornar ainda mais candente a falta de saber-fazer. O pior é que muitas empresas europeias estão, aparentemente, a reduzir os empregos para aprendizes ou os postos de trabalho reservados para jovens licenciados. E é justamente com essa actuação que estão a pôr em perigo o seu futuro. Além disso, a própria flexigurança apenas funcionará se os trabalhadores possuírem uma boa formação. Deixar de formá-los está, portanto, em contradição com esse instrumento de reforma. Há uma ligação estreita entre as novas competências e a criação de novos empregos. Espera-se que a Estratégia «Lisboa 2010 plus» ofereça soluções para estes problemas. As empresas têm todo o interesse em investir na formação contínua do seu pessoal. Mas isso não retira, é claro, aos trabalhadores a responsabilidade de continuarem a formar-se.

3.5.3

No âmbito da flexigurança, convém inscrever a aprendizagem ao longo da vida na lógica de um desenvolvimento sustentável das empresas da União Europeia que poderá, deste modo, servir de exemplo ao mundo inteiro. A formação dos trabalhadores terá de ser norteada pelos objectivos europeus de criação de mais empregos de qualidade e de desenvolvimento de uma economia sustentável.

3.5.4

A base da flexigurança é fundamentalmente o aumento da empregabilidade, mas esta é condicionada pela excelência dos sistemas de educação e pela eficácia das práticas de formação contínua. Por mais que os Estados-Membros se declarem partidários da aprendizagem ao longo da vida, se não reformarem o sistema de educação, se não derem mais importância à educação pré-escolar, se não afectarem recursos mais avultados ao ensino e, por fim, se não encorajarem e facilitarem mediante incentivos fiscais a formação profissional e contínua no âmbito do emprego, será impossível preencher uma premissa essencial da flexigurança. O CESE apela aos governos nacionais que confiram prioridade absoluta a todas estas questões no âmbito da educação. O CESE é favorável a uma acção comum dos Estados-Membros para a promoção do sector da educação e da formação na Europa.

3.6   A flexigurança na óptica do Tratado de Lisboa

3.6.1

O Tratado de Lisboa, ao qual o CESE adere plenamente e que espera ver aprovado pelos 27 Estados-Membros da UE, dá ao mercado interno o atributo de economia social. O artigo 2.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia consagra «a economia social de mercado entre os principais objectivos da União». É uma novidade muito importante. Esta nova orientação, que dá muito mais espaço a uma interpretação social do direito comunitário, não deixará de ter repercussões na futura legislação europeia e, sobretudo, na jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu.

3.6.2

É verdade que uma certa evolução política numa minoria dos países europeus suscita uma certa apreensão em relação às oportunidades de adopção final do Tratado. Mas o CESE mantém-se optimista. Pura e simplesmente porque não há nenhuma alternativa, nenhum «plano B». Numa União a 27, e sobretudo em tempo de crise, as instituições devem poder trabalhar com mais eficiência do que lhes é permitido pelo Tratado de Nice. Posto isto, o CESE reputa fundamental que as instituições europeias preparem o dossiê «flexigurança» na perspectiva da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, ainda este ano ou o mais tardar em 2010, sem perderem de vista a actual evolução da crise. Uma das consequências da entrada em vigor do Tratado é que uma nova e mais actual dimensão da «segurança» será tida em conta pelo direito comunitário.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 309 de 16.12.2006, p. 119; parecer de iniciativa do CESE «Coesão social: dar conteúdo a um modelo social europeu»

(2)  JO C 105 de 25.4.2008, p. 16.

(3)  JO C 256 de 27.10.2007, p.108;

JO C 211 de 19.8.2008, p. 48 – Parecer do CESE sobre a comunicação intitulada «Para a definição de princípios comuns de flexigurança. Mais e melhores empregos mediante flexibilidade e segurança».

(4)  Convém recordar o teor exacto da comunicação da Comissão Europeia em que são enunciados os quatros princípios da flexigurança: «A flexibilidade tem a ver, por um lado, com transições bem sucedidas ao longo da vida: entre a escola e o mundo profissional, entre postos de trabalho, entre períodos de desemprego ou inactividade e emprego e entre a vida activa e a reforma. Não se restringe a dar maior liberdade às empresas para contratar ou despedir pessoal e não implica que os contratos de duração indeterminada se tornem obsoletos. Trata-se, sim, de favorecer a progressão dos trabalhadores para melhores empregos, numa perspectiva de mobilidade ascendente e desenvolvimento óptimo de talentos. A flexibilidade diz também respeito a formas flexíveis de organizar o trabalho, capazes de rápida e eficazmente gerir novas necessidades produtivas e competências, bem como a uma maior facilidade de conjugar responsabilidades profissionais e privadas. A segurança, por outro lado, representa mais do que a garantia de manter um posto de trabalho: Trata-se ainda de garantir um nível adequado de subsídios de desemprego que facilite as transições. Por último, inclui oportunidades de formação para todos os trabalhadores, em especial os pouco especializados e os mais velhos. ».

(5)  JO C 105 de 19.8.2008, p. 16. O Comité das Regiões já antes da crise financeira havia expresso as suas dúvidas em relação à predominância da flexibilidade externa na abordagem da Comissão. O Comité das Regiões «entende que formulações como «acordos contratuais flexíveis e de confiança» geram preocupação, uma vez que permitiriam a desregulamentação abrangente das condições laborais normais com vista ao aumento do trabalho precário».


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/6


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Cooperação macro-regional — Alargar a Estratégia para o mar Báltico a outras macro-regiões na Europa (parecer exploratório)

2009/C 318/02

Relator: Michael SMYTH

Em 18 de Dezembro de 2008, Cecilia MALMSTRÖM, ministra dos Assuntos Europeus, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, em nome da Presidência sueca, que elaborasse um parecer exploratório sobre a

«Cooperação macro-regional – Alargar a Estratégia para o mar Báltico a outras macro-regiões na Europa.»

A Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, emitiu parecer em 11 de Setembro de 2009, tendo sido relator Michael SMYTH.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1

O CESE apoia os objectivos dos quatro pilares da estratégia para o mar Báltico, que visam tornar a região próspera e segura, sustentável do ponto de vista ambiental, atractiva e acessível.

1.2

O Comité reconhece o vasto processo de consulta que precedeu a finalização da estratégia e o papel aí desempenhado pelos parceiros sociais e as partes interessadas. O CESE sublinha de novo o papel crucial da sociedade civil organizada na aplicação da estratégia para o mar Báltico e reitera o seu apoio à criação de um Fórum da Sociedade Civil do mar Báltico, que contribuiria para envolver a sociedade civil na evolução da estratégia.

1.3

O CESE acolhe favoravelmente o plano de acção da estratégia que compreende 15 medidas prioritárias, prevendo a responsabilidade da aplicação de cada uma destas medidas por um dos Estados-Membros da região do Báltico.

1.4

A estratégia para o mar Báltico tem pontos fortes e fracos: os pontos fortes são a vasta cobertura pretendida e o facto de ser revista regularmente pela Comissão e pelo Conselho Europeu, os pontos fracos residem na complexidade e nas questões da governação relativas à sua aplicação. A estratégia abrange a esfera de competências de 21 direcções gerais, bem como 8 Estados-Membros e a Rússia. Tendo em conta os 4 pilares, as 15 medidas prioritárias e as várias acções transversais, o cerne da estratégia caracteriza-se por uma «geometria variável» complexa que a pode tornar inexequível. O CESE considera necessário envidar todos os esforços para simplificar os acordos de governação para a execução da estratégia.

1.5

O CESE tem um papel importante a desempenhar na conservação de um espírito de cooperação durante o desenvolvimento e a execução da estratégia. A criação de um Fórum da Sociedade Civil do mar Báltico constitui um avanço na atribuição de um papel relevante à sociedade civil na evolução futura da estratégia.

1.6

A estratégia para o mar Báltico coloca um enorme desafio ao CESE, em geral, e aos seus membros da região do Báltico, em particular. Obriga-os a tomar a iniciativa de representar a sociedade civil no processo de evolução da estratégia através de actividades do Fórum da Sociedade Civil. O facto de a estratégia se desenrolar por vários anos justifica a criação de um grupo permanente no seio do CESE para garantir uma participação efectiva do Comité num processo capaz de se tornar no modelo de cooperação macro-regional através da Europa.

2.   Introdução

2.1

A questão da cooperação macro-regional tem ganho maior importância nos últimos anos. As macro-regiões são vistas hoje na UE como tendo o potencial necessário para contribuir de forma significativa para a política de coesão e para conseguir níveis comparáveis de desenvolvimento entre os Estados-Membros. Na Europa já existem formas de cooperação macro-regional. O Grupo de Visegrado, por exemplo, formado pela República Checa, Hungria, Polónia e Eslováquia, representa os esforços dos países da Europa Central para colaborar em vários domínios de interesse comum no espírito da integração europeia (1). Mais recentemente em 2008, a Parceria Euro-Mediterrânica, anteriormente designada por Processo de Barcelona, foi relançada na Cimeira de Paris para o Mediterrâneo. Esta parceria engloba todos os 27 Estados-Membros da União Europeia e 16 países parceiros do Sul do Mediterrâneo e do Médio Oriente e o seu objectivo é resolver problemas comuns como a poluição e a segurança marítimas, a energia e o desenvolvimento empresarial (2).

2.2

Em Novembro de 2006, o Parlamento Europeu adoptou uma resolução para a elaboração da estratégia para o mar Báltico. Esta estratégia para a macro-região do mar Báltico foi adoptada pela Comissão em 10 de Junho de 2009 e enviada ao Conselho Europeu em 19 de Junho de 2009. A Presidência sueca submetê-la-á a novos debates antes da adopção pelo Conselho em finais de Outubro de 2009. O presente parecer exploratório foi solicitado pela Presidência sueca, representando um elemento importante do seu programa de trabalho. O objectivo deste parecer é avaliar a proposta de estratégia para o mar Báltico, a sua preparação, estrutura e plano de acção da perspectiva da sociedade civil organizada. Baseia-se na análise do parecer recentemente adoptado pelo CESE sobre a Região do Mar Báltico: O papel da sociedade civil na melhoria da cooperação regional e na identificação de uma estratégia regional  (3).

2.3

O pedido de uma estratégia para o mar Báltico advém da ideia de que é necessário conseguir uma coordenação acrescida e mais eficaz entre a Comissão Europeia, os Estados-Membros, as regiões, os órgãos do poder local e outras partes interessadas para uma utilização mais eficaz dos programas e políticas. O mar Báltico é uma das regiões marítimas mais utilizadas e congestionadas do mundo, como se pode ver no mapa sobre o tráfego diário de navios anexo a este parecer. A região do mar Báltico é composta por oito Estados-Membros costeiros do Báltico (Finlândia, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Polónia, Estónia, Letónia e Lituânia) e pela Rússia. Quando o Conselho solicitou à Comissão a elaboração da estratégia, determinou que os aspectos atinentes às relações externas da estratégia deveriam estar ligados ao actual quadro da Dimensão Setentrional (4). O CESE apoia a elaboração de uma estratégia de desenvolvimento macro-regional que inclua todos os países do mar Báltico.

2.4

O processo que levou ao desenvolvimento da estratégia não tem precedentes. A Comissão considera que, se a estratégia para o mar Báltico é válida e exequível no Báltico, uma abordagem semelhante poderia ser aplicada a outras macro-regiões como a região do Danúbio (5), a região dos Alpes e do Mediterrâneo.

A Comissão realizou uma série de vastas consultas ao longo de 2008 por todo o território da macro-região, que culminaram em Fevereiro de 2009, em Rostock. Centraram-se nos quatro pilares em que assenta a estratégia para o mar Báltico para tornar a região

numa zona ecologicamente sustentável;

numa zona próspera;

numa zona acessível e atraente;

numa zona segura.

2.5

A estratégia é acompanhada por um plano de acção com 15 domínios prioritários que se repartem pelos quatro pilares. Cada domínio prioritário será coordenado por um dos países do Báltico, chamado a colaborar com todas as partes interessadas na sua aplicação (6).

2.6

A estratégia para o mar Báltico e as acções propostas serão financiadas por fundos já existentes, nomeadamente os fundos estruturais europeus (€ 55 mil milhões entre 2007 e 2013), fundos de cada Estado do mar Báltico, algumas ONG, financiamento privado e também de instituições como o Banco Europeu de Investimento (BEI), o Banco de Investimento Nórdico (BIN) e o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD).

2.7

Além do quatro pilares, a estratégia compreende igualmente acções horizontais destinadas a desenvolver a coesão territorial, designadamente:

alinhar os fundos e as políticas existentes com as prioridades e acções da estratégia para o mar Báltico;

coordenar a aplicação das directivas comunitárias e evitar barreiras burocráticas desnecessárias;

fomentar nos Estados-Membros o recurso ao ordenamento do território marítimo como abordagem comum à cooperação transfronteiriça;

desenvolver um ordenamento do território nos Estados-Membros bálticos;

converter projectos-piloto bem sucedidos no quadro desta estratégia em acções de grande envergadura;

desenvolver a investigação como base para decisões políticas;

melhorar e coordenar a recolha de dados marítimos e socio-económicos na macro-região do Báltico;

construir uma identidade regional.

3.   Observações sobre a estratégia para o mar Báltico

3.1   O CESE congratula-se com a abordagem do Conselho e da Comissão ao desenvolvimento da estratégia para o mar Báltico, em particular, com a série de vastas consultas das partes interessadas da macro-região. Trata-se de uma estratégia inovadora baseada numa estrutura de governação transnacional e, assim, ultrapassará o quadro tradicional das políticas regionais da UE. Esta nova estrutura de governação situa-se entre o nível nacional e o nível supranacional.

3.2   Os quatro pilares da estratégia e o respectivo plano de acção representam uma tentativa séria de criar um quadro de desenvolvimento mais bem coordenado para uma região tão diversa como o Báltico e, assim, promover a coesão territorial.

3.3   A estratégia para o mar Báltico é descrita pela Comissão como «um trabalho em curso». A definição de aspectos específicos da região do Báltico é necessariamente imprecisa, dado que as zonas geográficas mudam segundo a questão abordada. Assim, a questão do ambiente dá lugar a uma zona geográfica muito diferente da zona relativa à economia ou aos transportes. A abordagem adoptada na elaboração da estratégia para o mar Báltico consiste em começar por definir os problemas e dificuldades e deixar que estes delimitem a zona geográfica da macro-região. O CESE considera que a complexidade dos desafios enfrentados pela região do Báltico requer maior ênfase na governação efectiva da estratégia.

3.4   O CESE reconhece o elevado nível de apoio político à estratégia obtido na fase de consultas. A BASTUN, a rede de sindicatos do mar Báltico que representa sindicalistas de todos os Estados-Membros bálticos e da Rússia, desempenhou um papel de relevo no processo de consultas, que deu à estratégia para o mar Báltico a sua forma actual. O impulso conseguido deve manter-se durante a aplicação da estratégia. Neste sentido, o CESE regozija-se pelo empenhamento em mostrar o avanço da estratégia, no Conselho Europeu, todos os dois anos, durante as Presidências polaca (2011), letã (2013) e lituana (2015).

3.5   A elaboração de relatórios anuais sobre os progressos realizados na estratégia e uma revisão bianual constituem também um mecanismo importante para garantir que as partes interessadas se mantêm mobilizadas. Das consultas com a Comissão infere-se que, apesar de a estratégia para o mar Báltico ser oficialmente lançada a 19 de Junho, mantém-se essencialmente um trabalho em curso. O CESE mostra-se favorável e congratula-se com a realização de uma conferência ao mais alto nível e de uma reunião ministerial sobre a estratégia, em Setembro e Outubro de 2009, durante a Presidência sueca. Tendo em conta a relevância dada às consultas das partes interessadas na elaboração da estratégia, é importante que o CESE participe activamente no seu desenvolvimento, aplicação e difusão.

3.6   Ainda que pareça ter havido consenso nas consultas sobre a aplicação da estratégia, não houve um acordo generalizado sobre se os quadros institucionais existentes eram adequados à sua aplicação. Este e outros assuntos afins serão, sem dúvida, objecto de novos debates entre as partes interessadas e a Comissão (7).

3.6.1

Entretanto, a estratégia deveria, ainda assim, aproveitar as oportunidades oferecidas pelas iniciativas europeias existentes, como a programação conjunta da investigação, que recebeu um forte apoio do CESE. Esta iniciativa sustentará a recomendação da Comissão incluída na estratégia para o mar Báltico, a saber, explorar plenamente o potencial da região do mar Báltico em matéria de investigação e inovação com vista à prosperidade da zona.

3.7   No que se refere ao financiamento da estratégia, o CESE gostaria de sublinhar o seu apoio à utilização mais eficaz dos múltiplos canais de financiamento comunitário existentes. A fim de tornar esta utilização mais transparente, aconselha à elaboração e apresentação de orçamentos para as áreas prioritárias da estratégia. Se não for possível garantir um financiamento apropriado às iniciativas da estratégia para o mar Báltico, corre-se o risco de toda a estratégia se tornar incoerente, difusa e perder o apoio das partes interessadas nos Estados-Membros. Por conseguinte, o CESE reitera a sua posição de que a aplicação eficaz da estratégia para o mar Báltico exige que se estabeleça um orçamento próprio, a fim de evitar que a estratégia se reduza a uma mera declaração política, sem alcançar os seus objectivos (8).

3.8   Observam-se tensões claras no plano de acção, como tentativa de manter o entusiasmo das partes interessadas, propondo uma gama muito ampla de acções de grande visibilidade. Esta abordagem corre o risco de querer satisfazer a todos. A complexidade da estratégia é também uma das suas fraquezas.

3.9   A Comissão tenta resolver a complexidade da execução, fazendo com que cada Estado-Membro seja responsável por uma ou mais acções prioritárias. Em teoria é uma ideia inteligente, mas na prática poderá ser difícil de realizar. Será pedido a cada Estado-Membro que coordene acções em toda a macro-região e em várias direcções-gerais. A estratégia abrange as competências de 21 direcções-gerais. A experiência registada até à data com outras cooperações políticas intergovernamentais é díspar. A aplicação da Carta de Leipzig sobre Cidades Europeias Sustentáveis, que adoptou uma abordagem semelhante, revelou-se um pouco decepcionante e até ao momento tem progredido lentamente (9). A estratégia para o mar Báltico poderá ser considerada bastante mais complexa do que a Carta de Leipzig, existindo o risco de a sua gestão se tornar inviável.

4.   Possível papel do CESE na estratégia para o mar Báltico

4.1

O CESE já apresentou uma proposta para criar um Fórum da Sociedade Civil do mar Báltico e comunicou a sua disponibilidade para começar a preparar as suas bases (10). Este fórum acompanharia a estratégia e contribuiria para a sua revisão bianual. O êxito das consultas de preparação da estratégia reforça a necessidade de um debate público permanente e da sensibilização para a sua aplicação.

4.2

O CESE e os conselhos económicos e sociais dos Estados-Membros bálticos têm um papel importante a desempenhar na garantia de uma atmosfera de cooperação e no trabalho de colaboração durante a aplicação da estratégia. A fim de reforçar a criação de instituições e estruturas participativas da sociedade civil, em especial em novos países membros e em países vizinhos, como a Rússia, poderá ser útil estabelecer relações e uma cooperação transfronteiriças entre organizações homólogas, como sindicatos, organizações de consumidores e organizações locais de voluntariado. Em especial, os membros do CESE provenientes dos oito Estados-Membros bálticos devem actuar como emissários, interlocutores e relatores de forma que o CESE se possa manter informado sobre os progressos, êxitos e desafios da estratégia e, assim, contribuir para a realização dos seus objectivos.

4.3

O CESE acolhe favoravelmente a tentativa séria de desenvolver uma abordagem integrada para a cooperação macro-regional no âmbito da estratégia para o mar Báltico. O Comité, tal como o Parlamento Europeu, defende desde há algum tempo uma tal abordagem.

4.4

O CESE apoia a abordagem alargada à execução defendida na estratégia, que permitirá aos Estados-Membros assumir a coordenação da aplicação dos 15 domínios prioritários e dos projectos-piloto associados.

4.5

Poderá afirmar-se que a estratégia para o mar Báltico constitui um teste importante ao papel do CESE. Desafia o Comité a participar plenamente na evolução da estratégia, apesar das dificuldades de governação já referidas no presente parecer. O desafio coloca-se em especial aos membros do CESE dos 8 Estados-Membros do Báltico abrangidos pela estratégia, obriga-os a tomar a iniciativa de representar a sociedade civil organizada durante a aplicação da estratégia através do Fórum da Sociedade Civil do mar Báltico. Dado que é provável que a estratégia se desenvolva durante muitos anos, justifica-se fortemente a criação de um observatório ou grupo de estudo eventual para o mar Báltico, para que todo o Comité possa participar efectivamente no que se tornará sem dúvida num modelo de cooperação macro-regional em toda a União Europeia.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  http://www.visegradgroup.eu/

(2)  http://ec.europa.eu/external_relations/euromed/index_en.htm

(3)  Parecer CESE 888/2009 adoptado em 13 de Maio de 2009 (ainda não publicado no JO)

(4)  A Dimensão Setentrional é um instrumento que permite à UE, Rússia, Noruega e Islândia executar políticas em domínios de cooperação previamente acordados.

(5)  Esta ideia foi apresentada pela comissária Hübner em Para uma estratégia para a região do Danúbio, http://ec.europa.eu/commission_barroso/hubner/speeches/pdf/2009/07052009_ulm.pdf

(6)  A estratégia para o mar Báltico e o plano de acção podem ser consultados em: http://ec.europa.eu/regional_policy/cooperation/baltic/documents_en.htm

(7)  Para um debate de qualidade sobre estas questões institucionais e de governação, ver C. Schymik e P Krumrey, EU Strategy for the Baltic Sea Region: Core Europe in the Northern Periphery?, documento de trabalho FG1, SWP, Berlim.

(8)  Ver o parecer do CESE sobre a Região do Mar Báltico: O papel da sociedade civil na melhoria da cooperação regional e na identificação de uma estratégia regional, pontos 2.6 e 2.7. A Parceria Euro-Mediterrânica, por exemplo, tem um orçamento substancial e aplicado à EuroMed, JO C ..... (CESE 888/2009).

(9)  Carta assinada em 24 de Maio de 2007 durante a Presidência alemã numa reunião informal dos ministros da UE responsáveis pelo desenvolvimento urbano e coesão territorial. Esta carta intergovernamental faz duas recomendações principais: maior uso de uma política de desenvolvimento urbano integrado e atenção especial às zonas desfavorecidas.

(10)  Ver o parecer do CESE sobre a Região do Mar Báltico: O papel da sociedade civil na melhoria da cooperação regional e na identificação de uma estratégia regional, ponto 3.4, JO C … (CESE 888/2009).


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/10


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Como tornar a estratégia da UE relativa aos efeitos nocivos do álcool sustentável, de longo prazo e multissectorial (parecer exploratório)

2009/C 318/03

Relatora: Jillian Van TURNHOUT

Por carta de 18 de Dezembro de 2008, o ministro sueco dos Assuntos Europeus, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, no contexto da próxima Presidência sueca da União Europeia, que elaborasse um parecer exploratório sobre:

«Como tornar a estratégia da UE relativa aos efeitos nocivos do álcool sustentável, de longo prazo e multissectorial.»

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu parecer em 1 de Setembro de 2009, sendo relatora Jillian Van TURNHOUT.

Na 456.a reunião plenária de 30 de Setembro de 2009 e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro de 2009), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 128 votos a favor, 5 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese e recomendações

1.1

Elaborado em resposta a um pedido da Presidência sueca ao CESE, este parecer exploratório centra-se na questão de saber como tornar a estratégia da UE relativa as efeitos do álcool sustentável, de longo prazo e multissectorial (1). O objectivo da Presidência sueca é apoiar a aplicação da estratégia horizontal comunitária em matéria de álcool e a organização de um trabalho de prevenção de longo prazo tanto a nível nacional como da UE.

1.2

Este parecer baseia-se nos pareceres anteriores do CESE sobre os efeitos nocivos do álcool, que examinaram cinco temas prioritários: a protecção das crianças; a diminuição dos acidentes rodoviários provocados pelo álcool; a prevenção dos efeitos nocivos do álcool nos adultos e no local de trabalho; a informação, a educação e a sensibilização; e a base de dados comum (2).

1.3

O parecer destaca as seguintes quatro prioridades da Presidência:

impacto da publicidade e do marketing nos jovens,

influência do preço no desenvolvimento dos efeitos nocivos,

foco nas crianças com especial atenção às desordens do espectro alcoólico fetal e às crianças em famílias com problemas de álcool e

efeitos do consumo nocivo de álcool no envelhecimento digno e em boa saúde.

Para uma abordagem mais exaustiva, devem ser tidos em conta conjuntamente todos os temas tratados em ambos os pareceres, assim como outros factores pertinentes.

1.4

Os padrões de consumo de álcool variam significativamente de país para país, mas a maioria dos consumidores bebe de forma responsável (ver 3.2) (3). Posto isto, o CESE manifesta preocupação quanto ao facto de, segundo as estimativas, 15 % da população adulta da UE atingir regularmente níveis de consumo de álcool nocivos e de as crianças serem os mais vulneráveis aos efeitos nocivos do álcool. As medidas políticas deveriam ser concebidas para chegar aos indivíduos que já atingem níveis de consumo de álcool nocivos.

1.5

As técnicas de comercialização do álcool são um dos factores que aumentam a probabilidade de as crianças e os adolescentes começarem a consumir álcool ou de aumentarem o seu consumo no caso daqueles que já o fazem. O CESE apela, pois, a uma redução da exposição das crianças às técnicas de comercialização do álcool.

1.6

As políticas de preços do álcool adequadas podem ser instrumentos eficazes na redução dos efeitos nocivos do álcool, especialmente entre as pessoas com baixos rendimentos e os jovens. O CESE considera que é necessária legislação que regule a disponibilidade, distribuição e promoção do álcool e entende que a auto-regulação não é suficiente neste domínio.

1.7

Para sensibilizar as pessoas sobre os riscos de desordens do espectro alcoólico fetal (FASD), o CESE apoia as campanhas de sensibilização a nível nacional e da União Europeia.

1.8

O CESE entende que é necessária mais informação na União Europeia sobre os efeitos do consumo nocivo de álcool no envelhecimento saudável e digno.

1.9

Reconhece que as políticas sobre o álcool devem ser globais e incluir uma série de medidas comprovadamente susceptíveis de reduzirem os efeitos nocivos.

2.   Contexto

2.1

A União Europeia tem poderes e competências para afrontar os problemas de saúde pública relacionados com padrões nocivos e perigosos de consumo do álcool, com base no artigo 152.o, n.o 1, do Tratado (4), que estabelece que a acção da Comunidade é complementar das políticas nacionais.

2.2

Dando seguimento à sua recomendação de 2001 sobre o consumo de álcool pelos jovens (5), o Conselho convidou a Comissão a acompanhar e avaliar os progressos registados e as medidas levadas a cabo, bem como a informá-lo sobre a necessidade de novas acções.

2.3

Nas suas conclusões de Junho de 2001 e de Junho de 2004, o Conselho convidou a Comissão a apresentar propostas para uma estratégia comunitária global visando reduzir os malefícios ligados ao álcool e complementar as políticas nacionais (6).

2.4

Em 2006, a Comissão adoptou a comunicação intitulada Uma estratégia comunitária para apoiar os Estados-Membros na minimização dos efeitos nocivos do álcool  (7), que procura «fazer o levantamento das acções» aplicadas pela Comissão e pelos Estados-Membros e explica de que forma a Comissão pode ainda apoiar e complementar as políticas de saúde nacionais. O CESE considera que a comunicação está longe de gizar uma «estratégia global» (8), uma vez que não apresentou uma análise transparente e global de todas as políticas pertinentes e das dificuldades sentidas por alguns Estados-Membros em manter políticas de saúde pública de qualidade em relação ao álcool devido às regras de mercado da UE (9). A estratégia também não reconhece que o álcool é uma droga psicoactiva, uma substância tóxica quando consumida em excesso e, para alguns, uma substância que causa dependência.

2.5

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem repetidas vezes confirmado que a redução dos efeitos nocivos do álcool é um objectivo de saúde pública importante e legítimo, a perseguir através de acções apropriadas e em conformidade com o princípio da subsidiariedade (10).

2.6

O CESE reconhece o trabalho realizado por todas as partes interessadas no Fórum Europeu Álcool e Saúde desde o seu lançamento, em 2007, e saúda iniciativas semelhantes que se tenham desenvolvido de forma positiva a nível local.

3.   Resumo dos efeitos nocivos

3.1

Em termos gerais, a União Europeia é a região onde se consome mais álcool, com 11 litros de álcool puro por pessoa e por ano (11). O consumo total diminuiu entre 1970 e meados de 1990, permanecendo relativamente estável a partir de então, pese embora as diferenças significativas entre os países ao nível do consumo e dos efeitos nocivos, incluindo os tipos de efeitos nocivos (12). A percentagem de padrões de consumo nocivos (13) mantém-se, porém, ainda elevada.

3.2

Na maior parte das vezes os consumidores bebem de forma responsável. No entanto, o CESE manifesta preocupação pelo facto de 55 milhões de adultos na UE (15 % da população adulta) atingirem regularmente níveis de consumo de álcool nocivos (14). Calcula-se que o consumo nocivo de álcool seja responsável por cerca de 195 000 mortes por ano na UE em resultado de acidentes, doenças hepáticas, cancro, etc.. O consumo nocivo do álcool é a terceira causa principal de morte prematura e de doença na UE (15).

3.3

O CESE considera que o consumo nocivo de álcool não é um problema isolado, mas sim um problema que pode ter origem numa série de causas, como a pobreza, a exclusão social, o ambiente familiar e o stress relacionado com o trabalho.

3.4

É possível verificar a diferença de hábitos culturais, não só ao nível do consumo moderado de álcool, mas também ao nível do consumo nocivo e perigoso, incluindo pelas crianças e adolescentes (16). O CESE exorta a Comissão e os Estados-Membros a considerarem estes padrões nacionais e locais na definição de política.

3.5

As crianças são especialmente vulneráveis aos efeitos nocivos do álcool. Calcula-se que na UE 5 a 9 milhões de crianças sofrem no seio da família os efeitos nocivos do álcool. O álcool está na origem de 16 % dos casos em que as crianças são vítimas de abusos e negligência e estima-se que anualmente sessenta mil nascimentos de crianças com peso inferior ao normal são imputáveis ao álcool (17).

3.6

O consumo nocivo de álcool pode causar danos não só ao indivíduo como também a terceiros. Os efeitos nocivos do álcool no local de trabalho também devem ser enfrentados no quadro da legislação sobre higiene e segurança, o que é, em primeiro lugar, da responsabilidade da entidade patronal. As políticas em matéria de produtos alcoólicos no local de trabalho podem ajudar a reduzir os acidentes e o absentismo relacionados com o álcool e reforçar a capacidade de trabalho. O CESE insta os empregadores, sindicatos, órgãos de poder local e outras organizações pertinentes a colaborarem estreitamente e a realizarem acções conjuntas para reduzir os efeitos nocivos do álcool no local de trabalho.

3.7

O álcool é um produto muito importante para a UE pois cria emprego, gera receita através dos impostos e contribui para a balança comercial. Os efeitos nocivos do álcool repercutem-se também na economia, devido ao aumento dos custos dos cuidados de saúde e dos serviços sociais e à perda de produtividade. Calcula-se que o custo dos efeitos nocivos do álcool para a economia comunitária foi de 125 mil milhões de euros em 2003, o que corresponde a 1,3 % do PIB (18).

4.   O impacto da publicidade e do marketing nos jovens

4.1

O CESE recomenda à Comissão que tenha em consideração a Carta Europeia sobre o Álcool (19) da OMS, aprovada por todos os Estados-Membros da UE em 1995, e, em particular, o princípio ético de que «todas as crianças e adolescentes têm o direito de crescer num ambiente protegido das consequências negativas do consumo do álcool e, na medida do possível, da publicidade a bebidas alcoólicas».

4.2

A recomendação do Conselho da UE convidava os Estados-Membros a criarem mecanismos eficazes no domínio da promoção, comercialização e venda a retalho e a garantirem que as bebidas alcoólicas não sejam concebidas ou promovidas de modo a serem aliciantes aos olhos das crianças e dos adolescentes.

4.3

O consumo esporádico excessivo de álcool por jovens adultos (15-24 anos) é uma preocupação crescente para a UE e os Estados-Membros. Em 2006, 24 % dos consumidores de álcool deste grupo etário afirmavam ter bebido em excesso, pelo menos, uma vez por semana (20). As bebidas alcoólicas mais frequentemente consumidas pelos adolescentes são a cerveja (40 %) e as bebidas espirituosas (30 %) (21) seguidas pelo vinho (13 %), alcopops (11 %) (22) e a sidra (6 %). As promoções de venda de álcool, tais como a «happy hour» e «dois pelo preço de um» também aumentam o consumo de álcool e a probabilidade de os jovens consumirem em excesso (23). Como passo em frente, impõe-se que as autoridades façam cumprir estritamente a legislação em vigor sobre a idade legal para consumo de álcool.

4.4

A publicidade às bebidas alcoólicas e o marketing influem no comportamento e no modo como os jovens encaram o álcool, criando neles expectativas positivas sobre o consumo de álcool (24). A análise de estudos longitudinais realizados pelo grupo científico do Fórum Europeu Álcool e Saúde encontrou provas consistentes do impacto da publicidade a bebidas alcoólicas na probabilidade de os jovens que não bebiam começarem a beber e no aumento do consumo daqueles que já bebiam. Conclusão que é ainda mais surpreendente porquanto apenas foi analisada (25) uma pequena parte da estratégia global de comercialização.

4.5

O CESE manifesta preocupação quanto ao facto de as estratégias de comercialização das bebidas alcoólicas atraírem os menores (26) e chama a atenção para os resultados de estudos credíveis, que revelam que a exposição a conteúdos televisivos e a acções patrocinadas por bebidas alcoólicas favorecem um consumo cada vez mais precoce e cada vez maior (27).

4.6

O comité de peritos da OMS considera que os sistemas voluntários não impedem as formas de comercialização que têm impacto nos mais jovens e que a auto-regulação só funciona se houver uma ameaça permanente e credível de regulação pelo governo (28).

4.7

Os agentes da cadeia de produção e de comercialização de bebidas alcoólicas declararam-se disponíveis para desempenhar um papel mais dinâmico no âmbito das disposições em vigor e da auto-regulação (29). Cabe-lhes trabalhar em conjunto com os Estados-Membros no sentido de assegurar que os seus produtos são produzidos, distribuídos e comercializados de uma forma responsável, contribuindo para reduzir os efeitos nocivos do álcool.

4.8

A directiva sobre serviços de comunicação audiovisuais estabelece normas mínimas para a publicidade às bebidas alcoólicas. Especifica que «[…] a publicidade televisiva de bebidas alcoólicas [… ] não pode dirigir-se especificamente aos menores, […] não deve associar o consumo de álcool a uma melhoria do rendimento físico [e ao] sucesso social ou sexual, [nem] deve sugerir que as bebidas alcoólicas […] têm efeito estimulante, sedativo ou anticonflitual» (30). O CESE considera que esta directiva só por si não é suficiente para proteger totalmente as crianças das técnicas de comercialização das bebidas alcoólicas.

4.9

O CESE exorta a Comissão a fixar como objectivo específico a redução da exposição das crianças às bebidas alcoólicas e à sua publicidade e a introduzir regulamentação mais estrita sobre esta matéria.

5.   Influência do preço nos danos relacionados com o álcool

5.1

Em toda a Europa, há um interesse crescente nas medidas para combater os efeitos nocivos do álcool. O álcool é um importante bem de consumo na Europa: cria empregos, gera receita através dos impostos e contribui para a economia da UE em resultado das trocas comerciais. Contudo, cerca de 15 % dos indivíduos consome álcool em níveis nocivos o que provoca danos nos indivíduos e na comunidade. Calcula-se que, em 2003, o custo do abuso do álcool na UE foi de 125 mil milhões de euros, o que corresponde a 1,3 % do PIB (31).

5.2

Segundo o estudo RAND, há uma tendência na UE para o aumento do consumo de bebidas alcoólicas compradas em estabelecimentos sem consumo no local (off-trade), que são normalmente mais baratas do que as consumidas no local (on-trade) (32). Contudo, é de notar que o estudo analisava apenas os preços praticados nos estabelecimentos off-trade e não os comparava com os preços dos estabelecimentos que permitem o consumo no local (on-trade).

5.3

Estudos realizados revelam que o álcool se tornou mais acessível na UE entre 1996 e 2004, tendo o preço baixado em alguns países mais de 50 % (33), o que vem demonstrar que há uma relação directa entre a acessibilidade do álcool e o seu consumo na UE (34).

5.4

Os jovens são sensíveis aos aumentos do preço do álcool, que levam à redução da frequência do consumo entre os jovens e a menores quantidades bebidas em cada ocasião (35). Contudo, outros estudos revelam que os jovens podem passar a adoptar hábitos ainda menos saudáveis em reacção ao aumento dos preços, nomeadamente bebendo álcool mais barato em casa antes de saírem à noite (36). Este facto tem importantes consequências para a política da UE em relação ao álcool, especialmente dado o aumento do consumo nocivo de álcool pela juventude.

5.5

Estima-se que o álcool seja responsável por 3,8 % das mortes a nível mundial e por 4,6 % dos anos de vida perdidos por incapacidade. Existe uma relação directa entre o consumo de álcool, as infracções de trânsito e as mortes na estrada (37). O álcool é a causa única de algumas doenças, tais como a hepatite alcoólica e a pancreatite alcoólica, e um factor determinante de outras doenças e lesões (como por exemplo determinados tipos de cancro, doenças e ataques cardíacos e a cirrose hepática) (38). O consumo nocivo de álcool é também um factor que contribui para a ocorrência de crimes, de situações de violência e de carências familiares, de comportamentos sexuais de risco e de doenças sexualmente transmissíveis (39).

5.6

Calcula-se que, na UE, o consumo excessivo pontual de bebidas alcoólicas seja responsável por 2 000 homicídios, 17 000 mortes na estrada (ou seja um terço do número total de vítimas da estrada), 27 000 mortes acidentais e 10 000 suicídios (40).

5.7

As políticas de preços do álcool podem ser instrumentos eficazes na redução dos efeitos nocivos do álcool (41). O CESE considera, porém, que a política de preços deve ser incluída nas medidas analisadas aquando do desenvolvimento de estratégias para combater os efeitos nocivos do álcool de uma forma sustentável, multissectorial e a longo prazo.

5.8

As políticas sobre o álcool deveriam ser globais e incluir uma gama variada de medidas de comprovada eficácia na redução dos efeitos nocivos, como por exemplo as políticas em matéria de condução sob o efeito do álcool e intervenções de saúde primária. O CESE reconhece que nenhuma medida isolada pode resolver os efeitos nocivos do álcool.

5.9

O CESE considera necessária uma aplicação eficiente da legislação que regula a disponibilidade, a distribuição e a promoção das bebidas alcoólicas. A auto-regulação neste domínio faz parte da solução, mas não é por si só suficiente. Deveria ser possível restringir as vendas abaixo do preço de custo e as promoções comerciais sem que isso seja um entrave ao comércio ou uma violação da legislação da UE.

6.   Foco nas crianças com especial atenção às desordens do espectro alcoólico fetal e às crianças em famílias com problemas de abuso de álcool

6.1

O destino da Europa depende da boa saúde e da produtividade da sua população. O CESE manifesta-se, pois, muito preocupado com o facto de os dados revelarem que a percentagem de patologias resultantes de consumos nocivos e perigosos de álcool é maior entre os jovens do que nos outros grupos (42).

6.2

A Comissão reconhece que as crianças têm direito a uma protecção eficaz contra a exploração económica e todas as formas de abuso (43). O Comité comunga plenamente deste postulado.

6.3

O CESE salienta que o consumo nocivo e perigoso de álcool tem consequências não só para quem bebe, mas também para terceiros, em especial em caso de acidentes, lesões e violência. Reconhece que, nas famílias, as crianças são o grupo de risco mais vulnerável.

6.4

Estima-se que entre cinco e nove milhões de crianças que vivem no seio da família sofrem dos efeitos nocivos do álcool e que este é responsável por 16 % dos casos de abuso e negligência de crianças e por sessenta mil nascimentos por ano de crianças com peso inferior ao normal (44). Entre outros efeitos negativos para as crianças inclui-se a pobreza e a exclusão social, que podem afectar a saúde, a educação e o bem-estar das crianças, tanto actualmente como no futuro.

6.5

A violência doméstica – um problema grave em muitos países (45) – está estreitamente relacionada com um elevado consumo de álcool pelo agressor (46). Embora a violência doméstica possa ocorrer sem consumo de álcool, um consumo elevado pode contribuir para atitudes violentas em algumas pessoas. A diminuição do consumo de álcool é benéfica não só para as vítimas e os autores de actos de violência, mas também para as crianças que vivem nessas famílias.

6.6

O álcool pode afectar as crianças mesmo antes do seu nascimento. As desordens do espectro alcoólico fetal (FASD) descrevem um conjunto de anomalias congénitas permanentes (físicas, comportamentais e cognitivas) causadas pelo consumo de álcool pela mãe durante a gravidez.

6.7

Poucos têm consciência destas perturbações e dos seus efeitos. É essencial difundir exemplos concretos de programas de prevenção para reduzir os efeitos nocivos do álcool durante a gravidez. O CESE apoia a utilização de campanhas específicas de sensibilização da UE e dos governos nacionais sobre os riscos das FASD.

7.   Efeitos do consumo nocivo de álcool no envelhecimento digno e saudável

7.1

As pessoas mais idosas são mais sensíveis aos efeitos do álcool. Entre os problemas específicos que podem tornar as pessoas idosas mais susceptíveis ao álcool inclui-se o equilíbrio, o risco de queda e o início de problemas de saúde. Cerca de um terço das pessoas idosas começam a ter problemas com a bebida já numa idade avançada, frequentemente devido à perda de um ente querido, à saúde débil, a dificuldades de locomoção e ao isolamento social (47).

7.2

O consumo nocivo e perigoso de álcool pode afectar a saúde mental das pessoas mais idosas sob a forma de ansiedade, depressão e confusão mental.

7.3

Os distúrbios ligados ao consumo de álcool são comuns entre as pessoas mais idosas, particularmente entre os homens socialmente isolados e que vivem sozinhos (48). Um consumo problemático de álcool está associado à depauperação generalizada da saúde física, psicológica, social e cognitiva. Cerca de 3 % das pessoas com mais de 65 anos sofrem destes distúrbios (49), embora muitos casos possam não ser detectados, visto que os critérios de diagnóstico e os controlos são direccionados para adultos mais novos. Contudo, tratar o alcoolismo nas pessoas idosas é frequentemente mais fácil do que tratá-lo nos adultos mais novos.

7.4

O álcool pode aumentar os efeitos de determinados medicamentos e reduzir os efeitos de outros. É importante sensibilizar os profissionais de saúde, as pessoas que prestam assistência informal e os cidadãos mais idosos para a potencial interacção entre medicamentos e álcool.

7.5

O CESE considera que é necessário fazer mais para melhorar o bem-estar da população mais idosa na UE, incluindo informações à escala comunitária sobre os efeitos do consumo nocivo de álcool para o envelhecimento saudável e digno.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Por multissectorial entende-se: que abrange vários sectores, incluindo a sociedade civil, os sindicatos e as empresas.

(2)  Parecer do CESE de 30.5.2007 sobre «Uma estratégia comunitária para apoiar os Estados-Membros na minimização dos efeitos nocivos do álcool», relatora: Jillian van Turnhout e co-relator: Thomas Janson, JO C 175 de 27.7.2007.

(3)  Konnopka, A & König, H-H, The Health and Economic Consequences of Moderate Alcohol consumption in Germany 2002 (As consequências do consumo moderado de álcool para a saúde e a economia, na Alemanha, em 2002), Value in Health, 2009.

(4)  Tratado que institui a Comunidade Europeia.

(5)  Recomendação do Conselho de 5 de Junho de 2001 (2001/458/CE).

(6)  Conclusões do Conselho de 5 Junho de 2001 sobre uma estratégia comunitária para reduzir os malefícios ligados ao álcool (JO C 175 de 20.6.2001, p. 1) e Conclusões do Conselho de 1 e 2 de Junho de 2004 sobre o álcool e os jovens (não publicadas no Jornal Oficial).

(7)  COM(2006) 625 final.

(8)  Ver nota de pé de página 2.

(9)  Idem.

(10)  Processo Franzen (C-89/95), processo Heinonen (C-394/97), processo Gourmet (C-405/98), Catalunha (C-190 e C-176/90), Loi Evin (C-262/02 e C-429/02).

(11)  Alcohol in Europe - A public health perspective (O álcool na Europa, uma perspectiva de saúde pública), Relatório para a Comissão Europeia elaborado por P. Anderson e B. Baumberg, Institute of Alcohol Studies, Junho de 2006.

(12)  Parecer do CESE, de 30 de Maio de 2007, sobre Uma estratégia comunitária para apoiar os Estados-Membros na minimização dos efeitos nocivos do álcool, relatora: Jillian van Turnhout, co-relator: Thomas Janson, JO C 175 de 17.7.2007.

(13)  Ver nota de pé de página 11.

(14)  Mais de 40g de álcool, ou seja quatro bebidas por dia, para os homens e mais de 20g, ou seja duas bebidas por dia, para as mulheres.

(15)  Alcohol-related harm in Europe (Danos causados pelo álcool na Europa) – Dados essenciais, Outubro de 2006, Bruxelas, MEMO/06/397, 24 de Outubro de 2006.

(16)  Inquérito do ESPAD, 2007.

(17)  Ver nota de pé de página 11.

(18)  DG SANCO.

(19)  Carta Europeia sobre o Álcool da Organização Mundial de Saúde (1995).

(20)  Ver nota de pé de página 11.

(21)  Relatório ESPAD 2007 (2009).

(22)  Alcopop é um termo usado para designar bebidas alcoólicas em garrafa que se assemelham a bebidas sem álcool e a refrigerantes.

(23)  Independent Review of the Effects of Alcohol Pricing and Promotion (Análise independente dos efeitos dos preços e da promoção de bebidas alcoólicas) (2008).

(24)  Scientific Opinion of the Science Group of the European Alcohol and Health (Parecer científico do grupo científico do Fórum Europeu Álcool e Saúde (2009) e Impact of Alcohol Advertising and Media Exposure on Adolescent Alcohol Use: A Systematic Review of Longitudinal Studies (Impacto da publicidade e da exposição mediática sobre o consumo de álcool pelos adolescentes: Análise sistemática de estudos longitudinais) (2009).

(25)  Ver a primeira parte da nota de pé de página 24.

(26)  Ver nota de pé de página 11.

(27)  Idem.

(28)  Segundo relatório do comité de peritos da OMS sobre os problemas relacionados com o consumo de álcool, 2007.

(29)  COM(2006) 625 final.

(30)  The affordability of alcoholic beverages in the European Union: understanding the link between alcohol affordability, consumption and harms (As bebidas alcoólicas na União Europeia a preços acessíveis: Compreender a relação entre preços acessíveis, consumo e efeitos nocivos) (2009).

(31)  DG SANCO 2006.

(32)  Ver nota de pé de página 11. On-trade refere-se aos bares, discotecas, restaurantes e outros estabelecimentos de retalho que vendem álcool para consumo no local; off-trade refere-se aos supermercados e outros estabelecimentos autorizados a venderem álcool para consumo externo.

(33)  A acessibilidade económica é medida através do efeito líquido do preço e da receita.

(34)  Ver nota de pé de página 30.

(35)  Modelling the Potential Impact of Pricing and Promotion Policies for Alcohol in England: Results from the Sheffield Alcohol Policy Model Version 2008 (Definir o potencial impacto das políticas dos preços e de promoção do álcool em Inglaterra: Resultados do modelo de política do álcool de Sheffield) versão 2008 (1-1).

(36)  Alcohol Price and Consumer Behaviour (Preço do álcool e atitudes dos consumidores). Estudo de mercado. IPSOS Belgium (2009).

(37)  Ver nota de pé de página 30.

(38)  Global burden of disease and injury and economic cost attributable to alcohol use and alcohol use disorders (O peso mundial e o custo económico das doenças e das lesões imputáveis ao consumo de bebidas alcoólicas e aos distúrbios que lhe estão associados), The Lancet, (2009).

(39)  Effectiveness and cost-effectiveness of policies and programmes to reduce the harm caused by alcohol (Eficácia e rendibilidade das políticas e programas para reduzir os efeitos nocivos do álcool), The Lancet (2009).

(40)  Ver nota de pé de página 11.

(41)  WHO Global Status Report: Alcohol Policy (Relatório da OMS sobre a situação mundial: A política em matéria de bebidas alcoólicas) (2004). Ver também Paying the tab: The costs and benefits of alcohol control (Pagar a factura: Os custos e os benefícios do controlo do álcool) (2007), e notas de pé de página 35 e 37.

(42)  Ver nota de pé de página 11.

(43)  COM(2006) 367 final.

(44)  Ver nota de pé de página 11.

(45)  Parecer de iniciativa do CESE de 16.3.2006 sobre a Violência doméstica contra mulheres, de que foi relatora Renate Heinisch (JO C 110 de 9.5.2006), e parecer de iniciativa do CESE de 14.12.2006 sobre as Crianças – Vítimas indirectas de violência doméstica, de que foi relatora Renate Heinisch (JO C 325 de 30.12.2006).

(46)  Ver nota de pé de página 11.

(47)  Ver Royal College of Psychiatrists, Reino Unido, no seguinte endereço:

http://www.rcpsych.ac.uk/mentalhealthinfoforall/problems/alcoholanddrugs/alcoholandolderpeople.aspx

(48)  Alcohol use disorders in elderly people: redefining an age old problem in old age (Os distúrbios relacionados com o álcool nas pessoas idosas: Redefinição de um problema de longa data na terceira idade), British Medical Journal (2003).

(49)  Prevalence of mental disorders in Europe: results from the European Study of the Epidemiology of Mental Disorders (Prevalência das doenças mentais na Europa: Resultados do estudo europeu sobre a epidemiologia das doenças mentais) (2004).


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Relação entre igualdade de género, crescimento económico e taxa de emprego (parecer exploratório)

2009/C 318/04

Relatora: Béatrice OUIN

Por ofício de 18 de Dezembro de 2008, Cecilia MALMSTRÖM, Ministro dos Assuntos Europeus da Suécia, pediu ao Comité Económico e Social Europeu para redigir, na perspectiva da próxima Presidência sueca, um parecer exploratório sobre a

«Relação entre igualdade de género, crescimento económico e taxa de emprego

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 1 de Setembro de 2009, sendo relatora Béatrice OUIN.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 138 votos a favor, 6 votos contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O mérito da questão submetida pela Presidência sueca sobre a relação entre a igualdade de género, crescimento e emprego é ter permitido a abertura de novas perspectivas sobre essa matéria. Com efeito, a questão da igualdade de género é tratada num número considerável de relatórios, estudos, directivas, leis, recomendações e acordos. Contudo, a realidade resiste e as desigualdades persistem. As desigualdades são uma herança dos séculos passados e há apenas 50 anos que são combatidas. Se a igualdade de género está agora inscrita nas leis, ainda é necessário alterar as mentalidades e os comportamentos individuais e colectivos. O presente parecer pretende alterar essa perspectiva, nomeadamente em três domínios: organização do tempo, o reconhecimento da qualificação dos empregos de prestação de serviços às pessoas e o carácter misto, tanto dos sectores profissionais como dos cargos de decisão.

1.2

Por conseguinte, as recomendações do CESE são dirigidas aos Estados-Membros, à Comissão Europeia, aos parceiros sociais, mas também a todos os actores da sociedade.

Aos Estados-Membros:

1.3

O crescimento mede-se pelo aumento do PIB. Contudo, este indicador é insuficiente para reflectir a contribuição económica das mulheres. Para analisar a relação entre a igualdade dos géneros e o crescimento, importa rever o instrumento de cálculo do crescimento.

1.4

O trabalho em prol da igualdade de género deve ser considerado como um meio de:

promover o crescimento e o emprego e não como um custo ou uma obrigação;

reforçar a independência económica das mulheres que serão cada vez mais consumidoras de bens e serviços;

investir nos recursos humanos impondo a igualdade de acesso à formação profissional e à aprendizagem ao longo da vida, valorizando mais a experiência e a diversidade;

criar as condições para uma melhor conciliação entre trabalho, vida familiar e privada, propondo esquemas de horário flexível no interesse das empresas e dos trabalhadores, aumentando os serviços de assistência, considerando o acolhimento de crianças não como um encargo mas como um investimento e incentivando os homens a assumirem a sua quota-parte no trabalho familiar;

estimular o empreendedorismo das mulheres, apoiando a criação e as transmissões de empresas e melhorando o seu acesso ao financiamento;

garantir que a perspectiva de género é tida em conta nas medidas adoptadas, a curto, médio e a longo prazo, para enfrentar a crise económica e financeira, a nível da União Europeia no seu conjunto e à escala de cada Estado-Membro;

reduzir a pobreza activa (os trabalhadores sub-remunerados, os trabalhadores precários e os chefes de família monoparentais são muitas vezes mulheres) mediante maior acesso a um emprego, a um trabalho seguro e a remunerações dignas.

À Comissão:

1.5

Pede para controlar e avaliar os esforços dos Estados-Membros na execução do roteiro para a igualdade de género e ser uma plataforma de intercâmbio de boas práticas e experiências.

Aos parceiros sociais solicita que:

1.6

apliquem o seu quadro comum de acções no que respeita à igualdade entre homens e mulheres, concentrando-se no papel dos géneros, na promoção da mulher no processo decisório, no apoio ao equilíbrio entre trabalho e vida privada e na redução das disparidades salariais;

1.7

melhorem o conhecimento e os instrumentos de luta contra a segregação no emprego e da defesa da ocupação dos empregos por ambos os sexos;

1.8

promovam a profissionalização dos empregos no sector dos serviços de assistência às pessoas através de um melhor reconhecimento das competências aplicadas no seu exercício.

A todos os intervenientes da sociedade civil e aos responsáveis políticos recomenda que:

reflictam sobre a flexibilização das regras de reforma, o que poderia incluir a possibilidade de gozar tempo livre antes da reforma para fazer face às obrigações da vida familiar;

desenvolvam a oferta de serviços ao domicílio através do desenvolvimento de serviços públicos e a criação de empresas;

aumentem o número de mulheres em funções de direcção na administração pública, assim como nos conselhos de administração e órgãos de direcção das grandes empresas públicas e privadas;

examinem esta questão de uma perspectiva ampla que se traduza tanto em medidas imediatas como em eixos de trabalho a longo prazo.

2.   Introdução

2.1

A necessidade de medidas destinadas a melhorar a participação das mulheres no mercado de trabalho faz parte da Estratégia de Lisboa, que deve fazer a Europa evoluir para uma sociedade mais competitiva baseada no conhecimento.

2.2

O relatório da Comissão sobre a igualdade entre homens e mulheres na Europa de 2008 (1) indica: «O emprego feminino foi o principal factor do crescimento contínuo do emprego na UE nos últimos anos. De 2000 a 2006, o número de pessoas com emprego na UE-27 conheceu um aumento de cerca de 12 milhões, dos quais mais de 7,5 milhões são mulheres (…). A taxa de emprego das mulheres com filhos a cargo é apenas de 62,4 %, contra 91,4 % para os homens, o que corresponde a uma diferença de 29 pontos. Mais de três quartos dos trabalhadores a tempo parcial são mulheres (76,5 %), o que corresponde a uma mulher sobre três, contra menos de um homem sobre dez».

2.3

O relatório de 2009 (2) avalia a taxa de emprego das mulheres em 58,3 % contra 72,5 % para os homens e a percentagem de emprego feminino a tempo parcial em 31,2 % contra 7,7 % para os homens. Assinala a predominância das mulheres em sectores onde o emprego é menos bem remunerado e sublinha a desigualdade na repartição de poderes nas instituições e nas empresas.

2.4

Embora a igualdade de géneros ainda não seja uma realidade, a situação das mulheres trabalhadoras é uma das melhores do mundo; há que reconhecer o mérito da União Europeia de se ter empenhado nesta questão desde o início e ter aplicado ferramentas estatísticas, estudos, análises e legislação.

2.5

Apesar do progresso e dos resultados positivos registados, o potencial económico das mulheres não foi suficientemente aproveitado. Além disso, a crise económica e financeira internacional sem precedentes terá provavelmente um impacto diferente nas mulheres e nos homens, dada a diversidade da sua situação na esfera económica, social e familiar.

2.6

Uma vez que estão disponíveis muitos estudos, que foram formuladas recomendações e tomadas decisões pelas instituições e pelos parceiros sociais europeus – em 5 anos o Comité emitiu 14 pareceres sobre temas relacionados com a igualdade de género (3) –, o presente parecer optou por não abordar o tema da igualdade de género na sua globalidade, limitando o seu âmbito de aplicação às suas relações com o crescimento e o emprego tendo em mente os objectivos estabelecidos pela Estratégia de Lisboa de aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho (4).

3.   Observações na generalidade

3.1   Antecedentes

3.1.1

O emprego de mulheres aumentou de forma contínua desde os anos 60. Um grande passo para a igualdade dos géneros foi o acesso maciço das mulheres ao emprego desde os anos 70. A partir do momento em que lhes foi possível controlar a sua maternidade e aceder a estudos superiores, as mulheres quiseram, como os homens, pôr as suas competências ao serviço da sociedade e não apenas da família e adquirir autonomia financeira. O trabalho remunerado representa um rendimento pessoal, melhores garantias em matéria de segurança social e de reforma e um escudo contra a pobreza em caso de separação, divórcio ou viuvez.

3.1.2

A entrada das mulheres no mercado de trabalho criou novas necessidades que o mercado teve de satisfazer. As mulheres trabalhavam em casa, o que não era contabilizado no produto interno bruto. Assim que as mulheres saíram da esfera doméstica, foram criados empregos para realizar as tarefas que elas faziam em casa, como, por exemplo, no caso das amas e das mulheres-a-dias.

3.1.3

O trabalho das mulheres criou necessidades que contribuíram para o desenvolvimento económico. Quando as mulheres começaram a trabalhar, os casais equiparam-se com electrodomésticos, dois automóveis, passaram a comprar comida já pronta, as crianças e os pais passaram a tomar uma refeição fora de casa, as famílias tiveram necessidade de serviços e de estruturas de alojamento para os doentes, os deficientes e as pessoas de idade de que as mulheres domésticas costumavam tomar conta, bem como de acolhimento das crianças fora do horário escolar. Com dois salários os casais puderam adquirir uma habitação e tirar partido das actividades culturais, viagens… Foram assim criados empregos na indústria (no sector dos electrodomésticos, automóvel, agroalimentar), na restauração colectiva, nos sectores da saúde e sociais, das actividades extracurriculares, da primeira infância e da educação, na construção civil, no turismo, no sector das actividades de lazer, da cultura, dos transportes de passageiros, etc..

3.1.4

Há mais de quarenta anos que este movimento de transformação do trabalho doméstico em empregos é um motor de crescimento. Mas será que se trata de crescimento real ou apenas da forma como é calculado? A economia não reconhece o trabalho doméstico e familiar, apesar de necessário ao funcionamento da sociedade, o que nos leva à questão de como calcular o crescimento.

3.2   Igualdade de género e crescimento económico – factos e realidades

3.2.1

De acordo com uma análise da UE (5), a contribuição da igualdade de género para a economia não deve medir-se apenas em termos de uma melhor rentabilidade das empresas. Trata-se de um investimento produtivo que participa no progresso económico global, no crescimento e no emprego. A igualdade de género pode contribuir para o desenvolvimento: 1) mercê de uma mais forte participação das mulheres no mercado de trabalho, o que induz uma melhor utilização do seu investimento em educação e formação, 2) mercê de uma maior independência económica, 3) mercê de uma melhor integração das mulheres no sistema fiscal, participando desta forma no bem-estar colectivo.

3.2.2

Apesar de a contribuição económica ser considerada como mais ampla do que a abordagem empresarial e a gestão da diversidade a nível da empresa, existem alguns elementos que permitem demonstrar resultados económicos positivos associados à abordagem empresarial. As empresas com mais mulheres nas administrações são mais rentáveis.

3.2.3

As políticas de igualdade podem ser consideradas como um investimento eficaz em recursos humanos. Mesmo que os objectivos de desenvolvimento económico estejam limitados ao crescimento económico, do ponto de vista do investimento, as políticas de igualdade podem ter um impacto positivo nos indivíduos, nas empresas, nas regiões e nos países. Uma utilização mais eficaz das mulheres com níveis de educação superiores também pode trazer benefícios económicos.

3.2.4

Uma maior independência económica das mulheres é positiva graças ao seu contributo enquanto consumidoras de bens e serviços na economia e ao poder de compra dos agregados familiares. A contribuição económica das mulheres deveria ser mais reconhecida nas políticas económicas a nível nacional, regional e local.

3.3   Situação actual

3.3.1

Num momento em que as crises económica e ecológica nos fazem pensar no tipo de desenvolvimento desejável, há quem ponha em causa o PIB como único indicador de crescimento. Poder-se-ia, por conseguinte, ponderar a criação de outros indicadores (6).

3.3.2

Quaisquer que sejam os indicadores, a desigualdade mantém-se em relação às mulheres, o que representa um custo para a sociedade. Efectivamente, os Estados investem o mesmo montante na educação dos rapazes e das raparigas, quando 60 % dos licenciados por universidade europeias são raparigas –, não é lógico que, depois, não apoiem mais as mulheres no mercado de trabalho. Um orçamento público para a educação igual para ambos os sexos deveria permitir às mulheres terem as mesmas responsabilidades e remunerações que os homens. As mulheres devem tirar partido das actuais mutações para adquirir as novas competências necessárias aos novos empregos. As contribuições das mulheres, o seu elevado nível de educação e o seu potencial para responder às necessidades do futuro mercado laboral continuam a ser subestimados e a não merecer o devido reconhecimento.

3.3.3

Combater a desigualdade de género não é apenas uma questão ética, é gerir melhor os recursos humanos. Mais mulheres empregadas criarão mais riqueza e consumirão mais bens e serviços e contribuirão para aumentar as receitas. Equipas de trabalho mistas significam maior potencial de inovação. Dar aos casais os meios de concretizarem o desejo de serem pais, permitindo-lhes manter a sua actividade profissional é combater o défice demográfico. Se a Europa quiser investir no ser humano, tem antes, de mais, que procurar acabar com a situação de desvantagem das mulheres (7).

3.3.4

O potencial de evolução das mulheres é particularmente refreado devido:

à partilha desigual das responsabilidades (crianças, doentes, pais idosos, tarefas domésticas, etc.)

à insuficiência tanto do ponto de vista do número como da qualidade de estruturas públicas de acolhimento pré-escolar, assim como de estruturas alternativas de acolhimento a um custo acessível para todos

ao peso dos estereótipos

à segregação horizontal e vertical do mercado de trabalho

à segregação a nível da orientação escolar e dos estudos

ao não reconhecimento das suas qualificações e competências aplicadas em muitas profissões

ao trabalho a tempo parcial de aceitação obrigatória

ao trabalho precário

ao trabalho informal

aos baixos salários

às disparidades salariais entre homens e mulheres (8)

à violência e ao assédio de carácter sexual e/ou em função do sexo

ao número demasiado baixo de mulheres com responsabilidades nos domínios económico e político

à adversidade das condições para as mulheres empresárias, ao apoio demasiado fraco à criação e transmissão de empresas e ao acesso limitado ao financiamento

às regressões veiculadas por determinadas comunidades

à falta de modelos a seguir

a si próprias – as mulheres não se sabem promover como os homens. (Hesitam em candidatar-se a funções de responsabilidade, falta-lhes auto-confiança, não estabelecem uma rede de contactos ou não aproveitam as oportunidades e não estão dispostas a combater a discriminação).

3.3.5

Dirigir os esforços para as condições de acesso e de permanência das mulheres no mercado de trabalho, acabar com as disparidades salariais entre homens e mulheres pressagiam mais crescimento e melhores empregos, prevenção contra a pobreza e um custo inferior para a «reparação social». A pobreza na Europa concentra-se na categoria das mulheres sozinhas com crianças (9).

3.3.6

Na anterior repartição de funções, o homem tinha um rendimento que financiava o trabalho familiar, social e doméstico da mulher. Quando no casal há dois salários, um deles não é gasto todo com o pagamento dos serviços que a mulher realizava em casa, sendo prioritariamente reservado ao consumo de bens materiais.

3.3.7

O trabalho gratuito da mulher doméstica não tinha preço, mas ao transformar-se em trabalho assalariado, tem um custo que os utilizadores não estão dispostos a pagar ou não o podem fazer. As amas, as ajudas familiares, as mulheres-a-dias recebem os salários mais baixos, trabalham a tempo parcial, para vários empregadores (são os particulares que são os patrões por algumas horas por semana) e, muitas vezes, na economia informal. O trabalho doméstico é o sector mais importante do trabalho não declarado na Europa.

3.3.8

Os pais confiam o que de mais precioso têm, o seu bebé, a pessoas muito menos remuneradas que a média, pretendendo, porém, que o seu nível de qualificação seja elevado. Como também se entregam as chaves de casa a uma mulher-a-dias, sem contudo se lhe pagar o salário devido pela confiança. Dificilmente as qualificações são reconhecidas, porque as famílias consideram «fácil» uma tarefa que elas mesmas podem realizar. No entanto, se ocupar-se dos seus próprios filhos não é uma profissão, ocupar-se dos filhos dos outros já o é (são necessários conhecimentos de psicologia, dietética, higiene, concentração, escuta, atenção, vigilância permanente, etc.); as competências necessárias, muitas vezes consideradas «naturalmente femininas» e, por esse motivo, ignoradas no domínio profissional, são mais frequentemente transmitidas de forma informal na família do que ensinadas num curso.

4.   Observações na especialidade

4.1   Os progressos realizados para a igualdade de género podem continuar a criar crescimento e emprego, visto que

o aumento da taxa de emprego feminino cria necessidades adicionais de serviços,

a revalorização dos salários femininos gera poder de compra, capacidades adicionais de consumo e receitas fiscais,

uma maior presença feminina em cargos políticos e de decisão tem um efeito positivo no desempenho das empresas e das instituições,

o aumento do número de mulheres empresárias gerará valor acrescentado e representará uma contribuição financeira para a economia através da inovação e da criação de postos de trabalho.

4.2   Uma vez que é inútil repetir o que outros documentos comunitários já referem, o Comité Económico e Social Europeu limita as suas propostas a algumas pistas menos exploradas do que outras.

4.2.1   Combater a segregação dos empregos

4.2.1.1

O principal obstáculo à igualdade de género é actualmente a segregação nos empregos. Existem profissões masculinas e profissões femininas. Os salários dos ramos profissionais femininos são frequentemente mais baixos. E o trabalho a tempo parcial (de aceitação obrigatória) e a precariedade estão mais generalizados.

4.2.1.2

Enquanto uma profissão estiver reservada a um sexo, a ela se associarão estereótipos. Está hoje demonstrado que tanto os homens como as mulheres têm capacidade para exercer todas as profissões. Profissões que durante muito tempo foram dominadas pelos homens (professor, juiz, médico de clínica geral, etc.) são hoje dominadas pelas mulheres. Por que será tão difícil instalar a participação de ambos os sexos no emprego? Será necessário aumentar os conhecimentos a esse respeito para combater a segregação no emprego e promover a sua ocupação por ambos os sexos, o que permitirá também evitar a escassez de mão-de-obra de que são vítimas determinados sectores.

4.2.1.3

Os obstáculos à ocupação de postos de trabalho e de funções por ambos os sexos são inconscientes e estão associados a representações de género. Radicam logo no sistema educativo, com a escolha de profissões diferentes para raparigas e para rapazes. Pais e professores devem ser mais sensibilizados para as consequências das escolhas de orientação dos jovens. Os representantes patronais e sindicais que tomam parte nas negociações sobre os sistemas de classificação e estabelecem uma hierarquia das qualificações no decurso das negociações salariais têm um papel essencial, que implica que tenham conhecimentos sobre o valor das competências adquiridas na esfera doméstica e familiar. As funções dirigentes também não são mistas. Têm de ser tomadas medidas nas grandes empresas e ao mais alto nível da administração visando a existência de mais funções mistas.

4.2.2   Qualificar e profissionalizar os empregos no sector dos serviços de assistência às pessoas

4.2.2.1

Os empregos no sector dos serviços de assistência às pessoas devem tornar-se verdadeiras profissões, com qualificações oficialmente reconhecidas, formações, diploma e carreira. Para que esse serviço saia da esfera da relação individual entre a família e quem presta a ajuda familiar, é preciso constituir empresas e serviços públicos de assistência às pessoas. As famílias já não devem ser empregadores, mas sim clientes ou utentes que compram ou beneficiam de algumas horas de serviços domésticos, de cuidados à pessoa idosa ou à criança, de apoio escolar, etc. Será necessário generalizar um sistema que já existe em alguns países europeus em que a empresa ou o serviço público empregador é responsável pela segurança dos bens e das pessoas e deve verificar a qualificação dos assalariados que prestam serviço ao domicílio. Estes têm desta forma apenas um empregador, são remunerados pelo tempo de transporte entre dois locais de trabalho e têm acesso à formação profissional e a todas as garantias colectivas. É necessário elaborar um quadro europeu de referência para os empregos do sector dos serviços a domicílio que inclua a dimensão psicológica destas funções (confiança, empatia, atenção, escuta, vigilância, etc.), os conhecimentos indispensáveis (dietéticos, incidência dos produtos utilizados na saúde e ambiente, etc.) e não apenas a dimensão material e técnica dos trabalhos domésticos.

4.2.2.2

O reconhecimento da qualificação aumenta o custo dos serviços, que actualmente a maioria das famílias já não pode assumir. Um financiamento por parte do Estado e das empresas, no caso de fazer parte dos acordos salariais das empresas, poderá fazer com que esses serviços sejam mais acessíveis a todos.

4.2.2.3

A profissionalização dos empregos do sector dos serviços de assistência às pessoas e melhores salários permitirão desenvolver a participação de ambos os sexos. Quando os homens quiserem trabalhar como empregados domésticos, baby-sitters, ajudas familiares, terá sido dado um passo importante para a igualdade dos géneros.

4.2.3   Repartir melhor as responsabilidades familiares

4.2.3.1

Os pais devotam menos tempo que as mães às tarefas familiares e domésticas. Sensibilizar o pai para a importância do seu papel junto dos filhos, incentivar os homens a assumirem as suas responsabilidades para com os pais idosos e os doentes da família é uma das condições da igualdade.

4.2.4   Assistência à infância

4.2.4.1

Desenvolver a assistência à infância não deve ser considerado um custo mas sim um investimento. Segundo Gösta esping-Andersen (10), as mães que trabalham restituem a longo prazo os subsídios recebidos através do aumento dos seus rendimentos ao longo de uma vida e aos impostos que pagam. Esta contribuição reembolsa o apoio público inicial e tem efeitos benéficos para a criança que beneficia da assistência. Este investimento permitirá também travar o declínio demográfico da Europa.

4.2.5   Desenvolver a oferta de serviços

A igualdade passa pelo desenvolvimento de uma oferta de serviços que liberte as mulheres das tarefas domésticas e familiares e lhes assegure empregos estáveis, a tempo inteiro e qualificados. Desenvolver estes serviços (assistência à infância, actividades extracurriculares, acompanhamento de deficientes e de pessoas de idade, trabalhos domésticos, passar a ferro, etc.) é criar empregos.

4.2.5.1

O desenvolvimento destes serviços passa por um financiamento colectivo (Estado, empresas, clientes) (11). Acordos de empresa recentes propõem serviços de assistência às pessoas como alternativa aos aumentos salariais. Propor serviços que permitam conciliar melhor a vida pessoal e profissional faz parte da responsabilidade social das empresas.

4.2.6   Prever um crédito de «tempo»

4.2.6.1

Os serviços podem não ser suficientes para conciliar a vida profissional e familiar. A educação das crianças exige tempo durante uma parte da vida. O trabalho a tempo parcial da mãe não é uma solução satisfatória. Embora o trabalho a tempo parcial, quando é escolhido, ajude as mães e as mulheres em geral a conciliarem melhor a sua vida profissional, familiar e privada, não deve fragilizar a posição das mulheres no emprego e na vida, quando são chefes de família, nem dissuadir os pais de se investirem na vida familiar. Ambos os progenitores devem poder ocupar-se dos seus filhos.

4.2.6.2

Há outros familiares que necessitam do nosso tempo: pessoas em fim de vida, doentes, pais idosos. Num momento em que todos os sistemas de reforma são reformulados, é necessário abandonar a visão da vida dividida em três etapas: os estudos, o trabalho e a reforma. Cada um deve poder estudar ao longo da vida e dispor de um número de anos suficiente de crédito de tempo para as suas actividades familiares, sociais, associativas, políticas e cívicas. Deveria ser possível optar por protelar a idade de reforma se se preferir dispor de algum tempo (financiado como a reforma) durante a sua vida activa.

4.2.7   Aumentar o número de mulheres nas funções de direcção

4.2.7.1

As mulheres estão subrepresentadas em todas as funções de direcção, nas responsabilidades políticas, nos quadros superiores da administração e nas direcções das grandes empresas muito embora as empresas que têm uma maior proporção de mulheres nos seus órgãos de direcção sejam também as que têm melhores resultados financeiros. As mulheres criam menos empresas e ocupam muito menos vezes lugares de chefia nas empresas. Os homens estão subrepresentados na esfera familiar e gozam menos licenças parentais.

4.2.7.2

As mulheres que se souberam impor num meio masculino poderiam orientar as mulheres que aspiram à mesma carreira (tutoras). Pode verificar-se a necessidade de medidas vinculativas: as grandes instituições públicas e as grandes empresas privadas deveriam tomar medidas para assegurar a existência de um número significativo de mulheres entre os seus dirigentes.

4.2.8   Apoio às mulheres na qualidade de empresárias

As mulheres que se propõem assumir o papel de empresárias ou de gestoras de uma empresa na UE têm muitas dificuldades em criar e manter empresas devido ao seu fraco conhecimento do mundo dos negócios, dos tipos de empresa e dos sectores, à falta de informação, à ausência de contactos e de redes, aos estereótipos, à fraca disponibilidade e insuficiente flexibilidade dos serviços de assistência às crianças, às dificuldades em conciliar negócios e obrigações familiares bem como à diferença no modo como os homens e as mulheres concebem o empreendedorismo. O roteiro da UE para igualdade entre homens e mulheres identificou as medidas a tomar para apoiar o espírito empresarial das mulheres, ajudá-las a criar as suas próprias empresas, ou a adquirir uma empresa já existente, beneficiar de formação adaptada para empresários e facilitar o acesso ao financiamento.

4.2.9   O papel dos parceiros sociais

Tendo em conta que as desigualdades que subsistem no mercado de trabalho têm causas complexas e interligadas, os parceiros sociais europeus adoptaram em 2005, ao abrigo do seu primeiro programa de trabalho comum, um quadro de acções sobre a igualdade de género que inclui essencialmente quatro domínios: o papel dos géneros, a promoção do papel das mulheres nos processos de decisão, o apoio ao equilíbrio entre trabalho e vida privada e a redução das disparidades salariais.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2008) 10 final, p. 4.

(2)  COM(2009) 77 final.

(3)  Ver os pareceres do CESE de:

24.3.2009 sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma actividade independente e que revoga a Directiva 86/613/CEE, relatora: Madi SHARMA, (JO C 228 de 22.9.2009).

13.5.2009 sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 92/85/CEE do Conselho relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho, relatora: Mária Herczog, CESE 882/2009 (JO C 277 de 17.11.2009).

22.4.2008 sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões Aplicar o Programa Comunitário de Lisboa: Reduzir as disparidades salariais entre homens e mulheres, relatora: Ingrid KÖSSLER (JO C 211 de 19.8.2008).

11.7.2007 sobre Empregabilidade e empreendedorismo – O papel da sociedade civil, dos parceiros sociais e das instâncias regionais e locais, numa perspectiva de género, relator: Luis Miguel Pariza Castaños (JO C 256 de 27.10.2007)

11.7.2007 sobre o Papel dos parceiros sociais na conciliação da vida profissional, familiar e privada, relator: Peter CLEVER (JO C 256 de 27.10.2007).

12.7.2007 sobre O emprego para as categorias prioritárias (Estratégia de Lisboa), relator: Wolfgang GREIF (JO C 256 de 27.10.2007).

13.9.2006 sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Roteiro para a igualdade entre homens e mulheres 2006-2010, relatora: Grace Attard (JO C 318 de 23.12.2006)

14.2.2006 sobre a Representação das mulheres em órgãos de decisão dos meios económicos e sociais da União Europeia, relator: Thomas ETTY (JO C 88 de 11.4.2006).

14.12.2005 sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos (2007) – Para uma Sociedade Justa, relatora: Mária Herczog (JO C 65 de 17.3.2006)

29.9.2005 sobre a Pobreza entre as mulheres na Europa, relatora: Brenda King (JO C 24 de 31.1.2006)

28.9.2005 sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Instituto Europeu da Igualdade entre Homens e Mulheres, relatora: Dana Štechová (JO C 24 de 31.1.2006).

15.12.2004 sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade profissional, relatora: Madi Sharma (JO C 157 de 28.6.2005).

3.6.2004 sobre a Proposta de directiva do Conselho que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento, relatora: Clare CARROLL (JO C 241 de 28.9.2004).

25.1.2001 sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 76/207/CEE do Conselho relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, relator: C. WAHROLIN (JO C 123 de 25.4.2001).

(4)  60 % em 2010.

(5)  Nota de análise: The Economic Case for Gender Equality (As vantagens económicas da igualdade de género), Mark Smith e Francesca Bettio, 2008 – financiada e preparada para uso da Comissão Europeia, DG EMPL.

(6)  Por exemplo, os indicadores utilizados pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento –, como o IDH (índice de desenvolvimento humano), que classifica os países através da média de três indicadores, o PIB per capita, a esperança de vida à nascença e o nível de instrução, o IDSH, indicador de desenvolvimento humano específico ao sexo, que torna possível avaliar as diferenças de situação entre os homens e as mulheres, e o IPF, indicador de participação das mulheres na vida económica e política.

(7)  COM(2009) 77 final: «Os Estados-Membros com as taxas de natalidade mais elevadas são hoje aqueles que também mais fizeram para melhorar a conciliação da vida profissional e privada para ambos os pais e que apresentam taxas de emprego feminino elevadas.»

(8)  Ver a excelente campanha da Comissão «Remuneração igual para trabalho de igual valor», http://ec.europa.eu/equalpay.

(9)  COM(2009) 77 final: As mulheres são quem é mais ameaçado pela pobreza, sobretudo quando se trata de famílias monoparentais (em que o progenitor é geralmente uma mulher), cuja taxa de risco de pobreza é de 32 %.

(10)  «Trois leçons sur l’Etat-Providence» («Três lições sobre o Estado-Providência»), 2008, Paris, Le Seuil.

(11)  O exemplo do «cheque-emprego-serviço», passível de dedução fiscal em França, que permite financiar parcialmente estes serviços, constitui uma pista interessante, que teve resultados positivos na luta contra o trabalho informal neste sector. É um sistema que resulta de um acordo entre bancos, Estado e sistemas de protecção social, segundo o qual os bancos emitem livros de cheques especiais para pagar a prestação de serviços ao domicílio com o objectivo de suprimir o trabalho não declarado e facilitar aos empregadores privados os trâmites referentes às declarações sociais e fiscais.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/22


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Diversidade de formas de empresas (parecer de iniciativa)

2009/C 318/05

Em 10 de Julho de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

«Diversidade de formas de empresas.»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 9 de Setembro de 2009, sendo relator Miguel Ángel CABRA DE LUNA e co-relatora Marie ZVOLSKÁ.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 113 votos a favor, com 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Este parecer tem por objectivo descrever as diferentes formas de empresas existentes na União Europeia (UE). Proteger e preservar esta diversidade é muito importante para a concretização do mercado único, bem como para a manutenção do modelo social europeu e o cumprimento dos objectivos estabelecidos na Estratégia de Lisboa em matéria de emprego, competitividade e coesão social.

1.2   O presente parecer concentra-se na necessidade de o quadro jurídico que regula a actividade empresarial e a política de concorrência promover a diversidade e o pluralismo de formas de empresas, que é um dos principais activos da União Europeia, de uma forma coerente para que se atinjam condições de concorrência equitativas entre todas as diferentes formas de empresas tendo em consideração as suas características.

1.3   O pluralismo e a diversidade das diferentes formas de empresas são reconhecidas tanto no Tratado como factualmente, através dos diferentes estatutos jurídicos já aprovados ou em fase de análise.

1.4   Esta diversidade contribui para a riqueza da União Europeia e é central para a Europa, cuja divisa é «Unidos na diversidade». Todas as formas de empreender são expressão de uma parte da história europeia, sendo cada uma delas portadora da nossa memória e cultura colectivas, bem como das «nossas culturas». Esta diversidade merece ser preservada.

1.5   Esta diversidade constitui igualmente uma base indispensável ao êxito dos objectivos estabelecidos na Estratégia de Lisboa em matéria de crescimento, emprego, desenvolvimento sustentável e coesão social que se baseiam na manutenção e no desenvolvimento da competitividade das empresas.

1.6   O objectivo do direito da concorrência não deverá ser assegurar uniformidade mas prever um quadro jurídico equitativo susceptível de aplicação às várias formas de empresas, permitindo-lhes desenvolverem-se, sem contudo abdicarem dos seus próprios objectivos e modalidades de funcionamento.

1.7   O SEC solicita à Comissão que dê início aos trabalhos de aprovação dos respectivos estatutos europeus das associações e das sociedades mútuas. Congratula-se com o início dos trabalhos sobre um estatuto europeu das fundações e espera que, em breve, estejam concluídos com a aprovação do Estatuto da Fundação Europeia. Apoia igualmente a simplificação do Regulamento sobre a Sociedade Cooperativa Europeia (SCE) dado que a sua complexidade atrasa o seu desenvolvimento.

1.8   Os serviços e as redes que prestem apoio e informações, aconselhamento jurídico, assistência em matéria de marketing e outros serviços devem abranger as diversas formas de empresas.

1.9   O SEC exorta a Comissão a respeitar a identidade das cooperativas em questões contabilísticas, de modo que o capital social dos sócios seja considerado como fundo próprio das cooperativas e não como uma dívida desde que o sócio não se torne credor ao deixar a cooperativa.

1.10   As estatísticas económicas sobre cooperativas, sociedades mútuas, associações, fundações e outras empresas análogas são muito limitadas e heterogéneas, tornando difícil a sua análise e a avaliação do seu contributo para os grandes objectivos macroeconómicos.

1.10.1

Por essa razão, o CESE solicita à Comissão e aos Estados-Membros que promovam a criação de ficheiros estatísticos sobre as empresas atrás referidas. Em particular, a preparação de contas satélite segundo os critérios harmonizados do Sistema Europeu de Contas (SEC-1995) descritos no Manual for drawing up the satellite accounts of Companies in the Social Economy: Cooperatives and Mutual Societies (1) e no Relatório do CESE sobre a Economia Social na União Europeia (2).

1.11   O SEC insta a Comissão a encorajar os Estados-Membros a estudarem a possibilidade de atribuírem medidas compensatórias às empresas que dêem provas da sua utilidade social ou do seu contributo para o desenvolvimento regional (3).

1.12   O SEC solicita à Comissão Europeia que, juntamente com um observatório da diversidade de formas de empresas, um elemento fundamental para a competitividade da União Europeia, desenvolva os instrumentos orgânicos necessários já existentes, cujo papel será velar por que as empresas não sejam discriminadas em nenhuma política que lhes diga respeito e assegurar a coordenação entre os diversos serviços da Comissão quanto a essas matérias.

1.13   Por último, nos casos que demonstrem a sua representatividade, o CESE insta as organizações que melhor representam da diversidade de formas de empresas sejam associadas ao diálogo social.

2.   Diversidade de formas de empresas e o mercado interno na União Europeia

2.1   As diferentes formas de empresas existentes na União Europeia provêm da nossa evolução histórica variada e complexa. Cada uma delas responde a um contexto histórico particular e a uma situação social e económica, que difere na Europa de país para país. Além disso, as empresas têm de evoluir e adaptam-se continuamente às alterações da sociedade e às tendências do mercado, chegando mesmo a alterar as suas formas jurídicas. Por conseguinte, o pluralismo e a diversidade de formas de empresas constituem um valioso património da União Europeia imprescindível para atingir os objectivos estabelecidos na Estratégia de Lisboa em matéria de crescimento, emprego, desenvolvimento sustentável e coesão social que se baseiam na manutenção e no desenvolvimento da competitividade das empresas. Os objectivos de protecção e preservação desta diversidade são da maior importância para assegurar o desenvolvimento de mercados concorrenciais, a eficiência económica e a competitividade dos agentes económicos, mantendo a coesão social.

2.2   Isto é reconhecido pelas instituições europeias através do disposto nos artigos 48.o, 81.o e 82.o do Tratado e no Tratado de Lisboa (4), cujo artigo 3.o, n.o 3, estabelece como um dos objectivos da União Europeia uma economia social de mercado assente no equilíbrio entre as regras do mercado e a protecção social dos indivíduos enquanto trabalhadores e cidadãos.

2.3   A diversidade de formas de empresas pode ser definida em função de diferentes critérios como a dimensão, a sua estrutura jurídica, as suas formas de acesso ao financiamento, os seus objectivos, os diversos direitos políticos e económicos atribuídos ao capital (distribuição de lucros e de dividendos, direitos de voto) ou a própria composição deste último, público ou privado, a designação dos gerentes, a sua importância para a economia (europeia, nacional e local), o emprego, o risco de falência, etc. Todos estes critérios criam uma matriz de diversidade, apresentada, de forma simplificada, na tabela seguinte:

DIVERSIDADE DE FORMAS DE EMPRESAS NA UNIÃO EUROPEIA

DIMENSÃOTIPOLOGIA

Multinacionais

Grandes empresas

Pequenas e médias empresas

Pública (propriedade do sector público)

X

X

 

Cotadas em bolsa

X

X

X

Não cotadas em bolsa

 

X

X

Empresas familiares

 

X

X

Sociedades em nome colectivo, civis ou em regime de comandita

X

X

X

Cooperativas

 

X (5)

X (5)

Sociedades mútuas

 

X (5)

X (5)

Fundações

 

X (5)

X (5)

Associações

 

X (5)

X (5)

Outras empresas sem fins lucrativos existentes nos Estados-Membros

 

X (5)

X (5)

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (6), as fundações, associações e outras organizações sem fins lucrativos podem ser consideradas «operadores económicos» desde que realizem «actividades económicas» na acepção dos artigos 43.o e 49.o do Tratado CE e estão, portanto, incluídas nesta classificação.

2.4   Embora o objectivo comum de qualquer forma de empresa seja a criação de valor e a maximização dos resultados, os parâmetros ou conceitos de mensuração do valor e dos resultados podem diferir consoante o tipo de empresa e os objectivos prosseguidos por aqueles que detêm o seu controlo ou beneficiam da sua actividade. Em alguns casos, a maximização dos resultados consiste em assegurar o maior retorno sobre o capital investido pelos sócios. Noutros, a criação de valor e a optimização dos resultados significa a maximização da qualidade dos serviços prestados aos sócios ou ao público em geral (por exemplo, numa cooperativa de ensino em que os sócios proprietários são as famílias, ou numa sociedade mutualista de previdência, ou nas obrigações dos serviços públicos).

2.4.1

Também pode acontecer que algumas grandes empresas não tenham sócios accionistas e destinem os seus lucros ao reinvestimento ou ao cumprimento de objectivos sociais de interesse geral, como é o caso das caixas económicas de alguns países europeus (7).

2.4.2

Acresce que em algumas microempresas e pequenas e médias empresas de âmbito local a criação de valor não se expressa apenas em benefícios económicos, mas também em objectivos sociais como condições de trabalho, de autogestão, etc.

2.5   Segue-se uma descrição mais detalhada das diversas modalidades de empresas segundo o critério da sua dimensão e da sua tipologia em função da propriedade.

2.6   As multinacionais e as grandes empresas que normalmente estão cotadas em bolsa devido à sua dimensão consolidam-se no âmbito da produtividade e da competitividade dos sistemas económicos, e, quando obtêm resultados positivos, podem manter também níveis elevados de emprego (8).

2.7   Cada vez mais as vantagens concorrenciais das empresas baseiam-se em estratégias de concorrência em que a investigação, o desenvolvimento e a inovação tecnológica (I+D+i) ocupam um lugar central. As multinacionais e as grandes empresas lideram a I+D+i realizada pelo sector económico privado da UE, pese embora ainda não existam suficientes multinacionais ou grandes empresas nos sectores mais importantes da economia global. Além disso, embora as multinacionais e as grandes empresas sejam importantes para a economia e o emprego, importa ter presente que cada uma delas é, frequentemente, o núcleo central de grandes redes de produção mundial constituídas por PME estreitamente relacionadas (grandes empresas numa rede) ou por empresas independentes (redes de produção modular). É precisamente nos países europeus que têm a maior percentagem de multinacionais e de grandes empresas que se verificam os primeiros sinais do abrandamento da quebra da produção e do emprego provocada pela actual crise económica.

2.8   Uma vez que essas empresas externalizaram nas últimas décadas muitas fases dos seus processos de produção e das infra-estruturas de serviços para as PME, os níveis de produção e de emprego destas últimas dependem, entre outros factores, da procura das multinacionais e das grandes empresas que, portanto, constituem um meio para o posicionamento da Europa no mercado global. Embora 30 % das 40 maiores empresas industriais no mundo estejam situadas na UE (9), o seu valor de mercado é de apenas 24 % da totalidade e em alguns sectores tecnológicos de ponta, como os baseados nas tecnologias da informação e da comunicação, a quota da UE está reduzida a uma única grande empresa.

2.9   As PME, as redes de PME, as microempresas e os trabalhadores por conta própria foram responsáveis por alterações tecnológicas substanciais nas últimas décadas e constituem a base da economia europeia: 99 % das empresas da UE são PME e facultam 66 % do emprego (10). Embora não estejam normalmente cotadas em bolsa, podem utilizar esses meios para aumentar o seu capital ou reunir capital de risco (venture capital).

2.9.1

Em geral, deveria haver apoio às PME, um objectivo que não pode ser alcançado exclusivamente através do Small Business Act. As PME constituem frequentemente uma forma de manutenção do emprego, dado que os grupos de interesse que as criaram e controlam são cidadãos vinculados ao território em que operam e demonstraram elevadas capacidades de criação e de manutenção do emprego. As PME «são incubadoras naturais da cultura empresarial» (11) e escolas permanentes de formação de gestores e chefes de empresa.

2.10   De acordo com o critério da propriedade, as empresas de interesse geral podem ser públicas, de capital misto ou, inclusivamente, revestir a forma jurídica de empresa privada. Em termos geográficos, podem ser tanto de carácter multinacional, nacional ou local, embora a maioria delas opere ao nível local ou regional. As suas actividades centram-se na prestação de serviços de interesse geral, como por exemplo os transportes públicos, a energia, a água, a gestão de resíduos, as comunicações, os serviços sociais, os cuidados de saúde, a educação, etc. No entanto, não se exclui a possibilidade de estas empresas participarem também em actividades comerciais, sempre que haja lugar ao cumprimento do disposto na Directiva 80/723/CEE relativa à transparência (12). Como prevalece o interesse geral, os seus lucros revertem a favor de actividades regionais e locais, contribuindo, em grande medida, para a coesão social, económica e regional. As empresas prestadoras de serviços de interesse geral, enquanto prestadoras de serviços essenciais, são fundamentais para impulsionar a economia em geral, investindo em sectores-chave com efeito de alavanca para o resto da economia (electricidade, telecomunicações e infra-estruturas, transportes, etc.).

2.11   Os proprietários das empresas cotadas em bolsa (listed enterprises) são os seus accionistas registados. Os accionistas compram e vendem as suas acções nos mercados bolseiros públicos.

2.12   As empresas não cotadas podem ser grandes ou pequenas e os seus títulos de propriedade (acções, títulos ou outras formas de participação social), por definição, não são cotados em bolsa. Contudo, em muitos casos, as empresas não cotadas ambicionam ter uma cotação na bolsa, especialmente se estiverem envolvidos investidores privados ou capital de risco. Mesmo as PME privadas podem ser cotadas na bolsa com vista a aumentos de capital para a expansão dos seus negócios.

2.13   As empresas familiares constituem um poderoso instrumento de difusão da cultura do empreendedorismo, continuando a ser a porta de entrada por excelência no mundo dos negócios para milhões de cidadãos, não só nas PME, que são de facto a maioria, como também nas grandes empresas familiares, que, em países tão importantes como a Alemanha, o Reino Unido, a Itália e a França, representam entre 12 e 30 % do total das grandes empresas (13). As empresas familiares, sejam elas grandes ou pequenas, são definidas pelo facto de o controlo permanente da empresa ser exercido pelo grupo familiar, mesmo que seja uma sociedade anónima. Nestes casos pode não haver interesse em obter cotação na bolsa.

2.14   As sociedades em nome colectivo, civis ou em regime de comandita (partnerships) são empresas típicas do mundo anglo-saxão, mas que também existem em outros países da UE, normalmente constituídas por profissionais. Estas empresas de «parceria» entre indivíduos são uma ferramenta eficiente que permite aos profissionais qualificados (advogados, contabilistas e outros) participarem no mundo profissional da prestação de serviços. Este tipo de empresa é propriedade dos sócios, cujo principal vínculo, para além do capital de entrada, é constituído pelo próprio trabalho. Quando os sócios se exoneram da sociedade a que pertencem, as suas participações sociais são transferidas para a sociedade.

2.15   Finalmente, e para completar esta análise da pluralidade das formas empresariais na UE, de referir que há na UE uma vasta gama de empresas privadas que partilham características semelhantes de organização e de funcionamento, exercendo actividades com fins sociais prioritariamente com o objectivo de responder às necessidades das pessoas e não de retornar capital aos investidores (14). Estas empresas são principalmente identificadas com as cooperativas, as sociedades mútuas, associações e fundações (15). Os documentos da Comissão, do Parlamento e do CESE reúnem este conjunto de empresas sob a denominação comum de empresas da economia social (EES)  (16). Embora este termo não seja empregue em todos os países da UE, havendo países que utilizam as denominações «terceiro sector» (17), «terceiro sistema», «economia solidária» ou outras, todos estes termos descrevem empresas que «partilham as mesmas características em toda a Europa» (18).

3.   A dimensão social

3.1   Embora as multinacionais, as grandes empresas e as PME não tenham um objectivo explícito de bem-estar social, o facto de operarem nos mercados contribui decisivamente para a competitividade e o emprego e tem uma dimensão social globalizadora. Esta dimensão geral social e territorial é muito evidente no caso das PME e das microempresas locais com uma forte ligação ao território em que operam.

3.2   As cooperativas, as sociedades mútuas, as associações e as fundações são igualmente intervenientes muito importantes na UE, com uma actividade económica considerável em três dos cinco sectores institucionais em que o Sistema Europeu de Contas (SEC-1995) agrupa todos os centros de decisão económica em cada economia nacional (19). A economia social representa 10 % da totalidade das empresas da União Europeia, ou seja, dois milhões de empresas (20) e 7 % (21) da população activa. As cooperativas têm 143 milhões de sócios, as sociedades mútuas 120 milhões e as associações integram 50 % dos cidadãos da UE (22).

3.2.1

Grandes ou pequenas, estas empresas actuam em territórios e/ou áreas sociais com problemas e desafios que constituem uma ameaça ao mercado interno e à coesão social, internalizando custos sociais e gerando externalidades positivas.

3.2.2

Devido ao facto de estarem enraizadas nas comunidades locais e perseguirem prioritariamente o objectivo de satisfazer as necessidades das pessoas, estas empresas não se deslocam, combatendo de forma eficaz a desertificação das zonas rurais e contribuindo para o desenvolvimento das regiões e dos municípios desfavorecidos (23).

3.3   As empresas prestadoras de serviços de interesse geral são um grande fundamento da dimensão social europeia. Cabe-lhes um papel específico como parte integrante do modelo europeu de sociedade, pois através das suas actividades de prestação de serviços cumprem e promovem os princípios de elevada qualidade, segurança e preços acessíveis, igualdade de tratamento, acesso universal e direitos dos utilizadores. Nesse sentido, também têm um efeito directo e indirecto no emprego, pois a existência de boas infra-estruturas atrai o investimento privado. As empresas de interesse geral são uma parte essencial da economia, que representa entre 25 e 40 % da mão-de-obra e perfaz 30 % do PIB.

3.4   As empresas sociais (cooperativas sociais e outras empresas semelhantes, com diversas formas jurídicas) exercem actividades no âmbito da prestação de serviços em áreas como a saúde, o ambiente, os serviços sociais e a educação e, não raro, integram nos seus processos de produção importantes recursos sob a forma de trabalho altruísta, actuando como instrumentos eficazes das políticas públicas de bem-estar social. Além disso, muitas empresas sociais são «Empresas Sociais de Integração pelo Trabalho» (Wise, na sigla em inglês), cujos objectivos consistem na criação de emprego e na integração de pessoas desfavorecidas no mercado de trabalho.

3.5   Uma empresa social não é sempre uma categoria jurídica, mas inclui empresas que produzem benefícios sociais e económicos nos mais diversos sectores. Por conseguinte, não são fáceis de classificar. A questão essencial consiste em saber como apoiar esses empresários criando condições que lhes permitam desenvolver a sua capacidade de inovação, uma capacidade particularmente valiosa em tempos de crise (24). A Comissão Europeia deveria seriamente considerar a possibilidade de elaboração de uma política para as empresas sociais (25).

3.6   Nos casos em que a sua representatividade for importante, as organizações que melhor representam as diversas formas de empresas deveriam ser associadas ao diálogo social.

3.6.1

Alguns dos sectores atrás mencionados já participaram no diálogo sectorial, como, por exemplo, a Associação das Mutualistas e das Cooperativas de Seguros na Europa (AMICE) no sector dos seguros e alguns membros de Cooperatives Europe  (26), nomeadamente a Associação de Bancos Cooperativos Europeia (EACB) e a Associação de Bancos Cooperativos Europeia (EACB) e Grupo Europeu das Caixas Económicas no sector bancário (27).

4.   Quadro jurídico e regulamentar da diversidade de formas de empresas

4.1   Introdução: A diversidade de formas de empresas e o mercado interno

4.1.1

A configuração e o desenvolvimento do mercado interno não podem subordinar os fins aos meios, havendo que estabelecer um quadro jurídico e regulador ajustado às características dos diferentes agentes económicos que operam no mercado, de forma a que se criem condições equitativas de concorrência entre as diferentes formas de empresa tendo em consideração as características de cada uma. Actualmente, este quadro é geralmente projectado para as grandes empresas cotadas em bolsa e a sua aplicação a todos os tipos de empresas cria obstáculos para as mais pequenas. Este quadro deveria apoiar efectivamente os operadores na adopção de comportamentos eficientes, o que, por sua vez, contribuirá para criar um sistema mais justo. Este quadro tem a sua expressão nas áreas do direito das sociedades, do direito contabilístico, do direito da concorrência, do direito fiscal, da harmonização estatística e da política empresarial.

4.2   Direito societário

4.2.1

As sociedades anónimas europeias e as cooperativas têm os seus próprios estatutos jurídicos, mas outros tipos de empresas enfrentam várias barreiras no mercado interno devido à falta de estatutos jurídicos europeus. As PME europeias precisam de uma legislação europeia flexível que lhes facilite o desenvolvimento das suas actividades transfronteiriças. Do mesmo modo, as cooperativas requerem a simplificação do Regulamento sobre a Sociedade Cooperativa Europeia (SCE) dado que a sua complexidade atrasa o seu desenvolvimento.

4.2.2

A ausência de cobertura legislativa impede as fundações que operam a nível europeu de exercerem as suas actividades em igualdade de condições com outras formas jurídicas de empresas. Assim, o CESE congratula-se com os resultados do estudo de viabilidade para um Estatuto da Fundação Europeia e convida a Comissão a concluir a avaliação de impacto no início de 2010 através da apresentação de uma proposta de regulamento que permitirá às fundações de âmbito europeu operarem em condições equitativas no mercado interno (28).

4.2.3

Pelas mesmas razões, o CESE solicita igualmente à Comissão que dê início aos trabalhos de aprovação dos estatutos europeus das associações e sociedades mútuas.

4.3   Direito contabilístico

4.3.1

As normas de contabilidade devem ser adaptadas às diferentes formas de empresas. Os obstáculos que a introdução das normas internacionais de contabilidade (International Accounting System – IAS) está a causar nas empresas cotadas são outro exemplo das limitações ligadas ao direito contabilístico. A harmonização contabilística europeia não pode ser feita às custas da eliminação das características essenciais de algumas das diferentes formas de empresas existentes na União Europeia.

4.3.2

No caso concreto das cooperativas, há uma nítida dificuldade em articular um conceito de fundo próprio de aplicação geral e indiscriminada, que poderia ter consequências negativas e pôr em risco a diversidade empresarial. O CESE exorta a Comissão a respeitar a identidade das cooperativas em matéria contabilística, de modo que o capital social dos sócios seja considerado como fundo próprio das cooperativas e não como uma dívida, desde que o sócio não fique credor ao sair da cooperativa (29).

4.3.3

O Comité concorda com a recomendação do Grupo de Larosière (30), que defende que as normas contabilísticas não devem desequilibrar os modelos de negócios, promover o comportamento pro-cíclico ou desencorajar o investimento a longo prazo e a estabilidade das empresas.

4.4   Direito da concorrência

4.4.1

Cada forma jurídica de empresa deve poder conduzir as suas actividades mantendo o seu próprio modus operandi. Consequentemente, o direito da concorrência não se pode basear num modelo único e uniforme de empreendedorismo e deve evitar comportamentos discriminatórios, valorizando as boas práticas a nível nacional. Não é uma questão de estabelecer privilégios, mas de promover um direito da concorrência equitativo. O CESE, na linha dos anteriores pareceres (31), defende, por conseguinte, que as disposições em matéria de concorrência e fiscal devem regular compensatoriamente os custos diferenciais das empresas que não estão vinculados a processos de produção ineficientes mas à internalização dos custos sociais.

4.4.2

Alguns instrumentos das políticas de concorrência não são neutros em relação às diversas formas de empresas, como o CESE já tinha indicado: «(...) o sector da economia social necessita de soluções à sua medida em termos de fiscalidade, contratos públicos e regras de concorrência» (32). Por exemplo, o apoio público ao investimento privado em I+D+i para aumentar a competitividade do sistema de produção favorece principalmente as grandes empresas, que são as que se dedicam mais a estas actividades. Também pelo facto de terem maior liberdade de escolha na localização das suas instalações de produção, as grandes empresas podem tirar mais partido do investimento público em infra-estruturas de apoio ao sector produtivo. Por vezes, isto gera desvantagens concorrenciais para as pequenas empresas que têm poucas possibilidades reais de escolher entre diferentes alternativas de localização empresarial.

4.4.3

As normas da concorrência devem igualmente contemplar a singularidade das empresas sociais que produzem e distribuem bens e serviços de não-mercado a pessoas excluídas ou em risco de exclusão social, englobando nos seus processos de produção importantes recursos de natureza altruísta.

4.5   Direito fiscal

4.5.1

Frequentemente, em alguns Estados-Membros, algumas empresas estão sujeitas a situações de desigualdade concorrencial por razões alheias aos processos de produção propriamente ditos, e que derivam de disfuncionamentos do mercado (33), noutros termos, situações em que o próprio mercado é ineficaz e distribui os recursos de uma forma que não é a melhor. O CESE apoia o projecto de directiva sobre taxas reduzidas de IVA aplicáveis aos serviços prestados ao nível local, que dizem essencialmente respeito às PME, e reitera que subscreve o princípio formulado pela Comissão, segundo o qual os benefícios fiscais concedidos a um tipo de sociedade devem ser proporcionais a quaisquer condicionalismos legais ou ao valor acrescentado social inerente ao dito modelo (34). Consequentemente, o CESE insta a Comissão a convidar os Estados-Membros a estudarem a possibilidade de concessão de medidas compensatórias a favor das empresas que comprovem a sua utilidade pública ou a sua contribuição para o desenvolvimento regional (35). Especialmente, importa encontrar soluções para o problema existente em alguns países que é o da impossibilidade de as organizações não lucrativas recuperarem o IVA suportado na aquisição de bens e serviços necessários à execução das suas actividades ligadas ao interesse geral. Os regimes fiscais aplicados às ONG com actividades económicas não relacionadas com o interesse geral devem também ser mencionados.

4.5.2

Actualmente, as PME têm poucas oportunidades reais de investimento em I+D+i, que é um elemento importante para tornar a produção eficiente e manter a competitividade das empresas. O que dá origem a uma desvantagem concorrencial que deve ser equilibrada através de benefícios fiscais que recompensem as PME que invistam nestes domínios. As recomendações incluem uma vasta gama de medidas compensatórias, entre as quais se pode mencionar, dependendo de cada Estado, abatimentos fiscais para investimentos múltiplos em I&D, reembolsos na ausência de lucros e reduções dos encargos sociais. Tendo em conta o papel estratégico que as PME desempenham na economia da União Europeia, o CESE recomenda que cada Estado-Membro recorra a uma boa combinação de medidas compensatórias para facilitar a sobrevivência e o crescimento das PME na sua economia. O impacto mais importante destes programas reside na forma como podem apoiar o desenvolvimento das PME especializadas em I&D durante os primeiros anos da sua existência.

4.6   Harmonização das estatísticas

4.6.1

Os dados agregados para os diferentes tipos de empresa são elaborados nos Estados-Membros e na UE de acordo com os critérios aprovados pelo Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC-95). Contudo, as estatísticas económicas sobre cooperativas, sociedades mútuas, associações, fundações e outras empresas afins, para além de serem muito limitadas, são estabelecidas de acordo com critérios heterogéneos, tornando difícil analisar e avaliar a sua contribuição para os grandes objectivos macroeconómicos. Consequentemente, a Comissão encomendou um Manual (36) que permitirá estabelecer registos estatísticos nacionais destas empresas baseados em critérios homogéneos em termos contabilísticos nacionais. O CESE insta a que sejam utilizados estes novos instrumentos de análise na elaboração de estatísticas harmonizadas sobre as empresas atrás referidas em todos os países da União Europeia, e a que se apliquem políticas mais eficazes a este respeito.

É também aconselhável estabelecer a metodologia que permita incentivar a instituição, à escala europeia, de um observatório das microempresas.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Manual for drawing up the satellite accounts of Companies in the Social Economy: Cooperatives and Mutual Societies (Manual para a elaboração das contas satélite das empresas da economia social: cooperativas e mutualidades, CIRIEC, em nome da Comissão Europeia, 2006.

(2)  CIRIEC, «The Social Economy in the European Union» (A economia social na União Europeia) CESE, Bruxelas, 2008. www.cese.europa.eu, ISBN 928-92-830-08-59-0.

(3)  JO C 234 de 22.9.2005.

(4)  Versão consolidada do Tratado da União Europeia resultante das alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa (JO C 115 de 9.5.2008).

(5)  Em alguns Estados-Membros, no Parlamento Europeu, na Comissão Europeia e no CESE essas empresas são designadas por empresas da economia social (EEE). Trata-se de uma categoria sociológica e não de um conceito jurídico.

(6)  Ver, por exemplo, os Processos n.o C-180/98 a C-184/98 (Pavel Pavlov), e o Processo n.o C-352/85 (Bond van Adverteerders).

(7)  Nos últimos 50 anos, a imprensa económica tem vindo a realçar a diversidade de funções-objectivo de acordo com o tipo de empresa – cf. B.Ward (1958), E.D. Domar (1967), J. Vanek (1970), J. Meade (1972) e J.L. Monzón (1989), autores citados no Manual para a elaboração das contas-satélite das empresas da economia social (ver nota de pé de página 1).

(8)  Em alguns casos, as grandes empresas podem não ter accionistas ou distribuir lucros seja de que forma for, como acontece nas caixas económicas de alguns países europeus. Também há grandes companhias, cooperativas que emitem acções, que não estão cotadas em bolsas de valores, ou sociedades mútuas que operam com os seus capitais próprios e reservas e não com capital proveniente dos sócios.

(9)  www.forbes.com The Global 2000, 04.2.2008.

(10)  JO C 120 de 20.5.2005, p. 10 (ponto 2.1); JO C 112 de 30.4.2004, p. 105 (ponto 1.7); Small Business Act in .JO C 182 de 4.8.2209, p. 30.

(11)  COM(2008) 394 final: «Think Small First» – Um «Small Business Act » para a Europa.

(12)  Directiva 93/84/CEE da Comissão, de 30 de Setembro de 1993, que altera a Directiva 80/723/CEE relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados- membros e as empresas públicas ( JO L 254 de 12.10.1993, pp. 16-18).

(13)  A Colli, P. Fernández e M. Rose, (2003): National Determinants of Family Firm Development? Family Firms in Britain, Spain and Italy in the Nineteenth and Twentieth Centuries, Enterprise & Society, 4, pp. 28-64.

(14)  Ver referência na nota de pé de página 2.

(15)  Relatório do Parlamento Europeu sobre a economia social (2008/2250 (INI)).

(16)  A Comissão refere o sector da «economia social» em vários documentos, como por exemplo na Comunicação relativa à promoção das cooperativas na Europa (COM(2004)18 final) (ponto 4.3).

(17)  Por exemplo, no Reino Unido existe um Gabinete do Terceiro Sector (GTS) que abrange «os grupos voluntários e comunitários, as empresas sociais, instituições de caridade, cooperativas e mútuas» ou, noutros termos, o mesmo conjunto de empresas denominado «empresas da economia social» neste documento. O Gabinete do Terceiro Sector (GTS) é um organismo público integrado no Cabinet Office do Governo britânico (www.cabinetoffice.gov.uk).

(18)  Relatório (2008/2250) (INI).

(19)  O SEC 95 classifica as unidades institucionais que têm um comportamento económico análogo (SEC 95,2.18) em 5 grandes sectores institucionais (SEC 95, Tabela 2.2.): a) sociedades não financeiras (S.11); b) instituições financeiras (S.12); c) administrações públicas (S.13); d) famílias (S.14) e e) instituições sem fim lucrativo ao serviço das famílias (S.15). O SEC 95 também classifica as diferentes unidades produtivas em ramos de actividade, incluindo em cada um deles as que exercem uma actividade económica idêntica ou similar (SEC 95,2.108), estabelecendo 5 diferentes níveis de desagregação em 60, 31, 17, 6 e 3 ramos de actividade. (SEC-1995, Anexo IV).

(20)  Relatório (2008/2250) (INI).

(21)  As EES empregam a tempo inteiro 11 milhões de europeus e abrangem todas as actividades económicas, dos sectores muito concorrenciais como finanças ou agricultura aos sectores inovadores tais como o da prestação de serviços a indivíduos ou das energias renováveis.

(22)  CESE 2008, A Economia social na União Europeia – ver nota de rodapé 2.

(23)  COM(2004) 18 final; ponto 4.3 (Promoção das cooperativas na Europa).

(24)  Como indicado por Robert Trimble na revista The Bridge, p.17. (www.ipt.org.uk): «It's time for social enterprise to realise its potential» (É altura de as empresas sociais desenvolverem todo o seu potencial).

(25)  Parecer do CESE sobre «O Empreendedorismo e a Estratégia de Lisboa», JO C 44 de 16.2.2008, p. 84.

(26)  Assinale-se que algumas organizações como a Cooperatives Europe empreendem estudos sobre a sua representatividade para participarem nas consultas sobre diálogo social.

(27)  Pareceres do CESE in JO C 182 de 4.8.2009, p. 71 e JO C 228 de 22.9.2009, p. 149-154.

(28)  O estudo de viabilidade da Comissão sobre um Estatuto da Fundação Europeia estima que os custos destas barreiras às actividades transfronteiriças das fundações europeias oscilam entre 90 e 100 milhões de euros por ano.

(29)  Como afirma a imprensa económica recente: CIRIEC-Espanha, Revista de Economia Pública, Social e Cooperativa N.o 58, Agosto de 2007 (www.ciriec.es), «Clasificación del capital social de la sociedad cooperativa: una visión crítica» [Classificação do capital social das cooperativas: uma visão crítica] B. Fernández-Feijóo e M. J. Cabaleiro.

(30)  Relatório do Grupo de Alto Nível sobre Supervisão Financeira na UE, Fevereiro de 2009, http://ec.europa.eu/internal_market/finances/docs/de_larosiere_report_en.pdf; Recomendação 4, página 21).

(31)  JO C 234 de 22.09.2005 e COM(2004) 18 final.

(32)  JO C 117 de 26.4.2000, p. 52 (ponto 8.3.1). Ver também JO C 117 de 26.4.2000, p. 57. A Comissão Europeia faz uma distinção entre «auxílios estatais» e «medidas de carácter geral», situando entre estas últimas «os incentivos fiscais a favor dos investimentos de carácter ambiental ou nos sectores da investigação e desenvolvimento ou da formação favorecem apenas as empresas que realizam tais investimentos, mas também não constituem necessariamente auxílios estatais» (Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas (JO C 384 de 10.12.1998, p. 3, ponto 14). Em toda a União Europeia, as grandes empresas são as que mais desenvolvem actividades de I&D; por exemplo, em Espanha, 27,6 % do total das grandes empresas executam actividades de I&D, ao passo que as empresas com menos de 250 trabalhadores são responsáveis por apenas 5,7 % das actividades de I&D, segundo dados de 2007, www.ine.es.

(33)  Comunicação da Comissão – COM(2008) 394 final.

(34)  COM(2004) 18 final.

(35)  JO C 234 de 22.09.2005 e parecer do CESE sobre a Comunicação da Comissão relativa à promoção das cooperativas na Europa, COM(2004) 18 final, ponto 4.2.3.

(36)  Ver referência na nota de pé de página 1.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/29


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Alimentos provenientes do comércio justo: Auto-regulação ou legislação? (parecer de iniciativa)

2009/C 318/06

Relator: Hervé COUPEAU

Em 10 de Julho de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre os

«Alimentos provenientes do comércio justo: Autoregulação ou legislação?»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 2 de Setembro de 2009, sendo relator Hervé COUPEAU.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 164 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1   O comércio justo dos produtos agrícolas visa introduzir, no comércio internacional, o princípio de uma mais justa repartição dos lucros comerciais para permitir que os produtores provenientes dos países em desenvolvimento:

estabeleçam um processo de desenvolvimento económico (estruturação dos sectores produtivos, organização dos ramos de actividade…);

procedam ao desenvolvimento social (criação de estruturas sanitárias, de educação…);

iniciem uma gestão do ambiente (preservação da biodiversidade, gestão das emissões de CO2…).

1.2   A Europa constitui o maior mercado do comércio justo com aproximadamente 65 % do mercado mundial. Os produtos são vendidos em catálogos de vendas por correspondência, na Internet, na restauração e em estabelecimentos de venda a retalho institucionais, comunitários ou empresariais, que, no total, ultrapassam os 79 000 pontos de venda em 25 países. Em 2008, as receitas excederam os 1,5 mil milhões de euros. O aumento dessas vendas foi relativamente sustentado, da ordem de 20 % por ano. Contudo, esta percentagem continua a ser muito modesta, quando comparada com os 913 mil milhões de euros de volume de negócios da indústria agro-alimentar europeia em 2007.

1.3   Há dois tipos de certificação: o primeiro baseia-se no produto, como a certificação da FLO, que definiu normas para 18 categorias de alimentos, e o segundo no processo (como a certificação da WFTO, que certifica as cadeias de fornecimento e os sistemas de gestão das principais organizações de comércio justo tanto em países desenvolvidos como em países em vias de desenvolvimento). Ambas as certificações melhoraram a confiança dos consumidores e reduziram os abusos praticados por empresas que procuravam tirar proveito desta forma de comércio ético sem cumprirem os critérios estipulados pelas principais agências internacionais de desenvolvimento.

1.4   A certificação promove eficazmente esse comércio e protege as pequenas e médias empresas que pretendam entrar nesse ramo de negócios.

1.4.1

Estas certificações procuram respeitar o carácter multidimensional do comércio justo:

Uma dimensão comercial que promova uma relação equilibrada que beneficie os produtores e trabalhadores mais desfavorecidos do Sul,

Uma dimensão de desenvolvimento através do reforço das organizações de produtores nos planos financeiro, técnico e operacional,

Uma dimensão educativa através da informação e da sensibilização dos cidadãos e dos parceiros dos países do Sul,

Uma dimensão política através de um compromisso por mais justiça nas regras do comércio internacional e convencional.

1.4.2

Apesar dos progressos verificados na autoregulação, o CESE gostaria de chamar a atenção para a necessidade de este modelo se inspirar no regime de certificação europeu que, entre outros princípios, exige que o cumprimento das especificações técnicas seja controlado externamente por um organismo independente e acreditado para o efeito. Nenhum destes princípios invalida a obrigação de cumprir as disposições jurídicas gerais para a colocação dos produtos alimentares no mercado.

2.   Introdução

2.1

O presente parecer visa especificamente todo o comércio justo, ou seja, a parceria comercial alternativa do produtor ao consumidor que se desenvolveu nas últimas décadas à medida que o comércio justo foi ganhando visibilidade. Outros programas comerciais com maior ou menor sustentabilidade não são aqui tratados, pois esses programas não respondem a todos os critérios do comércio justo referidos em 1.4.1.

2.2

O comércio justo desenvolveu-se com a ambição de construir relações económicas com os produtores dos países em desenvolvimento marginalizados nas trocas comerciais internacionais. Inserindo-se numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, apresenta importantes desafios societais para os países do Sul. O comércio justo visa contribuir para a redução da pobreza, nomeadamente pelo seu apoio às organizações de produtores. Nos países do Norte, procura promover um modelo de consumo mais sustentável.

2.3

Este sector, ainda jovem e em plena evolução, apresenta um crescimento importante e é objecto de uma atenção cada vez maior dos consumidores europeus.

2.4

Todavia, a confiança dos consumidores ainda precisa de ser consolidada, pois pese embora se sintam próximos do conceito de comércio justo, muitos afirmam terem falta de informação e podem pensar que podem ocorrer abusos de grandes empresas ou da grande distribuição.

2.5

No entanto, os circuitos especializados continuam a ser importantes portas de saída para os produtos do comércio justo. Estas estruturas são numerosas, de pequena dimensão e apreciadas dos consumidores.

3.   Contexto

3.1

A Declaração dos Direitos do Homem de 1948 enuncia no seu artigo 23.o que «Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana.»

3.2

As actividades do comércio justo iniciaram-se nos anos cinquenta nos Estados-Unidos seguido pelo Reino Unido e depois no resto da Europa. O comércio justo consiste numa tomada de consciência dos danos sociais e ambientais causados pelas importações dos países industrializados.

3.3

Em 1964, a CNUCED (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento) denunciou a desigualdade das cláusulas relativas às trocas comerciais e alertou para o carácter insustentável do ponto de vista humano e social das regras que regem o comércio internacional. Os países do Sul insistem na necessidade de trocas comerciais justas («Comércio e não auxílio»).

3.4

Algumas datas do comércio justo:

1860 – Publicação do livro «Max Havelaar» escrito por Eduard Douwes Dekker

Fim dos anos quarenta – Ten Thousand Villages e SERRV, nos Estados Unidos, deram início à feira do comércio com as comunidades pobres dos países do Sul

Fim dos anos cinquenta – OXFAM UK comercializa nas suas lojas inglesas artesanato fabricado por refugiados chineses.

1957 – Jovens católicos neerlandeses criam uma associação para importar produtos de países em desenvolvimento

1964 – OXFAM UK constitui a primeira organização de comércio alternativo (ATO, sigla em inglês)

1967 – Criação da primeira organização de comércio justo nos Países Baixos

1969 – Primeira abertura de lojas de comércio justo nos Países Baixos.

1971 – Criação da primeira cooperativa de comércio justo no Bangladesh («jute work»)

1973 – Venda do primeiro comércio justo nos Países Baixos

1988 – O rótulo «fair trade» sob o nome de Max Havelaar é atribuído pela primeira vez a um café

1989 – Criação da Federação Internacional do Comércio Alternativo (IFAT), transformado depois em Organização Mundial do Comércio Justo (WFTO)

1990 – Criação da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA)

1993 – Criação do organismo de rotulagem Transfair na Alemanha

1994 – Introdução do chá no comércio justo

Criação da rede europeia de lojas do mundo (NEWS)

1996 – Introdução da banana no comércio justo nos Países Baixos

1997 – Os organismos de rotulagem (Max Havelaar, Transfair, Rattvisemarkt, Faire Trade…) uniram-se e constituíram a Organização dos Rótulos de Comércio Justo (FLO, sigla em inglês) Monoprix e Auchan comprometem-se a propor café justo

1998 – As organizações do comércio justo (FLO, IFAT, NEWS e EFTA) reúnem-se na FINE

2004 – Distribuição de produtos do comércio justo em determinadas cantinas em França.

3.5

As regras da Organização Mundial do Comércio não têm em consideração o humano, o social nem o ambiente. Esta necessidade de contestação leva as pessoas a aderirem a trocas comerciais mais humanas. Para estas pessoas, o comércio justo é a prova de que outro mundo é possível. O comércio justo promove a transparência, boa governação e responsabilidade contribuindo desta forma para o desenvolvimento sustentável.

4.   Descrição

4.1

O desafio do comércio justo e mais globalmente do consumo ético, responsável e consciente consiste em definir os meios de manter o sucesso obtido junto da população:

Assegurando a transparência, a visibilidade e a compreensão do funcionamento do comércio justo;

Garantindo que a compra vai beneficiar o desenvolvimento das explorações agrícolas nos países em desenvolvimento.

4.2

O CESE nota que aquando da definição das normas de comércio justo, foram tomados em consideração os direitos fundamentais do trabalhador (OIT), o respeito das normas ambientais e da biodiversidade e uma melhor remuneração dos produtores nas relações comerciais internacionais.

4.3

O facto de associar dois termos «comércio justo» pode parecer antinómico para alguns visto que as leis do mercado são desprovidas de valores humanos. Mas o desafio de associar o comércio ao diálogo social tendo como objectivo maior equidade no comércio mundial será um desafio do século XXI para o qual o CESE gostaria de contribuir, porque pode permitir um desenvolvimento sustentável proporcionando melhores condições de comércio e garantindo os direitos dos produtores e dos trabalhadores marginalizados da Ronda de Doha.

4.4

A introdução de novos rótulos e códigos de conduta lançados por novos actores que reivindicam a adopção de práticas equitativas promove, em paralelo, a confusão no espírito dos consumidores. Correndo-se o risco de se diluir o conceito, os princípios e os critérios que o definem, a multiplicidade dos sistemas de referência e de garantias permite posições económicas oportunistas construídas com base em sistemas de garantias menos custosos para aqueles que suportam os encargos muitas vezes a jusante da cadeia de produção, mas também uma menor participação nos aspectos de apoio à consolidação dos países em desenvolvimento. O Comité manifesta a sua determinação em apoiar uma certificação internacional efectuada pelas organizações do comércio justo (ver as propostas anteriores sobre terminologia) que respeite sempre a necessidade de um órgão de controlo independente e acreditado, e cumpra, evidentemente, a legislação alimentar em vigor.

4.5

O CESE solicita que todos os produtos provenientes do comércio justo sejam garantidos com os mesmos critérios em todos os países da União Europeia. Actualmente não existe uma definição oficial europeia para o comércio justo que tenha valor jurídico. O CESE pretende associar-se à definição conjunta adoptada pela FINE (rede constituída pela FLO, IFAT, NEWS! e EFTA) 2001 e utilizada pela Comissão Europeia numa comunicação recente sobre comércio equitativo (1):

«O comércio justo é uma parceria de natureza comercial, baseada no diálogo, na transparência e no respeito, que procura atingir uma maior equidade no comércio internacional. Contribui para o desenvolvimento sustentável ao oferecer melhores condições comerciais e ao garantir os direitos dos produtores e dos trabalhadores marginalizados – especialmente no Sul.

As organizações de comércio justo, apoiadas pelos consumidores, estão empenhadas activamente no apoio aos produtores, na sensibilização e nas campanhas para alterar as regras e a prática do comércio convencional internacional.».

5.   Os produtores (princípios)

5.1

O comércio justo visa atribuir uma remuneração máxima aos produtores, assente em bases estáveis e tendo por base rendimentos suficientes para que possam viver correctamente, determinados pelas organizações de produtores e pelos sindicatos de cada região e país em questão.

5.2

O preço deve ser determinado por um custo de produção médio em função:

do tempo dispendido pela mão-de-obra local com base numa percentagem de remuneração reavaliada para assegurar um nível de vida digno;

dos investimentos necessários a médio ou longo prazo para respeitar os padrões económicos, ambientais e sociais do comércio justo;

de uma análise de mercado;

das escolhas políticas da maioria dos intervenientes do comércio justo: financiamento antecipado de 60 % aos produtores antes da colheita, estabilização da relação entre produtores e distribuidores para assegurar a distribuição dos produtos dos produtores e o abastecimento dos distribuidores.

5.3

O comércio justo deve estar sujeito a exigências como a recusa da exploração do trabalho, nomeadamente de menores, e o respeito das normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mesmo se a legislação do país não o exigir.

5.4

O comércio justo assegura um pagamento parcial antecipado dos géneros alimentícios para permitir que os produtores financiem as matérias-primas.

5.5

Os processos de fabrico dos produtos alimentares deverão imperativamente respeitar o ambiente e os recursos naturais e as disposições jurídicas em vigor, aplicáveis na União Europeia.

5.6

O comércio justo permite a criação de emprego socialmente útil tanto a montante como a jusante, permitindo assim que os mais precários encontrem dignidade no trabalho.

5.7

O comércio justo assegura uma verdadeira traçabilidade e uma total transparência, permanente e pública das actividades em todas as etapas das fileiras de produção (contexto, preço, margem…).

5.8

O comércio justo deve permitir o nascimento de uma economia solidária numa perspectiva de desenvolvimento sustentável.

5.9

O comércio justo deve avaliar-se apenas em actos e compromissos precisos e não apenas no enunciado de boas resoluções.

5.10

O comércio justo é uma solução bem consolidada para iniciar uma nova política alimentar mundial respeitando o homem.

6.   Os produtos

6.1

Os produtos alimentares representam o essencial do volume de negócios do comércio justo. Entre esses produtos, o café está em primeiro lugar; Mas encontramos também chá, chocolate, frutos secos, especiarias, arroz, cereais, açúcar, mel e compotas. Os produtos frescos apareceram recentemente e permanecem marginais nos circuitos do comércio justo devido à lentidão da rotação dos abastecimentos. mas assiste-se a um aumento considerável das vendas destes produtos após a introdução dos produtos equitativos nas cooperativas de consumo e outros pontos de venda privados.

6.2

O comércio justo, na perspectiva de contribuir para a melhoria da situação dos pequenos produtores dos países em desenvolvimento, deveria permitir a constituição de fileiras de produção de alimentos elaborados para criar empregos socialmente duradoiros.

6.3

O comércio justo deve poder colocar a tónica na necessidade de actuar nas fileiras de produção mais importantes para atribuir mais peso político a esse processo, respeitando em simultâneo o interesse do produtor.

7.   Principais países

7.1

Todos os países envolvidos no comércio justo de produtos agrícolas são do Sul. Graças à relativa transparência do processo comercial, o comércio justo pôs em destaque a relação não proporcional entre o preço de compra pago pelo consumidor a favor do produtor e a parte do valor acrescentado (gerado, por exemplo, pela transformação e venda a retalho) que é retida nos países desenvolvidos. A capacidade do comércio justo para alterar de forma duradoira as regras do comércio internacional é que constitui a verdadeira questão.

8.   Legislação ou certificação

8.1

O Comité julga que a certificação constitui a melhor garantia para os consumidores. A certificação é um processo de verificação através de um organismo terceiro acreditado (no termo de um processo de acreditação) e imparcial para atestar que um serviço, produto ou um processo é conforme às especificações enunciadas num caderno de encargos, que pode ser ou não uma norma. Assim, certificação e acreditação são dois processos de verificação diferentes, a acreditação verifica competências e a certificação a conformidade com um caderno de encargos. O desafio do comércio justo e mais globalmente do consumo ético, responsável e consciente consiste em definir os meios para manter o sucesso obtido permitindo:

1)

Assegurar a transparência, a visibilidade e a compreensão do funcionamento das fileiras de produção do comércio justo. Nesse terreno, deve ser realizado um verdadeiro trabalho de informação para explicar os seus contornos e desafios.

2)

Assegurar que a compra do produto alimentar vai beneficiar uma aldeia, os seus habitantes e assegurar o desenvolvimento das explorações agrícolas dos países em desenvolvimento.

8.2

Por conseguinte, o comércio justo instituiu sistemas de garantia que retiram a sua legitimidade do seu carácter negociado e da participação dos diferentes intervenientes.

O sistema de garantia aplicado pela FLO define os cadernos de encargos com base em produtos;

O caderno de encargos e o referencial aplicado pela WFTO incidem sobre as próprias práticas da estrutura implicada no comércio justo.

8.3

A FLO e a WFTO procuram desenvolver a complementaridade entre os seus sistemas de garantia. Trata-se de encontrar pontos de convergência e de coerência entre as suas políticas. Presentemente isso limita-se nesta fase a um ponto da situação.

8.4

Esses sistemas de verificação são indispensáveis. É essencial um nível elevado de garantia para evitar uma proliferação de legislações diferentes nos países do Norte e para defender os próprios interesses dos consumidores. Os organismos do comércio justo já definiram um conjunto internacional de normas e aprovaram uma Carta dos Princípios do Comércio Equitativo, sendo que devem continuar a cooperar tendo em vista o estabelecimento de um sistema partilhado para a certificação de produtores.

9.   As condições do auxílio ao desenvolvimento

9.1

O comércio justo contribui para a redução da pobreza preservando ao mesmo tempo as bases do desenvolvimento sustentável.

9.2

A política externa da União Europeia intervém para promover o desenvolvimento da agricultura nos países em desenvolvimento. Dever-se-ia encorajar ainda mais os pequenos produtores agrícolas a optarem pelo comércio justo, contribuindo para um desenvolvimento sustentável nesses países.

10.   Os desafios do comércio justo:

10.1

O comércio justo reside indiscutivelmente no dinamismo comercial, social, educacional e político que estimula os intervenientes locais e internacionais.

10.2

O comércio justo é uma inovação socio-económica da sociedade civil para alterar as práticas comerciais internacionais, de forma a ter o homem mais em conta. O comércio justo deverá:

Manter a sua influência no que respeita à responsabilidade social e ambiental das empresas;

Trabalhar a sua vertente social com os sindicatos, associações de consumidores, ambientalistas e os sindicatos dos produtores locais;

Ampliar e diversificar o seu mercado, o comércio tem necessidade de ampliar as suas gamas de produtos e as suas redes;

Melhor distribuir o valor acrescentado aos produtores;

Apoiar a organização dos produtores do Sul para lhes conferir mais independência;

Permitir o desenvolvimento local e o incremento dos direitos fundamentais, económicos, sociais e culturais;

Poder melhorar globalmente as regras e práticas do comércio convencional.

11.   «Equitativo» também para os produtores europeus?

11.1

Todos os produtos agrícolas do comércio justo provêm de países em desenvolvimento. Ora, determinados produtos como o açúcar, o vinho e a banana são produzidos também pelos países europeus com normas sociais muito superiores, o que pode originar um certo aumento dos custos face a um produto certificado como justo.

11.2

De forma a evitar essa situação delicada, seria necessário criar uma organização internacional de produtores dessas fileiras de produção de forma a chegar a compromissos favoráveis a todos.

12.   O comércio justo, novo fundamento económico

12.1

Muitas organizações de direitos do homem denunciam os estratagemas do comércio internacional (OMC).

12.2

Os diferentes intervenientes no comércio justo diferenciam-se a nível mundial tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo. É a sua capacidade de abranger a diversidade do comércio justo que dá sentido à política e lhe possibilita ter um impacto significativo.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2009) 215 final.


Apêndice I

Retorno da margem aos produtores relativamente ao comércio tradicional

Comércio

Café

chá darjeeling

Açúcar

Quinoa

Arroz basmati

tradicional

5 %

7 %

2,5 %

6,7 %

6,5 %

justo

17 %

9,5 %

3,8 %

8,5 %

9,5 %


Apêndice II

Exemplo da decomposição do preço de um arroz tailandês Max Havelaar:

15 % produtor

26 % custos de transformação

2 % direitos

57 % custos de embalagem e de distribuição.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/35


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Dimensão Setentrional das Zonas Desfavorecidas (parecer de iniciativa)

2009/C 318/07

Relator: Kaul NURM

Em 26 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

«Dimensão Setentrional das Zonas Desfavorecidas

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 2 de Setembro de 2009, sendo relator Kaul NURM.

Na 456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 175 votos a favor e 1 voto contra, com 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Os objectivos fundamentais da Política Agrícola Comum, nomeadamente a segurança alimentar, continuam a ser tão importantes como no passado, e visam preservar a agricultura em todo o território da União Europeia, incluindo nas regiões setentrionais.

1.2

O presente parecer centra a sua atenção nas especificidades e nos problemas naturais, climáticos e geográficos das regiões setentrionais da UE, onde a produção agrícola sofre certas limitações devido ao clima frio, exigindo despesas adicionais, que os agricultores de zonas com condições agroclimáticas mais favoráveis não têm de suportar.

1.3

A produção agrícola é mais dispendiosa e consideravelmente menos volumosa nas regiões setentrionais do que em regiões de produção com condições mais favoráveis. A rentabilidade cada vez menor e, simultaneamente, a diminuição da motivação dos produtores põem em causa a continuidade da exploração das superfícies agrícolas nas regiões setentrionais da Europa. Este perigo pode ser evitado através da utilização de instrumentos de política agrícola mais adequados.

1.4

Nas zonas com desvantagens naturais importa continuar a cultivar a terra de forma a preservar as paisagens tradicionais e as zonas de elevado valor no plano da protecção da natureza. Os pagamentos compensatórios para as zonas desfavorecidas são um instrumento através do qual este objectivo poderá ser alcançado, na condição de que o apoio seja atribuído de forma mais notória às zonas, onde o risco de abandono das superfícies agrícolas é maior.

1.5

Além de se definirem novos critérios para a classificação das zonas com desvantagens naturais, dever-se-á avaliar, ao mesmo tempo, os princípios do financiamento desta iniciativa para se alcançar um impacto positivo concreto. Dever-se-ia ponderar a possibilidade de integrar os pagamentos compensatórios para as zonas desfavorecidas nos pagamentos do primeiro pilar. Com o sistema em vigor até à data, o montante das ajudas directas tem por base indicadores históricos de produção, o que beneficia os agricultores de zonas com condições mais favoráveis. Os pagamentos compensatórios não compensam adequadamente as condições de produção desfavoráveis existentes nas zonas com desvantagens naturais.

1.6

No futuro, para calcular os níveis de apoio às zonas desfavorecidas, dever-se-á ter conta o montante total das despesas assumidas em cada região para fazer face às desvantagens naturais e às condições de produção desfavoráveis. Nesse sentido, quanto piores forem as condições naturais, maior deverá ser o nível de apoio atribuído. No entanto, também se deverão fixar limites máximos e mínimos para os pagamentos.

1.7

Na definição de desvantagens naturais dever-se-á ter em conta, não só a temperatura acumulada positiva no período de vegetação, mas também a temperatura acumulada negativa durante o Inverno na respectiva região.

1.8

As regiões setentrionais situam-se muito longe dos grandes mercados europeus, as suas zonas rurais têm uma densidade populacional extremamente fraca e os solos aráveis são fragmentados, o que aumenta os custos de produção das explorações agrícolas. Para evitar o despovoamento destas zonas e preservar a produção agrícola, é necessário prever pagamentos compensatórios nos fundos destinados às zonas desfavorecidas. Assim, o CESE propõe que, na definição dos critérios para a classificação de zonas desfavorecidas, também se tenha em conta a fraca densidade populacional e se fixem critérios adicionais para apoiar a produção agrícola em zonas nemorosas.

1.9

O CESE recomenda que, na elaboração e na definição dos critérios para a nova classificação de zonas desfavorecidas (zonas com desvantagens naturais), se dê atenção às especificidades naturais, climáticas e socioeconómicas das regiões setentrionais mencionadas no parecer. Uma possibilidade seria definir estas regiões como «zonas especiais», à semelhança das zonas de montanha.

2.   Contexto

2.1

O Comité Económico e Social Europeu já se pronunciou sobre o tema das zonas desfavorecidas em pareceres de iniciativa anteriores (1).

2.2

Em comunicação publicada em 21 de Abril de 2009 (COM[2009] 161 final), a Comissão Europeia propõe que se alterem os princípios da classificação das zonas desfavorecidas e, para esse efeito, se definam novos critérios. Apresenta, entre outros aspectos, uma nova designação para as zonas desfavorecidas e recomenda que estas passem a ser denominadas «zonas com desvantagens naturais». O CESE aplaude esta nova abordagem.

2.3

Tendo em conta que a livre circulação de mercadorias e a livre prestação de serviços estão garantidas no mercado único da UE, a produção agrícola não será sustentável a longo prazo nas regiões setentrionais da UE, onde os custos unitários são mais elevados, se não beneficiar de um apoio especial. Isto tem um impacto negativo na sustentabilidade social e ecológica destas regiões, bem como na sua biodiversidade.

2.4

As regulamentações em vigor nos Estados-Membros em matéria de zonas desfavorecidas e seus efeitos não são comparáveis. Dada a diversidade de critérios aplicáveis, os actuais regimes de ajudas às zonas desfavorecidas não têm suficientemente em conta as condições de produção específicas decorrentes da sua realidade natural e climática. Estas zonas não são, por conseguinte, compensadas de forma suficiente e proporcionada.

2.5

Para garantir a segurança alimentar da Europa e do mundo, a longo prazo, importa manter a agricultura também nas regiões setentrionais da União Europeia, onde, segundo as previsões, o agroclima poderá melhorar nos próximos 50 a 100 anos devido ao aquecimento global, enquanto que as regiões meridionais poderão tornar-se áridas. Por esta razão, a produção agrícola na Europa poderia deslocar-se para Norte.

3.   Especificidades naturais e climáticas das regiões setentrionais – Descrição geral dos problemas emergentes – Justificação para um tratamento especial destas regiões

3.1

A produção agrícola nas regiões setentrionais da União Europeia difere da da Europa Central e meridional porque tem períodos de vegetação mais reduzidos, uma ocorrência menos significativa de temperaturas acumuladas necessárias ao crescimento das plantas e excesso de humidade durante grande parte do ano. A precipitação está repartida de forma desigual durante o ano. Na Primavera e no Verão, quando as plantas germinam, brotam e crescem, a quantidade de precipitação não é suficiente, ao passo que a pluviosidade frequente do Outono prejudica a recolha atempada das colheitas e compromete a sua qualidade.

3.2

Os longos Invernos e, consequentemente, os solos gelados também influenciam consideravelmente a agricultura nas regiões setentrionais, onde as temperaturas chegam a descer abaixo dos 40 °C negativos. A penetração do gelo nos solos depende tanto da temperatura acumulada negativa como da espessura da camada de neve que, na Letónia e Estónia, pode atingir um metro e, no Norte da Finlândia e da Suécia, até dois metros. O derretimento da neve e o degelo dos solos são processos morosos, que atrasam a sementeira da Primavera e o início do período de vegetação. Em função da latitude e da distância em relação ao mar, a sementeira da Primavera sucede entre o final de Abril e meados de Junho nas regiões setentrionais. Por esta razão, na elaboração dos critérios para a classificação de zonas desfavorecidas, dever-se-á ter também em conta a temperatura acumulada negativa na respectiva região.

3.3

A construção de edifícios também envolve custos mais elevados, porque as fundações, as condutas de água e as canalizações têm de ser estabelecidas abaixo do nível de gelo do solo e as paredes exteriores dos edifícios têm de ser isoladas. Durante o Inverno, o aquecimento dos edifícios e a limpeza da neve também implicam custos consideráveis.

3.4

Os solos das regiões setentrionais constituíram-se num período reduzido, a seguir à era glacial. São, por isso, mais finos e têm texturas e qualidade diferentes, sendo, por norma, húmidos, pedregosos em certos locais e excessivamente argilosos, arenosos ou turfosos. Para melhorar estes solos são necessários grandes investimentos, sobretudo na instalação e manutenção de sistemas de drenagem e também na calagem dos campos.

3.5

As regiões setentrionais caracterizam-se por superfícies glaciares montanhosas e fragmentadas, onde predominam florestas pouco férteis, zonas húmidas e outros espaços naturais. Os campos aráveis são, por isso pequenos e dispersos. Há zonas em que os campos de uma determinada exploração agrícola têm uma dimensão média inferior a um hectare e se encontram dispersos pelas florestas, muito longe do local de residência do agricultor. Isto torna impossível a utilização de maquinaria maior e mais eficiente e aumenta, simultaneamente, os custos de produção e de transporte (na própria exploração) dos agricultores. Este tipo de desvantagens naturais também não pode ser compensado pelo recurso a culturas alternativas ou a outras formas de racionalização da produção agrícola. Por esta razão, deverão ser aplicados critérios adicionais que tenham em conta as desvantagens naturais das zonas nemorosas. Um dos critérios poderia ser a proporção de solos aráveis por hectare. A compensação das explorações agrícolas pelos custos de transporte adicionais deverá ser uma das medidas de apoio às zonas desfavorecidas.

3.6

As zonas rurais das regiões setentrionais têm uma densidade populacional muito fraca, inferior a dez habitantes por quilómetro quadrado fora das cidades, chegando a atingir os três habitantes nas zonas remotas, o que implica custos de transporte elevados, quer na produção agrícola, quer no acesso a organismos públicos ou privados. No século XX, devido à mecanização, a produtividade no trabalho aumentou muito no Norte da Europa, enquanto que as zonas rurais perderam os seus postos de trabalho. Assim, a fraca densidade populacional e a limitada prestação de serviços estão a tornar-se, por sua vez, num factor de êxodo rural. Muitos agricultores abandonam a agricultura, porque os seus filhos não querem encarregar-se das respectivas explorações. No entanto, a agricultura representa, a par da silvicultura e do turismo, a base económica da vida rural nas regiões setentrionais. As comunidades locais são muito mais pequenas, o que também encarece significativamente a despesa per capita dos serviços públicos, como a educação escolar e informal. Nas zonas rurais menos povoadas, a vida é mais cara, porque os poucos habitantes constituem apenas um pequeno grupo de consumidores de bens e serviços. Nas regiões setentrionais, as zonas remotas situam-se demasiado longe dos grandes centros, para que as pessoas possam deslocar-se até lá para trabalhar ou para usufruir dos serviços aí prestados. Uma outra medida de apoio às zonas desfavorecidas deveria ser a compensação dos custos de transporte adicionais dos centros (ou seja, do mercado) para as explorações agrícolas remotas.

3.7

Quanto menos pessoas viverem nas zonas rurais da Europa setentrional, mais caro será o custo de vida, porque terão de percorrer grandes distâncias para acederem a produtos, serviços, cuidados de saúde, educação, etc. Por este motivo, a preservação e a criação de postos de trabalho no sector agrícola assume particular importância nas zonas com fraca densidade populacional da Europa setentrional. Dever-se-á trabalhar neste sentido tanto no âmbito da política agrícola comum como no da política regional. O sucesso da aplicação destas políticas passa por se conseguir atenuar a migração das zonas rurais para as urbanas e travar o abandono das terras e a desertificação económica e social das zonas remotas. Finalmente, por razões de segurança, toda a União Europeia tem interesse em evitar o despovoamento destas regiões fronteiriças da UE.

3.8

As zonas florestais e húmidas das regiões setentrionais constituem, a par da agricultura extensiva e dos ecossistemas semi-naturais, a base da biodiversidade e da variedade das espécies. Além disso, o Norte é um local de nidificação para milhões de aves migratórias que procuram alimento nos campos e nos prados naturais.

3.9

Devido às desvantagens naturais e aos custos de transporte decorrentes da fragmentação das superfícies agrícolas úteis e da reduzida densidade populacional, a rentabilidade das explorações agrícolas e os rendimentos por elas produzidos são menores nas regiões setentrionais, o que determinou, por seu turno, até à data a atribuição de poucas ajudas directas no quadro do primeiro pilar da PAC. Nas regiões setentrionais com desvantagens naturais, só se poderá assegurar a exploração das superfícies agrícolas úteis, a produção sustentável de alimentos e a manutenção da paisagem, se os produtores agrícolas tiverem um rendimento garantido, comparável ao dos agricultores em zonas com condições mais favoráveis. De outro modo, as pessoas abandonarão as aldeias, a exploração das superfícies agrícolas ficará para trás, as paisagens transformadas pelo homem deixarão de ser mantidas e perderão a sua fertilidade. O CESE recomenda à Comissão Europeia que considere a possibilidade de investigar mais minuciosamente as especificidades das regiões setentrionais e, se necessário, de definir estas zonas como «zonas especiais», à semelhança das zonas de montanha.

3.10

O tipo e a dimensão das desvantagens naturais podem divergir muito de região para região. Assim, para calcular os níveis de apoio destinados às zonas desfavorecidas, dever-se-á ter em conta, no futuro, o montante total das despesas assumidas em cada região para fazer face às desvantagens naturais e às condições de produção desfavoráveis. Nesse sentido, quanto piores forem as condições naturais, maior deverá ser o nível de apoio atribuído. No entanto, dever-se-ão fixar limites máximos e mínimos para os pagamentos.

4.   Limitações naturais da produção agrícola – Descrição dos problemas emergentes – Justificação para um tratamento especial destas regiões

4.1

Nas regiões setentrionais, a exploração agrícola é influenciada pelos Invernos frios, pelos curtos períodos de vegetação, por uma temperatura acumulada relativamente baixa e pela humidade, que requer grandes investimentos em sistemas de drenagem. Estes sistemas, dependendo dos materiais utilizados, têm um tempo de vida entre os 30 e os 50 anos, tendo de ser posteriormente renovados. Impõem-se, assim, custos anuais suplementares para a manutenção dos sistemas de drenagem. A exploração de solos húmidos requer a instalação e a manutenção destes sistemas.

4.2

Nas regiões setentrionais, grande parte dos solos é ácida devido à presença de rocha-mãe cristalina ou de grés. Para torná-los cultiváveis, é necessário proceder regularmente à calagem destes campos todos os 6 a 8 anos, o que implica custos adicionais que não se impõem em zonas de superfícies com pH neutro. A prática de calagem não aumenta significativamente a fertilidade do solo, sendo, antes, uma condição essencial ao cultivo de superfícies ácidas e para compensar desvantagens naturais a longo prazo. No entender do CESE, dever-se-á dar maior atenção ao problema dos solos ácidos na classificação de zonas desfavorecidas e na definição de novos critérios.

4.3

Nas regiões setentrionais, todos os cereais têm de ser secos em secadores especiais, dado que o teor de humidade da colheita pode chegar até aos 30 %. Para poderem ser armazenados, os cereais têm de perder entre 12 % e 14 % no teor de humidade durante a secagem. A construção de secadores de cereais exige investimentos elevados e a energia necessária na secagem causa custos adicionais consideráveis. Os custos gerados por secadores e instalações de secagem podem atingir os 300 mil euros, podendo o seu tempo de vida durar entre 10 e 15 anos, dependendo da intensidade de utilização. Segundo dados das explorações agrícolas, a secagem de cereais custa, em média, entre 20 e 25 euros por tonelada, dependendo da variação anual do teor de humidade dos cereais e da energia necessária para a secagem. Se considerarmos que a colheita média nas regiões setentrionais é de 3 a 4 toneladas por hectare, os custos de produção situam-se, consequentemente, entre os 60 e os 100 euros por hectare.

4.4

As espécies vegetais cultivadas têm de ser mais resistentes ao frio e sobreviver às geadas nocturnas que ainda ocorrem frequentemente no mês de Junho. O rendimento da colheita é menor também por esta razão. Devido ao curto ciclo vegetativo, não é possível cultivar espécies que necessitem de um ciclo mais longo e temperaturas mais elevadas durante o dia e a noite, como é o caso do milho forrageiro, que contribuiriam para a redução considerável dos custos da exploração pecuária. O gado é, por conseguinte, alimentado essencialmente com forragem de ensilagem, cujo preço por unidade é mais elevado do que o do milho forrageiro.

4.5

As geadas nocturnas prejudicam, sobretudo, o cultivo de frutos, bagas e legumes. Pelo menos todos os dez anos, as geadas nocturnas são tão fortes durante o período da floração que destroem toda a colheita. Embora haja várias possibilidades para evitar os prejuízos causados pelas geadas nocturnas, como a rega por aspersão, a produção de fumo, as coberturas de protecção, etc., estes métodos implicam recursos financeiros e trabalhadores adicionais.

4.6

Tendo em conta que os períodos de vegetação são curtos, todas as actividades agrícolas têm de ser executadas num curto período de tempo. Para isso, é necessário um parque de máquinas comparativamente maior, o que leva ao aumento do investimento médio por hectare.

5.   Limitações naturais da exploração pecuária – Descrição dos problemas emergentes – Justificação para um tratamento especial destas regiões

5.1

No Norte, o período de pastoreio é mais curto (começa em meados de Maio e termina no final de Setembro), sendo, portanto, necessário armazenar mais forragens para o Inverno, o que eleva os custos de produção. Assim, de modo a conservar os alimentos para consumo durante o Inverno, têm de ser construídos armazéns especiais. É frequente não se poder iniciar a colheita de forragem no momento adequado devido às condições metereológicas, o que influencia negativamente a qualidade nutritiva. A pluviosidade frequente na altura da colheita do feno e da forragem de ensilagem pode comprometer a qualidade dos alimentos destinados aos animais.

5.2

Os custos dos edifícios e das instalações de criação de gado são mais elevados nestas regiões do que em zonas mais quentes, porque as fundações, as condutas de água e as canalizações têm de ser estabelecidas abaixo do nível de gelo do solo (no mínimo 1,2 metros na Estónia, por exemplo).

5.3

Também a limpeza da neve e do gelo nas explorações agrícolas e estradas impõe custos suplementares. Devido aos prejuízos provocados pelas geadas, é preciso renovar os pavimentos rodoviários todos os 5 a 10 anos. Dada a reduzida densidade populacional, há muitas estradas de terra e de pedra nas regiões setentrionais, sendo necessários recursos financeiros adicionais para os manter e melhorar, principalmente, para eliminar os danos causados na Primavera e evitar a formação de poeiras no Verão.

5.4

Os custos de produção do leite por quilograma são mais elevados nas zonas com fraca densidade populacional do que nas zonas de agricultura intensiva densamente povoadas, porque a recolha do leite implica percorrer grandes distâncias. Em muitas regiões insulares e ilhas interiores, por exemplo, a criação de gado leiteiro foi abandonada, porque a produção de leite deixou de ser rentável devido aos custos de transporte. O abastecimento das explorações agrícolas com outros produtos necessários à produção também é mais dispendioso.

6.   A preservação da agricultura e da vida rural nas regiões setentrionais é importante para toda a União Europeia

É importante para toda a Europa preservar a produção agrícola e impedir o despovoamento das zonas rurais nas regiões setentrionais, porque isto contribuirá para:

abastecer a população destas regiões com produtos alimentares regionais e garantir a segurança alimentar da UE em caso de aquecimento global;

conservar postos de trabalho e evitar o despovoamento das zonas rurais;

assegurar e, em muitos casos, aumentar a biodiversidade;

manter as paisagens acessíveis e garantir o seu interesse para o turismo e as indústrias de lazer;

garantir a segurança das áreas fronteiriças da UE.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 318 de 23.12.2006, p. 86; JO C 44 de 16.2.2008, p. 56; JO C 120 de 16.5.2008, p. 47.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/39


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Promoção das políticas e dos programas de eficiência energética junto dos utilizadores finais (parecer de Iniciativa)

2009/C 318/08

Relator: Cláudio CAPPELLINI

Em 10 de Julho de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o n.o 2 do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema:

«Promoção das políticas e dos programas de eficiência energética junto dos utilizadores finais.»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 8 de Setembro de 2009, sendo relator Claudio CAPPELLINI.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 126 votos a favor, com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) empenhou-se ao longo do último mandato nas várias matérias das políticas europeias de eficiência energética e suas diferentes dimensões (dimensão externa, desafios energéticos a curto e a longo prazo, políticas de abastecimento e segurança energética), tendo em vista uma política energética economicamente viável e sustentável. Sublinha a importância de promover e valorizar os resultados das Jornadas da Eficiência Energética, por ele organizadas, em colaboração com todas as partes interessadas, utilizadores finais e Estados-Membros. Tendo em conta estas considerações, o Comité convida a Comissão Europeia e o novo Parlamento a retomarem com vigor as recomendações já efectuadas em pareceres anteriores (1).

1.2

Considera, além disso, que a execução de uma política energética de promoção da eficiência e das novas tecnologias «limpas» poderia ser uma solução não só para o problema ambiental, mas também para reduzir a dependência relativamente aos aprovisionamentos energéticos e ainda fazer face aos elevados custos das matérias-primas e às suas repercussões nos utilizadores finais.

O CESE recomenda a intensificação dos esforços com vista ao envolvimento sistemático dos utilizadores finais (nomeadamente os consumidores e as pequenas empresas) no que respeita aos novos compromissos estabelecidos pelo Conselho Europeu em Março de 2007 e à superação da actual crise económica.

1.3

O CESE considera que a parceria social europeia e nacional poderá favorecer uma maior participação dos utilizadores finais de energia, particularmente as pequenas empresas, as suas organizações, as formas associativas públicas e privadas a nível local e as formas cooperativas, a fim de contribuir mais eficazmente para a realização dos objectivos europeus de eficiência energética e de uma «economia verde». Este compromisso, desde que integrado no contexto mais adequado, como, por exemplo, a agenda do diálogo social europeu, mesmo a nível sectorial pode contribuir de forma efectiva para o aumento de emprego e para a criação de novas profissões qualificadas relacionadas com o sector da energia e com a expansão de novos serviços.

1.4

O CESE considera que a opção de reforçar a dimensão europeia das políticas energéticas deveria incentivar também o reforço no mercado interno e nos mercados nacionais de uma estratégia de desenvolvimento sustentável bem como uma maior cooperação científica e tecnológica capaz de relançar o investimento público e privado, incluindo formas de «cooperação reforçada» entre Estados-Membros da UE.

1.5

O CESE manifesta o seu desapontamento e a sua preocupação quanto à escassez de informações e de dados homogéneos e pormenorizados sobre a eficiência energética das utilizações finais, o que torna difícil a elaboração de indicadores estatísticos «sólidos» e harmonizados devido nomeadamente à escassez de dados históricos a nível europeu acessíveis aos utilizadores finais.

O CESE reitera a sua preocupação em relação aos Estados-Membros ao verificar que estes não elaboraram atempadamente os planos de acção para a eficiência energética (PNAEE) previstos pela directiva em apreço.

1.6

O CESE considera que, para favorecer a aplicação integral, uniforme e mais rigorosa a nível nacional das políticas europeias para a eficiência energética, é necessário e urgente adoptar, em colaboração com a Comissão Europeia e os Estados-Membros e após consulta sistemática aos representantes dos utilizadores finais, um sistema europeu comum de controlo susceptível de conciliar equidade, transparência e comparação das facturas energéticas.

1.7

Considera além disso que, para melhorar a aplicação das políticas europeias de eficiência energética, é necessário reforçar a sua dimensão sectorial para que se possam efectuar controlos e análises de impacto mais frequentes. Com efeito, as políticas energéticas têm um impacto diferente consoante o tipo de actividade económica, quer sejam empresas consumidoras de energia (com problemas diferentes em função dos níveis de consumo, os tipos de processos, etc.), ou empresas que operam nos vários sectores da fileira energética (por exemplo, os produtores e instaladores de equipamentos, os fornecedores de serviços energéticos, as empresas de construção etc.), onde existe um enorme potencial de poupança energética ainda por explorar.

1.8

O CESE está convicto de que os programas europeus, tais como o programa-quadro para a competitividade e inovação (QPI), Energia Inteligente – Europa (EIE), entre outros, necessitam urgentemente de serem simplificados, de uma maior participação dos utilizadores finais e de um quadro de intervenção menos disperso e mais integrado, como ocorre com o programa ECAP. Propõe, por conseguinte, um novo programa integrado que assegure uma melhor coordenação das actividades em prol dos utilizadores finais.

O CESE convida a UE, os Estados-Membros e as empresas a investirem recursos suficientes na investigação aplicada e na sua transferência para os utilizadores finais, na poupança através da utilização das novas tecnologias de informação e de comunicação (TIC), nas profissões técnicas e de alta tecnologia bem como no desenvolvimento e na inovação no domínio da energia e ao mesmo tempo, recomenda, uma cooperação global mais inclusiva nesta matéria.

1.9

O CESE considera que a UE deve urgentemente dotar-se de instrumentos e políticas fiscais e de acesso ao crédito mais aptos a apoiarem a poupança de energia, concedendo facilidades a todos os utilizadores finais, particularmente às PME e às parcerias público-privadas, que, individual ou colectivamente, utilizem modelos de produção mais eficientes e sustentáveis.

Consciente do papel fundamental que desempenha a educação e a formação na difusão de uma cultura da eficiência energética a nível europeu, o CESE propõe lançar uma consulta extraordinária com os parceiros sociais e todas as partes interessadas a nível europeu e nacional com o objectivo de reorientar os fundos europeus existentes, consolidando os perfis e as competências relacionadas com a eficiência energética e promovendo a informação e a sensibilização do público em geral.

2.   Objectivos da Directiva 2006/32/CE

2.1

A Directiva 2006/32/CE tem por objectivo:

«incrementar a relação custo-eficácia da melhoria da eficiência na utilização final», para contribuir para a melhoria da segurança do abastecimento de energia,

reduzir as emissões de CO2 e de outros gases com efeito de estufa para lutar contra as alterações climáticas e explorar de forma economicamente eficaz as possibilidades de poupança de energia tendo em consideração os custos e promovendo igualmente a inovação e a competitividade.

Com vista a esse fim, a directiva estabelece alguns objectivos gerais, nomeadamente:

apresentação aos Estados-Membros dos objectivos indicativos de poupança e os mecanismos adequados para os alcançar;

definição de quadros institucionais, financeiros e jurídicos para remover os obstáculos e as imperfeições do mercado que impedem uma utilização final eficiente da energia;

criação de condições para o desenvolvimento de um mercado de serviços energéticos, particularmente para as PME, e

consecução do objectivo global nacional indicativo de economias de energia de 9% para o nono ano de aplicação da directiva, a alcançar através de serviços energéticos e de outras medidas de melhoria da eficiência energética.

3.   Observações na generalidade

3.1   A fase de execução da Directiva 2006/32/CE revelou-se desadequada para a realização dos ambiciosos objectivos iniciais fixados pela Comissão, pelas seguintes razões:

medidas por vezes muito pouco incisivas e fáceis de iludir na transposição da directiva para a legislação nacional;

planos de acção nacionais e medidas de transposição nacionais pouco coerentes e eficazes em comparação com as disposições previstas na directiva;

programas e medidas de acompanhamento pouco coordenadas e fragmentárias;

falta dos dados e de informações homogéneas, essenciais para monitorizar e avaliar o impacto da directiva relativa aos utilizadores finais e inadequação e incapacidade de apresentar os elementos necessários para um desenvolvimento coerente e sustentável da eficiência energética na UE.

A experiência em curso demonstra que apenas alguns dos 27 Estados-Membros da UE adoptaram políticas energéticas fortes e estruturadas de incentivo à eficiência energética e ao desenvolvimento das fontes de energia renováveis, através da aplicação de um processo de desenvolvimento de novos sectores relacionados com estas tecnologias e contribuindo, ao mesmo tempo, para a redução do custo da energia para as pequenas empresas e para as famílias.

No Livro Verde Para uma Rede Europeia de Energia Segura, Sustentável e Competitiva (2), a Comissão é a favor de um operador europeu das redes de energia.

Em três recentes pareceres (3), o CESE defendeu a necessidade da realização de estudos sobre a viabilidade de um serviço de interesse geral europeu no domínio da energia que poderia ser posto ao serviço da política comum energética. A montante, deve estar esta reflexão, dado que esses serviços serão a expressão de solidariedades europeias para dar resposta aos desafios com que a União se defronta nos domínios essenciais e multinacionais ou transnacionais, como a segurança de aprovisionamento energético, a gestão dos recursos hídricos, a preservação da biodiversidade, a manutenção da qualidade do ar, a segurança interna e externa, etc. A existência de tais serviços comunitários conduziria a uma tomada de consciência de todos os utilizadores finais da sua responsabilidade.

3.2   Os utilizadores finais e a visão da Europa sobre a política energética

O importante atraso em alguns Estados-Membros na realização dos objectivos de eficiência energética e a continuação da grave crise económica confirmam a necessidade e a urgência de intervenções mais coordenadas, programadas e articuladas de forma a permitir a aplicação de recursos da União Europeia e dos Estados-Membros e promover a retoma dos investimentos públicos e privados. Uma estratégia e uma visão de desenvolvimento sustentável, baseadas nos princípios da eficiência, da produção distribuída e de novas «fontes de energia limpa» (incluindo a biomassa), e uma partilha dos resultados assim obtidos a nível europeu entre os Estados-Membros e os representantes dos utilizadores finais poderiam contribuir para evitar a fragmentação das actividades de investigação que devem ser levadas a cabo em conjunto com os esforços realizados a nível internacional.

Um aspecto importante para combater a crise económica e relançar as políticas de eficiência energética e as políticas de investimento associadas consistiria em repensar também as políticas europeias em matéria de fiscalidade e de crédito em função dos utilizadores finais, do sector do crédito e dos operadores energéticos, assim como das administrações locais interessadas, promovendo o desenvolvimento do sistema das empresas que prestam serviços energéticos a nível europeu.

3.3   A cultura e os novos conhecimentos relacionados com a eficiência energética na perspectiva dos utilizadores finais

Não há dúvida que falta informação de carácter geral e sectorial, faltam avaliações sobre o impacto das políticas de eficiência energética da UE destinadas aos utilizadores finais (particularmente PME e outras partes interessadas), uma metodologia para verificar a coerência entre os objectivos internacionais e os europeus, bem como um processo de acompanhamento dos resultados obtidos por estes utilizadores finais.

Uma verificação inicial realizada em alguns Estados-Membros revelou que a disponibilidade de dados sobre a produção industrial e o consumo de energia é muito limitada dada a inexistência de informações pormenorizadas.

É necessário, portanto, proceder a inquéritos por amostragem para a recolha de dados e a elaboração de indicadores para o acompanhamento e a avaliação da eficiência energética nas utilizações finais e nos serviços, de forma a poder medir o impacto da própria directiva nas estratégias e políticas de intervenção aplicadas em cada Estado-Membro.

3.4   Os indicadores de eficiência energética e as necessidades dos utilizadores finais

A Comissão Europeia e os Estados-Membros poderiam, nomeadamente através da constituição de um grupo de trabalho independente composto por peritos, apoiar e promover a definição de indicadores harmonizados e fiáveis para quantificar e avaliar a poupança energética que pode resultar da utilização das novas tecnologias da informação e da comunicação. A elaboração destes indicadores, que devem ser de fácil compreensão, constituiriam uma garantia para os utilizadores finais, que por sua vez poderiam tirar partido deles de forma adequada. Esta abordagem ajudaria igualmente a restringir a utilização falaciosa ou confusa dos conceitos de «energia verde» ou «limpa», enquanto mera estratégia de comercialização sem justificação real, demonstrável ou quantificável em termos de poupança de energia e de redução de emissões, evitando-se assim práticas comerciais desleais.

3.5   Um sistema de acompanhamento e de observação integrado e partilhado por todos os Estados-Membros daria sobretudo à União Europeia e aos Estados-Membros a possibilidade de:

desenvolverem um grupo de trabalho europeu composto por peritos e uma rede de organismos independentes para a eficiência energética orientada para os utilizadores finais e, em particular, as PME e o sector do artesanato;

produzirem relatórios periódicos sobre as políticas da UE e o seu impacto nos utilizadores finais (em particular, as PME);

disporem duma plataforma de informação em várias línguas, fácil de utilizar e acessível, e de consolidarem e qualificarem as relações entre as organizações representativas europeias e nacionais e as principais partes interessadas.

3.6   Superar os atrasos e colmatar as lacunas na elaboração dos PANEE

Os planos de acção nacionais de eficiência energética (PANEE) não revelam um empenho forte e sério dos Estados-Membros na realização dos objectivos previstos na directiva (são frequentemente muito genéricos e desprovidos de informação e dos indicadores científicos necessários para avaliar de forma exacta o potencial impacto das medidas propostas e não são adequados à realização dos objectivos da directiva) em particular no que respeita à redução do consumo nos sectores mais significativos, como nos transportes e agregados familiares. Daí a necessidade de as iniciativas no domínio da eficiência energética serem mais concretas e exequíveis e de dar pelo menos a algumas medidas um carácter mais vinculativo, verificando o afastamento entre os planos nacionais e os resultados concretos como ocorre com as emissões dos veículos, a redução generalizada das emissões de CO2 as emissões de gases com efeito de estufa e as energias renováveis.

A recente consulta pública em linha Plano de Acção para a Eficiência Energética: Concretizar o Potential (COM(2006) 545), promovida pela Comissão Europeia, destaca as deficiências da directiva no que diz respeito à consulta dos utilizadores finais. Um relatório anual, para qual o CESE poderia igualmente contribuir, mediante uma metodologia adequada de consulta de todos os utilizadores finais, poderia ser um instrumento susceptível de colmatar algumas das deficiências registadas na preparação do PANEE.

3.7   «Nova geração» de programas europeus mais adaptados aos utilizadores finais

É necessário simplificar os procedimentos para aceder aos programas (PQI e em especial o EIE), de forma a também facilitar o acesso às pequenas empresas e às suas organizações representativas e às administrações das zonas mais desfavorecidas (regiões montanhosas e periféricas). Além disso, o Comité defende que se incentivem as parcerias público-privadas e as ESCO (empresas dos serviços energéticos), em especial a nível europeu, nacional e local, facilitando a participação das PME no exercício efectivo da política europeia de concursos públicos ecológicos. Por último, no quadro do processo de simplificação legislativa e do legislar melhor, convida a Comissão Europeia a estudar com os representantes das organizações representativas europeias e nacionais dos utilizadores finais quais os procedimentos e as práticas mais eficazes para favorecer os utilizadores finais e as partes interessadas envolvidos pela directiva na aplicação de políticas de eficiência energética.

4.   Observações na especialidade

4.1   A directiva atribui aos operadores energéticos um papel no sector dos serviços energéticos (artigo 6.o). Esta disposição é particularmente criticável na medida em que se sabe que em muitos mercados nacionais os grandes operadores energéticos exercem a sua actividade nos mercados a jusante da cadeia energética, como os serviços energéticos e as intervenções nas instalações após o contador, em condições vantajosas devido à sua posição dominante nos outros segmentos da cadeia (produção, distribuição e vendas), criando importantes barreiras ao desenvolvimento do sector dos serviços energéticos para as pequenas empresas.

4.1.1

Subsistem problemas e deficiências significativas na fase de transposição da directiva no que respeita aos utilizadores finais, nomeadamente quanto:

à disponibilidade e transparência das informações relevantes para implementar os serviços energéticos (artigo 7.o) (a maior parte das vezes reservadas exclusivamente aos operadores energéticos e às autoridades competentes); e

à correcta contagem e facturação discriminada do consumo de energia.

É portanto oportuno um reforço das acções de vigilância, fiscalização e sancionatória das entidades competentes dos Estados-Membros e da União Europeia e um acompanhamento mais eficaz e rigoroso dos operadores energéticos (v. artigos 11.o e 13.o da directiva).

4.1.2

Será necessário reforçar e aprofundar, de um ponto de vista técnico e político, o acesso aos «instrumentos financeiros para a poupança de energia» e o funcionamento dos «mecanismos» correspondentes no interesse dos utilizadores finais tendo especialmente em consideração a fiscalidade energética. Estes instrumentos e os resultados atingidos por seu intermédio deveriam ser objecto de um acompanhamento específico em estreita colaboração com as organizações europeias e nacionais de utilizadores finais e tendo sobretudo em consideração as formas de atenuar o efeito de repercussão. O efeito de repercussão (rebound effect), que foi salientado na audição organizada em 9 de Julho de 2009 pelo CESE na sede do CNEL sobre Políticas e programas a favor da eficiência energética a nível dos utilizadores finais refere-se ao facto de que as intervenções destinadas a melhorar a eficiência energética implicam um aumento do consumo energético e não a sua diminuição.

4.1.3

As auditorias energéticas e os certificados brancos (artigo 12.o) são também particularmente importantes para o desenvolvimento dos serviços energéticos e deveriam, portanto, ser posteriormente reforçados pelos Estados-Membros.

A esse respeito, seria desejável que o diálogo social europeu, incluindo a nível sectorial, possa trazer um contributo útil para a execução de políticas de eficiência energética, de forma a promover a criação de emprego e o aumento da competitividade do sistema produtivo.

4.1.4

Estão previstos métodos de cálculo para medir a poupança de energia. Estes métodos estão ainda pouco desenvolvidos e não estão harmonizados. É necessário, pois, definir e identificar melhor os métodos de cálculo partilhados pelos utilizadores finais que deverão ser utilizados de forma harmonizada nos Estados-Membros.

Por último, há que referir que a Comissão Europeia deu início a muitos processos por incumprimento por não transposição ou por transposição parcial da directiva, com as respectivas consequências em termos de custos e de burocracia que se repercutem nos utilizadores finais.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 77 de 31.3.2009, p. 54; JO C 175 de 28.7.2009, p. 87; JO C 228 de 22.9.2009, p. 84; JO C 182 de 4.8.2009, p. 8.

(2)  COM(2008) 782 final/2.

(3)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 43; Parecer do CESE sobre o Livro Verde Para uma rede europeia de energia segura, sustentável e competitiva, CESE 1029/2009 (ainda não publicado), e parecer do CESE em elaboração: Serviços de interesse económico geral: como dividir as responsabilidades entre a UE e os Estado- Membros? CESE 966/2009 (ainda não publicada no Jornal Oficial).


23.12.2009   

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C 318/43


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Impacto da crise mundial nos principais sectores transformadores e de serviços europeus (parecer de iniciativa)

2009/C 318/09

Relator: Antonello PEZZINI

Co relator: Enrico GIBELLIERI

Em 26 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o

«Impacto da crise mundial nos principais sectores transformadores e de serviços europeus.»

A Comissão Consultiva das Mutações Industriais (CCMI), encarregada de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 10 de Setembro de 2009, sendo relator Antonello PEZZINI e co-relator Enrico GIBELLIERI.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 156 votos a favor com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1   O CESE está convicto de que as consequências da actual crise financeira para os grandes sectores transformadores e de serviços na UE obrigam as instituições comunitárias e os Estados-Membros a uma reanálise profunda e a uma melhor coordenação das políticas e instrumentos comunitários, no intuito de reconstruir uma escala de valores que dê prioridade à economia real e às necessidades das empresas, dos trabalhadores e dos cidadãos.

1.2   O Comité apela à ratificação do Tratado de Lisboa a fim de dotar a UE de uma arquitectura institucional capaz de satisfazer a necessidade de redefinir o desenvolvimento da Europa de uma forma mais competitiva, sustentável e aberta graças a:

medidas para aumentar a cooperação entre empresas e trabalhadores,

políticas comuns e mais bem coordenadas,

processos de decisão mais céleres,

legislação mais simples e transparente.

1.3   O CESE está convicto de que será possível reconstruir as bases para o relançamento da economia europeia se o projecto de construção europeia for renovado dentro do espírito que animou Jean Monnet no momento do lançamento e da aplicação do Tratado de Paris que está na origem da CECA. De facto, os actuais tratados têm revelado uma capacidade preocupantemente limitada para enfrentar a crise e as suas consequências económicas e sociais.

1.4   O princípio da subsidiariedade deve ser redefinido no seu valor original. As decisões e as responsabilidades devem ser assumidas ao nível mais eficaz para o cidadão europeu. Atendendo a que os problemas são mundiais, as políticas e os instrumentos não podem deixar de ser estabelecidos a nível europeu e mundial.

1.5   O CESE está convicto de que os governos dos Estados-Membros e o Conselho da UE devem envidar todos os esforços possíveis para restaurar a confiança dos cidadãos no projecto de uma Europa mais forte e capaz de se dotar de instrumentos comuns e reconhecidos e de lutar contra a actual e futuras crises mundiais.

1.5.1

O CESE está consciente de que vários países que fizeram parte do primeiro núcleo da construção da Comunidade Europeia evidenciam, especialmente nestes tempos de crise, grande intolerância para com as regras do mercado único: concorrência, auxílios estatais. Mas, é um erro! (1)

1.5.2

Nas actuais circunstâncias, o Conselho deveria, com o apoio do Parlamento Europeu e da Comissão, conceber um «pacto estratégico» que previsse:

um forte empenho no mercado único através de mecanismos reforçados, especialmente em sectores onde continua a haver deficiências (2);

empenhamento na coordenação da fiscalidade que respeite a soberania fiscal dos Estados-Membros mas reforce a cooperação em determinados aspectos;

a possibilidade concertada de os Estados-Membros em dificuldade acederem rapidamente à zona euro mediante determinadas condições;

a aplicação de medidas públicas coordenadas, proporcionais, transparentes e degressivas no tempo destinadas a reduzir os riscos sistémicos e a acelerar o retorno a actividades capazes de se auto-sustentarem no mercado livre.

1.6   A mensagem do CESE é que os cidadãos, as forças sociais e a sociedade civil no seu todo estão convencidos de que a actual crise incita a procurar uma Europa mais forte que consiga suplantar o papel limitado dos Estados individualmente.

1.7   A estes devem ser pedidos sacrifícios concretos em termos de representação e visibilidade para reforçar o papel mundial da Europa nas suas expressões democráticas: PE, Conselho e Comissão.

1.8   O CESE está convicto de que o primeiro instrumento a implantar deverá ser uma verdadeira política industrial substancial, que não seja influenciada pelas escolhas dos especuladores financeiros e vise o desenvolvimento sustentável. A experiência concreta adquirida graças à política industrial levada a cabo durante cinquenta anos com base no Tratado CECA em dois importantes sectores produtivos europeus deve ser recuperada e, após a necessária actualização, alterada de forma a promover o desenvolvimento sustentável e usada como referência para as acções futuras (3).

1.9   É graças ao desenvolvimento das empresas e da economia social e à sua capacidade para dar respostas inovadoras que a Europa poderá superar a crise e relançar a economia.

1.10   Para estabelecer uma estratégia de desenvolvimento, é necessário que os parceiros sociais e a sociedade civil organizada no seu todo se esforcem por criar um território socialmente responsável (TSR), no qual possam ser aplicadas diversas estratégias coordenadas entre si:

uma estratégia de resistência e de sobrevivência, que, mercê de uma maior especialização no próprio mercado, permita operar em mercados maduros com redução dos custos, uma forte diversificação para sectores contíguos ou novas fórmulas;

uma estratégia de inovação nos processos, nos produtos e nos serviços, com mudança de mercado e de tecnologia e utilizando novos materiais que dêem origem a novos produtos;

novas iniciativas que incluam o desenvolvimento de novas formas de empresa, novos sectores ou novas iniciativas; é necessário prever a hipótese, através de um exercício de prospectiva, de novos produtos em expansão (como os mercados-piloto), para os quais deveriam se canalizados novos investimentos;

um marketing territorial, que vise a excelência através de convenções com centros de investigação, de forma a aumentar a contaminação tecnológica;

um apoio financeiro, através de fundos de desenvolvimento, incluindo a garantia fiduciária do FEI (4);

a capitalização do fundo de risco dos consórcios de crédito graças a um acordo entre as administrações e o sistema bancário para que concedam às micro e às pequenas empresas diferimentos de pagamento com o objectivo, sobretudo, de salvaguardar os níveis de emprego;

a consolidação das dívidas a curto prazo, para permitir às micro e pequenas empresas concentrarem-se na produção, na comercialização e nos serviços pós-venda dos seus produtos;

apoio a um sector terciário inovador (economia verde), tirando partido da possibilidade de formação inovadora oferecida pelo Fundo Social Europeu;

desenvolvimento de serviços às pessoas de nível elevado através, nomeadamente, da valorização e do reforço dos sistemas social e sanitário (5);

a aplicação de políticas de infra-estruturas, que contribuam para escolhas mais inovadoras em matéria de economia com baixa taxa de emissões de carbono e a criação das condições para que seja vantajoso viver no território;

o reforço dos critérios de eficiência energética e de ambiente nos contratos públicos;

financiamentos destinados a encorajar a criação de novos produtos mais eficazes para substituir os antigos;

um melhor acesso à informação;

facilidade na utilização das matérias-primas.

1.11   Uma comparação dos vários pacotes nacionais de relançamento nas economias industrializadas revela a necessidade de uma visão prospectiva comum mais ampla por parte dos governos europeus, em especial, relativamente ao estímulo ao desenvolvimento sustentável e à responsabilidade social da empresa, bem como a uma melhor coordenação com a Comissão Europeia. Mas, não bastam as palavras. Os Estados-Membros devem pôr em prática urgentemente os seus planos, já que a crise está a afectar gravemente as empresas e os trabalhadores.

1.12   O CESE congratula-se com os esforços realizados em Praga, em 7 de Maio de 2009, durante a Cimeira sobre o Emprego, para identificar pistas de acção a seguir a nível nacional e europeu, em conjunto com os parceiros sociais e com base num diálogo social reforçado, de modo a dar maior atenção, principalmente, à criação de empregos e às medidas necessárias para estimular a procura (6).

1.13   A Estratégia de Lisboa deve preservar a sua credibilidade e demonstrar capacidade para se adaptar a este novo contexto, acelerando o processo de reforma, identificando prioridades claras e métodos novos e sintonizando os objectivos da Estratégia de Desenvolvimento Sustentável da UE com os da Estratégia pós-Lisboa, que será definida nos próximos meses.

1.14   Os governos europeus devem esforçar-se mais para que os compromissos assumidos em sede comunitária sejam cumpridos integralmente e nos prazos acordados.

1.15   Os auxílios estatais de apoio ao emprego nas empresas afectadas pelos problemas relacionados com a globalização e com o crédito devem estar sujeitos a condições que garantam que:

esses auxílios não servirão para reforçar o proteccionismo ou impedir a livre concorrência;

as empresas que recebam fundos se comprometam sobretudo a manter os níveis de emprego;

sejam respeitados os contratos colectivos e mantido o poder de compra dos trabalhadores;

durante os períodos de produção reduzida, os trabalhadores possam beneficiar de formações que lhes dêem novas qualificações e sejam apoiados nesse sentido;

o apoio financeiro público não se torne numa forma de rendimento para os accionistas mercê de dividendos ou de outras formas de resgate de acções;

tanto quanto possível, o apoio promova o desenvolvimento de novos produtos e de novos serviços segundo critérios de protecção do ambiente;

as ajudas não falseiem a concorrência e sejam temporárias e degressivas;

sejam instituídos mecanismos de controlo adequados para proteger os contribuintes.

1.16   As propostas adoptadas até agora são inadequadas como resposta social à crise. Não têm em devida consideração a criação de postos de trabalho e as medidas necessárias para impulsionar a procura (por exemplo, incentivos fiscais mais coordenados a nível europeu e políticas salariais) (7).

1.17   No que diz respeito às regras, no caso das medidas temporárias do mercado de trabalho, importa assegurar que o emprego a curto prazo seja acompanhado de uma formação profissional adequada em especial sobre higiene e segurança no local de trabalho e de garantias quanto aos níveis salariais.

1.18   O Comité considera urgente e vital para o futuro da estrutura produtiva da UE a aplicação de políticas destinadas a reorientar os jovens para áreas tecnológicas e científicas em todos os níveis de ensino e formação, de forma a combater a destruição dos valores associados às actividades produtivas em benefício dos valores financeiros e especulativos (8).

1.19   Para favorecer a recuperação da produção e a sustentabilidade dos sectores transformadores e de serviços europeus, o CESE considera necessário intensificar o papel das actividades de investigação, inovação e desenvolvimento através dos instrumentos já disponíveis, como o Sétimo Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico e o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (IET), mas também definindo uma orientação sectorial clara com base nas prioridades identificadas pelas plataformas tecnológicas europeias.

1.20   O CESE reclama uma acção comunitária de apoio ao sector dos serviços às empresas através do desenvolvimento de serviços e conteúdos inovadores em prol dos cidadãos, dos consumidores, dos trabalhadores e das empresas e, em particular, da internacionalização e das exportações das PME.

1.21   O Comité entende necessário, como o deseja a sua própria presidência (9), que os critérios de aplicação dos fundos estruturais – especialmente do FSE – sejam repensados de forma a permitir o acesso directo, a nível comunitário, inclusivamente numa base sectorial, tirando partido assim da experiência da CECA, que se revelou eficaz e susceptível de ser aplicada rapidamente.

1.22   No que diz respeito ao comércio internacional, o CESE considera prioritária a rápida conclusão das negociações multilaterais sobre o comércio (Ronda de Doha), que constituiria um sinal positivo para os mercados internacionais, o que teria importantes repercussões na actual crise (10). A UE pode e deve assumir uma liderança negocial mais forte, que lhe permita falar a uma só voz a fim de obter resultados ambiciosos que garantam o cumprimento das normas fundamentais da OIT em matéria de condições de trabalho e de trabalho digno, essenciais para o futuro crescimento dos sectores transformadores e de serviços europeus.

1.23   Nas actuais circunstâncias, a perspectiva de uma espiral proteccionista é real e perigosa. É, portanto, essencial que a Comissão aplique decididamente as normas em matéria de protecção comercial, intervindo firmemente contra o dumping e os subsídios, que refute e se oponha a medidas proteccionistas injustificadas e reforce o diálogo com os principais parceiros comerciais da UE para resolver os diferendos comerciais.

2.   Contexto

2.1

Os sectores transformadores e de serviços representam a espinha dorsal da economia no nosso continente. A realização do mercado único permitiu que eles se desenvolvessem de forma considerável segundo regras e normas comuns.

2.2

Esses sectores estão confrontados com desafios excepcionais:

o colapso financeiro, que atingiu com uma violência e um sincronismo inauditos toda a economia mundial e minou a credibilidade e a fiabilidade dos mercados;

a nova repartição internacional do trabalho, com as inevitáveis racionalizações e reestruturações industriais impostas pelo novo mercado mundial, em que os continentes recentemente industrializados entraram de pleno direito, mas com menos obrigações;

as alterações climáticas e o ambiente, com o objectivo, incontornável para a saúde dos cidadãos, da protecção do ecossistema e do desenvolvimento sustentável, cuja realização passa pela melhoria da eficiência energética e pela modernização dos ciclos de produção por meio de novos produtos e processos baseados em tecnologias limpas;

o capital de recursos humanos com o envelhecimento demográfico e os fortes fluxos migratórios, que exigem uma maior flexibilidade e mobilidade profissionais, bem como processos de formação permanente com base em perfis mais qualificados, de forma a assegurar uma melhor qualidade de vida e de trabalho;

deficiências na governação a nível mundial e europeu, com instituições, capacidades de decisão e regras inadequadas, conforme demonstra o actual sistema monetário internacional e a crise da construção europeia;

as disparidades regionais, que se têm vindo a acentuar na UE;

a redução dos recursos disponíveis, quer a nível dos orçamentos nacionais, quer das empresas, que podem não ser suficientes para financiar adequadamente as reformas necessárias ao relançamento da economia e do emprego.

2.3

A actual recessão mundial poderá obrigar estes sectores a redobrarem os esforços para:

se adaptarem à nova repartição internacional do trabalho;

protegerem o ecossistema e o desenvolvimento sustentável;

se orientarem para novas tecnologias de produtos e de processos;

aumentarem e melhorarem o emprego, exigindo perfis de qualificações e uma profissionalização cada vez mais elevados.

2.4

As actuais crises representam para as empresas não só um desafio em termos de sobrevivência, mas também grandes oportunidades de desenvolvimento e inovação. As empresas não devem, porém, ser abandonadas à sua sorte. Importa encorajar o empreendedorismo e a criação de emprego, aplicando o mais rapidamente possível reformas para melhorar o ambiente em que as empresas operam, reduzindo os encargos administrativos inúteis, preservando e melhorando o mercado interno, encorajando o capital de risco, estimulando a inovação e as medidas de flexigurança, legislando menos e melhor e investindo nas relações entre o mundo académico e científico e o mundo empresarial, bem como na educação e na formação dos recursos humanos, especialmente nos domínios técnico-científicos e no desenvolvimento dos mercados-piloto.

2.5

O CESE insiste na importância de realçar a situação actual e as eventuais perspectivas de futuro dos principais sectores transformadores, de serviços e do turismo, em particular, tendo em conta diversos aspectos fundamentais estreitamente relacionados entre si:

a dimensão internacional: a crise desenvolveu-se em circuitos internacionais integrados que puderam recorrer a instrumentos inovadores que escaparam totalmente aos poderes de regulamentação e de controlo dos diferentes mercados e do mercado internacional no seu todo e sobrepôs-se ao processo de ajustamento da Europa a um cenário de referência mundial, segundo o qual, em 2020, os países BRIC (11) atingirão e ultrapassarão mesmo a quota de 30 % do PIB mundial;

a dimensão institucional: os mecanismos institucionais nacionais, regionais e internacionais de governação revelaram-se totalmente insuficientes para diagnosticar preventivamente as patologias, definir antecipadamente os meios e os instrumentos capazes de impedir o contágio em cadeia nas diferentes economias regionais e nacionais e desenvolver anticorpos susceptíveis de limitar os danos;

a dimensão social: em Março de 2009, a taxa de desemprego atingiu 8,9 % na zona euro (contra 7,2 % em Março de 2008) e 8,3 % (contra 6,7 % em Março de 2008) na UE-27, tendo a taxa de desemprego nos jovens com menos de 25 anos atingido 18,1 % na zona euro e 18,3 % na UE-27 (12);

a dimensão«economia real»: na UE-27, a produção industrial diminuiu, em Dezembro de 2008, 12,8 % em comparação com o mesmo mês de 2007 e 6,7 % no sector da construção; o comércio intra-comunitário sofreu uma redução de 13,7 %, e as exportações comunitárias dos sectores transformadores registaram um decréscimo de 5,8 % (13). O abrandamento da produção afectou essencialmente os sectores químico, têxtil, dos veículos a motor e dos metais, tendo as exportações diminuído fortemente em sectores como o automóvel, os produtos químicos, as telecomunicações, o segmento da rádio e da televisão. No sector dos serviços, o turismo foi o mais atingido (14);

a dimensão ambiental: a eficiência energética, o combate às alterações climáticas e a utilização sustentável dos recursos são desafios inadiáveis para a salvaguarda e o desenvolvimento do planeta e em particular para a Europa, a saúde dos seus cidadãos, a protecção do ecossistema e da economia no seu todo (com implicações fundamentais para a competitividade), em particular num quadro regulamentar claro, estável e harmonizado.

3.   Dimensão internacional

3.1

Nos EUA, o PIB baixou 1 % no quarto trimestre de 2008, após uma diminuição de 0,1 % no trimestre anterior. No Japão, a redução foi de 3,3 %, após uma diminuição de 0,6 % no trimestre anterior. Na zona euro, a redução foi de 1,5 % após uma diminuição de 0,2 % no trimestre anterior (15).

3.2

A taxa de desemprego está a crescer rapidamente e tende, segundo a OCDE, a aproximar-se dos 12 % no fim de 2010. Ao mesmo tempo, os salários estão a aumentar mais lentamente ou permanecem inalterados.

3.3

Conforme realça a Comissão (16), «Enquanto persistirem as limitações no acesso ao crédito, os esforços destinados a dinamizar a procura e a confiança dos consumidores dificilmente darão os seus frutos. » (….) «Trata-se de uma crise de dimensão mundial e a retoma só estará concluída quando os principais protagonistas da economia mundial começarem novamente a crescer e a exportar».

3.4

A Confederação Europeia dos Sindicatos (CES) é da mesma opinião: «A situação económica provavelmente deteriorar-se-á e só melhorará se o modo de pensar mudar radicalmente: longe da noção reconfortante mas irrealista de um retorno à situação do passado, necessitamos é de uma nova realidade económica baseada nas pessoas, na inovação e no desenvolvimento sustentável. Necessitamos igualmente de uma revalorização do papel do governo:

na regulação dos mercados,

no serviço público,

e no combate às desigualdades salariais» (17).

3.5

Na Cimeira do G-20 de Londres, realizada em 18 de Março de 2009, a federação das empresas europeias (BusinessEurope) sublinhou que a crise financeira tem tido consequências devastadoras para as empresas, na medida em que os principais motores do crescimento foram atingidos por restrições no acesso ao financiamento. (…) É necessário um estímulo económico para evitar o colapso económico mundial (18).

4.   Dimensão institucional

4.1

Regista-se actualmente um consenso cada vez mais alargado e uma convergência de esforços cada vez mais acentuada no sentido de lançar medidas excepcionais e respostas políticas de emergência, para lá das regras existentes, tendo em vista preservar a todo o custo as empresas, os sectores transformadores, as actividades de produção e de serviços, o emprego, bem como os rendimentos e o consumo das famílias.

4.2

A política que procura limitar as consequências económicas, laborais e sociais da crise descarregando sobre os seus próprios vizinhos as tensões acumuladas a nível interno não só não é a boa solução para o problema, mas também arrisca-se a criar nas economias um comportamento nacionalista e proteccionista que destruiria os quadros de cooperação internacional e de integração regional construídos com muito esforço nos últimos anos na Europa e no mundo.

4.3

O CESE considera fundamentais e incontornáveis para qualquer intervenção destinada a enfrentar a crise actual as seguintes acções:

lançar um novo quadro de cooperação internacional e mundial, assente em regras transparentes, capaz de eliminar preventivamente as patologias no sistema económico, monetário e financeiro internacional, mesmo que latentes, salvaguardando, porém, a total liberdade das trocas comerciais internacionais;

estudar imediatamente a possibilidade de um novo contrato social com o sector financeiro, de uma forte re-regulação e melhor vigilância do mercado financeiro internacional, bem como de um melhor controlo público dos pacotes de incentivo, para assegurar que o apoio financeiro chega aos trabalhadores, aos consumidores e às empresas, sem pôr em causa o comércio livre internacional;

preservar os fundamentos da UE no tocante:

à unicidade do mercado europeu,

à livre circulação de pessoas, bens, capitais e serviços,

ao desenvolvimento e à aplicação integral das políticas comuns e, em particular, da política de concorrência,

à liberdade das empresas e à salvaguarda do modelo social europeu;

aplicar medidas públicas coordenadas, proporcionais, transparentes e degressivas no tempo destinadas a reduzir os riscos sistémicos;

preservar e melhorar a competitividade e a consistência dos sectores transformadores e de serviços europeus;

consolidar a economia do conhecimento;

melhorar as competências dos recursos humanos e da gestão empresarial;

classificar produtos e processos destinados à protecção do ambiente, à eficiência energética e à utilização dos materiais e estabelecer condições-quadro para a sua difusão no mercado;

apoiar o desenvolvimento de um território socialmente responsável (TSR);

não aumentar os encargos administrativos e regulamentares das empresas europeias;

desenvolver uma abordagem coordenada das IPR (19);

melhorar o acesso ao crédito, especialmente, para as PME.

4.4

O CESE está convicto de que a crise actual levará a um progresso institucional no sentido de maior integração económica dirigida para o desenvolvimento de uma economia de qualidade e para mais e melhor emprego.

4.5

Julga, porém, ser ainda mais necessário um salto qualitativo para uma maior integração política da Europa, já que, em sua opinião, esta é a única forma de alcançar o compromisso entre renunciar a egoísmos e prioridades nacionais e um futuro comum.

4.6

O CESE está convicto de que só será possível reconstruir as bases para o relançamento da economia europeia se o projecto de construção europeia for renovado dentro do espírito que animou Jean Monnet no momento do lançamento e da aplicação do Tratado de Paris, que está na origem da CECA.

4.7

É necessário concluir sem mais demoras a ratificação do Tratado de Lisboa, de modo a garantir uma arquitectura da construção europeia capaz de reagir com políticas mais coordenadas.

5.   Dimensão social da crise: impacto nos trabalhadores, nas empresas e nas famílias

5.1

Nos últimos meses, assistiu-se a um aumento drástico das reestruturações empresariais. Muitas empresas aplicaram planos de despedimento com graves consequências sociais, inclusivamente para o futuro dos jovens (20). Outras declararam falência.

5.2

O CESE está convicto de que os recursos humanos serão a pedra angular da recuperação competitiva da Europa, em termos não só das capacidades e das qualificações da mão-de-obra, mas também do novo modelo de gestão.

5.3

Para o CESE, o investimento em mão-de-obra e a manutenção dos postos de trabalho são vitais para promover a competitividade da indústria europeia no que diz respeito quer às qualificações e novas competências da força de trabalho, quer a um novo modelo de responsabilidade social da empresa (21).

5.4

Dada a extensão da crise, deverão ser rapidamente postos à disposição dos trabalhadores atingidos pela recessão programas de formação e de trabalho direccionados para sectores em crescimento, como, por exemplo, as energias renováveis.

5.5

Deverá ser considerada a hipótese de adoptar medidas de apoio ao consumo das famílias com o objectivo, entre outros, de dar um novo impulso à procura (22).

6.   Dimensão da economia real: relançamento dos sectores transformadores e de serviços

6.1

Desindustrialização: Nos últimos anos e, em especial, na viragem do século, a Comissão e muitos Estados-Membros terão dado pouca importância à política industrial, privilegiando, em vez disso, a riqueza resultante do desenvolvimento de complexos sistemas financeiros, baseados essencialmente em modelos norte-americanos.

6.2

Em 2005, a UE adoptou orientações para uma política industrial integrada europeia, assente numa combinação de iniciativas sectoriais e horizontais, a que se seguiu uma avaliação intercalar em 2007, como contribuição para a Estratégia do Crescimento e do Emprego da União Europeia (23). Em 2008, a UE lançou um plano de acção para uma política industrial sustentável (24), sobre o qual o CESE já teve oportunidade de se pronunciar (25).

6.3

A importância fulcral das empresas socialmente responsáveis e competitivas, das empresas da economia social e de uma mão-de-obra cada vez mais qualificada e interveniente deve constituir a referência para as políticas de relançamento dos sectores transformadores e de serviços.

6.4

A Estratégia de Lisboa deve preservar a sua credibilidade. Os Estados-Membros e as instituições europeias devem demonstrar ter capacidade para adaptar as suas políticas ao novo contexto, identificando prioridades claras e métodos novos para que a Estratégia pós-Lisboa possa ser definida nos próximos meses. Importa acelerar as reformas através da identificação de prioridades claras, pontuais, com roteiros razoáveis e verificáveis.

6.5

Na opinião do CESE, o desenvolvimento dos sectores transformadores e de serviços europeus deverá passar por uma melhoria dos processos e dos produtos. O CESE apela à UE para que se empenhe fortemente neste sentido.

6.6

Para o CESE, tal estratégia industrial deveria incluir:

investimentos importantes em edifícios novos e na reconversão dos existentes em edifícios sustentáveis, especialmente nos edifícios públicos e industriais (26), utilizando materiais de baixa transmitância como o vidro e a cerâmica, para reduzir os consumos;

investimentos importantes de apoio à eficiência energética, aumento da capacidade de produção de energia a partir de fontes renováveis e desenvolvimento de tecnologias de captação e armazenamento de CO2;

investimentos em planos de transporte de baixo impacto, como a Iniciativa Europeia a favor de Automóveis Respeitadores do Ambiente, proposta pela Comissão (27), em produções mais localizadas e numa melhor gestão dos resíduos;

maior acesso do sector transformador aos fundos de investimento apoiados pelo governo, a fim de encorajar a inovação e a concepção de tecnologias e processos limpos nos sectores automóvel e metalomecânico, retomando e desenvolvendo a Iniciativa Fábricas do Futuro, proposta pela Comissão (28);

promoção das infra-estruturas materiais e não-materiais de rede, a nível europeu, e, em particular, da difusão das tecnologias de informação de banda larga, incluindo o reforço da Iniciativa Europeia i2020, ou seja, investimentos e infra-estruturas inteligentes destinados a favorecer a integração de uma UE alargada.

6.7

Há que abordar a situação específica das PME, especialmente no que diz respeito às dificuldades de acesso ao crédito e a empréstimos. Actualmente, os fundos reservados às PME não atingem os seus objectivos.

6.8

O Small Business Act, sobre o qual o Comité teve oportunidade de se pronunciar (29), «não está à altura desse desafio, sobretudo no contexto das actuais dificuldades económicas e financeiras», uma vez que não dispõe de meios financeiros adequados. Todavia, importa assegurar uma aplicação plena, dentro dos prazos e sistemática da estratégia do Small Business Act nos Estados-Membros.

6.9

Conforme o Comité frisou várias vezes, para além do acesso ao crédito, as medidas que a seguir se enumeram são de importância capital, ainda mais nas actuais circunstâncias:

adopção do estatuto da sociedade privada europeia (30), particularmente urgente para as PME, respeitando contudo os direitos dos trabalhadores;

revisão da directiva comunitária sobre os atrasos de pagamento nas transacções comerciais;

promoção da importância dos pólos industriais como motores do desenvolvimento do território através da criação, a nível europeu, de «pólos de produção funcionais», que são particularmente úteis para os sectores transformadores e de serviços;

lançamento de iniciativas comunitárias de acompanhamento das novas PME e das empresas em fase de arranque, a fim de aumentar a sua taxa de êxito e o acesso aos mercados internacionais;

análise constante do grau de vulnerabilidade por sector, para prevenir as «deficiências do mercado» e incrementar perspectivas de desenvolvimento positivas e antecipatórias.

6.10

Quanto aos sectores específicos, a Comissão já havia identificado, após uma ampla consulta pública, uma série de sectores transformadores nos quais devem ser concentradas intervenções de relançamento e revitalização. Foram identificados seis mercados para a fase inicial da iniciativa mercados-piloto (31):

saúde em linha,

têxteis de protecção,

construção sustentável,

reciclagem,

produtos de base biológica,

energias renováveis.

6.11

O método utilizado pela Comissão deverá ser alargado a outros sectores. Assim sendo, importa identificar as áreas em que uma acção concertada através de instrumentos políticos-chave e de condições de enquadramento e de uma melhor cooperação entre as principais partes interessadas poderá acelerar o desenvolvimento do mercado, sem interferir com o jogo da concorrência (32). O mesmo se aplica ao desenvolvimento da indústria europeia da defesa, que deveria ser alvo de uma política europeia mais coordenada, na sequência da criação da Agência Europeia de Defesa e dos progressos alcançados no domínio da segurança comum (33).

6.12

Para que a política industrial europeia seja eficaz, é necessário ter em conta o contexto específico dos vários sectores: o sector dos veículos a motor (automóveis, camiões e motocicletas (34), o sector químico, o sector naval, o sector do carvão e do aço, a construção, o sector do vidro e da cerâmica, o sector do cimento, o sector têxtil e de vestuário, o sector agro-alimentar, o sector metalomecânico e electromecânico, o sector aeroespacial, o sector informático e das telecomunicações, o sector energético, o sector dos serviços de saúde, etc.

6.13

O Comité considera essencial, nomeadamente para favorecer a introdução de inovações, desenvolver mais os novos instrumentos de política industrial criados, como as iniciativas tecnológicas conjuntas, os contratos públicos inovadores e o plano de acção para a produção e o consumo sustentáveis.

6.14

Considera que, mesmo no sector dos serviços, convém acelerar as liberalizações, especialmente no que diz respeito aos serviços prestados por profissionais liberais e às restrições que ainda subsistem em matéria de tarifas e de numerus clausus.

6.15

O CESE reclama uma acção comunitária de apoio ao sector dos serviços às empresas através do desenvolvimento de serviços e conteúdos inovadores em prol dos cidadãos, dos consumidores e das empresas, acelerando a transição para o digital e a difusão da banda larga e eliminando os obstáculos à administração em linha e à interoperabilidade dos sistemas.

6.16

O CESE entende que, em matéria de relações com o resto do mundo, a política externa comum deveria ser reforçada e mais rigorosa.

7.   Dimensão sustentável do desenvolvimento

7.1

O CESE apoiou (35) e continua a apoiar as iniciativas de desenvolvimento de políticas sustentáveis de extracção, produção e consumo, que estejam perfeitamente integradas nas outras políticas comunitárias, de forma a transformar os potenciais desafios em oportunidades competitivas.

7.2

Está convicto de que a acção da UE deverá continuar a pautar-se por objectivos ambiciosos, apoiados, no entanto, por instrumentos legislativos e financeiros que não penalizem a competitividade europeia ao acarretarem maiores encargos para as empresas e os cidadãos, mas, pelo contrário, favoreçam boas práticas e processos de inovação e de melhoria tecnológica.

7.3

O CESE reitera a importância de lançar as iniciativas adequadas para que a UE assuma a liderança internacional nas áreas da eficiência energética, do aumento da capacidade de produção de energia a partir de fontes renováveis e do desenvolvimento de tecnologias de captura da CO2.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  A propósito disto, Mario Monti, antigo comissário responsável pela concorrência, exprimiu a sua preocupação quanto à sobrevivência do modelo europeu, que se baseia no mercado interno (ver o artigo de fundo publicado no Corriere della sera, de 10 de Maio de 2009).

(2)  Reconhecimento das qualificações; tributação dos rendimentos do capital, inclusão no cálculo da pensão de reforma do trabalho efectuado em outros países, etc.

(3)  Ver a plataforma europeia Manufuture (www.manufuture.org). Ver ainda a entrevista com Étienne Davignon sobre a aplicação do plano Davignon (Bruxelas, 14.1.2008; www.ena.lu).

(4)  Fundo Europeu de Investimento (FEI), financiado pelo Banco Europeu de Investimento (BEI). Ver a primeira parte do Programa para a Competitividade e a Inovação (PCI).

(5)  Ver o mercado-piloto «Saúde em linha» (COM(2007) 860) – ponto 6.10 infra.

(6)  Ver parecer do Comité sobre os Resultados da Cimeira do Emprego (CES 1037/2009) (ainda não publicado em JO).

(7)  Ver as propostas aprovadas no Conselho Europeu do Luxemburgo, em Novembro de 1997, sobre a redução a nível europeu da taxa do IVA aplicável a actividades profissionais a definir pelos Estados-Membros.

(8)  Aspirar a que em todos os países da UE pelo menos 50 % dos estudantes se inscrevam no ensino superior e que destes, pelo menos, 25 % optem por uma área técnica, científica ou de engenharia. (Relatório ELECTRA).

(9)  Carta do Presidente do CESE, Mario Sepi, ao Presidente da Comissão, José Manuel Barroso, por ocasião da cimeira social da UE em Praga.

(10)  Ver o parecer Negociação dos novos acordos comerciais – Posição do CESE, JO C 211 de 19.8.2008, p. 82-89 e o parecer A dimensão externa da Estratégia de Lisboa renovada, ainda não publicado no Jornal Oficial.

(11)  BRIC: Brasil, Rússia, Índia e China.

(12)  Eurostat STAT – 30.4.2009.

(13)  SEC(2009) 353.

(14)  Barómetro da Organização Mundial do Turismo (OMT) das Nações Unidas, de Junho de 2009 (volume 7, n.o 2).

(15)  No primeiro trimestre de 2009, o PIB baixou 2,5 % em relação ao anterior. Em Maio de 2009, a produção industrial da UE diminuiu 15,9 % em relação ao ano anterior (16,8 % do sector transformador) – Ver SEC 2009/1088, de 20 de Julho de 2009.

(16)  COM(2009) 114.

(17)  Ver síntese da resolução da CES de 5 de Dezembro de 2008 relativa ao plano de relançamento europeu (http://www.etuc.org).

(18)  Ver nota de BusinessEurope de 17.3.2009 com vista ao G20 Business Event (18.3.2009; http://www.businesseurope.eu/).

(19)  IPR = International Product Regulations (regulamentações internacionais sobre produtos).

(20)  Na UE-27, a taxa de desemprego juvenil atingiu 18,3 % no primeiro trimestre de 2009, o que corresponde a 5 milhões de jovens desempregados – EUROSTAT 23.7.2009.

(21)  Isto será ainda mais difícil pois será necessário ter em conta o efeito da relação fundo de risco/empréstimo, prevista no acordo de Basel II sobre as PME. Importa adoptar disposições a nível comunitário para estudar a forma de atenuar esses efeitos.

(22)  Ver o indicador «confiança do consumidor» (gráfico 6) in Business & Consumer Survey Results (Resultados dos inquéritos às empresas e aos consumidores), DG ECFIN, Junho de 2009.

(23)  COM(2007) 374.

(24)  COM(2008) 397.

(25)  Ver parecer do CESE Consumo e produção sustentáveis, JO C 218 de 11.9.2009, p. 46-49.

(26)  Relatório sobre o emprego 2008-2009 do Conselho EPSCO de 9.3.2009.

(27)  Ver COM(2008) 800 – Plano de relançamento da economia europeia.

(28)  Ibidem.

(29)  Parecer do CESE 38/2009 de 14.1.2009 (ainda não publicado em JO).

(30)  Ver parecer do CESE sobre O acesso das PME a um estatuto de direito europeu (JO C 125 de 27.5.2002, p. 100).

(31)  COM(2007) 860.

(32)  Conselho Competitividade de 4.12.2006: Conclusões sobre a política de inovação e a competitividade.

(33)  Ver pareceres do CESE Transferência de produtos ligados à defesa e Defesa europeia (publicados no JO C 100 de 30.4.2009, p. 109, e no JO C 10 de 14.1.2004, p. 1, respectivamente).

(34)  O sector europeu dos motociclos, em particular, deveria poder beneficiar de um sistema de apoio e de incentivos dos Estados-Membros, semelhante ao que existe para o sector automóvel, uma vez que foi afectado, tal como este, pela actual crise económica.

(35)  Parecer do CESE sobre Produção respeitadora do ambiente (JO C 224 de 30.8.2008, p. 1).


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/52


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Trabalho e Pobreza: Para uma abordagem global indispensável (parecer de iniciativa)

2009/C 318/10

Relatora: Nicole PRUD'HOMME

Em 26 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

Trabalho e Pobreza: Para uma abordagem global indispensável.”

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 1 de Setembro de 2009, tendo sido relatora Nicole PRUD’HOMME.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 173 votos a favor, 2 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações

A pobreza dos trabalhadores – por conta de outrem ou por conta própria – é um problema complexo que engloba diversos factores inter-relacionados e, como tal, deve ser examinado numa perspectiva global que permita encontrar mecanismos eficazes para fazer frente aos desafios.

1.1

No centro do projecto europeu colocar o objectivo de empregos de qualidade para todos.

1.2

Discutir a questão dos trabalhadores pobres com regularidade no quadro do diálogo social europeu.

1.3

Finalizar rapidamente os instrumentos de investigação para avaliar de forma cada vez mais precisa essas situações, tanto as suas divergências como as suas convergências europeias.

1.4

Explorar e introduzir novas combinações de protecção social e emprego que permitam, nomeadamente, garantir rendimentos dignos para todos os trabalhadores e, deste modo, criar as condições necessárias para cobrir as suas necessidades essenciais (habitação, saúde, educação) para si próprios e para os filhos.

1.5

Assegurar uma boa formação inicial e contínua tendo em vista empregos de qualidade. Tomar medidas aos mais diversos níveis (nacional, regional) para criar um enquadramento que evite o abandono escolar precoce dos jovens.

1.6

Prosseguir os esforços e os debates sobre a flexigurança a fim de encontrar um novo equilíbrio entre a flexibilidade (necessária às empresas) e os meios reais para uma maior segurança (protecção dos trabalhadores) que impeçam o aumento da pobreza activa e visem a sua erradicação.

1.7

Prever no quadro do ano de 2010, proclamado pela Comissão “Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social”, uma comunicação de informação e mobilização sobre estas questões, quer ao nível da União Europeia quer ao nível dos Estados Membros.

2.   Contexto

2.1

Ao nível da UE tem surgido uma miríade de obras científicas, de propostas e de reformas que, orientadas para os “trabalhadores pobres”, demonstram que o facto de ter trabalho não é necessariamente uma protecção contra a pobreza, em particular no actual contexto socioeconómico.

2.2

Na sua Proposta de Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão Social 2009  (1), baseada nos novos relatórios nacionais de estratégia, a Comissão frisou a importância de questões como a pobreza no trabalho e o emprego de qualidade. O tema e os problemas concretos que o relatório abrange ocupam um lugar de destaque nas prioridades e nas políticas comunitárias destinadas a promover a “inclusão activa”. Há uma dupla preocupação em lutar contra a pobreza e em fomentar o desenvolvimento de empregos de qualidade para todos, tanto a médio como a longo prazo.

2.3

A questão é ainda mais importante num contexto de crise, com o aumento considerável do desemprego e maior pressão sobre as finanças públicas. Convém, porém, abstrair-se um pouco da conjuntura imediata, a fim de encarar a questão não só à luz das actuais circunstâncias extraordinárias, mas também como uma questão estrutural no centro de um desenvolvimento positivo e desejável em matéria de protecção social e política de emprego, tanto a médio como a longo prazo.

2.4

A Comissão, que está a elaborar um documento sobre o trabalho e a pobreza, declarou 2010 o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social. Com efeito, cerca de 80 milhões de pessoas na UE, isto é, 16 % da sua população, são directamente afectadas pela pobreza. Um número considerável daquelas pessoas encontra-se em situação de “pobreza activa” e 8 % dos trabalhadores vive abaixo do limiar de pobreza (2).

2.5

No seu parecer sobre o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social (2010)  (3), o Comité assinalou que, para além do indicador usual de pobreza monetária relativa, eram necessários outros indicadores de pobreza que ilustrem a sua persistência e as verdadeiras privações de modo a reflectir plenamente o fenómeno. Para além dos pormenores técnicos, as comparações, agora possíveis devido à aprovação de uma definição a nível europeu, dão uma imagem clara das tendências.

3.   Definição

3.1

A utilização da expressão “trabalhador pobre” exige, em primeiro lugar, que se definam os dois termos, ou seja, “trabalhador” e, “pobre”. A “pobreza” de um trabalhador depende, por um lado, do rendimento pessoal auferido durante a vigência do contrato de trabalho (remuneração do trabalho) e, por outro lado, dos recursos globais da família. O trabalho refere-se à actividade profissional individual. A pobreza refere-se à insuficiência de recursos do agregado familiar na sua totalidade. Em alguns casos, pode-se passar muito rapidamente de uma situação e/ou de uma impressão de não pobreza para uma situação de pobreza.

3.2

A pobreza define-se ao nível do agregado familiar, ao passo que a actividade se define ao nível dos indivíduos. Há, portanto, uma conjugação de dois níveis de análise. A pobreza activa depende, em primeiro lugar, da situação de emprego e das características de emprego dos indivíduos e, em segundo lugar, do nível de vida do agregado familiar a que pertencem. Esta dupla apreciação suscita alguns problemas. Pode-se ter uma remuneração muito baixa mas não se estar incluído nos indivíduos pobres (por os demais recursos familiares serem mais substanciais), e, inversamente, ser-se considerado pobre ainda que se disponha de um nível de remuneração mensal próximo do salário mensal médio do respectivo país e considerado suficiente pela sociedade à qual se pertence. Pode-se estar desocupado (no desemprego) e receber um subsídio muito acima do limiar da pobreza ou, pelo contrário, estar activo e ocupado mas receber um salário muito baixo, ter muitas pessoas a cargo e, por conseguinte, encontrar-se abaixo do limiar da pobreza.

3.3

Assim, lidar politicamente com a questão dos trabalhadores pobres significa intervir simultaneamente com políticas de emprego, políticas de assistência e segurança social e políticas para as famílias.

3.4

No quadro da Estratégia Europeia de Emprego, ela própria parte da Estratégia de Lisboa, a diminuição do número de trabalhadores pobres tornou-se uma prioridade da União. Assim, a partir de 2003 foi necessário criar um indicador capaz de avaliar e comparar. Em Julho de 2003, no âmbito dos seus trabalhos sobre o processo comunitário de inclusão social, o Comité da Protecção Social da União Europeia adoptou um indicador comum a fim de avaliar a proporção de “trabalhadores pobres” na UE e as principais características sociodemográficas desses trabalhadores.

3.5

De acordo com esta definição do Comité da Protecção Social, o “trabalhador pobre” é uma pessoa que, durante o ano de referência, está “principalmente a trabalhar” (por conta de outrem ou por conta própria) e vive num agregado familiar cujo rendimento total é inferior a 60 % do rendimento médio nacional. Deverá ter trabalhado durante mais de metade do ano. Precisamente, o indicador “risco de pobreza no trabalho” identifica como trabalhador qualquer pessoa que tenha trabalhado durante pelo menos sete dos doze meses do período de referência (4).

4.   Avaliação estatística

4.1

No final de 2008, a Comissão publicou o seu relatório anual sobre as tendências sociais nos Estados-Membros no quadro dos objectivos comuns da estratégia da União Europeia em matéria de protecção social e inclusão social (ver anexo) (5). Conclui-se que, no final de 2006, 16 % dos europeus vivia em risco de pobreza e que 8 % dos trabalhadores da União Europeia vivia abaixo do limiar de pobreza. Os valores variam entre 4 % ou menos (República Checa, Bélgica, Dinamarca, Países Baixos e Finlândia) e 13 % ou 14 % (Polónia e Grécia, respectivamente) (6). A pobreza dos trabalhadores está associada a salários baixos (definidos como os salários inferiores a 60 % da média salarial), ao baixo nível de qualificações, ao emprego precário, à baixa remuneração de certos independentes e ao trabalho a tempo parcial, muitas vezes indesejado. Esta forma de pobreza está igualmente associada ao estatuto económico dos restantes membros do agregado familiar. A Comissão assinala que, nos agregados familiares com crianças, o modelo familiar assente num único salário já não basta para proteger os seus membros da pobreza.

4.2

O indicador de pobreza monetária relativa é frequentemente alvo de críticas por não dar verdadeiramente conta da diversidade das situações de pobreza. A pobreza de rendimentos é, naturalmente, apenas um aspecto da pobreza. A União está neste momento a desenvolver outros indicadores que forneçam uma imagem diferente, e complementar, das realidades da pobreza.

4.3

Ao lado de sistemas para medir a pobreza monetária, estão também a ser desenvolvidos outros para medir a pobreza em “condições de vida”. A nível europeu, mede-se assim a “privação material” (ver anexo). O indicador revela a proporção de pessoas que vivem em agregados familiares sem, pelo menos, três dos nove elementos seguintes: capacidade de fazer face a despesas imprevistas, uma semana de férias por ano, a capacidade de pagar os empréstimos contraídos, uma refeição que inclua carne de bovino, frango ou peixe pelo menos de dois em dois dias, uma habitação com aquecimento adequado, uma máquina de lavar roupa, um televisor a cores, um telefone, um automóvel particular. Todas estas condições materiais são, obviamente, discutíveis enquanto indicadores. É o seu conjunto que transmite uma imagem interessante. As taxas de privação registam grandes divergências, de 3 % no Luxemburgo a 50 % na Letónia. Estes desvios são muito mais acentuados do que os da pobreza monetária (de 10 % a 21 %).

4.4

A abordagem baseada na privação material transforma radicalmente a classificação dos Estados-Membros no que se refere à pobreza. Mas, neste caso, trata-se da pobreza em geral e não apenas dos trabalhadores pobres. Em breve, será necessário poder mostrar a situação dos trabalhadores pobres em cada país em termos de privação, pois, no fundo, a pobreza activa não é apenas um problema de rendimentos baixos, mas é também uma questão de qualidade de vida (profissional, familiar, social).

5.   Factores de pobreza activa

5.1

Um dos primeiros factores que levam à pobreza activa é a precariedade do estatuto de trabalhador. Diversos actores, entre os quais a Confederação Europeia de Sindicatos e os sindicatos europeus, manifestam-se preocupados com a maior precariedade do trabalho. Com mais de 19,1 milhões de contratos a prazo (7) e cerca de 29 milhões de falsos trabalhadores independentes (principalmente no sector da construção), são cerca de 48,1 milhões os trabalhadores com um estatuto caracterizado por um certo nível de instabilidade. É certo que se trata de uma população muito heterogénea em cada país e ainda mais entre os vários países, mas é uma ordem de grandeza de dezenas de milhões de activos confrontados com determinadas formas de precariedade que os podem conduzir à pobreza activa.

5.2

Os empregadores sublinham a complexidade da questão da pobreza activa, assinalando em especial a relação entre o risco de pobreza e o nível de educação. Os sistemas de educação e formação devem ser mais eficazes e equitativos. É também essencial “tornar o trabalho compensador” (8), ou seja, assegurar um equilíbrio eficaz entre os regimes fiscais e os sistemas de segurança social.

5.3

A pobreza activa deve-se, por um lado, à baixa remuneração do trabalho (muitas vezes desajustada em relação ao trabalho realizado) e, por outro, às mutações do modelo familiar. A evolução do núcleo familiar, que afecta em diferentes graus os diversos Estados-Membros, caracteriza-se em geral por maior instabilidade, maior número de separações e aumento do número de famílias monoparentais, por natureza monoactivas e mais expostas ao risco de pobreza. O Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão Social 2007  (9) da Comissão já indicava que, apesar de o emprego ser o melhor baluarte contra a pobreza, não pode ser a única salvaguarda. Portanto, há que adoptar ou reforçar medidas de solidariedade orientadas para as famílias, mulheres, jovens, estudantes, pessoas portadoras de deficiência, idosos, migrantes – as categorias mais vulneráveis. Cabe também salientar a grande influência que a pobreza activa tem na determinação da pobreza das crianças.

5.4

O aumento do custo dos transportes, da habitação e dos cuidados de saúde tende igualmente a fragilizar os trabalhadores. Os mais afectados são os trabalhadores que auferem aproximadamente o salário mínimo e a classe média-baixa, visto que se encontram mais frequentemente na periferia das zonas de emprego.

5.5

A pobreza activa pode ser igualmente fruto do baixo nível de competências ou de instrução, da falta de competências exigidas para um emprego com um salário adequado ou de condições de trabalho inadequadas. Os grupos vulneráveis são, na maioria dos casos, os trabalhadores idosos, os jovens, as mulheres, as famílias numerosas, as pessoas portadoras de deficiência, os trabalhadores que interromperam cedo os seus estudos e os migrantes. É, pois, fundamental assegurar a todas as pessoas portadoras de deficiência condições de acolhimento adaptadas nos seus empregos e a todas as crianças um bom começo de vida mediante uma escolarização precoce, combatendo ao mesmo tempo o abandono escolar, cuja taxa, actualmente de 15 % na Europa, se mantém demasiado elevada.

5.6

De forma mais profunda e bastante frequentemente, a pobreza activa é consequência do subemprego. A pobreza no trabalho é, tanto para os trabalhadores por conta de outrem como dos trabalhadores por conta própria, um problema complexo que resulta de numerosos factores interligados. Como tal, é preciso adoptar uma perspectiva global que permita encontrar mecanismos eficazes para fazer frente aos desafios. Sem políticas globais de crescimento e adaptação à globalização (e, neste momento, de relançamento da economia), não há programas eficazes de luta contra a pobreza activa.

6.   Propostas para uma abordagem global de combate à pobreza no trabalho

6.1

Para combater a pobreza no trabalho convém, em primeiro lugar, reflectir em termos macroeconómicos. Com efeito, não é através de medidas pontuais que se poderá travar legitimamente a dinâmica, nomeadamente no contexto da crise. O emprego e o trabalho por conta própria, mais precisamente o emprego de qualidade para todos, deve ser a prioridade de todas as instituições europeias.

6.2

Indicadores fiáveis. A dinâmica de criação de indicadores comuns e fiáveis sobre os trabalhadores pobres deve ser prosseguida. Graças ao empenho europeu e ao método aberto de coordenação conseguiram-se realizar grandes progressos. Importa agora ir mais longe e alargar o conhecimento através de uma série de dados mais consistentes que tenham em conta, simultaneamente, a proporção de trabalhadores pobres, o grau dessa pobreza e a repartição desigual dos rendimentos entre os pobres (dentro dos vários países e entre países).

6.3

Do ponto de vista técnico, no atinente a estas questões estatísticas, há que dispor de dados nacionais, tendo por base um limite nacional, mas também dados inteiramente europeus, baseados num limiar europeu, o que permitiria outras classificações e outras visões para além da actualmente fornecida pelo único indicador estabelecido.

6.4

Vencimentos justos e dignos, escorados num diálogo social reforçado. O combate à pobreza activa deve passar igualmente por uma política salarial ambiciosa. Há que desmultiplicar e apoiar todas as iniciativas que vão no sentido da fórmula inflação+participação adequada no aumento da produtividade. Nesse contexto, as negociações salariais, pedra angular do diálogo social, devem desempenhar um papel preponderante no combate à pobreza activa. No nível sectorial, nacional ou europeu, quando as negociações correm bem não há uma verdadeira incidência pecuniária para as empresas e, portanto, não há nenhum “preço” a pagar pelo verdadeiro diálogo social. Os progressos no domínio do trabalho digno passam pelo diálogo social, pelo investimento dos parceiros sociais, pela responsabilidade das empresas e pelas medidas instigadoras e correctoras dos poderes públicos e, actualmente, pelo papel dos bancos junto das PME. A luta contra o trabalho não declarado é um instrumento determinante no combate à pobreza no trabalho porque, por um lado, afecta as populações mais vulneráveis (migrantes, trabalhadores precários) e, por outro, pode levar a situações de quase escravatura contrárias à Carta dos Direitos Fundamentais.

6.5

Mecanismos para o empreendedorismo e para o trabalho independente. A pobreza activa afecta muitos empresários e trabalhadores por conta própria, especialmente nas fases iniciais da criação das suas empresas. Importa prever mecanismos de apoio, já que muitas destas PME evoluirão e criarão postos de trabalho. Embora o sector das PME seja responsável por 80 % do crescimento económico, muitos empresários retiram rendimentos baixos ou nem sequer qualquer rendimento durante a fase de criação das suas empresas, colocando as suas famílias em risco de pobreza.

6.6

Sistemas de formação adaptados. A aprendizagem ao longo da vida, em particular para os trabalhadores menos qualificados, é uma condição essencial para melhorar as competências e garantir a estes trabalhadores um emprego com um salário justo e digno.

6.7

Protecção social adaptada. O combate à pobreza activa passa por uma racionalização das disposições vigentes. As prestações de assistência devem poder combinar-se mais eficazmente com novos serviços de acolhimento de crianças e de ajuda à mobilidade (tal como o trabalho, a mobilidade deve também ser compensadora) que permitam aos trabalhadores pobres ter uma actividade mais bem remunerada.

6.8

Em matéria de habitação, num momento em que se afigura que em alguns países uma parte importante dos sem-abrigo exerce uma actividade profissional, convém mobilizar os recursos da habitação social para que seja dada prioridade a todos os que estão inseridos no mundo do trabalho mas que correm o risco de perder o emprego e a relativa estabilidade devido à fraca qualidade da habitação ou mesmo à falta de alojamento.

6.9

Consideração do enquadramento do trabalho e do próprio trabalho. Concretamente, dado que a pobreza no trabalho está, em grande parte, ligada às condições da actividade profissional, é fundamental agir ao nível dos elementos associados ao enquadramento em que o trabalho se insere, como as ajudas à mobilidade escolhida, o acesso a refeições em condições financeiras adequadas à situação, as condições de alojamento, os serviços de assistência às crianças. Por outro lado, a empresa que forneceu o trabalho deverá ter a possibilidade de analisar através de que acções poderá dar ao seu contrato de trabalho maiores condições de segurança e de que modo poderão os seus trabalhadores progredir e aumentar as suas qualificações.

6.10

Informação e mobilização. Por último, no quadro do Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social, é essencial mobilizar a opinião pública e os meios de comunicação social. Talvez que analisar o fenómeno dos trabalhadores pobres, falar sobre as situações humanas degradantes que provoca e mobilizar os cidadãos europeus quebrasse a angústia em que se encontram alguns trabalhadores e contribuísse para lhes restituir a dignidade perdida. Em vez de uma comunicação de compaixão, é preciso uma comunicação de mobilização em favor do emprego de qualidade para todos, que promova um modelo social europeu superior em termos éticos.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2009) 58 final.

(2)  Eurostat, Statistics in focus, 46/2009.

(3)  Parecer do CESE de 29.5.2008 sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social (2010), relator: Krzysztof Pater, co-relatora: Erika Koller (JO C 224 de 30 de Agosto de 2008).

(4)  Para informações mais detalhadas e progressos significativos, ver Guillaume Allègre, Working poor in the EU: an exploratory comparative analysis, documento de trabalho do Observatório Francês das Conjunturas Económicas (OFCE), n.o 2008-35, Novembro de 2008; Sophie Ponthieux, Les travailleurs pauvres comme catégorie statistique. Difficultés méthodologiques et exploration d’une notion de pauvreté en revenu d’activité, documento de trabalho INSEE, n.o F0902, Março de 2009.

(5)  Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão Social 2008: http://register.consilium.europa.eu/pdf/pt/08/st07/st07274.pt08.pdf. Ver todos os dados e dossiês resultantes dos trabalhos do método aberto de coordenação: http://ec.europa.eu/employment_social/spsi/the_process_fr.htm. Para uma perspectiva europeia recente, com exemplos da situação e das preocupações em certos países da União, ver Hans-Jürgen Andreß, Henning Lohmann (dir.), The Working Poor In Europe. Employment, Poverty and Globalization, Cheltenham, Edward Elgar, 2008.

(6)  Há que referir que a pobreza monetária é medida em relação às escalas nacionais. Se o limiar de pobreza fosse o europeu, a classificação dos países seria totalmente diferente.

(7)  Inquérito europeu às forças de trabalho – resultados do ano 2008; http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-QA-09-033/EN/KS-QA-09-033-EN.PDF (em inglês).

(8)  Rendre le travail rémunérateur – Estudo realizado pelo Comité do Emprego e pelo Comité da Protecção Social sobre a interacção entre os sistemas fiscais e de segurança social. Ver também o parecer do CESE Protecção Social: Tornar o trabalho compensador, relatora: Dona St. Hill (JO C 302 de 7 de Dezembro de 2004).

(9)  http://register.consilium.europa.eu/pdf/pt/07/st06/st06694.pt07.pdf


Apêndice

Gráfico 1 – Pobreza dos trabalhadores na União Europeia em 2006

Image

Gráfico 2 – A «privação material» na União

Percentagem de indivíduos que vivem em agregados familiares sem, pelo menos, três dos elementos apresentados (2006, em %)

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23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/57


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Relatório do Grupo de Larosière (parecer de iniciativa)

2009/C 318/11

Relator: NYBERG

Em 23 de Março de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o:

«Relatório do Grupo de Larosière».

Incumbida da preparação dos trabalhos correspondentes, a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social emitiu parecer em 11 de Setembro de 2009, sendo relator: Lars NYBERG.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 152 votos a favor e 37 votos contra, com 15 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Síntese e recomendações

1.1   A actual crise económica e financeira assumiu proporções inéditas em tempos de paz desde os anos trinta do século passado. No entanto, o presente parecer versará apenas sobre a crise financeira e as vias possíveis para impedir que o que agora aconteceu jamais se venha a repetir. Foi este, aliás, o teor do mandato confiado pela Comissão ao chamado Grupo de Larosière cujo relatório o CESE analisará seguidamente. A importância desta problemática fica bem evidente pelo facto de a Comissão ter apresentado já várias propostas, por exemplo, sobre as agências de notação de crédito, sobre as várias formas de actividade financeira e sobre a fiscalização financeira que esteve no centro do debate do Grupo de Larosière.

1.2   A causa principal da crise foi o excesso de liquidez, o que, segundo o Grupo de Larosière, se deveu em parte a uma política monetária expansionista e a desequilíbrios na economia mundial, patentes sobretudo nas relações entre os EUA e a China. Outra explicação concebível é, na opinião do Cese, a deslocação dos rendimentos do trabalho para o capital. A sua distribuição foi-se tornando cada vez mais desigual e os mais afortunados foram em busca de possibilidades para fazer render os seus activos cada vez mais elevados. Como os activos reais a aplicar não aumentaram ao mesmo ritmo, as cotações dos valores imobiliários foram pressionadas em alta. O relatório do Grupo de Larosière descreve detalhadamente esta «bolha» financeira, mas será necessária uma análise mais exaustiva para orientar as futuras decisões políticas.

1.3   O CESE apoia, em termos gerais, as 31 recomendações feitas pelo grupo, mas gostaria de alargar o campo de visão aduzindo algumas observações e reflexões.

1.3.1

O Grupo de Larosière propõe o reforço dos requisitos impostos aos fundos próprios dos bancos quando a conjuntura é favorável e o seu alijamento quando esta é adversa. Dada a dificuldade de fazer prognósticos económicos num período de flutuações conjunturais, esta proposta poderia comportar alguns riscos. Ao mesmo tempo, o exemplo de Espanha revela que um sistema assente em requisitos variáveis pode funcionar. O CESE pensa que é melhor reflectir sobre a oportunidade de tal medida antes da sua aplicação.

1.3.2

Na opinião do CESE, é indispensável reforçar os requisitos impostos aos fundos próprios e garantir a transparência das operações extrapatrimoniais (fora do balanço). O governo espanhol era quem dispunha da regulamentação mais severa em matéria de operações extrapatrimoniais e os bancos espanhóis foram os menos atingidos pela crise.

1.3.3

Abusou-se por vezes de conceitos tais como «elementos extrapatrimoniais» e «entidades instrumentais» (Special purpose vehicles-SPV). Os bancos excluíram os activos de risco dos seus balanços para contornarem os requisitos dos fundos próprios e, nalguns casos, para se eximirem ao pagamento de impostos. Perante esta situação, o CESE reputa fundamental adoptar normas mais severas.

1.3.4

Na opinião do CESE, convém, na sequência do relatório do Grupo de Larosière, colocar como um dos principais requisitos a obrigação de tornar mais visíveis os elementos de risco contidos nos activos dos bancos. O CESE concorda com o relatório quando afirma que os bancos e as instituições financeiras deverão continuar a assumir sempre uma parte do risco na revenda dos activos de risco. Além disso, os riscos associados aos produtos financeiros terão de ser facilmente identificáveis. Apenas graças à transparência dos produtos financeiros será possível restaurar a confiança no mercado interno. Neste contexto, o CESE remete de novo para o exemplo da Espanha. No sector financeiro o recurso a novos instrumentos financeiros apenas deveria ser possível após terem sido controlados por uma autoridade monetária. A introdução desse tipo de controlos deve ser sempre previamente debatida, para decidir se terá lugar ao nível nacional ou se é preferível criar um sistema comum de supervisão para toda a UE. Face ao carácter transfronteiriço das actividades financeiras, pesam mais os argumentos favoráveis a um sistema comum.

1.3.5

O chamado «sistema bancário paralelo» designa várias formas de concessão de empréstimos não regulamentadas. Estas novas formas de operações financeiras puderam desenvolver-se sem qualquer regulamentação, sem mesmo qualquer exigência em matéria de reservas. O CESE concorda com a necessidade de regulamentar igualmente este sector. O relatório preconiza, também no caso dos fundos de investimento, o estabelecimento de regras comuns, a definição dos vários produtos e controlos mais severos. Uma vez mais só se pode apoiar esta proposta.

1.3.6

É imperioso reforçar os requisitos impostos à gestão bancária e à auditoria. No entender do CESE, as soluções propostas no relatório do Grupo de Larosière não insistem o suficiente no papel dos auditores. Um sistema de auditoria funcionando satisfatoriamente poderia ter atenuado a propagação dos activos de risco. A direcção de um organismo financeiro deve poder confiar na auditoria quando se trata da avaliação dos activos. Convém, por isso, integrar na revisão do Acordo de Basileia II o papel dos auditores e os vários métodos de contabilidade.

1.3.7

O relatório avança com recomendações úteis sobre o sistema dos bónus, defendendo que estes deveriam abarcar vários anos, assentar em resultados concretos e não ser garantidos de antemão. O CESE reputa fundamental passar-se de uma visão a curto prazo para uma visão a longo prazo, na qual os bónus deixem de ser calculados com base em actividades especulativas. Nesta ordem de ideias, o CESE apoia a ideia de tributar as transacções financeiras, podendo esta receita fiscal ser afectada à ajuda ao desenvolvimento. Um requisito complementar seria que os sistemas de bónus não devem ter por base a evolução geral mas o facto de os resultados obtidos se distinguirem positivamente em relação a uma tendência geral. Além disso, conviria definir um limite máximo para os bónus, a fim de desencorajar a tomada de riscos excessivos e inconsiderados. Nas estratégias de combate à crise financeira importa ter em conta que os montantes colossais investidos nas instituições financeiras pelos poderes públicos deverão ser restituídos, em vez de contribuírem para novos lucros e bónus.

1.4   A principal atribuição do Grupo de Larosière era formular propostas para a supervisão dos mercados financeiros. Na opinião do CESE, também é fundamental este aspecto para evitar a repetição de uma crise financeira. Mas essa supervisão carece de regras, pelo que são tanto ou mais importantes as propostas de alteração e de reforço da regulamentação constantes da primeira parte do relatório.

1.4.1

O Grupo de Larosière reconhece que é necessário um organismo a nível europeu encarregado da vigilância do sistema financeiro no seu todo que alerte para possíveis riscos financeiros. Propõe-se que esta responsabilidade seja confiada ao BCE (Banco Central Europeu) ou ao SEBC (Sistema Europeu de Bancos Centrais). A missão propriamente dita deveria ser assumida por um conselho a criar para o efeito. No plano administrativo, seria conveniente ligar este conselho ao BCE, mas no plano formal a gestão da supervisão deveria ficar a cargo do SEBC. É indispensável que a supervisão abranja todos os sistemas financeiros dos Estados-Membros, devendo caber ao SEBC a designação da equipa que liderará este novo conselho/órgão director.

1.4.2

No relatório propõe-se desenvolver em duas etapas um novo sistema de supervisão micro-prudencial envolvendo várias autoridades incumbidas da supervisão dos bancos, da supervisão dos fundos de investimento e da supervisão do mercado de valores mobiliários. Na segunda etapa serão estabelecidas regras elementares comuns em matéria de supervisão e eliminadas as discrepâncias de aplicação entre os vários países. Também nesta etapa serão harmonizadas as eventuais sanções. Não vendo motivo para adiar esta fase, o CESE apreciaria que a Comissão propusesse na sua comunicação a passagem sem transição aos preparativos de aplicação do sistema de supervisão micro-prudencial na sua íntegra.

1.4.3

Na opinião do CESE, os colégios das autoridades nacionais de supervisão incumbidas de controlar os bancos com actividades transfronteiras serão difíceis de gerir se não houver simultaneamente uma harmonização. Doutro modo, as diferenças entre as regras aplicáveis aos órgãos nacionais de supervisão obrigariam, na prática, as três autoridades a assumir uma parte das tarefas de supervisão.

1.4.4

A direcção dessas novas instâncias não deverá ser composta apenas por banqueiros, mas incluir igualmente organizações sindicais, consumidores de serviços bancários e o CESE enquanto representante da sociedade civil.

1.5   A nível mundial, o relatório alerta para a necessidade de reforçar o Acordo de Basileia II, da adopção de normas internacionais de contabilidade (IAS), de uma regulamentação mundial das agências de notação de crédito e do mercado de derivados, novas estruturas de direcção do sector financeiro e um papel mais preponderante para o FMI. Pretende-se também excluir a possibilidade de atrair operadores devido a uma fraca regulamentação do sector financeiro. Muitas das propostas do grupo foram adoptadas aquando da última reunião do G-20 em Londres. O Fórum de Estabilidade Financeira (Financial Stability Forum), criado em 1999, foi convertido em Financial Stability Board. O CESE espera que este organismo seja mais inclinado à transparência e disponha de recursos e conhecimentos suficientes, bem como do poder de intervenção necessário. O CESE congratula-se com a previsão de atribuir mais recursos ao FMI mas já tem reservas quanto às exigências colocadas por esta organização visto poderem comprometer partes essenciais do modelo social europeu. Por este e por outros motivos, é fundamental que a UE fale a uma só voz dentro do FMI.

1.5.1

No debate sobre o mercado financeiro usa-se cada vez o conceito de «stress test» (teste de resistência), cujo objectivo é examinar até que ponto o sistema bancário de um dado país é capaz de resistir a uma crise do mercado financeiro. Face à crise financeira actual, entende-se perfeitamente como podem ser fundamentais testes desta natureza. Ao mesmo tempo, surge a questão crucial de saber até que ponto convém publicar os seus resultados. Se o FMI proceder a um tal teste e anunciar que o sistema bancário de um dado país não está à altura de uma crise, poderá ser justamente esse anúncio a desencadeá-la.

2.   Introdução

2.1

A actual crise económica e financeira assumiu proporções inéditas em tempos de paz desde os anos trinta do século passado. A Grande Depressão deu-se numa época em que as economias mundiais ainda não estavam tão integradas como hoje. Nessa altura foram os EUA e a Europa os mais atingidos. Hoje estamos em presença de uma crise que afecta o mundo inteiro.

2.2

Aquilo que começou como uma crise financeira evoluiu para uma crise económica acompanhada de recessão em vastas regiões do planeta. O mais provável é que esta seja seguida de uma crise social associada a um elevado índice de desemprego. A amplitude do fenómeno será, em última instância, determinada pelas medidas políticas que se logrará conceber para contrariá-lo. Ao mesmo tempo, desencadeou-se uma crise política que fez cair vários governos.

2.3

O presente parecer versará, todavia, apenas sobre a crise financeira e as possibilidades de impedir que o que está a acontecer agora jamais se venha a repetir. No contexto de uma crise generalizada, este parecer tem um alcance limitado visto não tratar da crise económica. Também não se ocupará das medidas para fazer face à actual crise financeira, como, por exemplo, a injecção de dinheiros públicos no sector financeiro. Tratará unicamente do futuro e, nesta óptica, mais concretamente, da supervisão do sector financeiro.

2.4

Foi este, aliás, o teor do mandato confiado pela Comissão ao Grupo de Larosière cujo relatório o CESE analisa neste parecer. A ampliação do mandato do grupo Larosière foi necessária para gizar um quadro completo e apresentar assim propostas bem ponderadas.

2.5

A crise actual teve início no sector financeiro. Antes que o Grupo de Larosière tivesse tempo de apresentar o seu relatório, já a crise havia evoluído numa direcção tão perigosa que a Comissão Europeia se viu compelida a avançar com propostas de modificação de certas leis. A proposta mais importante foi, porventura, a que diz respeito às agências de notação de crédito. A proposta de directiva apresentada abarca várias formas de actividade financeira. A comunicação de 27 de Maio aborda o capítulo do relatório do Grupo de Larosière sobre a supervisão financeira. De acordo com o Anexo I de um documento de trabalho que faz parte da comunicação, há apenas cinco diferenças entre a comunicação e o relatório acima. O CESE analisá-las-á nos pontos 6.2.4, 6.3.1 e 6.3.5. Tenciona, além disso, elaborar um parecer específico sobre as futuras propostas concretas de actos legislativos. Embora a Comissão não aborde nessa comunicação todos os capítulos do relatório do Grupo de Larosière, o CESE considera que os que ficaram por analisar são igualmente fundamentais para o sector financeiro do futuro.

2.6

O relatório em apreço foi redigido por banqueiros para banqueiros e as propostas dirigem-se essencialmente aos especialistas da banca da Comissão e aos ministros das Finanças dos Estados-Membros. O CESE apoia, em princípio, as 31 recomendações do relatório, mas considera necessário alargar o seu campo de visão. Não se pode responsabilizar unicamente os causadores da crise financeira pela solução dos problemas actuais. Os consumidores de serviços do mercado financeiro são pessoas singulares e pessoas colectivas que depositam as suas poupanças e pedem empréstimos para fazer investimentos. A função do mercado financeiro é servir estes consumidores, ou seja, a sociedade civil, da melhor maneira possível. É por isso que, não obstante o nosso apoio geral ao relatório, gostaríamos de fazer algumas observações e avançar com algumas sugestões complementares.

3.   Causas da crise financeira

3.1

Não obstante o excesso de liquidez no sector financeiro, os bancos centrais não adoptaram quaisquer medidas. Apenas se teve em conta um único factor, o índice dos preços que ainda não justificava o aumento das taxas de juro. O baixo custo da liquidez teve por consequência o aumento das cotações dos valores mobiliários. Não há dúvida de que, quando a crise deflagrou, havia excesso de liquidez, assim como não há dúvida de que, depois da crise, esta desceu a níveis demasiado baixos. No entanto, é difícil determinar em circunstâncias normais quais são, na realidade, o nível de liquidez e a massa monetária mais adequados. O CESE chama a atenção para o dilema de recorrer simultaneamente à taxa de inflação e a uma dada medida de massa monetária como indicadores da política monetária. Uma massa monetária demasiado elevada levará os bancos centrais a aumentarem as taxas de juro. Inversamente, se, simultaneamente, a taxa de inflação é baixa, as taxas de juro terão de descer. Na opinião do CESE, quando se recorre à oferta de massa monetária, sobretudo em situações tão complexas como esta, é preciso ter em conta o seu eventual impacto na economia real.

3.2

As decisões políticas tendentes a favorecer o acesso à casa própria sem se preocupar se o comprador tinha condições para pagá-la, os baixos custos dos empréstimos e as novas fórmulas inventadas pelas instituições financeiras para combinar vários títulos tiveram por consequência a ocultação dos créditos de alto risco (subprimes). Estes títulos propagaram-se em todos os mercados financeiros mundiais, uma vez que as poupanças privadas nos Estados Unidos, no período de 2005-2006, chegaram a ser negativas. O CESE pronunciou-se a este respeito em Julho de 2008 (1). «A recente crise americana do crédito de alto risco (o denominado “subprime”) pôs em evidência como a volatilidade dos preços dos imóveis, aliada a práticas superficiais de avaliação do risco do cliente em caso de não pagamento de taxas sobreavaliadas quanto ao valor dos próprios imóveis dados como garantia, pode gerar uma crise financeira de tal dimensão que pode destabilizar todo o sistema. Convém, portanto, que qualquer intervenção comunitária aproveite os ensinamentos desta experiência, bem como das questões levantadas no ponto precedente.»

3.3

Ao mesmo tempo, os desequilíbrios no comércio mundial geraram enormes excedentes em certos países (sobretudo na China), usados para comprar títulos públicos. Novas e complexas combinações de títulos (com créditos de alto risco) permitiam obter rendimentos avultados. Todo o mercado financeiro se lançou à caça de lucros cada vez mais elevados. Os títulos suplementares podiam servir de base a novos empréstimos, fazendo assim aumentar o volume das transacções nos mercados financeiros, que, na realidade, se baseavam em títulos de alto risco. Preferiu-se, todavia, pensar que um dos objectivos dos novos produtos financeiros complexos era distribuir os riscos. Aparentemente, o aumento do volume das transacções nos mercados financeiros gerava lucros cada vez mais avultados.

3.4

Os títulos de risco garantidos por empréstimos hipotecárias de risco, difíceis de revender no sistema bancário, eram integrados em novos títulos negociáveis (a chamada titularização) e eram assim revendidos por esta via. O que pôs cobro a esta situação e que desencadeou a crise foi o facto de, em 2008, os Estados Unidos terem entrado numa recessão acompanhada de um índice de desemprego muito elevado. Muitos proprietários deixaram de poder pagar as hipotecas das suas casas. Os bancos viram-se obrigados a desvalorizar os seus activos e a vendê-los. O valor destes activos não parou de descer, a queda entrou em aceleração e a confiança ficou irremediavelmente abalada.

3.5

O relatório do Grupo de Larosière releva vários fenómenos que tornaram possível esse fenómeno:

Quando tudo começou a regulamentação internacional da actividade bancária inscrevia-se no Acordo de Basileia I. Este sistema encorajava, na prática, a técnica que consistia em não mencionar os riscos no balanço. O problema foi parcialmente corrigido com o Acordo de Basileia II.

A explosão de novos produtos financeiros complexos negociados fora da bolsa (no mercado de balcão), tornou os riscos invisíveis.

A regulamentação das actividades das instituições financeiras assentava na avaliação de risco efectuada pelas agências de notação de crédito.

Estas agências atribuíam a activos, que posteriormente se provou não terem praticamente nenhum valor, a mesma notação que aos títulos públicos. Recorde-se que estas agências são financiadas pelas instituições financeiras que a elas recorrem para a notação dos seus títulos!

A direcção e a gestão das instituições financeiras não divisaram o risco representado por novos produtos financeiros complexos.

Deficiência na regulamentação e na supervisão, ausência de coordenação e forte concorrência entre vários centros financeiros.

3.6

No relatório do Grupo de Larosière está subentendida uma crítica aos bancos centrais por não terem adoptado medidas para fazer face ao forte aumento da liquidez.

3.7

O CESE tenciona, contudo, ir mais longe na sua análise. O aumento da liquidez deveu-se, em parte, aos desequilíbrios na economia mundial. Estes são mais evidentes nas relações entre os EUA e a China. Por um lado, o excedente comercial na China e uma propensão para a poupança equivalente a 30-40 % dos rendimentos, por uma questão de previdência no caso de doença ou na perspectiva de aposentação e, por outro lado, o défice comercial dos Estados Unidos em conjugação com poupanças inexistentes. Uma outra explicação concebível, não apontada pelo Grupo de Larosière, é o facto de os rendimentos se terem deslocado do trabalho para o capital e a distribuição dos rendimentos se ter tornado cada vez mais desigual. Não só a OIT como a OCDE declararam que era imperioso contrariar essa evolução.

3.8

Os mais afortunados foram em busca de possibilidades para fazer render os seus activos cada vez mais elevados. Como os activos reais a aplicar não aumentaram ao mesmo ritmo, as cotações dos valores mobiliários foram pressionadas em alta. Não se pode combater as causas dos problemas sentidos actualmente com uma nova regulamentação dos mercados financeiros. São necessárias decisões políticas. O relatório do Grupo de Larosière descreve detalhadamente a «bolha» financeira, mas será necessária uma análise mais exaustiva para orientar as futuras decisões políticas

3.9

Por último, o cenário financeiro descrito incentivou a proliferação de operações especulativas que não correspondiam em quase nada com os números da economia real, sem se poder contar, em contrapartida, com instrumentos internacionais de política fiscal e monetária que pudessem travar a sua expansão. A este respeito, os fóruns financeiros e os organismos internacionais não tiveram em consideração a voz de muitos movimentos sociais que já há muito reivindicavam a adopção de medidas de regulamentação, dentre as quais se destaca a taxa Tobin.

4.   Política e regulamentação

4.1

Segundo o relatório, a crise deve-se a fracassos do mercado, a desequilíbrios a nível mundial, a uma má regulamentação e a uma supervisão insuficiente. Não é possível resolver todos estes problemas por via da regulamentação, mas uma regulamentação eficaz já é um bom ponto de partida. O relatório refere que é preciso atacar todos os problemas mas pode-se perguntar até que ponto a regulamentação proposta será suficiente. Além disso, o relatório exprime o receio de mais regulamentação poder prejudicar as inovações financeiras. O CESE gostaria de recordar a propósito que os créditos de alto risco e as chamadas operações de titularização são efectivamente inovações financeiras. Mas foi o abuso de algumas destas inovações que deu origem aos actuais problemas financeiros. Ocasionalmente, a regulamentação pode também contribuir para a inovação financeira, como no caso do SEPA (espaço único de pagamentos em euros).

4.2

O relatório propõe uma melhor coordenação entre os bancos centrais e as instâncias políticas que regulam os mercados financeiros. É imperioso que, doravante, os bancos centrais se concentrem mais em considerações macro-económicas traduzidas numa supervisão mais eficaz dos mercados financeiros. Esta necessidade, bem como a ideia de que também o FMI se terá de ocupar mais da supervisão, são duas propostas essenciais.

4.3

O relatório refere que a regulação política e a auto-regulação dentro do sector financeiro se devem completar mutuamente. Uma vez que o controlo interno falhou preconiza-se a vigilância da auto-regulação. Na realidade, há um esbatimento da fronteira entre regulação política e auto-regulação.

4.4

Na prática, não existe aliás sequer uma fronteira. Com os acordos de Basileia I e Basileia II os bancos passaram a estabelecer eles mesmos as regras para o sector financeiro. Se estas regras são ou não cumpridas pelos bancos ou outras instituições financeiras depende de si próprios ou, no caso de tais regras assumirem a forma de legislação, do Estado. (O Acordo de Basileia II entrou em vigor na UE em 1 de Janeiro de 2008, mas nos EUA apenas entrará em vigor em 1 de Abril de 2010). O relatório não trata devidamente as lacunas nos níveis organizativo e democrático do mercado financeiro resultantes da auto-regulação. Face à globalização do mercado, um dos fulcros do debate deveria ser a questão de saber se a influência das instâncias políticas é suficiente.

5.   Recomendações do Grupo de Larosière

5.1   Convém reforçar gradualmente as obrigações dos bancos em matéria de fundos próprios. Como a crise bancária se encontra actualmente numa fase de insuficiência de créditos, este reforço terá de ser necessariamente adiado. O CESE considera que é uma exigência indispensável para evitar que, de futuro, se tenha de lançar mão dos dinheiros públicos para socorrer um banco com problemas de liquidez. O CESE concorda que a UE terá de avançar com definições dos requisitos em matéria de fundos próprios.

5.2   Possibilidade de alterar os requisitos em matéria de fundos próprios em função da conjuntura. O relatório considera que os bancos centrais deveriam atender não só à inflação mas também à evolução dos mercados monetário e de crédito, em geral. Face a um crescimento excessivo dos créditos, os bancos centrais devem estar dispostos a reformular a política monetária em conformidade. É proposto como método o reforço dos requisitos em matéria de fundos próprios dos bancos numa conjuntura favorável e o seu alijamento numa conjuntura desfavorável. Sabendo como é difícil fazer prognósticos económicos, esta proposta poderia comportar alguns riscos. Se, após um período de conjuntura favorável e de expansão de crédito, os requisitos aumentarem, esta manobra pode, ao contrário, acelerar uma possível recessão económica no caso de a conjuntura favorável estar na sua fase final. Ao mesmo tempo, o exemplo de Espanha revela que um sistema de requisitos variáveis pode funcionar. O CESE pensa que é melhor reflectir antes de tomar tal medida, tendo em conta os riscos associados à escolha do momento oportuno para a sua aplicação.

5.3   Regras mais severas para as operações extrapatrimoniais através do reforço dos requisitos em matéria de fundos próprios e de transparência. O governo espanhol dispunha da regulamentação mais severa em matéria de operações extrapatrimoniais e os bancos espanhóis foram os menos atingidos pela crise.

5.3.1

Sempre que os bancos realizam operações extrapatrimoniais, estas são frequentemente associadas a uma das inovações dos mercados financeiros – as entidades instrumentais (Special purpose vehicles-SPV). O seu objectivo é, geralmente, retirar do balanço dos bancos os activos de alto risco para não os colocar esses mesmos bancos em perigo. A evasão fiscal pode ser outro objectivo. Ciente dos abusos a que esta técnica deu azo, o CESE reputa necessário adoptar uma regulamentação mais severa aplicável tanto ao sistema das «operações extrapatrimoniais» como às «entidades extrapatrimoniais». O objectivo desta regulamentação deverá ser, sobretudos impedir que um operador utilize tais métodos para dissimular algumas das suas actividades.

5.4   É necessário tornar mais visíveis os riscos inerentes aos activos dos bancos. Na opinião do CESE, esta deverá ser uma das principais exigências quando a Comissão conseguir, conforme se espera, na sequência do relatório, garantir efectivamente a transparência dos activos dos bancos.

5.4.1

O relatório trata igualmente da titularização, do mercado de derivados, dos fundos de investimento e do «sistema bancário paralelo». O CESE espera que se encontre uma solução global que contemple todos os problemas relacionados com estes títulos de risco. O chamado «sistema bancário paralelo» designa diferentes formas de empréstimos não regulamentados. O relatório preconiza o alargamento do âmbito de aplicação do Acordo de Basileia II a este domínio, aos fundos de retorno absoluto (hedge funds), aos bancos de investimento, etc. Este alargamento parece óbvio e deve ser decidido imediatamente. Estas novas formas de actividade financeira, muitas vezes à margem do próprio sistema bancário, puderam desenvolver-se sem qualquer regulamentação, sem mesmo qualquer exigência em matéria de reservas. Também no caso dos fundos de investimento, o relatório prevê o estabelecimento de regras comuns, a definição dos vários tipos de activos e um controlo mais severo. Não é difícil concordar com uma tal proposta. A ideia subjacente é que, na revenda dos activos de risco, os bancos e as instituições financeiras continuem a assumir sempre uma parte desse risco.

5.5   Sob o título Alternative Investment Fund Managers (gestores de fundos de investimento alternativos), a Comissão apresentou em 13 de Maio último uma proposta atinente a vários destes novos instrumentos. O CESE tenciona pronunciar-se ulteriormente sobre esta proposta de directiva. Aliás, em 2006, elaborou um parecer sobre o Livro Verde relativo aos fundos de investimento (2).

5.6   No que se refere às normas de contabilidade, propõe-se, designadamente, que o Conselho das Normas Internacionais de Contabilidade (IASB) estabeleça novas regras aplicáveis aos novos activos complexos. O método contabilístico designado por «mark-to-market» (contabilidade a valores de mercado) agravou consideravelmente a situação. Quando os valores dos activos desabaram, verificou-se que haviam sido contabilizados pelo valor do mercado. Nesta situação difícil, o valor dos activos foi mesmo pressionado em alta muito para além do seu valor material. O método alternativo – avaliar os activos em função do seu preço de compra – também não funciona numa tal situação. Na opinião do CESE, há aqui indubitavelmente espaço para inovações.

5.7   Pode perguntar-se que valor tem uma manobra que consiste em fazer circular de um banco para outro activos com riscos camuflados. Talvez seja necessário seleccionar e reduzir os instrumentos existentes. Os banqueiros falam com frequência da importância das inovações no mercado financeiro. Mas não se terá ido demasiado longe? O CESE convida a Comissão a examinar atentamente os instrumentos disponíveis, a determinar a sua utilidade, e os riscos que comportam e a propor quais deles devem ser eventualmente eliminados e a fornecer definições daqueles que convém manter. O sector bancário não poderá assumir sozinho uma tal responsabilidade. A Comissão terá de aplanar o terreno para as decisões a adoptar pelo Parlamento Europeu e o Conselho Europeu. Os produtos financeiros não devem ser desnecessariamente complexos e deve haver total clareza sobre os riscos que comportam. A transparência dos produtos financeiros é talvez o factor mais importante para restaurar a confiança no mercado interno.

5.7.1

Neste contexto, o CESE volta a recordar o exemplo da Espanha. Não deve ser possível utilizar os novos instrumentos do sector financeiro sem serem previamente controlados por uma autoridade monetária. Convém que, na sua análise, a Comissão reflicta sobre as diferenças entre os instrumentos utilizados em Espanha e em outros países da UE. Ao mesmo tempo, seria oportuno debater a hipótese de generalizar controlos desta natureza e, no âmbito deste debate, decidir se terão de ser realizados a nível nacional ou se optará pela criação de um sistema comum de controlo. Face ao carácter transfronteiras das actividades financeiras, pesam mais os argumentos favoráveis a um sistema comum.

5.8   O CESE concorda com a proposta feita no relatório quanto à gestão dos riscos pelos bancos: deve ser uma função independente e uma actividade mais valorizada e é preciso evitar confiar demasiado em avaliações externas (agências de notação de crédito). Merece naturalmente todo o apoio a proposta de desenvolver a gestão da crise nas instituições financeiras. A questão decisiva é se as recomendações feitas neste domínio podem ser mais do que meras recomendações. Até onde se poderá ir na regulamentação da organização interna das empresas financeiras? Muito provavelmente não se irá mais longe do que o controlo da organização interna pelos organismos de supervisão e a divulgação pública das suas críticas.

5.9   Quando a crise se agudizou, muitos Estados-Membros reforçaram as exigências de garantias bancárias dos fundos depositados. O relatório pretende agora a harmonização das regras de modo a garantir a todos os clientes dos bancos um nível de protecção uniforme e suficientemente elevado. Haverá que resolver o problema das filiais bancárias situadas noutros países. Mas onde ir buscar os fundos para cobrir essas garantias? O CESE concorda com a Comissão e convida-a a apresentar com a máxima brevidade propostas de novas regras comunitárias a aplicar às garantias bancárias.

5.10   Reforço das exigências colocadas à direcção dos bancos e às auditorias. À luz dos recentes acontecimentos, esta é uma exigência fundamental. Nas instituições financeiras também havia códigos éticos, mas em alguns casos fica-se com a impressão de que, na prática, em nada influíram no seu comportamento. É, todavia, difícil formular propostas concretas quando se trata de competências individuais. Uma nova regulamentação, e a eventual retirada do mercado de certos instrumentos, poderia facilitar a gestão dos bancos. Esta gestão é muito penosa quando há instrumentos cuja finalidade é camuflar os riscos. Além disso, o CESE considera que as soluções propostas no relatório do Grupo de Larosière não insistem o suficiente no papel dos auditores. Um sistema de auditoria a funcionar satisfatoriamente poderia ter atenuado a propagação dos activos de risco. A direcção de um organismo financeiro deve poder confiar na auditoria interna para a avaliação dos activos. Convém, por isso, integrar na revisão do Acordo de Basileia II a questão do papel dos auditores e dos métodos contabilísticos. Também seria muito positivo permitir que alguns dos interessados tomem parte na avaliação das políticas e dos instrumentos das entidades financeiras, através da criação de comités eventuais.

5.10.1

Os sistemas de bónus que recompensam a aplicação de instrumentos de alto risco e a curto prazo são uma das principais causas do comportamento das direcções dos bancos. São de saudar as recomendações feitas no relatório segundo as quais os sistemas de bónus deveriam abarcar vários anos, assentar em resultados concretos e não serem garantidos de antemão. O CESE reputa fundamental passar-se de uma visão a curto prazo para uma visão a longo prazo, na qual os bónus deixem de ser calculados com base em actividades especulativas. Nesta ordem de ideias, o CESE apoia a ideia de tributar as transacções financeiras, podendo esta receita fiscal ser afectada à ajuda ao desenvolvimento. Um requisito complementar seria que os sistemas em questão não devem ter por base a evolução geral mas o facto de os resultados obtidos se distinguirem positivamente em relação a uma tendência geral. Além disso, conviria definir um limite máximo para os bónus, a fim de desencorajar a tomada de riscos excessivos e inconsiderados.

5.11   No atinente às agências de notação de crédito, propõe-se incumbir o Comité Europeu dos Valores Mobiliários (CEVM) da concessão de licenças a estas instituições. A Comissão apresentou já uma proposta de regulamento sobre as agências de notação de crédito, cuja adopção o CESE recomenda num parecer que elaborou oportunamente (3). No relatório diz-se que é preciso analisar a questão do financiamento destas agências. Para o CESE, já se pode indicar explicitamente que estas não poderão ser financiadas pelas instituições cujos instrumentos de crédito são objecto da sua avaliação.

6.   Supervisão

6.1   O objectivo principal do Grupo Larosière era apresentar propostas para a supervisão dos mercados financeiros. O CESE considera este aspecto também fundamental para evitar a repetição de uma crise financeira de uma tal amplitude. Mas a supervisão exige regras, pelo que são fundamentais as propostas que constam da primeira parte do relatório e têm por alvo a alteração e o reforço da regulamentação.

6.2   Um sistema europeu de supervisão macro-prudencial

6.2.1

No relatório critica-se a supervisão praticada actualmente por se concentrar em cada instituição financeira de per si e sugere-se, em vez disso, que abarque todo o sistema financeiro e fique a cargo do BCE ou do SEBC (Sistema Europeu de Bancos Centrais). No caso de ser necessário estender a supervisão além fronteiras (instituições financeiras com filiais noutros países), deverá haver a possibilidade de arbitragem juridicamente vinculativa.

6.2.2

O Grupo de Larosière constata que é necessário um organismo europeu que assegure a supervisão do sistema financeiro ao nível mundial e alerte para riscos financeiros sistémicos. É necessário criar dentro do BCE/SEBC um conselho/uma direcção especial independente (Conselho Europeu de Risco Sistémico) que assumirá essa tarefa. Dele devem fazer parte, para além dos bancos centrais, as três autoridades propostas responsáveis pela supervisão macro-prudencial. O CESE observa que talvez seja impossível encontrar hoje um organismo dotado de todas as competências indispensáveis para garantir essa supervisão macro-prudencial. É, pois, necessário criar essas competências para apoiar o trabalho de um tal conselho. O relatório do Grupo de Larosière assinala igualmente que a Comissão deve intervir no caso de surgirem riscos de carácter global no sistema financeiro.

6.2.3

O CESE dá o seu aval aos aditamentos feitos pelo Conselho ECOFIN e pelo Conselho Europeu às propostas apresentadas na comunicação de 27 de Maio, segundo os quais o Conselho Geral do BCE estará representado no CERS (Conselho Europeu de Risco Sistémico). As autoridades nacionais de supervisão terão aqui o estatuto de observadoras, cada país terá direito a um voto e as eventuais recomendações passarão pelo Conselho ECOFIN. O Conselho Europeu propôs igualmente que o presidente do CERS seja eleito pelo Conselho Geral do BCE. O CESE considera esta decisão adequada, uma vez que esse conselho reúne os 27 Estados-Membros. O Conselho Europeu recomenda que as novas autoridades europeias de supervisão tenham poderes de supervisão no que se refere às agências de notação de crédito. O CESE apoia esta sugestão que decorre do debate sobre a proposta de directiva relativa às agências de notação de crédito, mas salienta que essas competências devem ser atribuídas a uma só das três novas autoridades.

6.3   Um sistema europeu de supervisão micro-prudencial

6.3.1   Para a supervisão diária, propõe-se o reforço dos três actuais comités de supervisão dos bancos, das empresas financeiras e dos mercados de valores mobiliários, conferindo-lhes o estatuto de autoridades de supervisão A hipótese de fundir estes três âmbitos numa só autoridade não é pertinente dadas as diferenças consideráveis entre as suas regulamentações.

6.3.2   Propõe-se, além disso, que apenas o sector financeiro esteja representado nestas novas autoridades. Conforme já disse antes, o CESE considera que as actividades financeiras não interessam unicamente àqueles que participam directamente no seu exercício. Há motivos peremptórios para permitir a participação das organizações dos trabalhadores do sector. Há também motivos peremptórios para fazer representar nessas autoridades os consumidores dos serviços prestados pelo sector bancário, pelo sector dos seguros e pelo sector de valores imobiliários. Aqui é possível estabelecer uma comparação com aquilo que propôs a administração Obama nos EUA. Neste país será criado um conselho especial dos clientes dos bancos que seguirá de perto as suas actividades. Também seria natural, por motivos evidentes, convidar o CESE a participar enquanto representante da sociedade civil.

6.3.3   Propõe-se, nomeadamente, incumbir essas novas autoridades da tarefa de detectar as diferenças de transposição das regras comunitárias existentes nos vários Estados-Membros. Uma consequência lógica seria, na opinião do CESE, a Comissão propor adaptações das regras relevantes a fim de eliminar essas diferenças.

6.3.4   No relatório afirma-se que os Estados-Membros deverão dispor de autoridades de supervisão competentes que tenham a possibilidade de recorrer a sanções dissuasoras. O CESE só pode concordar com esta ideia, mas gostaria de advertir para a importância da independência dessas autoridades dos bancos e das instituições financeiras. A Comissão é convidada a avançar com regras comunitárias para o efeito.

6.3.5   O Grupo de Larosière pretende que as autoridades nacionais de supervisão se encarreguem da supervisão diária, mas as novas três autoridades terão de estabelecer normas e coordenar as suas actividades. É também preciso controlar se as autoridades nacionais são efectivamente independentes. Quando uma instituição financeira opera em vários países, será necessário criar órgãos colegiais constituídos pelas autoridades nacionais de supervisão participantes. Tendo em conta a experiência acumulada até aqui, ter-se-á de propor forçosamente a obrigação de intercâmbio de informação pelas autoridades nacionais.

6.3.6   O relatório preconiza o desenvolvimento em duas etapas de um novo sistema de supervisão micro-prudencial. Na segunda etapa dever-se-á estabelecer regras elementares comuns em matéria de supervisão e eliminar as diferenças de aplicação entre os vários países. Também nesta etapa deverão ser harmonizadas as possibilidades de penalização. O CESE não vê qualquer motivo para protelar todos estes trabalhos e apreciaria, por conseguinte, que a Comissão propusesse na sua comunicação a passagem sem transição aos preparativos de aplicação do sistema de supervisão micro-prudencial na sua íntegra.

6.3.6.1

Na opinião do CESE, os colégios de autoridades nacionais de supervisão podem ser difíceis de gerir se não se proceder simultaneamente à necessária harmonização. As diferenças entre as regulamentações aplicáveis aos órgãos nacionais de supervisão obrigariam, na prática, as três autoridades a assumir uma parte da supervisão no caso das instituições com actividades em vários países.

6.3.6.2

O CESE apoia plenamente o convite do Conselho Europeu à Comissão Europeia para apresentar propostas concretas quanto à forma como o Sistema Europeu de Supervisores Financeiros poderá assegurar, em situações de crise, um papel importante de coordenação entre as autoridades de supervisão, respeitando plenamente as responsabilidades das autoridades nacionais na preservação da estabilidade financeira e na gestão de crises em relação a eventuais consequências financeiras, e respeitando inteiramente as atribuições dos bancos centrais, em especial no que se refere à prestação de assistência sob a forma de liquidez em caso de emergência.

7.   A nível mundial

7.1

O Grupo de Larosière chama a atenção para o facto de, embora seja também preciso a nível mundial regulamentar o sector financeiro, exercer a supervisão e gerir as crises, faltar para tal um quadro adequado. Entre os desideratos expressos pelo grupo figura o reforço do acordo Basileia II e normas internacionais de contabilidade, uma regulação mundial das agências de notação de crédito, alterações da estrutura de direcção do sector financeiro e mais preponderante para o FMI. Pretende-se excluir a possibilidade de haver operadores que se sentem atraídos para o sector devido à sua fraca regulamentação. A existência de colégios de autoridades de supervisão dos bancos é particularmente importante sobretudo quando se trata de bancos com actividades a nível mundial.

7.2

Pode-se partir desde já do princípio de que não será fácil proceder a alterações a nível mundial. Muitas das propostas do grupo foram entretanto aprovadas na reunião do G-20 em Londres. O Financial Stability Forum (Fórum de Estabilidade Financeira), criado em 1999, foi convertido em Financial Stability Board, com uma composição alargada a todos os países do G-20, para além da Espanha e da Comissão Europeia, passando a contar com mais competências e a estar ligado mais estreitamente ao FMI. Estas alterações estão inteiramente em sintonia com as recomendações do Grupo de Larosière. O Fórum existente até à data não conseguiu lançar a tempo um alerta para os riscos dentro do sistema financeiro no âmbito da crise que atravessamos. O CESE espera que estas alterações contribuam para que este órgão se mostre mais inclinado à transparência e passe a dispor de mais recursos e conhecimentos, bem como de poderes para intervir mais eficazmente. Convém igualmente salientar que a maioria das decisões adoptadas em Londres continuam por aplicar.

7.3

Nos debates sobre o mercado financeiro é utilizado o conceito de «stress test» (teste de resistência) cujo objectivo é examinar até que ponto o sistema bancário de um dado país é capaz de resistir a uma crise do mercado financeiro. Face à crise financeira actual, entende-se perfeitamente a importância que poderão assumir testes desta natureza. Ao mesmo tempo, surge a questão de saber em que medida se deve divulgar publicamente os resultados. Se o FMI proceder a um tal teste e anunciar que o sistema bancário de um dado país não está à altura de uma crise, poderá ser justamente este anúncio a desencadeá-la. Estes «testes de resistência» terão de ser, além disso, o mais transparentes possível e poderão converter-se num instrumento essencial para a supervisão dos sistemas financeiros nacionais.

7.4

Também foi adoptada em Londres a proposta de dotar o FMI de recursos suplementares para poder ajudar os países confrontados com problemas graves. O CESE congratula-se com esta medida, mas tem reservas quanto às exigências colocadas pelo FMI visto estas poderem comprometer algumas vertentes de carácter social e partes essenciais do modelo social europeu. Por este e por outros motivos é fundamental que a UE fale a uma só voz dentro desta organização.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 27 de 3.2.2009, p. 18.

(2)  JO C 110 de 9.5.2006, p. 19.

(3)  JO C 277 de 17.11.2009 (ECO/243 – Agências de notação de crédito).


Apêndice

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes propostas de alteração, que receberam mais de um quarto dos votos, foram rejeitadas nas deliberações (n.o 3 do artigo 54.o do Regimento):

Ponto 1.2

Suprimir parte do ponto:

«A causa principal da crise foi o excesso de liquidez, o que, segundo o Grupo de Larosière, se deveu em parte a uma política monetária expansionista e a desequilíbrios na economia mundial, patentes sobretudo nas relações entre os EUA e a China. Outra explicação concebível é, na opinião do CESE, a deslocação dos rendimentos do trabalho para o capital. A sua distribuição tornou-se cada vez mais desigual e os mais afortunados foram em busca de possibilidades para fazer render os seus activos cada vez mais elevados. Como os activos reais a aplicar não aumentaram ao mesmo ritmo, as cotações dos valores imobiliários foram pressionadas em alta. O relatório do Grupo de Larosière descreve detalhadamente esta “bolha” financeira, mas será necessária uma análise mais exaustiva para orientar as futuras decisões políticas.»

Justificação

Como menciona o relator noutros pontos do parecer, em sintonia com o afirmado no relatório do Grupo de Larosière, as causas da crise são várias, mas não existe nenhuma prova de que uma mudança na distribuição dos rendimentos seja uma delas. Nenhum estudo sobre as causas da crise o refere.

Resultado da votação

Votos a favor: 68 Votos contra: 121 Abstenções: 15

Ponto 1.3.3

Alterar:

«Abusa-se por vezes de conceitos tais como “elementos extrapatrimoniais” e “entidades instrumentais” (Special purpose vehicles-SPV). Os bancos excluíram os activos de risco dos seus balanços para contornarem os requisitos dos fundos próprios e, nalguns casos, para se eximirem ao pagamento de impostos. Perante esta situação, o CESE reputa fundamental adoptar normas mais severas.»

Justificação

O motivo principal para os elementos extrapatrimoniais, como correctamente referido pelo relator, é não consumir fundos próprios. Não existem provas de que o objectivo também seja eximirem-se ao pagamento de impostos, o que, por outro lado, seria muito difícil mesmo tratando-se de elementos extrapatrimoniais.

Resultado da votação

Votos a favor: 65 Votos contra: 125 Abstenções: 12

Ponto 1.4.4

Suprimir ponto:

«A direcção dessas novas instâncias não deverá ser composta apenas por banqueiros, mas incluir igualmente organizações sindicais, consumidores de serviços bancários e o CESE enquanto representante da sociedade civil.»

Justificação

A direcção não é composta apenas por banqueiros, mas também por representantes das autoridades monetárias. Da mesma forma, não se justifica a integração de novas partes que dificultariam o funcionamento das novas instâncias. A recomendação 12 do relatório do Grupo de Larosière refere claramente o carácter independente e profissional que deve revestir a direcção dessas novas instâncias.

Resultado da votação

Votos a favor: 60 Votos contra: 132 Abstenções: 8


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/66


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O futuro da política agrícola comum após 2013 (aditamento a parecer)

2009/C 318/12

Relator: Adalbert KIENLE

Em 24 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o parágrafo A do artigo 29.o das Disposições de Aplicação do Regimento, elaborar um aditamento a parecer sobre

«O futuro da política agrícola comum após 2013.»

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 2 de Setembro de 2009, sendo relator Adalbert KIENLE.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 167 votos a favor, 3 votos contra e 13 abstenções, o seguinte parecer:

1.   O papel do CESE no futuro desenvolvimento da PAC

1.1

O CESE tem uma boa tradição na análise detalhada e atempada das futuras reformas da Política Agrícola Comum (PAC), sempre que possível antes das comunicações ou textos legislativos da Comissão Europeia. Em 2007, com o seu parecer exploratório sobre o «Balanço a meio percurso (health check) e futuro da PAC após 2013» (1), solicitado pela Comissão Europeia, o CESE foi inclusivamente a primeira instituição europeia a proceder a uma reflexão mais abrangente sobre o futuro da Política Agrícola Comum.

1.2

Tanto durante a Presidência francesa, no segundo semestre de 2008, como durante a Presidência checa, no primeiro semestre de 2009, foram envidados esforços para fazer avançar o debate sobre a forma que a PAC deverá assumir após 2013, que até agora ainda não deram resultados. Precisamente porque o Conselho (Agricultura) ainda não definiu formalmente nem conteúdos, nem modalidades, o CESE considera impreterível elaborar, sem demora, um «aditamento a parecer» sobre os principais desenvolvimentos actuais. Após o balanço a meio percurso (health check) de 2008, seria assim possível lançar uma ponte para o debate em torno do futuro da PAC após 2013. Além disso, o CESE considera ser necessário elaborar um parecer detalhado sobre todos os aspectos relacionados com a PAC.

1.3

Desde a decisão do Conselho (Agricultura) sobre o balanço a meio percurso (health check) da PAC, em Novembro de 2008, os mercados agrícolas sofreram perdas, algumas drásticas. Especialmente dramático é o caso da baixa do preço do leite. Na opinião do CESE, é necessário analisar, mais uma vez, se as redes de segurança, incluindo a regulamentação sobre quantidades ainda em vigor, são adequadas para fazer face a esta situação.

2.   Situação de partida para o desenvolvimento da PAC após 2013

2.1

Com a reforma da PAC em 2005, as ajudas directas à agricultura foram largamente dissociadas da produção, havendo inclusivamente Estados-Membros em que estas ajudas foram total ou parcialmente redistribuídas ao nível regional. Para além das ajudas directas, as medidas de apoio ao desenvolvimento rural constituem um importante segundo pilar da política agrícola da UE. Juntamente com as ajudas directas, estas medidas visam uma agricultura sustentável, em termos concorrenciais, sociais e ecológicos, no sentido da «multifuncionalidade».

2.2

Durante décadas, a segurança do aprovisionamento, a preços relativamente razoáveis, dos consumidores europeus com produtos alimentares pareceu natural e fácil. Contudo, o aumento dos preços, tanto de matérias-primas agrícolas como não agrícolas (por exemplo, petróleo) vai ser uma tendência em todo o mundo nas próximas décadas. Simultaneamente, espera-se que haja um aumento acentuado da volatilidade dos preços.

2.3

As flutuações extremas dos preços no produtor verificadas em relação aos principais produtos agrícolas nos últimos dois anos – e mais recentemente, a descida vertiginosa dos preços, por exemplo, nos sectores leiteiro e cerealífero – deviam ser encaradas como uma chamada de atenção para o problema. No futuro, a dimensão social de um aprovisionamento alimentar seguro – sobretudo para pessoas de baixo rendimento – começará, de novo, a ganhar importância. Isto também porque os mercados agrícolas, de modo geral, são extremamente sensíveis às flutuações de preços, o que pode ter consequências negativas para a estabilidade do aprovisionamento e das explorações agrícolas. Acresce que há, ao que parece, acentuados desequilíbrios na cadeia alimentar. O sector de venda a retalho apresenta uma estrutura concentrada, daí resultando uma forte pressão económica sobre a produção agrícola primária e as diversas fases do processo de transformação. Neste contexto, surgiu um debate sobre a questão de saber se o elo agrícola tem uma quota-parte justa nos lucros da cadeia alimentar.

2.4

A União Europeia e os Estados-Membros perseguem objectivos exigentes nos domínios da segurança alimentar, da protecção do ambiente, da protecção climática e da protecção dos animais. Isto é uma parte importante do modelo agrícola europeu. Com a reforma da PAC em 2003/2005, ficou decidido que os pagamentos dissociados estariam submetidos aos critérios de cumprimento de normas básicas e de manutenção das terras «em boas condições agrícolas e ambientais» (a chamada Cross Compliance (condicionalidade)). Para além desta «baseline», poderá haver medidas agro-ambientais. No entanto, desde 2007, os incentivos têm vindo a diminuir. É necessário desenvolver a arquitectura política para a realização dos objectivos de política ambiental e social no sector agrícola após 2013. O CESE sublinhou já por diversas vezes a sua posição de que a determinação do rumo da agricultura europeia exclusivamente em função das condições de mercado internacionais ou dos preços nos mercados mundiais seria a via errada.

2.5

Para atingir os objectivos e realizar as tarefas previstos há necessidade, para o período entre 2014 e 2020, de financiamento adequado. A proporção das despesas da Política Agrícola Comum relativamente ao produto interno bruto (PIB) da UE representa actualmente menos de 0,4 %. Uma tarefa permanente é a de informar os cidadãos sobre quais os importantes contributos da sociedade que são apoiados pelo orçamento da política agrícola comum. Prevê-se que, entre 1993 e 2013, haverá uma redução das despesas agrícolas no orçamento geral da UE de 50 para 33 %.

3.   Calendário previsional dos debates e decisões

3.1

No Conselho, sob as Presidências francesa e checa, tiveram lugar os primeiros debates sobre a Política Agrícola Comum da UE após 2013.

3.2

Nesta base, a nova Comissão Europeia, depois de investida, apresentará, previsivelmente no Outono de 2010, algumas primeiras reflexões (comunicação), para debate político, sobre a política agrícola após 2013. Nessa altura, deve igualmente ser tida em conta a «revisão financeira» ainda em curso. A apresentação das propostas legislativas relativas à PAC após 2013 está prevista para meados de 2011. O Parlamento, o Conselho e a Comissão poderiam então tomar uma decisão no primeiro semestre de 2012.

3.3

Na sequência do Tratado de Lisboa, o Parlamento Europeu passa a ter o direito de co-decisão no domínio da Política Agrícola Comum. Este reforço dos poderes do Parlamento vai influenciar, positiva e fundamentalmente, o debate em torno do futuro da PAC após 2013.

4.   Indicações para o debate sobre o futuro da PAC

4.1

O CESE é de opinião que os debates sobre o futuro da PAC devem continuar a basear-se num modelo de agricultura multifuncional orientado para o mercado e, simultaneamente, capaz de servir os interesses da sociedade. Desde 1992, que as reformas da PAC tentam equilibrar o conflito de objectivos entre, por um lado, a abertura ao mercado internacional (veja-se: OMC – Ronda de Doha) e, por outro, as elevadas exigências sociais (veja-se: prevenção da defesa do consumidor, protecção do ambiente e protecção dos animais). O desenvolvimento desta política agrícola para além de 2013 implica que continue a haver um financiamento suficiente da PAC.

4.2

O instrumento dos pagamentos directos à agricultura continuará a ser de importância central para a PAC, que, no entender do CESE, terá de passar por uma transformação na sua função para ter hipóteses de êxito. A função da compensação para baixar os preços no âmbito das organizações de mercado irá perder importância. Em contrapartida, serão acrescentadas novas funções para assegurar prestações sociais e bens de interesse público. Face à actual crise e às esperadas flutuações de preços nos mercados agrícolas, a tarefa de assegurar a estabilidade e a segurança do aprovisionamento revela-se cada vez mais importante. Assim, a PAC trará benefícios também para os consumidores. Importa igualmente ter melhor em conta os aspectos relacionados com a protecção do clima.

4.3

A actual combinação do «primeiro e segundo pilares» da política agrícola deve, em princípio, manter-se, embora deva haver uma maior coordenação entre eles. Há que voltar a considerar mais a aplicação uniforme da PAC nos Estados-Membros. Sobretudo há necessidade de uma definição clara da justificação e dos objectivos das medidas de apoio, assim como das metas a atingir.

4.4

O CESE espera que as diferenças nos montantes dos pagamentos directos (que existem, por motivos históricos, entre empresas e Estados-Membros) se esbatam após 2013. Para tanto, é necessário estabelecer critérios objectivos que tenham em conta as diferentes relações estruturais, naturais e agro-climáticas. Outro aspecto a considerar são as acentuadas diferenças entre as regiões no tocante aos recursos financeiros destinados ao desenvolvimento rural. Para o CESE, é importante que as diferenças na forma como os Estados-Membros aplicam a Política Agrícola Comum não se acentuem cada vez mais.

4.5

Face à forte queda dos preços em alguns importantes mercados agrícolas, o CESE espera que sejam tomadas medidas concretas, como a de assegurar que o elo agrícola tenha uma quota-parte justa nos lucros da cadeia alimentar.

À luz da crise conjuntural mundial, o CESE espera também que se chegue a conclusões sobre o modo de adaptar, no futuro, as redes de segurança para os mercados agrícolas.

4.6

O CESE considera que o processo de adaptação das explorações agrícolas ou do sector agrícola à evolução do mercado e da concorrência tem de continuar a ser apoiado, por exemplo, através de medidas que fomentem o investimento com vista a melhorar a qualidade e a segurança alimentar ou a permitir uma utilização menos agressiva dos recursos. Ainda mais importante parece ser reforçar a posição de mercado dos agricultores e das organizações de produtores. A futura PAC deve incluir instrumentos que permitam que os Estados-Membros financiem estas prioridades com suficiente flexibilidade.

4.7

O CESE considera que sempre que houver obstáculos à concorrência das explorações agrícolas, por exemplo nas regiões desfavorecidas e de montanha, importa compensá-los adequadamente a fim de assegurar que estas áreas serão utilizadas no futuro para fins agrícolas. O exemplo da exploração bovina leiteira, praticada em cerca de 60 % das regiões desfavorecidas e em aproximadamente 25 % das suas zonas de montanha, deixa claro que os apoios aos preços e outras medidas de regulação dos mercados agrícolas por parte do Estado criam uma pressão económica particularmente significativa nas regiões desfavorecidas.

4.8

As medidas de desenvolvimento rural devem ter mais em conta os problemas demográficos (por exemplo, as infra-estruturas existentes e a disponibilidade de trabalhadores especializados). Sempre que, em regiões tradicionais de produção, ramos de produção inteiros estejam à beira de um colapso económico (por exemplo, sector do açúcar, do leite, do tabaco), são necessárias medidas especiais de adaptação. Importa igualmente considerar os aspectos sociais, como a segurança dos postos de trabalho.

4.9

Há o risco de a abolição oficial da componente dos incentivos provocar ao nível das medidas agro-ambientais uma situação de desorientação. Para assegurar que os agricultores mantêm a preferência por este tipo de medidas, o CESE sugere que haja, para além do pagamento dos custos incorridos, um sistema de remuneração que reconheça efectivamente o contributo dos agricultores para o ambiente. O mesmo deveria ser aplicado aos contributos activos dos agricultores para a protecção do clima e o bem-estar dos animais.

4.10

Introduzida em 2000, numa base voluntária, a Cross Compliance (condicionalidade), que em 2005 passou a ser vinculativa, é uma obrigação geral ligada ao recebimento de pagamentos associados à superfície. Por um lado, o Tribunal de Contas Europeu critica a superficialidade como tem vindo a ser aplicada. Por outro lado, os agricultores e as autoridades de controlo locais criticam o sistema por ser demasiado burocrático. O CESE recomenda cuidado no seu desenvolvimento: qualquer proposta que vise alterar a tabela de critérios da Cross Compliance (condicionalidade) terá de ser analisada em profundidade para se saber se proporciona efectivamente uma melhoria.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 44 de 16.2.2008, p. 60.


III Actos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009

23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/69


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu: Rumo a uma estratégia europeia em matéria de e-Justice

[COM(2008) 329 final]

2009/C 318/13

Relator: J. PEGADO LIZ

Em 30 de Maio de 2008, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262 do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu: Rumo a uma estratégia europeia em matéria de e -Justice»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 9 de Setembro de 2009, sendo relator Jorge PEGADO LIZ.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE saúda a presente Comunicação da Comissão «Rumo a uma estratégia europeia em matéria de e-Justice» pela sua oportunidade e também pelo modo estruturado e fundamentado como foi elaborada e apresentada, o que justificou que o CESE tivesse tomado a iniciativa de sobre ela se pronunciar, ainda que para tal não tivesse sido inicialmente solicitado.

1.2

O acordo a que entretanto se chegou entre o PE, o Conselho e a Comissão, de que dá conta a resolução do Conselho de Ministros Justiça e Assuntos Internos de 28 de Novembro de 2008, quanto ao Plano de Acção a prosseguir neste domínio até 2013 e as recomendações sobre o âmbito da iniciativa e o seu desenvolvimento futuro constituem elementos fundamentais de ponderação a tomar em consideração.

1.3

Neste contexto, o CESE acolhe, nas sua linhas gerais, as orientações definidas para as acções a desenvolver. Fá-lo, no entanto, na base de alguns pressupostos, de acordo com certos parâmetros e com algumas reservas que deixa exarados quanto ao modo do seu desenvolvimento e à forma da sua aplicação.

1.4

Chama, desde logo, a atenção para a necessidade de uma mais correcta delimitação do âmbito próprio e específico da «e-justiça», no quadro de outras aplicações das novas tecnologias da informação a vários aspectos da cidadania e da administração pública em geral.

1.5

Alerta também para os objectivos últimos da realização da Justiça – a chamada Justiça Justa – por forma a que louváveis iniciativas de simplificação e uniformização de actos e procedimentos sirvam efectivamente os interesses dos cidadãos em geral e dos operadores económicos e sociais em especial no acesso à justiça, e sejam aceites e desejados pelos profissionais da justiça.

1.6

Manifesta a sua apreensão quanto à possibilidade de qualquer iniciativa neste domínio afectar os direitos fundamentais dos cidadãos europeus, em especial a protecção dos dados, e recomenda vivamente que as acções a empreender sejam desenvolvidas com acatamento dos princípios estruturantes do direito convencional internacional e do direito processual civil nacional comuns aos estados europeus.

1.7

Apela à Comissão para que tenha sempre na devida conta as especificidades e as características próprias dos diversos direitos nacionais, as quais reflectem padrões culturais e valores nacionais a preservar, de acordo com o princípio da subsidiariedade e, bem assim, com um balanço custos/benefícios relativamente a cada nova iniciativa, segundo o princípio da proporcionalidade.

1.8

Recomenda, por isso à Comissão que, no desenvolvimento das várias iniciativas programadas, tenha sempre em vista a perspectiva da cidadania na aplicação da justiça por forma a que sejam as TIC que estejam ao serviço da Justiça e não esta ao serviço daquelas.

1.9

Sugere, em particular, cautelas especiais e prudência acrescida no que toca à introdução de mecanismos de desmaterialização dos procedimentos judiciais de modo a assegurar sempre as exigências de forma e de suporte durável que são garantes da certeza e segurança jurídicas.

1.10

Apela, por fim, ao Parlamento Europeu e ao Conselho no sentido de acompanharem de perto o desenvolvimento das várias acções programadas, fiscalizando a sua aplicação à luz dos valores e dos padrões constantes das suas respectivas resoluções, que o CESE identicamente partilha.

2.   Introdução e memória justificativa

2.1   A questão da justiça electrónica terá sido pela primeira vez abordada, de forma sistemática, durante a Presidência Italiana de 2003, no âmbito de uma conferência conjunta com o Conselho da Europa e na qual se concluía que «acima de tudo, as discussões relativas aos benefícios, oportunidades e perigos da Internet, conduzem sempre no final à nossa preocupação relativamente aos valores e direitos que estão ínsitos, em particular, nas Convenções do Conselho da Europa sobre os Direitos Humanos e a Protecção de Dados» (1).

2.2   Nos anos subsequentes, vários Estados-Membros desenvolveram os seus próprios sistemas de justiça electrónica, alguns com elevada elaboração teórica e preocupação prática (2), mas de forma descoordenada.

2.3   A nível comunitário a questão começou por ser encarada no âmbito do e-governo e, em especial, na sequência dos documentos eEuropa 2002 e eEuropa 2005, aprovados respectivamente nos Conselhos da Feira de 2000 e de Sevilha de 2002, no documento de estratégia i2010 (3).

2.3.1

É aliás no âmbito do 6.o Programa Quadro que é lançado o Projecto e-Justiça como um dos primeiros «projectos integrados», mas ainda com objectivos muito limitados e experimentais. De forma específica, porém, foi apenas durante a reunião informal dos Ministros da Justiça em Dresden em Janeiro de 2007 que a questão emerge, para ser posteriormente desenvolvida na Conferência «Work on e-Justice», em Maio de 2007 em Bremen (4).

2.4   Mas foi verdadeiramente na Presidência Portuguesa que o tema mereceu um maior impulso (5), quer na reunião informal dos Ministros da Justiça e dos Assuntos Internos de 1 e 2 de Outubro de 2007, em que se definiram as questões centrais das futuras opções, quer no Conselho Justiça e Assuntos Internos de 6 e 7 de Dezembro de 2007, onde se fez o ponto dos trabalhos realizados e se estabeleceu o final do primeiro semestre de 2008 para o seu termo, quer finalmente, nas conclusões do Conselho de Ministros de 14 de Dezembro de 2007 onde se saúdam as realizações no domínio da justiça electrónica e se apela à continuação dos trabalhos.

2.5   É no seu seguimento que a Comissão elaborou a Comunicação agora em apreço, dirigida ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu, mas que lhe não foi remetida para consulta; dando-se conta de tal facto o CESE decidiu tomar a iniciativa de se pronunciar sobre a Comunicação.

2.6   É certo que, entretanto, quer o Parlamento Europeu (6), quer o Conselho (7), tiveram já oportunidade de tomar posição sobre a mesma Comunicação e, em particular, sobre o Plano de Acção que lhe está anexo; atendendo, no entanto, a que se trata de um programa de medidas a desenvolver ao longo de cinco anos, não se julga que sejam despiciendas as observações e as recomendações que a seguir se alinham, no pressuposto de representarem um contributo dos representantes da sociedade civil a quem as iniciativas a levar a cabo particularmente interessam e afectam, a poderem ser eventualmente consideradas durante a implementação das diferentes medidas encaradas (8).

3.   Breve síntese da Comunicação da Comissão  (9)

4.   Observações na generalidade

4.1   O CESE apoia, nas suas linhas gerais, a iniciativa da Comissão, agora completada pelas propostas do Parlamento Europeu e pelas linhas de orientação do Conselho.

4.1.1

Fá-lo, no entanto, na base de alguns pressupostos, de acordo com certos parâmetros e com algumas reservas.

4.2   É, desde logo, indispensável delimitar correctamente o âmbito da «e-justiça». Conquanto integrável em conceitos mais vastos como a «e-democracia» ou a «e-governança», de que faz parte e parte essencial; ainda que estreitamente relacionada com o «e-direito» que deve facultar o acesso electrónico aos textos legais e à sua feitura em tempo real, seja de direito substantivo ou processual, seja de «hard law» ou de «soft law», bem como à jurisprudência dos tribunais e às decisões administrativas – a «e-justiça» dever ser circunscrita aos aspectos judiciais da aplicação da justiça nos domínios do direito civil, comercial e quiçá administrativo, ou seja às práticas e procedimentos jurisdicionais, incluindo os processos arbitrais (10).

4.3   Por outro lado deve-se ter bem presente que, em qualquer programa sobre a aplicação da justiça, o valor supremo não é a celeridade da justiça ou a eficácia da justiça ou o custo da justiça ou a simplificação da justiça, mas antes a JUSTIÇA JUSTA (11), com total respeito dos direitos fundamentais, em particular a protecção dos dados pessoais dos cidadãos.

4.3.1

Com isto pretende pôr-se de sobreaviso contra todos os excessos de simplificação, de eficácia, de embaratecimento ou de prontidão, que prejudiquem aquele valor fundamental da feitura da justiça e que, em vez de facilitarem o acesso à justiça, o tornem mais difícil ou complexo.

4.4   Igualmente importante será que uma certa e desejável desmaterialização ou simplificação de actos processuais e uniformização em métodos e processos de trabalho não descaracterize o que é necessariamente diferente e não deite fora, com o supérfluo e o acidental, o que é essencial e não tem de, nem eventualmente deve, ser igual.

4.4.1

É fundamental garantir que um qualquer programa de aplicação de tecnologias da informação vá, de facto, ao encontro das necessidades quer dos cidadãos europeus em geral, quer dos operadores económicos e sociais em particular, quer dos profissionais do direito e não pode ser feito contra eles.

4.4.2

É ainda indispensável garantir que qualquer sistema a introduzir ou a desenvolver não permita eventuais interferências de terceiros, por dolo ou mera negligência, susceptíveis de pôr em causa a segurança e a fiabilidade da utilização, ou a modificabilidade no todo ou em parte, dos seus dossiers e dos respectivos conteúdos.

4.5   Outra preocupação que há-de estar sempre presente prende-se com diversos formalismos que podem parecer excessivos e desnecessários aos olhos de leigos, mas que contribuem de modo essencial para a consideração pública face ao julgador e ao acto de julgar ou constituem garantias do respeito de direitos fundamentais na aplicação da justiça (12).

4.6   Acresce que, sendo o direito processual, enquanto direito adjectivo, subsidiário do direito substantivo, e sendo este consequência de diversidades culturais dos diferentes Estados-Membros, e não sendo possível, nem desejável ou oportuna a sua uniformização, aspectos básicos, consequentemente diversos, nos procedimentos judiciais derivados, não deverão nem poderão ser uniformizados, sob pena de ofensa aos direitos substantivos que aqueles devem tutelar e garantir.

4.7   Sendo o direito e em especial o direito processual, um conjunto de instrumentos de técnica jurídica, destinados à aplicação da justiça, a serem utilizados por técnicos do direito, com formação especializada e experiência profissional adequada, natural será que na sua definição e utilização seja usada linguagem técnica própria de tais profissionais.

4.7.1

Uma exagerada tendência para tornar «simples» e «acessível a todos em geral», pode conduzir ao desvirtuamento do seu rigor e à perda do sentido técnico, o qual, por seu turno, também não é nem tem de ser necessariamente o mesmo em todos os direitos nacionais.

4.7.2

Ainda aqui mais do que uma uniformidade, deve antes ser procurada uma «tabela de equivalências» ou um «quadro comum de referências» entre os diversos instrumentos judiciais.

4.8   Julga-se, finalmente, que, para a implementação eficaz de um qualquer sistema de aplicação das novas tecnologias à justiça, é condição prévia que seja garantida a sua adequação às necessidades e objectivos da organização, a sua compatibilização com os sistemas informáticos existentes, a prévia auditoria aos procedimentos actuais e a possibilidade de adaptação do sistema, rapidamente e a baixos custos, a novas circunstâncias e a novos objectivos.

4.8.1

Ponderação acrescida deverá ser dada à relação custos/benefícios em geral de toda esta iniciativa, no seu conjunto e em cada etapa da sua execução, quando é certo que, do estudo de impacto conhecido da Comissão (aliás aparentemente disponível apenas numa das línguas oficiais), não resulta a sua quantificação, antes se reconhece expressamente que «os custos induzidos são certos mas não podem ser avaliados…» e só podem ser determinados «caso a caso», sendo que, do lado dos benefícios, «de um modo geral o impacto económico é difícil de quantificar, embora não duvidoso» – o que releva de uma enorme subjectividade, difícil de aceitar num projecto desta dimensão (13).

5.   Observações na especialidade

5.1   Sendo um processo um conjunto de actos (processuais) que hão-de ser plasmados em documentos, por razões de segurança e certeza jurídicas e garantia dos direitos das partes, a questão do suporte durável de todo o processo põe limites à oralidade e à desmaterialização num estado de direito.

5.1.1

É nesta perspectiva que certos aspectos das acções programadas na presente «estratégia global» devem ser analisados e ponderados.

5.2   Relativamente ao portal e-justiça, o CESE entende que o mesmo deverá ser precedido de uma formação rigorosa de todos os operadores judiciários (juízes, magistrados do Ministério Publico, funcionários judiciais, autoridades administrativas, funcionários governamentais e todos os profissionais do direito) de modo a que seja um instrumento útil e viável para todos os interessados.

5.2.1

O CESE considera que o portal poderá constituir um centro de informação e de serviços judiciários e um espaço de ligação útil entre cidadãos, empresas e operadores judiciários para auxiliar a resolução dos problemas jurídicos.

5.2.2

O CESE considera que o portal poderá ser uma ferramenta com utilidade e viabilidade para o uso diário de todos os operadores judiciários; mas, para tal é fundamental garantir a fidedignidade e a autenticidade das informações nele contidas e é aconselhável que contenha diversos níveis de acesso e direitos de acesso consoante o tipo de informação em causa, como forma de protecção dos interessados.

5.2.3

Deve, ainda, funcionar como um ponto de acesso à legislação comunitária e nacional, à semelhança da Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial (14), devendo tal acesso ser livre ao público e permitir um melhor aconselhamento e assistência jurídica com carácter genérico para os problemas jurídicos.

5.3   Sobre a vídeoconferência, o CESE é de entendimento que deverá ser feita uma rigorosa auditoria a todos os tribunais dos Estados-Membros (15), de modo a apurar a existência ou não de material audiovisual que permita generalizar a sua utilização porquanto, actualmente não é seguro que todos os Estados-Membros tenham dotado os seus tribunais do material necessário para a vídeoconferência, nem que eles sejam compatíveis ou sequer que funcionem correctamente (16).

5.3.1

Para além disto, e quando o seu objectivo seja a recolha de prova testemunhal ou a comunicação de actos ou decisões judiciais o CESE entende que deverá existir uma verdadeira harmonização legislativa em matéria de prestação de depoimentos e de vídeo conferência entre os diversos Estados-Membros, de modo a que não haja interpretações e aplicações dispares da legislação sobre o assunto, porque sem articulação legislativa necessária, a vídeoconferência deparar-se-á com entraves legais e até mesmo entraves de carácter cultural por parte dos diversos Estados-Membros.

5.3.2

A ser adoptada a vídeoconferência nos moldes propostos, o CESE entende que deverá ser sempre requerida entre os tribunais envolvidos e, aqui, o CESE aceita que o portal possa auxiliar na prática da vídeoconferência entre os tribunais envolvidos, contendo todos os elementos necessários para a realização deste (17).

5.4   Sobre a cooperação entre as autoridades relativamente, em particular, à interligação dos registos criminais, o CESE entende que esta cooperação, dada a matéria sensível em causa, deverá obedecer aos mais rigorosos requisitos de segurança e de protecção de dados adoptados, de modo a salvaguardar a privacidade dos cidadãos envolvidos (18).

5.4.1

No entanto, o CESE é de opinião que deverão ser igualmente analisadas previamente as legislações nacionais e as condições materiais que cada Estado-Membro possui de modo a que, em matéria tão sensível, não existam aplicações díspares e tratamentos diferenciados no intercâmbio de informações em matéria penal.

5.5   Quanto ao apoio à tradução, o CESE chama a atenção para o facto do portal e-justiça ter que ser multilingue e de disponibilizar informação em todas as línguas da UE. Um sistema de tradução automática deverá, para ser útil, permitir a tradução e interpretação em simultâneo da página web, de modo a que seja acessível aos cidadãos de UE.

5.5.1

Como forma de auxiliar os profissionais do direito, o portal e-justiça poderá conter uma base de dados de tradutores e intérpretes jurídicos e, ainda, todos os formulários necessários e que estes estejam correctamente traduzidos na linguagem própria do sistema jurídico de cada Estado-Membro.

5.5.2

Os presumíveis enormes custos envolvidos num sistema eficaz de tradução automática e simultânea em todas as línguas comunitárias devem ser cuidadosamente ponderados em termos de fazibilidade e de proporcionalidade em relação aos resultados alcançáveis e à sua utilização prática.

5.6   Iniciativas a merecer especiais reservas e cautelas são as que se referem em especial à total desmaterialização do procedimento europeu de injunção de pagamento (19) ou do processo europeu para acções de pequeno montante (20) e, mais ainda, à criação de outros «procedimentos europeus completamente electrónicos», às citações ou notificações de actos judiciais por via exclusivamente electrónica, ao pagamento em linha de despesas judiciais ou à autenticação electrónica de documentos.

5.6.1

Em todos estes casos o CESE aconselha a maior prudência na sua introdução, uma cuidada ponderação da relação custos/benefícios e a necessidade de períodos experimentais e de teste alargados, antes da sua adopção generalizada e sempre com garantias absolutas da sua conformidade com as regras de direito processual comuns a estados de direito.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Conferência «Internet Strategies and e-Justice in Europe», Roma, 13 e 14 de Novembro de 2003.

(2)  Apraz citar o caso da Bélgica, de cuja Comissão encarregada de dar corpo ao Projecto E Justice fizeram parte dos nomes mais relevantes de académicos e práticos do Direito, de que se destacam os Profs. George de Leval, sobre os modos de introdução da instância e os meios de comunicação entre os actores do mundo judiciário, Yves Poullet, sobre o direito da prova; o caso de Portugal, onde, designadamente como fruto de uma reflexão de fundo. «Para um novo judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis», no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, dirigido pelo Prof. Boaventura de Sousa Santos e coordenado pela Prof. Conceição Gomes, foi levado a cabo um estudo aprofundado relativamente à introdução das novas tecnologias nos diversos momentos e passos dos procedimentos judiciais.

(3)  COM(2005) 229 final de 1.6.2005. Cf. Parecer CESE – JO C110 de 08.5.2006, de que foi Relator o Conselheiro Lagerholm.

(4)  Não deixa de ser significativo que no «Programa de Haia: Dez prioridades para os próximos cinco anos», de 2005, COM(2005) 184 final de 10 de Maio de 2005, não haja ainda uma qualquer referencia à utilização das novas tecnologias aplicadas à justiça. A falta de ambição deste Programa não deixou, aliás, de ser salientada no Parecer do CESE, da autoria do Conselheiro Pariza Castaños – JO C65 de 17.3.2006). Cf. o recente Relatório da Comissão sobre a aplicação do Programa de Haia relativamente a 2007 (COM(2008)373 final de 02.07.2008) que considera «de modo geral o balanço global bastante insatisfatório».

(5)  Importa referir a este propósito a Decisão 1149/2007/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Setembro de 2007 que cria para o período de 2007 a 2013, o programa específico «Justiça Civil» no âmbito do Programa Geral «Direitos Fundamentais e Justiça» (JO L 257 de 3.10.2007).

(6)  cf. Resolução do Parlamento Europeu de 18 de Dezembro de 2008, que contém recomendações à Comissão em matéria de e-Justice (Relatora: Diana Wallis - 2008/2125(INI) - T6-0637/2008) e Parecer da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos (Relator: Luca Romagnoli) de 5 de Novembro de 2008.

(7)  Cf. o Comunicado de Imprensa relativo à 2908. sessão do Conselho Justiça e Assuntos Interiores de 27 e 28 de Novembro de 2008 (16325/08), e para referência o Doc. 15315/08 de 7 de Novembro de 2008 da Presidência para Coreper/Conselho (JURINFO 71,JÁ 612, JUSTCIV 239, COPEN216).

(8)  Aliás, isso mesmo resultou claramente das intervenções e discussões havidas no Fórum para a Cooperação Judiciária em Matérias Civis, realizado a 2 de Dezembro de 2008, no Parlamento Europeu, em Bruxelas, no âmbito da Presidência Francesa, em especial na Segunda Sessão, sobre «A Justiça electrónica: Um instrumento para os cidadãos, os profissionais e as empresas».

(9)  Por razões ligadas às limitações de tamanho dos Pareceres omite-se o resumo, dando-se como reproduzidas a Comunicação da Comissão e as Resoluções do PE e do Conselho a ela relativas.

(10)  Mas com exclusão dos mecanismos ADR, os quais, embora tendendo à resolução de conflitos, não relevam da aplicação da justiça, mas da simples composição voluntária e extrajudicial de interesses.

(11)  Tal como exemplarmente definida no brocardo latino: «Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi».

(12)  Pensa-se, nomeadamente nos chamados «princípios estruturantes» do direito processual, de que se destacam as «garantias do processo justo» e comportam a imparcialidade do tribunal, a igualdade das partes, o princípio dispositivo e da disponibilidade das partes, a garantia do contraditório, a publicidade do processo, o direito à prova, a continuidade da audiência e a garantia da efectiva citação ou notificação de todos os actos processuais (cf., por todos, Miguel Teixeira de Sousa, «Estudos sobre o Novo Processo Civil», Ed. LEX Lisboa, 1997).

(13)  Cf. Análise de Impacto (SEC (2008) 1947 de 30 de Maio de 2008) pontos 5.3.2. e 5.3.3., pags. 30 e 31.

(14)  Tendo especialmente em atenção o facto de, com a recente Proposta de Decisão da Comissão que altera a Decisão 2001/470/.CE, se haver restringido o âmbito da sua utilização exclusivamente aos profissionais do direito (cf. JO C 175 de 28.7.2009, p. 84, de que foi Relatora a Conselheira Sánchez Miguel).

(15)  A presidência do Conselho assumida pela República Checa já solicitou entretanto aos Estados-Membros toda a informação sobre os equipamentos audiovisuais disponíveis nos seus tribunais e publicou todas as respostas recebidas numa súmula denominada «Summary of the replies of the EU Member States to the request of the Czech Minister of Justice for information on national vídeoconferencing equipment in the judiciary».

(16)  A questão da interoperabilidade dos sistemas foi, aliás, recentemente posta em relevo pela Comissão (COM(2008) 583 final), objecto de Parecer do CESE (JO C 218 de 11.9.2009, p. 36 - relator : A. Pezzini) para cujas observações se remete, bem como para a enumeração circunstanciada de vários outros Pareceres do CESE neste domínio.

(17)  Sublinha-se o trabalho já desenvolvido pelo Grupo da Informática Jurídica «Justiça Electrónica» do Conselho constante designadamente do Relatório de Actividades de 15 de Maio de 2009 sobre o processamento de dados jurídicos (DOC 9362/09), bem como o documento estratégico sobre o uso da videoconferência (DOC 9365/09), o Manual destinado aos utilizadores (DOC 9863/09) e o folheto informativo para o grande público (DOC 9862/09), todos de 15 de Maio de 2009, os quais reflectem acertadamente preocupações idênticas às expressas no presente parecer.

(18)  Cfr o Parecer da Autoridade Europeia para a protecção de dados sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu – Rumo a uma Estratégia Europeia em Matéria de E-Justice (2009/ C128/02), JO C 128, de 06.06.2009, p. 13.

(19)  Regulamento (CE) n.o 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO L 399 de 30.12.2006, p. 1)

(20)  Regulamento (CE) n.o 861/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007, que estabelece um processo europeu para acções de pequeno montante (JO L 199 de 31.7.2007, p. 1)


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/74


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Medicamentos seguros, inovadores e acessíveis: uma nova visão para o sector farmacêutico

[COM(2008) 666 final]

2009/C 318/14

Relator: Joost van IERSEL

Em 10 de Dezembro de 2008, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre:

«Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Medicamentos seguros, inovadores e acessíveis: uma nova visão para o sector farmacêutico»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 9 de Setembro de 2009, sendo relator Joost van IERSEL.

Na 456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 170 votos a favor e 1 voto contra, com 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

A comunicação (1) em apreço visa definir uma agenda a longo prazo para avançar na realização de um mercado único da indústria farmacêutica (2), com o objectivo de criar um ambiente sustentável para o sector farmacêutico na Europa e no resto do mundo capaz de atender às necessidades crescentes dos pacientes.

1.2

O CESE considera que a comunicação constitui um quadro indispensável que persegue objectivos valiosos. Contudo, permanece prudente e tem dúvidas quanto ao modo como deve ser realizado este programa.

1.3

A indústria farmacêutica depende, em grande medida, das condições de saúde e financeiras existentes ao nível nacional. Depara-se também com desafios decorrentes das necessidades e expectativas cada vez maiores da população e dos pacientes e com uma concorrência mundial cada vez mais intensa. A crise actual, associada a uma redução dos orçamentos, afectará igualmente o futuro do sector farmacêutico.

1.4

Para o CESE, estes factores tornam absolutamente urgente a adopção pelo Conselho de uma agenda abrangente capaz de fazer face aos desafios, apoiada numa visão estratégica decidida de comum acordo. O objectivo da UE deverá ser criar, ao nível doméstico, as condições para uma posição sustentável e realizar, à escala mundial, o desenvolvimento da indústria farmacêutica europeia.

1.5

Uma visão comum implica que as actuais competências, principalmente nacionais, que proporcionam o livre acesso a medicamentos e um mercado único – que embora desejável ainda é uma realidade distante – devem gradualmente dar lugar a práticas convergentes e a abordagens comuns em benefício dos pacientes europeus, da indústria e de toda a cadeia de cuidados de saúde.

1.6

Na opinião do CESE, as disposições nacionais devem ter mais explicitamente em conta a dimensão europeia. É importante que as condições financeiras e de saúde existentes ao nível nacional tomem em linha de conta que a investigação, o desenvolvimento e a inovação orientados para o futuro têm uma importância significativa para o sector e acarretam custos elevadíssimos.

1.7

O CESE acolhe favoravelmente a Iniciativa sobre Medicamentos Inovadores (IMI) como parte do 7.o Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento (7.o PQ). Apoia vivamente a adopção de uma patente comunitária. É a favor de um sistema europeu de resolução de litígios. Considera ainda que importa aperfeiçoar o funcionamento do Instituto Europeu de Patentes.

1.8

Os medicamentos genéricos são uma oportunidade para obter poupanças no sector da saúde. O CESE apoia o desenvolvimento de mercados competitivos para produtos não patenteados. O Conselho deverá considerar possibilidades de libertar um potencial de poupança significativo neste domínio.

1.9

O livre acesso e a viabilidade dos preços dos medicamentos requerem uma discussão renovada sobre várias questões interligadas relacionadas com a grande diferença de preços entre os medicamentos na Europa, a acessibilidade, o comércio paralelo e o princípio da não-extraterritorialidade. Esta discussão deve também centrar-se numa «proposta contendo medidas adequadas que conduzam à supressão de obstáculos ainda existentes ou das distorções à livre circulação de especialidades farmacêuticas (…) (3)».

1.10

Presentemente, o CESE defende que para promover mais convergência há que introduzir o Método Aberto de Coordenação, dispor de boas práticas e de dados transparentes, e conferir à Comissão um papel de monitorização, como já é prática corrente no âmbito da Estratégia de Lisboa. O pacote de dados deve incluir números e tendências mundiais, incluindo o seu impacto, para que a indústria possa ter uma ideia correcta dos desafios e das oportunidades.

2.   Introdução

2.1

Devido à repartição de competências entre a Comissão e os Estados-Membros, há muito que era necessário desenvolver uma visão abrangente europeia do sector farmacêutico. As instituições europeias concentravam-se principalmente na melhoria do acesso ao mercado e nos aspectos regulamentares.

2.2

A relutância que a UE demonstra deveu-se, e deve-se, à excepcional posição do sector de saúde, sendo que os sistemas de cuidados de saúde e as competências nacionais prevalecem sobre os transfronteiriços. No entanto, a Comissão e os Estados-Membros realçam cada vez mais a necessidade de criar condições-quadro europeias para assuntos bem definidos no domínio dos cuidados de saúde.

2.3

Condições e objectivos europeus são indispensáveis para um sector que assenta em investimentos a longo prazo na investigação e na inovação. Estes aspectos são tanto mais importantes quanto se sabe que:

o sector farmacêutico está muito dependente da I&D e de novos produtos inovadores;

a concorrência externa, incluindo de países asiáticos emergentes, é cada vez mais acirrada.

2.4

O mercado único necessita de investimentos intensivos. É, pois, compreensível que o Tribunal de Justiça Europeu se tenha pronunciado em várias ocasiões a favor da implementação de um mercado único neste sector, pensando sobretudo no interesse dos pacientes. O funcionamento deste mercado único é gravemente dificultado por 27 sistemas de saúde com as suas próprias tradições, disposições jurídicas e políticas de preços.

2.5

Até 1996, o comissário Martin Bangemann, responsável pelo desenvolvimento industrial, organizou três mesas-redondas com todas as partes interessadas sobre a realização do mercado único dos medicamentos. Muitas outras consultas se seguiram. A composição heterogénea das mesas-redondas, nas quais participaram representantes dos governos, de empresas farmacêuticas e outras partes interessadas, apresenta um leque variado de posições e de abordagens nacionais.

2.6

Em resposta, o CESE reiterou em diversas ocasiões um conjunto de propostas concretas, em que os principais temas foram a liberdade de circulação dos medicamentos dentro da UE, a necessidade de controlar as despesas farmacêuticas nos Estados-Membros e o apelo a uma indústria farmacêutica forte para impulsionar o crescimento e o emprego na Europa (4). Muito resta ainda por fazer para avançar nestes domínios.

2.7

A posição dos Estados-Membros é determinante. As características estruturais e organizacionais de cada sistema de saúde nacional são decisivas para a política de preços e de reembolso na Europa, e também para o acesso aos medicamentos.

2.8

Apesar da existência de opiniões divergentes e da manutenção de competências nacionais, o Conselho tem vindo, desde 1965, a adoptar uma série de medidas legislativas sobre saúde pública e medicamentos, com o objectivo de proporcionar melhores condições aos pacientes e melhorar o sistema de saúde.

2.9

Em 2001, decidiu-se melhorar a estrutura do debate através da criação de um grupo restrito de partes interessadas, o chamado G-10 (5). Em Maio de 2002, este grupo apresentou uma visão estratégica para o sector farmacêutico que incorporava catorze recomendações gerais, das quais várias foram postas em prática nos anos seguintes.

2.10

Em 2005, foi criado um Fórum Farmacêutico de Alto Nível para a aplicação das restantes recomendações formuladas pelo G-10 e, posteriormente, foram constituídos três grupos de trabalho incumbidos de elaborar novas recomendações.

2.11

Este processo foi concluído em Outubro de 2008 com a adopção das Conclusões e Recomendações do Fórum sobre a informação divulgada aos pacientes, a eficácia relativa e a política de preços e de reembolso.

2.12

Estas conclusões e recomendações salientaram a interligação entre, por um lado, tecnologia e inovação num mercado competitivo dinâmico e, por outro, garantias de qualidade, acesso livre às especialidades farmacêuticas, divulgação de informação fiável aos pacientes e políticas eficazes de formação de preços e de reembolso.

2.13

O Fórum Farmacêutico conclui que tanto a Estratégia de Lisboa para reforçar a competitividade europeia como a dinâmica e os desafios do sector farmacêutico em todo o mundo exigem, actualmente, uma abordagem profunda do sector que parta de uma visão de médio e longo prazos.

2.14

Pela primeira vez, o 7.o PQ definiu uma agenda de investigação comum para a indústria farmacêutica. Dela fazem parte inúmeros projectos farmacêuticos inovadores que visam estimular as redes de investigação internacional, quer as existentes quer as que venham a ser criadas (6).

2.15

Entretanto, os efeitos da globalização começam a fazer-se sentir. Face aos avanços impressionantes conseguidos pelos EUA, pela China e outras economias emergentes no campo da I&D, a capacidade de inovação das empresas europeias neste sector será, em última análise, decisiva para uma indústria europeia.

2.16

Depois da actual crise económica, o mundo não vai ser o mesmo. A situação da economia, agravada pela redução dos orçamentos nacionais, bem como a posição reforçada dos principais intervenientes na Ásia, vão afectar as condições concorrenciais. Qualquer política futura em favor do sector de saúde e da indústria tem de levar seriamente em conta estes factores.

2.17

O CESE conclui que, na última década, foram intensificados os intercâmbios e as redes, o que levou, em certa medida, a uma convergência de pontos de vista entre muitas partes interessadas. Apesar destes progressos, continua a haver dificuldades criadas por diferenças na legislação e nos sistemas de saúde. O livre acesso a especialidades farmacêuticas é limitado e não há um mercado único para a indústria.

3.   Pontos de vista da Comissão

3.1

A Comissão publicou, em Dezembro de 2008, uma comunicação estratégica sobre o sector farmacêutico que define princípios e objectivos e aponta perspectivas para o sector, num cenário temporal de longo prazo, bem como os desafios mundiais.

3.2

A comunicação estabelece um quadro para as propostas legislativas do pacote de Dezembro de 2008 e para as que vierem a ser apresentadas no futuro.

3.3

Um novo elemento é o facto de ser dada mais ênfase aos aspectos externos, como contrafacção, comercialização e novas doenças, destacando-se a importância cada vez maior das economias emergentes.

3.4

A comunicação identifica três assuntos, em relação aos quais são apresentadas cinco propostas legislativas, nomeadamente: medicamentos falsificados, farmacovigilância e informação prestada aos pacientes (7).

3.5

Nela é reiterada a importância crucial da indústria farmacêutica para a Europa em termos de I&D, crescimento e emprego, e saúde pública.

3.6

Todavia, a Europa depara-se com importantes desafios nos domínios da saúde, da ciência e da economia para manter uma indústria farmacêutica viável e sustentável:

no que diz respeito à I&D e à inovação, a Europa continua a perder terreno em favor dos EUA e da Ásia;

na UE persistem diferenças quanto à disponibilidade e à viabilidade dos preços dos medicamentos;

o aumento da divisão do trabalho internacional, incluindo I&D, ensaios clínicos, fabrico e comercialização;

a necessidade de promover projectos científicos pioneiros para fazer face aos desafios de saúde pública que continuam sem resposta e para abrir novos mercados para medicamentos produzidos na UE.

3.7

A Comissão considera que chegou a altura de aperfeiçoar ainda mais o funcionamento do mercado único dos medicamentos a fim de estabilizar e reforçar a posição da Europa em todo o mundo.

3.8

Para o efeito, são estabelecidos 25 objectivos em três áreas de acção: (a) um mercado farmacêutico único e sustentável; (b) explorar as oportunidades e os desafios da globalização; e (c) apoiar a ciência e a inovação.

3.9

A comunicação dá um panorama coerente dos desafios nacionais e internacionais e apresenta abordagens desejáveis no âmbito de um enquadramento geral que permitirá estabelecer uma agenda de longo prazo neste sector.

4.   Observações na generalidade

4.1   OCESE é da opinião de que é necessário desenvolver uma abordagem global para o sector farmacêutico europeu numa perspectiva mundial.

4.2   A comunicação em apreço é apresentada como uma «nova visão». No entanto, por mais desejável que seja, e apesar das vastas consultas a muitas partes interessadas, o resultado é algo decepcionante devido à falta de uma análise abrangente das deficiências no mercado comum e de uma abordagem proactiva em termos de recomendações políticas à luz dos interesses dos pacientes e da indústria.

4.3   A Europa tem vindo a perder terreno no domínio da inovação farmacêutica. A globalização do sector cria novas oportunidades, mas também novos desafios. A Comissão tem razão ao equacionar, num mesmo quadro, a falta de liberdade de acesso a medicamentos na Europa, bem como a necessidade de descobertas científicas para responder ao progresso da medicina e os desafios globais no campo da saúde pública. Continua-se sem saber quais as medidas que os Estados-Membros e a UE devem adoptar para fazer face a estes desafios.

4.4   No entender do CESE, é urgente aperfeiçoar o funcionamento de um mercado único dos medicamentos sustentável, uma condição prévia para manter um sector farmacêutico rentável e altamente inovador com capacidade para responder às crescentes necessidades da população e aos desafios mundiais.

4.5   A comunicação proporciona um quadro adequado para a cooperação no domínio da regulação e para as negociações com um número cada vez maior de países terceiros, como os EUA, o Japão, o Canadá, a Rússia, a Índia e a China. Através da cooperação e de negociações com países terceiros é possível criar uma perspectiva sustentável para as exportações europeias.

4.6   Neste contexto internacional, um mercado único que funcione bem é uma condição sine qua non. A fragmentação do mercado persiste como resultado das disparidades nos sistemas nacionais de preços e de reembolso, da (nova) carga reguladora, das divergências na aplicação da legislação comunitária e da falta de interesse comercial pelos mercados nacionais, que são economicamente menos atractivos.

4.7   Acresce que, num espaço de tempo relativamente curto, o número dos Estados-Membros da UE aumentou para 27, cada um deles com características próprias, e portanto específicas, resultantes da diversidade cada vez maior dos mercados e das necessidades dos pacientes. Isto é ilustrativo da complexidade do todo europeu.

4.7.1

A viabilidade dos preços dos medicamentos depende, em grande medida, do sistema nacional de segurança social e do número de segurados. Na maior parte dos sistemas, os organismos de segurança social, nomeadamente as suas associações, negoceiam com os produtores os preços dos medicamentos sujeitos a receita médica, para que estes possam ser vendidos a preços moderados, exigindo do segurado, quando muito, uma pequena comparticipação nos custos.

4.8   A relação entre os custos da inovação e o volume de negócios do sector tem um grande impacto. A investigação e a inovação só podem florescer se a indústria for competitiva e se, por conseguinte, o mercado funcionar satisfatoriamente.

4.9   Caso as divergências nos procedimentos e processos administrativos se venham a manter, o sector continuará a ser afectado pela fragmentação, pela sobreposição, pelos custos excessivos da inovação e, portanto, pelas desvantagens em relação às indústrias capazes de tirarem partido das vantagens à escala continental, como os EUA e a China.

4.10   Embora se saiba que há no mundo vastos mercados à escala continental que são, em parte, influenciados por diferenças regionais, a situação não pode ser comparada com a fragmentação existente na Europa.

4.11   Um problema adicional é que a produtividade das despesas do sector farmacêutico em I&D tem vindo a diminuir nos últimos anos devido a uma combinação de factores complexos.

4.11.1

A revolução biotecnológica, apesar de prometer muitos novos avanços, tem custado muito à indústria dado que a I&D e a tecnologia aplicada ainda não se traduziram num fluxo regular de produtos. Combater novas doenças implica custos acrescidos com o desenvolvimento de medicamentos.

4.11.2

Os custos de introdução no mercado de novos produtos têm vindo a aumentar, em parte devido à necessidade de efectuar ensaios clínicos longos e dispendiosos. As obrigações impostas pela regulamentação em matéria de desenvolvimento clínico também aumentam, ao mesmo tempo que a investigação e o desenvolvimento se orientam para doenças e áreas terapêuticas mais complexas como o cancro e a doença de Alzheimer, entre outras.

4.11.3

Actualmente, a inovação na medicina é essencialmente vista como um factor de custo para os orçamentos nacionais no domínio da saúde e não tanto como um motor da inovação em benefício do bem-estar dos pacientes. Exemplos ilustrativos são as políticas nacionais de preços e de reembolso que não recompensam os produtos inovadores da mesma forma que os produtos mais antigos em determinadas áreas de tratamento médico (por exemplo, os preços de referência terapêutica).

4.12   Este desenvolvimento na Europa tem consequências para os concorrentes. Embora as autoridades reguladoras dos EUA imponham, normalmente, mais rigor na concessão de autorizações de introdução no mercado do que a UE, o mercado americano tem condições mais atractivas para investimentos em I&D pelo facto de recompensar mais a inovação do que a maioria dos mercados europeus.

4.13   É previsível que os países asiáticos, como a China e a Índia, cujos mercados registam, em média, um crescimento anual superior a 15 %, venham a atrair uma parte significativa dos investimentos em I&D dado que as normas de protecção da propriedade intelectual nesses países são eficazmente aplicadas.

4.14   Para se progredir nesta área é necessário que haja um novo equilíbrio entre, por um lado, as restantes competências nacionais e os mecanismos e procedimentos (jurídicos) europeus e, por outro, as condições de mercado que abrem caminho a um sector farmacêutico europeu forte e viável.

5.   Ao encontro do futuro

5.1

O CESE tem para si que a equação da actual crise económica com a preparação de uma Estratégia de Lisboa renovada em 2010 e com os desafios mundiais constitui um ponto de partida adequado para a próxima Comissão fomentar a renovação e o progresso.

5.2

A Estratégia de Lisboa, que afina as competências nacionais e comunitárias e delineia mais claramente o papel da Comissão, pode proporcionar um quadro e uma metodologia úteis para a indústria farmacêutica.

5.3

Em 2008, a Comissão lançou a Iniciativa sobre Medicamentos Inovadores (IMI) (8) como parte do 7.o PQ. O CESE acolhe favoravelmente esta agenda estratégica que procura efectivamente encontrar soluções para os desafios da investigação através de parcerias público-privadas – universidades, institutos de investigação, PME, hospitais, organizações de pacientes e entidades reguladoras –, com o objectivo de eliminar os estrangulamentos nas áreas da ciência e das competências para acelerar o desenvolvimento de medicamentos que possam dar resposta às futuras necessidades de saúde.

5.4

Para a concorrência na investigação, as patentes e as garantias de protecção da propriedade intelectual no sector farmacêutico são cruciais, quer para incentivar a inovação quer para dar resposta aos problemas de saúde, actuais e potenciais, e ao ciclo de vida dos produtos (incluindo períodos de desenvolvimento longos).

5.5

O CESE tomou nota do relatório intercalar, de Dezembro de 2008, sobre o inquérito efectuado ao sector farmacêutico. O CESE apoia vivamente a recomendação que sustenta a adopção de uma patente comunitária e a criação de um sistema europeu de resolução de litígios que racionalizará os processos e possibilitará economias, em vez de 27 procedimentos de resolução de litígios baseados em legislações diferentes.

5.6

Não obstante a reputação mundial do Instituto Europeu de Patentes, o CESE considera que o seu funcionamento pode ser melhorado.

5.7

Os medicamentos genéricos, que são cópias dos medicamentos originais após a expiração da respectiva patente, são substancialmente mais baratos na produção e comercialização do que os medicamentos originais. O CESE apoia o desenvolvimento de mercados competitivos para produtos não patenteados.

5.8

O CESE realça que é necessário haver mais eficiência e concorrência no mercado europeu dos genéricos. O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a reflectirem sobre formas de libertar um potencial de poupança significativo tanto para os pacientes como para os sistemas de saúde.

5.9

No que diz respeito à liberdade de acesso aos medicamentos e à viabilidade de preços, o CESE reclama uma discussão renovada, com a participação da Comissão, dos Governos e de partes interessadas, sobre várias questões interligadas como a grande diferença de preços entre os medicamentos na Europa, a acessibilidade, o comércio paralelo e o princípio da não-extraterritorialidade.

5.10

O CESE refere, tomando como orientação, as declarações que têm vindo a ser feitas pelo G-10, a Recomendação n.o 6, o Fórum Farmacêutico de Alto Nível, a recomendação n.o 9.2 e o relatório final deste Fórum sobre os progressos alcançados (9).

5.11

O objectivo de uma tal discussão deve ser definir uma visão comum sobre o livre acesso dos pacientes aos medicamentos e a viabilidade dos preços, a criação de um mercado único, a previsibilidade das medidas e acções dos Governos neste domínio e, também, sobre a necessidade de se criar um ambiente sustentável para a I&D e a inovação.

5.12

Os desafios nacionais e mundiais estão interligados:

a posição da indústria farmacêutica europeia ao nível global vai depender da posição que tiver na Europa;

as doenças à escala mundial e a circulação internacional de especialidades farmacêuticas oriundas de países desenvolvidos e de economias emergentes vão também afectar os mercados europeus;

os pacientes beneficiarão certamente de uma indústria que tenha, ao nível doméstico, uma posição sustentável como resultado de plataformas de debate relacionadas com especialidades farmacêuticas, doenças e mudanças de comportamentos entre os consumidores destes produtos na Europa.

5.13

Para servir de apoio à discussão renovada, a Comissão deverá apresentar números actualizados sobre o desenvolvimento dos mercados, a criação de emprego e os orçamentos comunitários para I&D no sector. É também muito necessário dispor de números comparáveis entre países.

5.14

Os números e as tendências mundiais têm também de abarcar a expansão das actividades de I&D das empresas europeias aos grandes mercados emergentes, o que, certamente, virá a acontecer com a expansão dos mercados na China e na Índia. O facto de a globalização trazer benefícios é um poderoso argumento a favor do desenvolvimento do mercado único europeu como uma base sustentável para a I&D e a inovação.

5.15

O comércio equitativo e os interesses dos pacientes pressupõem que as importações de medicamentos oriundos de países de rendimento baixo sejam subordinadas ao cumprimento de boas práticas de fabrico. Os medicamentos falsificados devem ser proibidos. No sentido de combater o risco de vendas na Internet de medicamentos falsificados devem ser efectuados controlos eficazes dos medicamentos enviados por via postal.

5.16

O CESE considera que para alcançar um mercado único neste sector há que introduzir o Método Aberto de Coordenação e conferir à Comissão um papel de monitorização, como, aliás, já é prática corrente no âmbito da Estratégia de Lisboa.

5.17

No intuito de contribuir para uma maior transparência, a Comissão deverá publicar as boas práticas, assim como examinar e dar destaque aos debates e aos desenvolvimentos que se verificam nos Estados-Membros relacionados com a liberdade de acesso aos medicamentos e a viabilidade de preços, e também com as condições jurídicas para a I&D, a inovação e a indústria farmacêutica. Os resultados dessas análises devem servir de base às decisões do Conselho.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Medicamentos seguros, inovadores e acessíveis: uma nova visão para o sector farmacêutico, COM(2008) 666 final, Dezembro de 2008.

(2)  Em 2007, a indústria farmacêutica europeia proporcionou emprego a cerca de 600 000 trabalhadores e investiu 18 % do volume de negócios em I&D.

(3)  Ver o artigo 9.o da Directiva do Conselho 89/105/CE de 21 de Dezembro de 1988 ( JO L 40 de 11.2.1989, p. 8.). Desde então o Conselho tem-se mostrado mais relutante à ideia do alargamento.

(4)  Ver parecer de iniciativa (JO C 14, de 16.1.2001, p. 122) e parecer (JO C 241, de 28.9.2004, p. 7).

(5)  O G-10 integrava cinco ministros, dois comissários e representantes da indústria.

(6)  Nos vários comentários a comunicações da Comissão sobre investigação e competitividade na indústria farmacêutica, o CESE tem assinalado a importância crucial de que se reveste a investigação (básica) neste sector. Ver JO C 14 de 16.1.2001, p. 122, JO C 234 de 30.9.2003, p. 13 e JO C 110 de 30.4.2004, p. 98.

(7)  O CESE abordou estes assuntos num pacote de pareceres: CESE 1022/2009, CESE 1023/2009, CESE 1024/2009, CESE 1191/2009 e CESE 1025/2009, JO C 306, de 16.12.2009.

(8)  A Agenda Estratégica de Investigação da IMI é o roteiro para a rápida implementação da IMI, em que a tónica é colocada em quatro pilares: segurança, eficácia, gestão do conhecimento e educação e formação.

(9)  Ver página 85 do relatório final.


23.12.2009   

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C 318/80


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um instrumento de microfinanciamento europeu para o emprego e a inclusão social (instrumento de microfinanciamento «Progress»)

[COM(2009) 333 final — 2009/0096 (COD)]

2009/C 318/15

Relatora geral: Gabriele BISCHOFF

Em 17 de Julho de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 152.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um instrumento de microfinanciamento europeu para o emprego e a inclusão social (instrumento de microfinanciamento “Progress”)»

Em 14 de Julho de 2009, a Mesa do Comité incumbiu a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo de elaborar este parecer.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 20.o do Regimento, designar Gabriele BISCHOFF relatora-geral e adoptou, por 171 votos a favor, com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese das conclusões e recomendações do Comité

1.1   Instrumentos financeiros adequados para as empresas são uma condição essencial do crescimento económico. O mesmo se aplica às microempresas do sector da economia social. Por conseguinte, o Comité acolhe favoravelmente o desenvolvimento do microcrédito, dado que pode ser um novo meio de promover o empreendedorismo e de criar novos postos de trabalho nas microempresas (isto é, empresas com menos de 10 trabalhadores e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual é inferior a 2 milhões de euros). A iniciativa vem compensar a actual escassez de instrumentos de microfinanciamento na Europa.

1.2   A concessão de microcrédito a microempresas do sector da economia social e a grupos desfavorecidos é mais cara e onerosa do que a concessão de crédito convencional. Os encargos adicionais podem ser reduzidos, por um lado, através do desenvolvimento de serviços normalizados e automatizados, de melhor marketing e, de um modo geral, através da profissionalização dos serviços de microfinanciamento e, por outro lado, mediante garantias e co-financiamento. Uma das tarefas principais do instrumento de microfinanciamento será o desenvolvimento de ferramentas para os serviços de microfinanciamento, incluindo a cooperação com as instituições de crédito existentes. Trata-se de desenvolver estruturas organizacionais que permitam processar de forma normalizada um elevado número de pedidos. Será difícil de atingir o mais alto nível de profissionalismo sem programas informáticos adequados e a utilização de tecnologias baseadas na Internet.

1.2.1

Além disso, a experiência acumulada até ao presente com o microcrédito na Europa demonstrara que é necessário criar incentivos de mercado suplementares para garantir que o sector financeiro cumpre realmente a sua missão de conceder microcrédito aos dois grupos-alvo visados.

1.3   O acesso ao microfinanciamento para empresários oriundos dos grupos desfavorecidos não deveria restringir-se apenas à criação da nova empresa, mas prolongar-se durante os primeiros anos da existência desta.

1.4   Aproximadamente 1 % dos fundos do instrumento de microfinanciamento “Progress” destina-se a cobrir as despesas administrativas, não incluindo os fundos reservados aos bancos intermediários e instituições de microfinanciamento que concedem crédito aos grupos visados. O Comité faz questão de saber que parte dos fundos são destinados aos bancos intermediários e às instituições de microfinanciamento para que concedam estes créditos. Além disso, há que assegurar que os bancos repercutem as taxas de juro favoráveis nos grupos visados, através do acompanhamento a nível europeu e da publicação das condições de crédito no sítio web das autoridades de controlo competentes.

1.5   O impacto pretendido na política de emprego e social com a criação de um instrumento de microfinanciamento europeu deveria ser avaliado de forma diferenciada segundo os grupos-alvo. Os dois grupos visados – microempresas do sector da economia social e requerentes individuais (desempregados, jovens ou pessoas socialmente desfavorecidas) – requerem capacidades diferentes de aconselhamento e apoio. Este aspecto deve ser considerado em termos de organização, tendo em conta as interligações com outros programas pertinentes.

1.6   Por último, o CESE recomenda que se analisem outras fontes de financiamento disponíveis, além do PROGRESS, para o novo instrumento de microfinanciamento.

2.   Introdução e resumo da proposta da Comissão

2.1

Na comunicação da Comissão de 13 de Novembro de 2007, intitulada Uma iniciativa europeia para o desenvolvimento do microcrédito em prol do crescimento e do emprego (COM(2007) 708), a Comissão propõe, primeiro, que os Estados-Membros adaptem os seus quadros jurídicos e institucionais e, segundo, que se crie um novo serviço de apoio à criação e ao desenvolvimento de instituições de microfinança na Comunidade (1). Além disso, prevê recursos financeiros adicionais para as novas instituições de microfinança não bancárias (2). A comunicação da Comissão confere uma grande importância ao desenvolvimento de um serviço de microcrédito para a aplicação da Estratégia de Lisboa em prol do crescimento e do emprego (3).

2.2

Segundo as definições que constam da Recomendação 2003/361/CE da Comissão, de 6 de Maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas (4), microcrédito designa um empréstimo de montante inferior a 25 000 euros, e microempresa, uma empresa que emprega menos de 10 pessoas – incluindo trabalhadores independentes – e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.

2.3

O relatório do grupo de peritos sobre a regulamentação do microcrédito na Europa clarifica as grandes diferenças existentes entre os Estados-Membros em matéria de acesso ao microcrédito e enquadramento jurídico.

2.4

Na comunicação de 3 de Junho de 2009, a Comissão anunciou um novo instrumento europeu de microfinanciamento em prol do emprego (5) (instrumento de microfinanciamento “Progress”).

2.5

A proposta da Comissão, de 2 de Julho de 2009, que estabelece um instrumento de microfinanciamento europeu para o emprego e a inclusão social (6), tem por objectivo, face à crise económica e financeira e ao seu impacto nos níveis de emprego e na disponibilidade de crédito, criar um novo instrumento de microfinanciamento europeu, para ajudar os desempregados e os grupos desfavorecidos a criar, eventualmente, a sua própria microempresa, inclusive em regime de auto-emprego, proporcionando-lhes um microcrédito até 25 000 euros, garantias, instrumentos de capital próprio, títulos de dívida e outras medidas, designadamente actividades de comunicação, acompanhamento, controlo, auditoria e avaliação. As microempresas do sector da economia social, que empregam pessoas que perderam o emprego ou pessoas desfavorecidas, também podem beneficiar do programa. O objectivo é abrir as portas do empreendedorismo a desempregados e outros grupos mais desfavorecidos. A afectação ao “Progress” de 100 milhões de euros do orçamento do actual programa PROGRESS, que poderá levar à mobilização de mais de 500 milhões de euros, deverá beneficiar cerca de 45 000 pessoas e empresas durante um período de quatro anos, de 2010 a 2013, com um montante médio por crédito estimado em 11 000 euros. A Comissão gere o instrumento em colaboração com instituições financeiras internacionais, designadamente o Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Fundo Europeu de Investimento (FEI). Não haverá nenhuma função administrativa suplementar para os Estados-Membros.

3.   Observações na generalidade

3.1   O Comité acolhe favoravelmente o facto de a Comissão, com as suas propostas de criação de um instrumento de microfinanciamento, vir confirmar o seu empenho na criação de emprego e na promoção do empreendedorismo entre os grupos desfavorecidos. Deve também referir-se que há comparativamente pouca experiência na Europa com a aplicação de instrumentos de microfinanciamento, o que implica esforços de organização extraordinários para assegurar a gestão administrativa do microcrédito e a utilização sustentável deste instrumento. Tendo em conta o êxito impressionante conseguido com o serviço de microfinanciamento no domínio da cooperação para o desenvolvimento (e a obtenção do Prémio Nobel da Paz pelo Banco Grameen e para o seu fundador, Muhammad Yunus), há que destacar as oportunidades, mas também os desafios, na transferência destas experiências para o contexto europeu. Este facto não é de menor importância, porque se perdem na transferência vantagens essenciais do conceito original (nomeadamente, a integração numa comunidade local, profissional ou étnica e a confiança daí resultante que leva à diminuição dos custos de acompanhamento e do número de créditos não reembolsados). Por isso, a possibilidade de transpor estas experiências para países mais desenvolvidos é alvo de controvérsia.

3.2   A Europa também sofre de uma penúria considerável de micofinanciamento; apenas metade das pequenas empresas considera positivo o papel dos bancos no acesso ao crédito (7). O programa JEREMIE (Joint European Resources for Micro to Medium Enterprises – Recursos Europeus Comuns para as Micro e as Médias Empresas), que é financiado sobretudo pelos Fundos Estruturais, é uma iniciativa conjunta da DG Regio e do Grupo BEI para ajudar e melhorar o financiamento das microempresas e das PME (8).

3.2.1

A Comissão Europeia lançou iniciativas importantes para a melhoria da posição do capital das micro, pequenas e médias empresas com o Programa-quadro para a Inovação e Competitividade (PIC) (9) e a iniciativa-piloto JASMINE (Joint Action to Support Microfinance Institutions in Europe – Acção Comum para apoiar as Instituições de Microfinanças na Europa), que devem fomentar a consolidação e desenvolvimento de instituições não bancárias de microfinanciamento (10). O Comité recomenda uma melhor coordenação destas diferentes medidas. No parecer (11) sobre o JEREMIE, o Comité sublinhou claramente apoiar sempre as iniciativas da Comissão que visam facilitar o acesso das PME a fontes de financiamento e instou que os parceiros sociais fossem devidamente envolvidos.

3.2.2

O Comité afirmou ainda que os fundos do BEI, onde foram utilizados, provaram ser um instrumento útil para facilitar o acesso das micro e pequenas empresas ao financiamento.

3.2.3

O Comité indicou ainda no parecer que o acesso ao microcrédito deveria ser facilitado em especial às PME e que era de importância fundamental atingir determinados grupos, designadamente jovens empresários, mulheres empresárias, grupos desfavorecidos e minorias étnicas.

3.3   As oportunidades abertas pelo recurso ao microcrédito resultam da importância central de formas de financiamento o mais informais e rápidas possível, designadamente para a criação de empresas. A maior parte dos fundos necessários à criação de uma empresa provém do fundador ou de familiares, amigos e vizinhos (12). Esta situação mostra as limitações do crédito bancário, pois o número de rejeições aumenta com a diminuição do montante pedido, dado que uma análise cuidada destes pedidos se revela demasiado onerosa. O microfinanciamento pode constituir um patamar intermédio entre as vias informais de financiamento (cuja eficiência é bastante limitada) e o financiamento através dos bancos. Se se conseguir aprovar a concessão de microcrédito e outras formas de microfinanciamento de forma tão rápida, simples e flexível como nas vias informais, então o microcrédito pode desempenhar um papel fundamental para uma economia dinâmica e para o empreendedorismo.

3.4   O acesso ao microfinanciamento para empresários dos grupos visados não deveria restringir-se apenas à criação da nova empresa, mas prolongar-se durante os primeiros anos da sua existência, pois estas estão significativamente dependentes de montantes mais pequenos para financiar projectos.

3.5   Independentemente da crise económica e financeira actual, a obtenção de microcrédito é mais cara e onerosa do que a obtenção de crédito convencional, porque o montante do empréstimo é relativamente baixo, de forma geral não existem as garantias bancárias normais e os custos de processamento são elevados. Um número importante de pedidos, uma estrutura organizacional e tecnologias adequadas e, de modo geral, um elevado nível de profissionalismo são vitais para o êxito das iniciativas de microfinanciamento. Conviria ter em conta previamente a experiência com iniciativas e programas semelhantes (PIC, JEREMIE, piloto BEI e JASMINE), caso esses dados já estejam disponíveis.

3.6   Dado o grau de profissionalismo requerido, é necessário, em primeiro lugar, gerir o microcrédito como um negócio de massas tão normalizado quanto possível para beneficiar de economias de escala e das vantagens de repartir os riscos. Um tal número de pedidos é um objectivo ambicioso, como mostram as experiências britânicas e canadianas (13). Isto mostra a importância de um elevado grau de visibilidade (por exemplo, através de campanhas publicitárias como as “Semanas do Microcrédito”, organizadas pela associação francesa Pro-Direito à Iniciativa Económica – ADIE) e a necessidade de um acesso fácil (por exemplo, através da Internet). Deve ser especificado se e como estes objectivos podem ser alcançados e que papel podem desempenhar outros programas como o Fundo Social Europeu (apoio técnico). Além disso, importa clarificar as interligações com esses programas e iniciativas para assegurar a coerência.

3.7   Em segundo, lugar, na organização dos processos de funcionamento, há que assegurar as condições necessárias para este negócio de massas, a fim de poder tratar os pedidos de forma rápida e flexível, tendo em atenção a necessidade de formas adequadas de garantia, e para poder aplicar sanções normalizadas e formas de repartição dos riscos em caso de violação de contrato (atraso no pagamento). A esse respeito, e como no caso dos empréstimos para o consumo, coloca-se a questão de como avaliar a solvência dos clientes da forma mais simples, rápida e fiável possível.

3.8   Em terceiro lugar, uma condição técnica para uma tal actividade de massas é um sistema informático adequado para a preparação, a execução e o seguimento dos contratos. Assim, seria possível um serviço a meio caminho entre negócio de massas estandardizado e o tratamento individual dos pedidos, o que contribuiria para uma exploração mais ampla do segmento de mercado do microfinanciamento.

3.9   As microempresas do sector da economia social, assim como as pessoas de Estados-Membros e regiões em que instituições especiais de microfinança já estão estabelecidas, podem aceder mais fácil e rapidamente aos fundos do que outros requerentes em países ou regiões onde estas não existem ou estão em fase de implementação. O Comité recomenda que se garantam condições de acesso equitativas no âmbito do programa.

3.10   Existe ainda uma questão fundamental: saber se na concessão de crédito se deve recorrer às instituições de crédito habituais ou a instituições de microfinança especiais, eventualmente a criar, que na sua maioria não têm fins lucrativos e são muito pequenas. Por um lado, a rede de microfinanciamento tem vindo a crescer na Europa desde há alguns anos, com a ajuda da Comissão. Todavia, apenas um quinto destes serviços (menos de 20) concede mais de 400 microcréditos por ano (14). Por outro, a expansão do microfinanciamento só poderá ser realizada com êxito graças a uma gestão altamente profissionalizada e orientada para o lucro – e neste domínio, os bancos (que já concedem agora uma grande parte do microcrédito) dispõem de vantagens consideráveis. Parece não fazer sentido distribuir os fundos exclusivamente através de serviços pequenos de microfinanciamento orientados para o bem-estar comum, que se concentram em pessoas sem rendimento fixo, mulheres, jovens, idosos e migrantes. Com efeito, esta espécie de “sistema bancário de nicho” conduzirá à marginalização dos referidos grupos em mais um domínio. Para garantir, então, que o sector bancário se interesse pelo microcrédito, apesar das margens de lucro pequenas, é necessário prever estímulos económicos complementares ou instrumentos de incentivo para a criação da infra-estrutura correspondente.

3.11   Dado que os objectivos desta iniciativa são expressamente de ordem socioeconómica e de emprego, a eficácia dos programas deve absolutamente ser avaliada também nestes domínios, de forma diferenciada segundo os dois grupos visados (microempresas do sector da economia social e pessoas desfavorecidas). Visto que até agora só são tidos em conta o volume de crédito e o número de beneficiários, o Comité recomenda que também se considere a primeira inserção no mercado de trabalho, o rendimento obtido e os efeitos indirectos suplementares no trabalho dos diferentes grupos mencionados na comunicação da Comissão. Só então se poderá provar o êxito da iniciativa nestes dois domínios (15).

3.12   Há que destacar que, no n.o 1 do artigo 4.o, a proposta da Comissão também prevê medidas de apoio, nomeadamente actividades de comunicação, acompanhamento, controlo, auditoria e avaliação. Contudo, não está claro se se trata de aconselhamento para os fundadores de empresas ou para as instituições de microfinança sobre a forma como estas se devem organizar e como os fundos disponíveis devem ser repartidos entre garantias, instrumentos de capital próprio, títulos de dívida e medidas de apoio.

3.13   Há que garantir que as condições dos juros bonificados sejam transmitidas aos clientes. Simultaneamente, há que especificar que parte dos fundos é destinada aos bancos intermediários e/ou às instituições de microfinança como pagamento pela execução dos contratos.

3.14   Como mencionado no parecer INT/495, o Comité apoia a iniciativa de criar um novo instrumento de microfinanciamento para os grupos visados, mas tem dúvidas quanto à pertinência de financiar um novo instrumento de microfinanciamento através da redução de meios do PROGRESS. O CESE recomenda que se analisem outras fontes de financiamento disponíveis, além do PROGRESS, para o novo instrumento.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2007) 708 p. 2.

(2)  Idem, p. 11.

(3)  Idem, p. 2.

(4)  JO L 124 de 20.5.2003, p. 36.

(5)  COM(2009) 257 de 3.6.2009.

(6)  COM(2009) 333.

(7)  Eurobarómetro (2005): “O acesso das PME ao financiamento”, Eurobarómetro Flash n.o 174.

(8)  COM(2006) 349 p. 9.

(9)  COM(2005) 121 p. 6.

(10)  COM(2007) 708 p. 3.

(11)  JO C110 de 9.5.2006.

(12)  Ver http://www.gemconsortium.org/download.asp?fid=608.

(13)  Ver http://ssrn.com/abstract=976211.

(14)  Sobre o tema do microfinanciamento na UE, ver: www.nantiklum.org/Overview_final_web.pdf e www.european-microfinance.org/data/file/Librairy/ISSUE%20PAPER.pdf.

(15)  Para um tal método: ftp://repec.iza.org/RePEc/Discussionpaper/dp3220.pdf.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/84


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Decisão n.o 1672/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece um Programa Comunitário para o Emprego e a Solidariedade Social (Progress)

[COM(2009) 340 final — 2009/0091 (COD)]

2009/C 318/16

Relatora-geral: Gabriele BISCHOFF

Em 17 de Julho de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 152.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Decisão n.o 1672/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece um Programa Comunitário para o Emprego e a Solidariedade Social (Progress)»

Em 14 de Julho de 2009, a Mesa do Comité incumbiu a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo de elaborar este parecer.

Nos termos do artigo 20.o do Regimento, o Comité Económico e Social Europeu decidiu na 456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro) designar Gabriele BISCHOFF relatora-geral e adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Síntese das conclusões e recomendações do Comité

1.1

O CESE sublinha a importância que reveste o programa Progress para reforçar a Europa social, criar mais e melhores empregos, reduzir a pobreza e melhorar a coesão social. Tal como o Fundo Social Europeu (FSE), o programa Progress representa um dos principais instrumentos de financiamento para apoiar a agenda social. Uma das suas missões essenciais consiste em apoiar o maior desenvolvimento da dimensão social.

1.2

O CESE congratula-se por todas as forças estarem concentradas na gestão da crise e por, nesse contexto, todas as rubricas orçamentais virem a ser examinadas em relação ao seu eventual contributo para combater a crise e, em especial, para a conservação do emprego e a criação de novos postos de trabalho.

1.3

Os desempregados e os grupos desfavorecidos necessitam precisamente de apoio e aconselhamento eficazes para conseguirem realizar algo como independentes. Para tal, é possível recorrer, por exemplo, ao Fundo Social Europeu (FSE). O Comité recomenda, portanto, que se refira com mais pormenor as interligações entre o Fundo Social Europeu e o instrumento de microfinanciamento Progress, de forma a garantir a instituição de ofertas e acessos a empréstimos destinados a grupos específicos e a evitar sobreposições.

1.4

Como assinalado no parecer INT/494, o CESE apoia em princípio a ideia de disponibilizar microcréditos às microempresas de economia social com condições vantajosas, desde que estas contratem desempregados e pessoas desfavorecidas. Há ainda, porém, que definir, de forma mais precisa, o que esta noção abrange.

1.5

O Comité manifesta, porém, algumas dúvidas sobre a redistribuição dos fundos e a consequente redução de 25 milhões de euros por ano, perguntando-se se tal não terá um impacto considerável na eficiência e no alcance do programa Progress entre 2010 e 2013, nomeadamente ao nível do desenvolvimento e da orientação estratégica do programa. Dessa forma, insta a Comissão a apresentar de forma mais aprofundada essas consequências e a examinar alternativas possíveis. Deve também apresentar o impacto potencial noutras rubricas orçamentais e noutros programas, em particular no FSE e nas rubricas orçamentais autónomas referentes, por exemplo, ao diálogo social.

1.6

Dado que o Comité duvida que a redistribuição orçamental não afecte a eficácia do programa Progress no domínio da política social e do emprego, convida a Comissão a demonstrar que a redistribuição dos fundos permitirá concretizar melhor os objectivos do Progress do que o processo definido até ao momento. Deve também indicar a forma de garantir o aprofundamento da Europa social, em especial no contexto do desenvolvimento, da comunicação e da aplicação da Estratégia de Lisboa após 2010.

1.7

O Comité recomenda igualmente que se esclareça de que forma será possível obter uma execução mais eficaz do PROGRESS, um planeamento mais estratégico e medidas mais específicas e em que domínios e com que medidas será possível economizar sem pôr em perigo os objectivos e a orientação estratégica do programa no período restante.

1.8

Pergunta igualmente quais os incentivos económicos previstos para que o sector bancário desempenhe eficazmente, por exemplo, a sua tarefa de concessão de empréstimos.

2.   Introdução e síntese da proposta da Comissão

2.1   Na sequência da Comunicação da Comissão intitulada Impulsionar a retoma europeia  (1) e da troca de pontos de vista na Cimeira do Emprego, realizada em 7 de Maio de 2009, a Comissão adoptou, em 3 de Junho de 2009, a Comunicação Um compromisso comum a favor do emprego  (2), onde propôs diferentes acções prioritárias, designadamente:

Melhor utilização das modalidades de tempo de trabalho reduzido.

Melhor antecipar e gerir as reestruturações.

Dinamizar a criação de emprego.

Ajudar os jovens.

2.1.1   Recomenda-se que os «Estados-Membros, juntamente com os parceiros sociais e com o apoio do FSE, assistam os desempregados e os jovens na criação das suas próprias empresas numa base sustentável, proporcionando, por exemplo, formação empresarial e capital de arranque» (3).

2.1.2   Todas as rubricas orçamentais disponíveis, em particular o Fundo Social Europeu, devem contribuir para a gestão da crise. A ajuda financeira do FSE deve concentrar-se na promoção do empreendedorismo e da autonomia tendo em vista a criação de empresas ou mediante uma redução dos custos para contrair um empréstimo.

2.1.2.1

Na sua comunicação, a Comissão também propôs a criação de um novo instrumento comunitário microfinanceiro para o emprego no intuito de proporcionar novas oportunidades aos desempregados e abrir a porta do empreendedorismo a alguns grupos mais desfavorecidos, incluindo os jovens.

2.1.2.2

Para além da bonificação das taxas de juro que o FSE concede, os criadores de microempresas beneficiarão também de tutoria, formação, acompanhamento individual (coaching) e reforço de capacidades (4).

2.2   Em 2 de Julho de 2009, a Comissão propôs finalmente um novo instrumento microfinanceiro para o emprego e a inclusão social – Progress (5), concebido para ajudar na criação de microempresas por desempregados e grupos desfavorecidos e no desenvolvimento da economia social. Propôs ainda reafectar 100 milhões de euros do orçamento existente para o programa comunitário para o emprego e a solidariedade social – Progress.

2.3   O Programa Comunitário para o Emprego e a Solidariedade Social Progress (2007-2013) concede apoio financeiro aos projectos que contribuem para a realização dos objectivos da UE nos domínios do emprego, dos assuntos sociais e da igualdade de oportunidades, incluindo o seu desenvolvimento posterior. O Progress ajuda também à execução e orientação concretas da agenda social europeia. O programa tem também por objectivo reforçar o apoio aos compromissos e esforços dos Estados-Membros para criarem mais e melhores empregos e construírem uma sociedade mais coesiva (6).

2.3.1

Até ao momento, os fundos do Progress financiam o seguinte:

uma análise e orientações para a elaboração das políticas;

acompanhamento da aplicação da legislação e das estratégias comunitárias;

promoção da transferência de políticas entre diferentes actores;

plataformas de intercâmbio de experiências entre Estados-Membros.

2.3.2

De acordo com a lógica do quadro estratégico, o Progress disponibiliza também os seguintes produtos  (7):

Formação pertinente e aprendizagem de profissionais de direito e de política;

Relatórios de acompanhamento/avaliação rigorosos sobre a aplicação e o impacto da legislação e das políticas da UE;

Identificação e divulgação de boas práticas;

Actividades de informação e comunicação, ligação em rede dos interessados e eventos;

Instrumentos, métodos e indicadores estatísticos adequados;

Pareceres, estudos e análises de políticas adequados;

Apoio a organizações não governamentais (ONG) e a redes.

2.3.3

O programa Progress assim definido vem substituir vários programas de acção comunitários anteriores, com o objectivo de fomentar sinergias e de, através dessa fusão, obter mais transparência e coerência.

2.4   No seu parecer SOC/188, de 2005, o CESE acolheu com grande satisfação a proposta da Comissão Europeia, sublinhando que, tal como o Fundo Social Europeu (FSE), o programa Progress constituiria um dos principais instrumentos de financiamento para apoiar a agenda social.

2.4.1

No mesmo parecer, porém, o CESE solicitava a atribuição de fundos orçamentais suficientes ao Progress e questionava-se sobre se os meios financeiros propostos pela Comissão Europeia o seriam. Havia que «garantir que a anunciada simplificação dos procedimentos administrativos resultava não só numa melhor gestão do programa, mas também numa estruturação dos conteúdos do programa adequada às características dos grupos-alvo».

2.4.2

O Comité instava igualmente à promoção de intercâmbios entre os actores das sociedades civis nacionais, bem como das redes UE-ONG pertinentes.

2.5   No quadro do acordo interinstitucional de 2006 e por pressão do Parlamento Europeu, adicionaram-se 114 milhões de euros aos fundos do Progress. Assim, o programa iniciou-se com um orçamento total de 743 250 000 euros para um período de sete anos (2007-2013) e foi ajustado em consequência. Este orçamento destina-se à promoção de alterações ou de uma modernização nos cinco domínios abrangidos pelo programa, designadamente o emprego, a protecção e a inserção sociais, as condições de trabalho, a não discriminação e a igualdade entre os géneros.

2.6   O Progress está aberto aos 27 Estados-Membros, aos países candidatos à adesão à UE e aos países da EFTA e do EEE. Os grupos-alvo incluem os Estados-Membros, os órgãos de poder local e regional, os serviços públicos de emprego e os institutos nacionais de estatística. As universidades, os institutos de investigação, os parceiros sociais e as organizações não governamentais podem também participar.

2.6.1

A Comissão selecciona os projectos que receberão apoio financeiro com base em concursos públicos ou em convites à apresentação de propostas.

2.7   A Comissão considera que a redistribuição de uma parte dos fundos não afectará os objectivos do programa Progress.

2.7.1

Serão atribuídos 100 milhões de euros ao novo instrumento microfinanceiro europeu para o emprego e a inclusão social – Progress, ou seja, no período restante entre 2010 e 2013, o programa terá menos cerca de 25 milhões de euros por ano (8).

2.7.2

Assim, a Comissão propõe que o artigo 17.o, n.o 1, da Decisão n.o 1672/2006/CE, que estabelece o programa Progress, passe a ter a seguinte redacção:

«O enquadramento financeiro para a realização das actividades comunitárias a que se refere a presente decisão, para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2013, é de 643 250 000 euros.» (9).

3.   Observações na generalidade

3.1   O CESE congratula-se por todos os programas europeus virem a ser examinados em relação ao seu eventual contributo para combater a crise e, em especial, para a conservação do emprego e a criação de novos postos de trabalho.

3.1.1

São precisamente os grupos mais desfavorecidos, sejam os desempregados, os jovens, as famílias monoparentais, os migrantes ou as mulheres, que necessitam de um apoio eficaz. No entanto, não é suficiente propor-lhes empréstimos, pois o que eles precisam mesmo é de aconselhamento, de uma qualificação e de um apoio prévios, nomeadamente para elaborar um bom plano de actividades. Devia-se referir aqui as ligações ao apoio a título do FSE, a fim de examinar os riscos e oportunidades eventuais do projecto de empresa.

3.2   Em princípio, a estrutura do instrumento microfinanceiro Progress devia diferenciar melhor os seguintes grupos-alvo:

a)

microempresas de economia social existentes;

b)

requerentes individuais.

3.3   Como assinalado no parecer INT/494, o CESE apoia em princípio a ideia de disponibilizar microcréditos aos indivíduos e às microempresas de economia social com condições vantajosas, desde que criem ou garantam empregos. O Comité manifesta, porém, algumas dúvidas sobre se a redistribuição dos fundos e a consequente redução orçamental para o Progress não terá um impacto considerável na eficácia e no alcance do programa (10), sobretudo, se conseguirá concretizar satisfatoriamente a sua missão de apoiar o desenvolvimento da Europa social, em especial no contexto da Estratégia de Lisboa após 2010. Solicita-se, portanto, à Comissão que esclareça este aspecto o mais depressa possível. Defender, como faz a avaliação ex ante  (11), que, em termos realistas, o financiamento tem de ser retirado de um orçamento existente, não é suficiente para justificar a transferência de fundos do Progress.

3.3.1

Por último, há muitas outras rubricas orçamentais e programas, por vezes de muito maior envergadura como o FSE, que já permitem aos Estados-Membros utilizar fundos para o microcrédito, mas a que os Estados-Membros ainda não recorreram.

3.3.2

Deve também apresentar o impacto potencial nas rubricas orçamentais autónomas referentes, por exemplo, ao diálogo social.

3.4   Em geral, não é claro qual o incentivo dado ao sector bancário para assumir, por exemplo, a missão concreta de conceder empréstimos que lhe pertence. A simples transferência de fundos do programa Progress para financiar uma medida não traz qualquer valor acrescentado para a realização dos objectivos do programa. O Comité insta a Comissão a propor os incentivos económicos adequados, a fim de criar do lado da oferta um mercado para os microcréditos destinados aos grupos-alvo mencionados.

3.5   Ao mesmo tempo, solicita à Comissão que examine a possibilidade de financiar o programa do instrumento de microfinanciamento com outros orçamentos ou outros programas. Só nessa altura se poderá falar de atribuir dotações suplementares para promover o emprego e a inserção social. Devido à crise, a Europa será confrontada com grandes reptos, tais como o aumento do desemprego, a diminuição das receitas fiscais e grandes défices orçamentais. O Progress deverá desempenhar, neste contexto, um papel importante e, por isso, há que garantir que dispõe de meios suficientes.

3.6   Se o novo instrumento microfinanceiro tiver de ser financiado por uma redistribuição dos fundos atribuídos ao Progress, é preciso examinar mais concretamente quais são os projectos ou produtos a suprimir ou reduzir, na medida em que o orçamento do Progress disporá de menos 25 milhões de euros por ano. Esta redução, que em relação à duração do programa (2007-2013) representa pouco mais de 13 % do seu orçamento, corresponde na realidade a uma percentagem bem mais elevada na medida em que os 100 milhões de euros serão retirados e transferidos do orçamento restante para o período 2010-2013. Não deve implicar reduções, por exemplo, no apoio às redes europeias de organizações não governamentais que são financiadas ao abrigo do Progress. O indicador de desempenho do Progress é o volume de financiamento concedido às ONG e às redes, por analogia com o quadro estratégico do programa.

3.6.1

Assim, o quadro estratégico de 2009 sublinha a vontade de investir mais neste domínio, de aumentar a capacidade das redes nacionais e da UE para participarem e influenciarem no processo de tomada de decisões e na aplicação de políticas tanto a nível da UE como nacional (12).

3.7   O Comité assinala igualmente não ser apropriada uma redução do financiamento das medidas para a aprendizagem mútua e revisões feitas pelos pares, que estão no cerne do método aberto de coordenação. Estas medidas devem ser desenvolvidas de forma a dar mais apoio ao combate à crise nos Estados-Membros, com a maior participação dos parceiros sociais e das organizações não governamentais interessadas.

3.8   O Comité está convencido de que o corte generalizado dos diferentes domínios do Progress colocará em perigo os objectivos do programa e afectará seriamente o seu impacto. Recomenda, portanto, que, se o novo instrumento de microfinanciamento for instituído com fundos do Progress, se convoque o comité do programa Progress e se debata uma abordagem à redução orçamental, com a participação da sociedade civil.

3.9   Durante o período restante do programa Progress, será preciso chegar a acordo sobre uma nova estratégia pós-Lisboa, divulgá-la e aplicá-la, com a participação de todas as partes interessadas. Isto exigirá um grande apoio, financiado essencialmente pelo orçamento do Progress. O plano de trabalho de 2009 do Progress já inclui medidas na matéria. A partir de 2010, será preciso atribuir mais fundos ao Progress.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2009)114 de 4.3.2009.

(2)  COM(2009) 257.

(3)  COM(2009) 257, p. 7.

(4)  Idem, p. 14.

(5)  COM(2009) 333 e COM(2009) 340.

(6)  Ver o documento da Comissão Europeia Assegurar que o Progress produz resultados – Quadro estratégico para a execução do Progress, programa comunitário para o emprego e a solidariedade social (2007-2013), p. 5.

(7)  Idem, p. 9.

(8)  A ficha financeira da Comissão indica que, no final de 2009, terão sido gastos um pouco mais de 280 milhões de euros do montante total de 745 milhões de euros. Isso significa que os 100 milhões de euros a redistribuir serão retirados do montante orçamental restante.

(9)  COM(2009) 340.

(10)  Na avaliação ex ante da sua proposta, a Comissão explica que o desejável seria atribuir mais de 100 milhões de euros ao novo instrumento microfinanceiro, mas que uma redução orçamental superior a esse montante teria um impacto negativo nos objectivos e prioridades do programa Progress. No entanto, não apresenta uma justificação para isso acontecer apenas a partir de um montante de 100 milhões de euros.

(11)  «The only realistic possibility would therefore be to reallocate funding from an existing budget line. The PROGRESS budget line seems to be the most appropriate in this regard». SEC(2009) 907, p. 12.

(12)  Comissão Europeia – Assegurar que o Progress produz resultados – Quadro estratégico para a execução do Progress, programa comunitário para o emprego e a solidariedade social (2007-2013), p. 18.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/88


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que fixa as obrigações dos operadores que colocam no mercado madeira e produtos de madeira

[COM(2008) 644 final — 2008/0198 (COD)]

2009/C 318/17

Relator: Valerio SALVATORE

Co relator: Brendan BURNS

Em 14 de Novembro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 1 do artigo 175.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que fixa as obrigações dos operadores que colocam no mercado madeira e produtos de madeira»

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, emitiu parecer em 2 de Setembro de 2009 com base no projecto apresentado pelo relator Valerio SALVATORE e pelo co-relator Brendan BURNS.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 87 votos a favor, 7 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE concorda plenamente com o objectivo de minimizar o risco de colocar no mercado europeu madeira e produtos de madeira extraídos ilegalmente. A desflorestação é, com efeito, responsável por cerca de 20 % das emissões mundiais de gases com efeito de estufa e uma das principais causas da redução da biodiversidade. Para alcançar um tal objectivo, haverá, todavia, que mostrar mais coragem e agir mais incisivamente apelando a medidas legalmente vinculativas e a prazos de aplicação mais curtos.

1.2

A proposta de regulamento representa, a par dos acordos de parceira voluntários FLEGT (1), do desenvolvimento de programas de cooperação em matéria de certificação e utilização sustentável dos recursos florestais, bem como dos acordos com os principais países importadores de madeira, um marco fundamental no combate à exploração madeireira ilegal e ao comércio relacionado com esta prática.

1.3

O conceito de sustentabilidade não se cinge apenas à capacidade de produzir madeira mas contempla igualmente critérios sociais (condições de trabalho aceitáveis, respeito dos direitos dos trabalhadores), com base nas definições da OIT (2), económicos (evitar distorções do mercado devido a concorrência desleal) e ambientais (impacto da desflorestação ilegal no ambiente e na redução da biodiversidade).

1.4

No regulamento em apreço, a Comissão vê no sistema de diligência um instrumento para minimizar o risco de colocação no mercado de madeira e produtos de madeira extraídos ilegalmente. Esta opção, tal como está formulada, requer algumas correcções.

1.5

Para começar, considera unicamente os operadores que são os primeiros a comercializar a madeira e seus derivados. Ora, na opinião do CESE, esse sistema deve estender-se, sob diversas formas e com diversas regras, a todos os operadores do sector madeireiro. A rastreabilidade deve aplicar-se a todos os operadores que terão de dispor de informação sobre a origem e as características do produto: país, floresta, espécie, idade e fornecedor. As pequenas e médias empresas, bem como os pequenos produtores, deveriam beneficiar de certa flexibilidade e ter a possibilidade de adaptar-se gradualmente ao novo sistema, sem suportar encargos excessivos.

1.6

Importa, de qualquer modo, evitar duplicações nos sistemas de «rastreabilidade» existentes, reconhecendo as legislações nacionais e respectivos instrumentos de controlo, os sistemas de certificação florestal e os modelos de organização, conquanto preencham os critérios de uma gestão sustentável do património florestal. Sobretudo nos casos em que os princípios da diligência já são aplicados, é inútil impor obrigações burocráticas suplementares. A UE deve estabelecer normas e comportamentos comuns no procedimento de gestão de risco, com maior rigor nas zonas onde é elevado o risco de ilegalidade na gestão da madeira (3), valendo-se eventualmente de instâncias de certificação externas, independentes e com experiência comprovada.

1.7

Os acordos com países terceiros devem prever a cooperação em termos de organização e gestão, bem como sistemas de incentivos sociais, face à correlação inversa observada entre a percentagem do abate ilegal de árvores e o rendimento per capita dos habitantes de um certo país.

1.8

A extensão da diligência a todos os operadores favoreceria a comercialização exclusiva de madeira legal, mais valorizada não tanto pelos efeitos económicos em sentido estrito, mas pelo seu grande impacto social. A gestão perspicaz do património florestal e a utilização de produtos legais representam, com efeito, uma oportunidade de desenvolvimento «sustentável» para as populações locais activas no sector madeireiro e uma garantia de futuro para a indústria europeia do sector.

1.9

O regulamento também deveria abarcar igualmente a madeira e os produtos de madeira destinados à produção de energia a partir de fontes renováveis.

1.10

As sanções para quem não cumpre as obrigações impostas ao comércio de madeira e de produtos de madeira devem ser homogéneas nos vários países e estabelecidas em função do grau de responsabilidade, a fim de prever, no caso de infracções graves, a suspensão das actividades comerciais.

1.11

Para que este sistema funcione bem, a Comissão deveria ser assistida por um grupo consultivo no âmbito do comércio de madeira em que estivessem representadas as várias partes interessadas.

1.12

Dois anos após a entrada em vigor do regulamento, a Comissão deveria avaliar o seu impacto no funcionamento do mercado interno dos produtos de madeira. Se os resultados ficarem aquém dos esperados, conviria rever o regulamento nas suas lacunas.

2.   Introdução

2.1

Esta proposta de regulamento visa combater a exploração madeireira ilegal, favorecendo o aprovisionamento a partir de países com práticas legais de gestão florestal. Trata-se de uma das respostas da UE a este problema que é uma das causas da desflorestação, responsável por cerca de 20 % das emissões mundiais de gases com efeito de estufa e uma das principais causas da redução da biodiversidade a nível mundial. Para além da desflorestação ilegal, dá origem a fenómenos de dumping económico, social e ambiental, comprometendo também a competitividade das actividades da indústria madeireira legal.

2.2

No atinente ao dumping social, a UE tem vindo a procurar desde 1996 integrar nos acordos da OMC (Organização Mundial do comércio) disposições de defesa dos direitos laborais fundamentais. As suas propostas encontraram, contudo, forte resistência por parte dos países em desenvolvimento que acusam os países industrializados de instrumentalizar essas propostas para criar novas formas de proteccionismo relativamente às suas exportações. Além disso, esse tema é neste momento seguido também com grande interesse dentro da UE.

2.3

A Comissão concebeu uma série de possibilidades para garantir que na UE se comercialize unicamente madeira e produtos de madeira de proveniência legal. Estas opções, após terem sido submetidas a análises de impacto, confluíram no chamado «sistema de diligência». Controlos mais severos nas fronteiras teriam seguramente utilidade e eficácia, mas seriam infelizmente incompatíveis com as regras de livre comércio de mercadorias e, por conseguinte, impraticáveis.

2.4

A legalidade é definida com base na legislação do país de extracção, podendo ser verificada nos países signatários dos acordos FLEGT, no âmbito das licenças UE-FLEGT estabelecidas com base em acordos bilaterais voluntários (VPA) entre a Comissão Europeia e cada um dos países exportadores, ou com base nas licenças CITES (4). Nos demais países a legalidade pode ser verificada por outras vias e no caso dos operadores através de sistemas que satisfaçam plenamente os critérios previstos no sistema de diligência.

2.5

Este sistema funda-se na responsabilidade dos operadores de minimizar o risco de comercializarem madeira extraída ilegalmente, mediante um sistema de rastreabilidade baseado na possibilidade de obter informações sobre a proveniência e as características da madeira em conformidade com os requisitos de legalidade estabelecidos pelas legislações nacionais. O seu objectivo é sensibilizar o consumidor e persuadi-lo, no acto da compra, a não contribuir para a exploração ilegal de madeira.

2.6

Para favorecer a aplicação do regulamento em apreço, os operadores poderão recorrer aos sistemas elaborados pelas organizações de vigilância, quando as haja. Seja como for, as autoridades competentes designadas pelos Estados-Membros devem notificar os órgãos de controlo, reservando-se o direito de verificar periodicamente se o seu comportamento é correcto ou não.

2.7

Cabe aos órgãos de controlo, que elaboraram previamente normas para a realização da diligência, autorizar os operadores mediante sistemas adequados. As autoridades competentes realizam, por seu lado, os controlos necessários e aplicam as medidas disciplinares adequadas aos operadores certificados que não respeitem o sistema de diligência.

2.8

Os Estados-Membros estabelecerão o regime de sanções aplicável às violações e tomarão todas as medidas necessárias para garantir a aplicação das disposições do presente regulamento. As regras nele definidas, com base nos acordos da OMC, serão aplicadas do mesmo modo tanto aos produtos importados como aos produtos comunitários.

3.   Observações na generalidade

3.1   O CESE concorda plenamente com o objectivo de garantir que a madeira existente no mercado europeu tenha a sua origem em florestas geridas de modo legal e sustentável. Espera, além disso, que o regulamento seja rapidamente aprovado e constitua um sinal inequívoco do empenhamento da UE contra a exploração madeireira ilegal.

3.2   Convém indubitavelmente reforçar a abordagem bilateral através dos acordos de parceria voluntários FLEGT e dos acordos com os principais países importadores de madeira (EUA, Rússia, China e Japão), a fim de estabelecer normas internacionais para contrariar não só a exploração ilegal de madeira mas também a sua comercialização. É, pois, oportuno desenvolver programas de cooperação com os países produtores tendo em mira a utilização sustentável dos recursos florestais, o respeito das leis nos países produtores e a extensão dos sistemas de certificação. Em termos mais gerais, haverá que realizar projectos que, graças ao desenvolvimento de sistemas adequados de controlo, favoreçam in loco a aplicação dos princípios de «boa governação».

3.3   O sistema de diligência apresenta, contudo, algumas lacunas. A mais saliente é o facto de considerar apenas os operadores quecolocam madeira e produtos de madeira no mercado: os proprietários das florestas, os detentores da licença de exploração e os importadores da madeira. O resultado é que os efeitos esperados sobre o controlo do risco de colocar no mercado produtos ilegais se vão atenuando à medida que os operadores do sector vão chegando mais perto do consumidor final. Na opinião do CESE, esse sistema deve estender-se, sob diversas formas e com diversas regras, a todos os operadores do sector madeireiro da UE.

3.3.1

Todos os intervenientes no mercado devem estar seguros de que toda a madeira em seu poder é legal e dispor, para isso, das informações essenciais sobre a origem do produto: país, floresta, fornecedor, espécie, idade e volume. Tal será possível graças à adopção de um sistema de rastreabilidade que preveja vários níveis de responsabilidade. É, de facto, inútil impor encargos burocráticos suplementares aos pequenos proprietários florestais que operam em domínios nacionais onde já vigoram sistemas legislativos de controlo eficazes e respeitadores do sistema de diligência. Inversamente, deve esperar-se dos grandes operadores que compram e comercializam a madeira na UE ou a importam de países terceiros que apliquem o sistema previsto no regulamento.

3.4   O sistema de diligência, mesmo com as correcções necessárias, parece não bastar a curto prazo para alcançar os objectivos predefinidos, também devido à gravidade e à complexidade do problema da exploração madeireira ilegal. Importa, sobretudo, concentrar as medidas e os controlos nas zonas de origem da madeira e nos elos da cadeia de aprovisionamento que apresentam um risco elevado de práticas ilegais, porque é aí que reside o verdadeiro problema. Neste contexto, a gestão florestal requer que o controlo fique a cargo de instâncias de certificação independentes e com experiência comprovada.

3.5   Seria oportuno delinear a nível da UE um quadro comum definindo as normas a respeitar no procedimento de gestão de risco, tirando maior proveito dos sistemas de controlo e de rastreabilidade da madeira existentes na UE e evitando duplicações inúteis, sobretudo as que sobrecarregam as pequenas e médias empresas florestais. O novo sistema deve ser harmonizado e alinhado pelos sistemas já adoptados nos vários Estados-MembrosConvém, pois, encorajar a aplicação dos sistemas que já respondem aos requisitos colocados pela diligência, com base nas legislações nacionais e em sistemas de controlo idóneos, como a certificação florestal.

3.6   O regulamento também deveria abarcar a madeira e os produtos de madeira destinados à produção de energia a partir de fontes renováveis. Todos os produtos e subprodutos da madeira, incluindo os que apresentem características de sustentabilidade, como a biomassa destinada a produzir energia, devem ter proveniência legal. A legalidade é, de facto, um pressuposto indispensável para a sustentabilidade de qualquer política.

3.7   Importa, por último, definir nos vários Estados-Membros um sistema claro e homogéneo de sanções a aplicar a quem não cumprir as suas obrigações no comércio de madeira e produtos de madeira extraídos legalmente. Para isso, é preciso garantir que as sanções são efectivas, proporcionais e dissuasivas, prevendo, no caso de infracções graves, a suspensão das actividades comerciais.

4.   Observações na especialidade

4.1

Para alcançar os objectivos apontados é fundamental definir os instrumentos mais adequados para assegurar a extracção legal da madeira e dos produtos de madeira comercializados na UE. Para além das legislações nacionais e dos instrumentos previstos na proposta de regulamento, importa ter em conta os vários sistemas que satisfazem já os critérios da diligência, inclusivamente os de certificação das florestas. É igualmente indispensável estabelecer sistemas de reconhecimento adequados para os operadores que comercializam a madeira e os produtos de madeira de um modo correcto e sanções para aqueles que infringem as regras em vigor. Estas regras, impossíveis de fixar a nível europeu, deveriam ser estipuladas pelos Estados-Membros segundo critérios de homogeneidade.

4.2

A extracção ilegal representa, sem sombra de dúvida, uma ameaça para qualquer projecto de gestão florestal sustentável. Os acordos com países terceiros devem, por conseguinte, prever a cooperação em termos de organização e gestão e sistemas de incentivos sociais, tendo em mente a relação inversamente proporcional observada entre a percentagem do abate ilegal de árvores e o rendimento per capita dos habitantes de um certo país. Os países tropicais com grande pressão demográfica e onde a pobreza está mais generalizada são as principais fronteiras de deflorestação (5). Analogamente, os países africanos exportadores de madeira encontram-se entre os cinquenta países mais pobres do mundo, com o índice mais baixo de desenvolvimento humano e um rendimento per capita ínfimo (6).

4.3

A extensão do sistema de diligência a todos os operadores, e não só aos que colocam madeira e produtos de madeira no mercado pela primeira vez, comporta encargos administrativos suplementares. No entanto, as vantagens serão evidentes se se conseguir comercial consequentemente apenas madeira de proveniência legal, rastreável em toda as fases de exploração. Estas vantagens serão múltiplas e não terão puramente carácter económico (7), também e sobretudo social. Num tal contexto, o ambiente é considerado como parte integrante das forças económicas e sociais em que os indivíduos não são movidos unicamente por razões económicas, mas também por interesses de outra natureza (ambientais, sociais e culturais).

4.4

Os produtos obtidos deste modo, para além de irem ao encontro da procura de um mercado cada vez mais sensível à protecção do ambiente, serão valorizados. Isso poderia levar a um benefício não negligenciável se outros países seguissem o exemplo. Deste modo, uma gestão perspicaz do património florestal e a utilização de produtos de proveniência legal representam uma oportunidade de desenvolvimento para os trabalhadores locais e uma garantia de futuro para a indústria europeia do sector.

4.5

É, pois, oportuno que as obrigações sejam impostas em função das dimensões das empresas, concedendo às pequenas e médias empresas e aos pequenos produtores uma maior flexibilidade e dando-lhes a possibilidade de se adaptarem gradualmente ao sistema de diligência. Em particular, os operadores que compram pela primeira vez a madeira devem minimizar o risco de comercialização de produtos ilegais através de documentos de rastreabilidade que atestam a origem e as características do produto (país, floresta, fornecedor, espécie, idade e volume), enquanto os demais operadores do sector têm de declarar por escrito a quem compraram a madeira.

4.6

No texto do regulamento deveria ficar bem patente o pleno reconhecimento das leis e dos modelos organizativos nacionais conformes com os critérios de gestão sustentável do património florestal, evitando transformar a imposição de novas regras num fim em si. A propósito, conviria ampliar o conceito de sustentabilidade que não se cinge apenas à capacidade de produzir madeira mas contempla igualmente critérios sociais (condições em que sejam respeitados os direitos humanos e laborais), económicos (evitar distorções do mercado devido a concorrência desleal) e ambientais (impacto das actividades no ambiente e na biodiversidade da região).

4.7

Haverá que criar um clima positivo favorável aos operadores que actuam correctamente e informam os compradores sobre a origem legítima da madeira e dos seus derivados. Por último, também seria conveniente lançar uma campanha de sensibilização para compenetrar os consumidores da importância de conhecer e poder verificar, através da rastreabilidade, a proveniência legal da madeira e dos produtos de madeira no momento da compra.

4.8

Poder-se-á incrementar a utilização de madeira extraída legalmente na construção civil e no sector de fabrico de móveis ou de produtos afins, mediante acções conjuntas e a distribuição de material de divulgação e informação. O objectivo em vista é promover a madeira certificada como a única matéria-prima sustentável capaz de se reproduzir a si própria naturalmente e armazenar dióxido de carbono durante todo o seu ciclo de vida – uma característica que a distingue de qualquer outro material.

4.9

Para que este sistema funcione correctamente, a Comissão deveria ser assistida por um grupo consultivo para o comércio de madeira com a participação das várias partes interessadas.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Actionplan for Forest Law Enforcement Governance and Trade (Plano de Acção para a Aplicação da Legislação, Governação e Comércio no Sector Florestal).

(2)  OIT – Organização Internacional do Trabalho.

(3)  Ruhong Li, J. Buongiorno, J.A. Turner, S. Zhu, J. Prestemon. Long-term effects of eliminating illegal logging on the world forest industries, trade, and inventory. Forest policy and Economics. 10 (2008) 480-490.

(4)  Convenção Internacional sobre o Comércio de Espécies da Fauna e da Flora Ameaçadas de Extinção.

(5)  Causes of forest encroachment: An analysis of Bangladesh. Iftekhar M.S., Hoque A.K.F. Geo Journal 62 (2005) 95-106.

(6)  Greenpeace. A indústria madeireira em África. Impactos ambientais, sociais e económicos. (2001)

(7)  Economics of sustainable forest management. Editorial. Shashi S. Kant. Forest Policy and Economics. 6 (2004) 197-203.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/92


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde sobre a gestão dos bio-resíduos na União Europeia

[COM(2008) 811 final]

2009/C 318/18

Relator: BUFFETAUT

Em 3 de Dezembro de 2008, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

«Livro Verde sobre a gestão dos bio-resíduos na União Europeia»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 2 de Setembro de 2009, sendo relator Stéphane BUFFETAUT.

Na 456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 160 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1

O Comité Económico e Social acolhe favoravelmente a iniciativa encetada pela Comissão Europeia no seu Livro Verde. Lamenta, no entanto, que a reflexão se limite apenas aos bio-resíduos e não abranja todos os resíduos biodegradáveis.

1.2

Na falta de uma regulamentação comum, o Comité advoga uma regulamentação com princípios e abordagens técnicas harmonizados.

1.3

Insiste também na necessidade de respeitar a hierarquia dos métodos de gestão dos resíduos e de incitar e favorecer a reciclagem e a valorização, nomeadamente a valorização energética.

1.4

É favorável a que se envidem todos os esforços para prevenir a produção de resíduos por parte dos consumidores e dos produtores industriais, mas sem esquecer que as tonelagens evitáveis constituem apenas uma parte insignificante do total de resíduos. Visto que a gestão dos bio-resíduos e as possibilidades de utilização dos materiais produzidos dependem em grande parte das condições locais, o Comité considera que a União Europeia deve, por enquanto, optar por orientações claras e pela definição de objectivos qualitativos, em vez de adoptar regras vinculativas uniformes sobre as modalidades de produção de composto. Os Estados-Membros devem, pois, dispor de alguma margem de manobra para aplicar os objectivos europeus. Importa, no entanto, avaliar a aplicação prática da política comunitária cinco anos após a implantação de eventuais orientações. Se essa avaliação revelar uma aplicação insatisfatória, convirá então elaborar uma legislação mais vinculativa.

2.   O que são bio-resíduos?

2.1

Consideram-se bio-resíduos os resíduos biodegradáveis de jardins e parques, os resíduos alimentares e de cozinha das habitações, dos restaurantes, das unidades de catering e de retalhistas de produtos alimentícios, bem como os resíduos similares das unidades de transformação de alimentos. Esta definição não inclui portanto os produtos residuais silvícolas e agrícolas, o estrume, as lamas de depuração nem outros resíduos biodegradáveis como os têxteis naturais, o papel ou a madeira transformada. O Livro Verde trata especificamente os bio-resíduos e não todos os resíduos biodegradáveis, cuja definição é mais ampla e engloba os bio-resíduos.

2.2

A quantidade total de bio-resíduos gerada anualmente na UE é de 76,5-102 Mt de resíduos alimentares e de jardim incluídos nos resíduos sólidos mistos urbanos e de até 37 Mt de resíduos da indústria agro-alimentar.

3.   Porquê um Livro Verde?

3.1

Importa constatar, logo de início, que as políticas nacionais variam muito de um Estado-Membro para outro. Assim sendo, resta saber se as acções a nível nacional são suficientes ou se seria preferível e mais eficaz agir a nível comunitário, dada a importância das condições locais específicas, designadamente, o clima.

3.2

A directiva-quadro sobre os resíduos solicita à Comissão que avalie a gestão dos bio-resíduos, no intuito de apresentar orientações ou propostas legislativas, caso as iniciativas nacionais não sejam suficientemente eficazes.

3.3

Em 1999 e 2001 foram publicados dois documentos de trabalho, mas a situação evoluiu consideravelmente desde então, nomeadamente devido à adesão de doze novos Estados-Membros.

3.4

Assim sendo, o Livro Verde tem por objectivo explorar opções para melhorar a gestão dos bio-resíduos na União Europeia. Pretende-se encetar um debate sobre se é ou não oportuno empreender, no futuro, acções a nível comunitário que tenham em conta a hierarquia de tratamento dos resíduos e as eventuais vantagens económicas, sociais e ambientais. Este exercício é dificultado pelo facto de existirem numerosas incertezas a este respeito.

4.   As técnicas existentes

4.1

Destacam-se nos Estados-Membros as seguintes técnicas:

a recolha selectiva, que permite a produção de composto de melhor qualidade;

a deposição em aterro, ainda muito utilizada para os resíduos sólidos urbanos (RSU);

a incineração com valorização energética (menos pertinente no sul, onde o aproveitamento do calor gerado não tem tanta utilidade);

o tratamento biológico;

o tratamento em conjunto com outros resíduos;

a transformação do composto em pequenas bolas combustíveis;

o tratamento aeróbio;

o tratamento anaeróbio;

o tratamento mecânico-biológico, que alia a triagem ao tratamento biológico.

4.2

Todas estas técnicas são utilizadas nos Estados-Membros, com predomínio de três opções: a incineração, para evitar a deposição em aterro, a valorização em proporções elevadas mas com um nível de incineração assaz reduzido e a deposição em aterro.

4.3

As normas existentes também variam. Existe regulamentação sobre a utilização e qualidade do composto, que diverge de Estado para Estado, e também sobre a valorização energética, que foi redigida a nível comunitário.

4.4

Os efeitos ambientais e económicos variam conforme as técnicas. A deposição em aterro é considerada a solução menos onerosa, ao passo que a incineração requer um investimento mais avultado. No que diz respeito ao tratamento biológico, as técnicas são tão variadas que se torna difícil definir um custo único.

5.   Observações na generalidade

5.1   Âmbito de aplicação

5.1.1

O Livro Verde não cobre todos os resíduos biodegradáveis, o que é restritivo, já que, desta forma, os resíduos biodegradáveis não são objecto de análise no seu conjunto. De certa forma, cria-se assim uma nova categoria de resíduos biodegradáveis que se limita aos resíduos biodegradáveis dos parques e jardins e aos resíduos alimentares domésticos e provenientes de actividades de comércio de produtos alimentícios ou da indústria agro-alimentar.

5.1.2

Os circuitos de recolha e as ferramentas de tratamento dos bio-resíduos e dos resíduos biodegradáveis, bem como, por vezes, os processos de valorização, são concebidos e aplicados de forma uniforme. Seria mais lógica uma abordagem global e homogénea desde o início, que empregasse uma regulamentação comum. Caso essa regulação única se revelasse impossível de aplicar, seria então necessário recorrer a uma regulamentação com princípios e abordagens técnicas harmonizados.

5.1.3

As opções de gestão dos bio-resíduos (e dos resíduos biodegradáveis de forma geral) devem respeitar a hierarquia de gestão de resíduos: prevenção, reciclagem (neste caso, não se põe a hipótese da reutilização), outro tipo de valorização, nomeadamente a valorização energética, e, por fim, a eliminação.

5.1.4

A prevenção é evidentemente desejável. Na prática, trata-se de limitar a proporção de alimentos não consumidos nos resíduos e de limitar a produção de resíduos de jardins e de parques através de métodos de cultivo adaptados. Convém, no entanto, ser realista: a produção de bio-resíduos é inevitável.

5.1.5

Para este tipo de resíduos, a reciclagem deve ser vista como o modo de gestão priorirário. Neste caso, ela consiste em produzir correctores de solos orgânicos por compostagem ou fertilizantes por metanização. O método de recolha que precede o tratamento biológico é muito importante. Neste aspecto, pode proceder-se a uma recolha selectiva na fonte ou a uma recolha indiscriminada, seguida de triagem nas instalações de tratamento. Convém frisar, neste ponto, que a qualidade dos produtos utilizados para o fabrico de composto influencia muito a qualidade do produto final. O importante é que sejam atingidos os objectivos em matéria de reciclagem e da qualidade do produto final, seja qual for a tecnologia ou o modo de tratamento empregados.

5.1.6

No caso dos resíduos biodegradáveis, o rendimento obtido pela valorização é optimizado pelo processo de metanização. A valorização energética da fracção residual dos resíduos é um complemento indispensável às fileiras de reciclagem dos resíduos biodegradáveis, uma vez que impede o desperdício da energia que eles encerram.

5.2   Utilização de composto

5.2.1

No que diz respeito à utilização de composto, importa destacar que os mercados para estes produtos são muito variados nos diversos Estados-Membros e que as relações comerciais de importação/exportação são bastante limitadas. O mercado de composto é essencialmente local. Nalguns países, o produto é utilizado principalmente na agricultura, ao passo que noutros é mais orientado para a regeneração da cobertura vegetal ou empregue em correctores de solos destinados a utilizadores individuais. Assim sendo, parece lógico que a regulamentação seja elaborada em função da utilização a dar ao produto final. Neste aspecto, existem três grandes tipos de utilização/produto:

nutrição das plantas e dos solos;

melhoria das propriedades físicas dos solos;

substituição parcial dos solos.

5.2.2

Em todo o caso, os critérios de qualidade sanitária e ambiental dos materiais finais (composto ou lamas e lodos de digestores) devem ser definidos com base em estudos científicos de análise de riscos. Os critérios de qualidade finais dos compostos ou lamas e lodos de digestores devem ser determinados com base nas utilizações previstas e em análises de riscos que se baseiem em metodologias sólidas e comprovadas.

5.3   Nível de decisão

5.3.1

Para desenvolver o tratamento dos bio-resíduos, cujas condições variam em função da geografia, do clima e dos mercados para o composto, é preferível remeter a sua gestão para os Estados-Membros, enquadrada por orientações claras definidas a nível europeu e por critérios de qualidade estabelecidos cientificamente.

5.3.2

Assim, a política da UE deveria assentar na definição de normas para o composto, num apoio vigoroso à recolha selectiva e à reciclagem, na definição de normas para o processo de produção de composto e na troca de boas práticas. O conjunto deve, no entanto, conservar uma certa flexibilidade, pelo que será preferível estabelecer orientações claras em vez de medidas legislativas demasiado vinculativas e mal ajustadas às condições locais. Com efeito, os órgãos de poder local dispõem de um leque de medidas, entre as quais a política tarifária e os regimes tributários. Deste modo, o facto de, em França, por exemplo, os municípios poderem optar pela triagem selectiva comporta uma diminuição dos encargos de recolha do lixo doméstico, o que beneficia directamente os contribuintes e constitui um forte incentivo para os órgãos de poder municipal. É no entanto verdade que a recolha selectiva é mais fácil de organizar em zonas rurais e suburbanas do que no centro das cidades, especialmente das cidades antigas.

5.4   Classificação do composto. Em vez de classificar a qualidade do composto a priori em função do tipo de recolha – selectiva ou de resíduos mistos – convém definir critérios de qualidade para o produto final, independentemente da sua origem, devendo esses critérios ser estabelecidos com base em dados científicos e sanitários fiáveis e em função da utilização prevista para o composto.

5.5   Técnicas a promover. Mesmo que seja difícil impor a recolha selectiva, já que ela pode revelar-se muito difícil de aplicar, especialmente nos centros urbanos, importa promover esta prática sempre que seja viável do ponto de vista técnico e económico. Este esforço deve ser acompanhado de uma política de informação e comunicação forte destinada a alterar os comportamentos e hábitos da população.

5.5.1

Importa promover o tratamento biológico em detrimento de outras formas de tratamento, nomeadamente a deposição em aterro. Note-se, a este respeito, que um conjunto de instrumentos económicos e fiscais poderá incitar as autoridades responsáveis a encontrar soluções alternativas à deposição em aterro. Por exemplo, o aumento ou criação de taxas ou impostos sobre a deposição em aterro, que sirvam para financiar o tratamento dos resíduos com vista à sua exploração. É ainda importante que as alternativas estejam disponíveis a um custo acessível.

5.5.2

A hierarquia dos resíduos deve ser levada em conta e as medidas de prevenção devem ser reforçadas.

5.6   Instalações não abrangidas pela futura Directiva IPPC. As instalações não abrangidas pela futura Directiva IPPC (que tratem menos de 50 Mt de resíduos) devem respeitar um regime de garantia de qualidade. Importa ainda destacar que, uma vez que estas pequenas instalações representam uns meros 30 % do total de instalações, elas são responsáveis por uma parcela reduzida da tonelagem total de resíduos.

6.   Considerações específicas: oito perguntas

6.1   A Comissão apresentou às partes interessadas oito perguntas específicas, às quais o Comité Económico e Social Europeu se propõe dar resposta.

6.2   Pergunta 1: prevenção dos resíduos

6.2.1

O CESE não pode deixar de subscrever o objectivo geral de reduzir a produção de resíduos. Esta prevenção pode ser quantitativa e/ou qualitativa. No primeiro caso, trata-se de limitar a quantidade de resíduos que entram nos circuitos de gestão colectiva através da compostagem doméstica ou a nível de bairro. No entanto, estas técnicas têm, na prática, volumes limitados e efeitos pouco significativos a curto e médio prazo. No segundo caso, trata-se de evitar a contaminação dos resíduos biodegradáveis.

6.2.2

Tanto no caso da prevenção quantitativa como qualitativa, é necessário sensibilizar e educar a população, que tem um papel essencial não só na produção dos resíduos mas também na sua triagem e recolha. Esta sensibilização deverá concretamente, e numa primeira fase, dirigir-se aos maiores produtores de resíduos.

6.2.3

Ela poderá incluir medidas específicas, como por exemplo:

campanhas para prevenir a produção de resíduos alimentares;

uso de sacos de recolha biodegradáveis e integralmente compostáveis;

recolha selectiva de resíduos domésticos perigosos;

incentivo ao desenvolvimento da recolha selectiva de bio-resíduos junto dos maiores produtores;

prevenção da produção de resíduos ao longo da cadeia de abastecimento.

6.3   Pergunta 2: limitar a deposição em aterro

6.3.1

Uma maior redução da deposição de bio-resíduos em aterro acarreta vantagens ecológicas e permite a valorização energética desses resíduos, bem como a reciclagem dos materiais e a produção mais intensa de composto. Por outro lado, requer a existência de alternativas a custo acessível.

6.3.2

Neste contexto, convém promover os tratamentos biológicos, por exemplo, através de instrumentos financeiros. Em França, o aumento da taxa sobre o aterro de resíduos foi acompanhado por uma redistribuição de fundos para os tratamentos biológicos. Deve também considerar-se a imposição de uma taxa para a reciclagem de resíduos biodegradáveis.

6.4   Pergunta 3: opções de tratamento de bio-resíduos desviados dos aterros

6.4.1

A digestão anaeróbia de resíduos com valorização energética de biogás e utilização de lamas e lodos de digestores para o fabrico de composto parece particularmente indicada. Este método coaduna-se com o conceito de «ciclo de vida», uma vez que permite reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, melhorar a qualidade dos solos graças ao composto e proceder à valorização energética do biogás.

6.4.2

Seja como for, e independentemente da técnica utilizada, deve dar-se prioridade à reciclagem com produção de fertilizantes destinados à reutilização no solo e levada a cabo através de tratamentos biológicos cujo balanço ambiental seja unanimemente reconhecido como positivo.

6.4.3

O conceito de ciclo de vida é interessante, mas a sua utilização prática falha na medida em que os instrumentos de aplicação actualmente disponíveis não permitem implantá-lo. As metodologias de avaliação da gestão devem ser melhoradas para levarem em conta os efeitos das alterações climáticas e a questão da qualidade dos solos.

6.4.4

Para a incineração de resíduos homogéneos devem ser aplicadas condições mais favoráveis devido ao menor risco associado à sua incineração.

6.5   Pergunta 4: valorização energética dos bio-resíduos

6.5.1

Os resíduos biodegradáveis urbanos contribuem em 2,6 % para a produção de energia renovável. Este é o resultado dos métodos de tratamento utilizados actualmente, nomeadamente a incineração e o tratamento do biogás derivado dos aterros e da metanização.

6.5.2

Segundo a Agência Europeia do Ambiente, o potencial energético dos resíduos urbanos seria de 20 milhões de toneladas equivalentes de petróleo, o que representa cerca de 7 % do potencial global das energias renováveis disponíveis em 2020. Isto significa que há grande margem para progressos neste domínio. Assim sendo, convém não considerar a valorização energética dos bio-resíduos a priori como uma iniciativa negativa. Pelo contrário, o desenvolvimento da metanização dos bio-resíduos deve ser visto como uma via interessante e a promover.

6.5.3

É essencial fomentar o desenvolvimento de tecnologias novas e mais eficazes a fim de aumentar a transformação de resíduos mediante instalações de biogás e outras formas de utilização de resíduos para a produção de biocombustíveis.

6.6   Pergunta 5: reciclagem dos bio-resíduos

6.6.1

É indispensável apoiar o reforço da reciclagem e da valorização dos bio-resíduos. Para isso, é necessário não só informar e incentivar os produtores de bio-resíduos mas também actuar junto dos órgãos de poder público responsáveis. Neste sentido, poder-se-ia, por exemplo, incitar cada Estado-Membro e fixar uma meta para a utilização de fertilizantes de origem renovável.

6.6.2

Faria sentido considerar as seguintes medidas:

incentivos fiscais para operações de reciclagem dos resíduos biodegradáveis e de valorização do composto e das lamas e lodos de digestores;

introdução de cláusulas nos mercados públicos que privilegiem a utilização de fertilizantes de origem renovável;

promoção de sistemas de garantia de qualidade para as várias fases dos tratamentos biológicos;

valorização energética da fracção residual dos resíduos.

6.7   Pergunta 6: reforçar a utilização do composto/lamas e lodos de digestores

6.7.1

Considerando a diversidade de utilizações e de produtos, seria conveniente fixar regras tanto para os produtos de compostagem como para a sua utilização.

6.7.2

No que diz respeito aos produtos de compostagem, importa fixar valores-limite para as substâncias contaminantes, poluentes e para os elementos patogénicos.

6.7.3

No atinente à utilização dos produtos de compostagem, seria útil fixar:

objectivos de nutrição das plantas e dos solos;

objectivos de melhoria das propriedades físicas dos solos;

objectivos de substituição parcial dos solos.

6.7.4

Cada objectivo corresponderia às características e qualidades do composto em causa. Em qualquer dos casos, os critérios de qualidade sanitária e ambiental dos materiais finais deveriam ser definidos com base em estudos científicos de análise de riscos. Esses critérios diriam respeito aos poluentes, aos elementos patogénicos e às impurezas.

6.7.5

A utilização do composto obtido a partir dos resíduos mistos levanta a questão do modo de tratamento. A recolha selectiva na fonte é a mais segura, mas nem sempre é fácil de organizar. A outra solução consiste numa recolha indiscriminada seguida de triagem nas instalações de tratamento ou num centro de triagem. Na medida em que existem várias técnicas possíveis, importa, desde logo, garantir que sejam atingidas as metas de reciclagem e de qualidade do material final, independentemente do processo utilizado.

6.8   Pergunta 7: lacunas no quadro regulamentar

6.8.1

Todas as instalações de tratamento de resíduos devem ser alvo de um acompanhamento e enquadramento rigorosos. Um texto dedicado especificamente à gestão dos resíduos biodegradáveis que fixasse mínimos europeus permitira manter os valores-limite fixados na Directiva IPPC e assegurar uma melhor vigilância das instalações de compostagem, que ficam frequentemente aquém desses valores.

6.9   Pergunta 8: vantagens e desvantagens das técnicas de gestão dos bio-resíduos

6.9.1

O Livro Verde refere a hierarquia dos resíduos e, nesse sentido, recomenda acertadamente que se limite a deposição em aterro. A incineração poderá constituir uma boa forma de valorizar os bio-resíduos. No entanto, neste caso, os nutrientes contidos nos bio-resíduos não serão, naturalmente, utilizados para melhorar a qualidade dos solos. A compostagem tem a vantagem de produzir um material com forte valor fertilizante e com propriedades propícias ao acondicionamento dos solos. O inconveniente reside na produção de emissões de gases com efeito de estufa durante o processo de fabrico do composto. A digestão anaeróbia de resíduos com produção e valorização energética do biogás e utilização de lamas e lodos de digestores para o fabrico de composto é mais complexa e requer investimentos mais avultados do que a compostagem, mas, por outro lado, permite obter uma fonte de energia renovável mais nobre.

6.9.2

Seja como for, é importante preservar a capacidade de inovação tecnológica dos operadores, para que eles possam impulsionar o desenvolvimento e a melhoria das várias fileiras, tanto a nível económico como a nível quantitativo e qualitativo. O essencial é assegurar a melhor qualidade possível do composto produzido. Importa também exigir resultados através de valores-limite estabelecidos cientificamente, e não através da definição de métodos técnicos predeterminados.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/97


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Abordagem comunitária sobre a prevenção de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem

[COM(2009) 82 final]

2009/C 318/19

Relatora: María Candelas SÁNCHEZ MIGUEL

Em 23 de Fevereiro de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Abordagem comunitária sobre a prevenção de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 2 de Setembro de 2009, sendo relatora María Candelas SÁNCHEZ MIGUEL.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 165 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1

A prevenção é um princípio fundamental para a protecção e conservação do meio ambiente, assim como um meio para minimizar possíveis danos para a população civil causados pelas catástrofes naturais ou provocadas pelo homem, que possam ocorrer devido à utilização insustentável dos recursos naturais. O CESE tem lembrado recorrentemente a necessidade de as autoridades competentes em cada Estado-Membro aplicarem as disposições relevantes em vigor nesta matéria e velarem pelo seu cumprimento.

1.2

O método global proposto para a prevenção das catástrofes afigura-se apropriado. Neste sentido, o Comité crê serem fundamentais todos os instrumentos de recolha de informação, tanto para a avaliação da situação actual – inventário, cartografia dos riscos e boas práticas –, como para a realização dos programas de trabalho anuais do Mecanismo Comunitário no domínio da Protecção Civil, através do Centro de Informação e Vigilância. Mais uma vez deverá ser destacado neste contexto o papel dos órgãos do poder local, realçando na proposta o seu contributo para a informação à população civil sobre os métodos e as medidas de prevenção e sobre o modo de actuar em caso de catástrofe.

1.3

Em relação aos sistemas de financiamento propostos para as medidas de prevenção, afigura-se necessário, com base no inventário dos actuais sistemas de prevenção de catástrofes, bem como de outros sistemas concretos no âmbito das políticas agrícola, industrial, etc., alargar o financiamento a outros domínios respeitantes à preparação, planificação e alerta precoce. Para o efeito, deveriam ser disponibilizados meios financeiros suficientes, de modo a não pôr em causa a actual eficácia do mecanismo.

1.4

A investigação relativa a medidas de prevenção de catástrofes é um aspecto essencial que importa desenvolver. Não basta fazer referência ao Sétimo Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico. Há que prever fundos próprios para os programas específicos de prevenção de riscos não só a nível comunitário, mas também dos Estados-Membros.

1.5

Por último, a cooperação internacional em matéria de prevenção vem complementar a cooperação já existente em matéria de intervenção e socorro nas catástrofes. É um instrumento que assenta na solidariedade e é utilizado não só no âmbito da ONU, mas também de outros acordos assinados pela UE, como o Euromed, o Acordo de Lomé, o acordo com a América Latina, etc.

2.   Introdução

2.1

A UE decidiu tomar medidas preventivas de luta contra as alterações climáticas, não só devido aos compromissos que assumiu a nível internacional, mas também às contínuas catástrofes naturais ou provocadas pelo homem que têm ocorrido nos últimos anos na Europa. Esta abordagem preventiva pode servir não só para manter e regenerar o estado dos nossos solos, dos nossos mares e rios, mas também contribuir para que ela se generalize em outros países.

2.2

As medidas incluídas na comunicação em análise são resultado de uma prática já aplicada na maioria dos países comunitários em casos concretos (inundações, incêndios) e que levou, num curto espaço de tempo, ao estabelecimento de uma coordenação a nível comunitário, que permitiu actuar com rapidez e eficácia e mesmo intervir a nível internacional.

2.3

O CESE tem apelado à coordenação e sobretudo à elaboração, a nível comunitário, de uma abordagem europeia integrada para a prevenção de catástrofes naturais (1). Não pode, no entanto, deixar de insistir na necessidade de acompanhar estas medidas de prevenção com um sistema comunitário de assistência para acudir a qualquer catástrofe, considerando-o como um sistema solidário de ajuda não só para os países comunitários, mas para todos os que necessitem dos nossos conhecimentos e meios para poder minimizar os efeitos das catástrofes.

2.4

A prevenção é um princípio fundamental quer para proteger e conservar o meio ambiente, quer para reduzir os possíveis danos para a população civil. O seu objectivo é a utilização sustentável dos recursos naturais. O rápido aumento, nos últimos tempos, da perda de vidas humanas, de biodiversidade e de valores económicos leva-nos a reconsiderar o cumprimento da legislação existente. Neste sentido, o CESE tem vindo a insistir na necessidade de as autoridades competentes em cada Estado-Membro aplicarem as disposições em vigor e velarem pelo seu cumprimento (2), dado que algumas catástrofes poderiam ter sido evitadas ou, pelo menos, os seus efeitos atenuados.

2.5

Os objectivos de prevenção na comunicação em análise não se limitam à UE. Assim, realizou-se, de 16 a 19 de Junho, em Genebra, a 2. Reunião da Plataforma Global para a Redução de Riscos de Desastres Naturais, com uma forte participação da UE. De forma geral, o conteúdo das conclusões está em consonância com os objectivos propostos pela Comissão Europeia. Algumas serão comentadas no presente parecer.

3.   Síntese das propostas da comunicação

3.1

A comunicação em apreço é o resultado do compromisso assumido pela Comissão perante o Parlamento Europeu e o Conselho de reforçar a acção comunitária destinada a prevenir as catástrofes e a atenuar os seus efeitos.

3.2

Os elementos-chave de uma abordagem preventiva baseiam-se fundamentalmente em medidas já adoptadas a nível europeu e fazem parte inclusivamente da legislação sectorial em vigor. Trata-se de ordenar as acções e os meios existentes e de os tornar coerentes entre si, de forma a ter deles uma visão de conjunto. Entre esses elementos importa destacar os seguintes.

3.2.1

Um melhor conhecimento da situação de partida e da situação actual graças a um inventário das informações sobre catástrofes e à divulgação das melhores práticas que possibilite a troca de informações entre as partes interessadas. Isto permitirá a cartografia dos perigos e riscos, como prevê a Directiva 2007/60/CE relativa à avaliação e gestão dos riscos de inundação (3), sendo, para isso, necessário promover a investigação, como prevê o Sétimo Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (2007-2013).

3.2.2

Estabelecer ligações entre os intervenientes e as políticas relevantes em todo o ciclo de gestão das catástrofes é outro dos elementos-chave propostos. O Mecanismo Comunitário no domínio da Protecção Civil será um elemento fundamental devido à grande experiência adquirida graças às suas intervenções. É, no entanto, ainda acentuada a necessidade de formar e sensibilizar o grande público em matéria de prevenção. É dado destaque também à melhoria da ligação entre os intervenientes e é proposta uma rede europeia composta por representantes dos diversos serviços nacionais.

3.2.3

Um elemento essencial da prevenção é a melhoria do funcionamento dos instrumentos existentes e, em especial, a utilização eficiente do financiamento comunitário, visto que é mais barato prevenir do que reparar. Estas medidas deverão ser contempladas em algum fundo (por exemplo, os projectos de florestação/reflorestação) no âmbito da legislação comunitária em vigor, porquanto representam normas preventivas para muitas das catástrofes naturais.

3.3

Por último, é proposto reforçar a cooperação internacional no domínio da prevenção. A Comissão trabalhará em coordenação com a Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução dos Riscos de Catástrofes, assim como com outras organizações no âmbito da Parceria Euro-Mediterrânica e da Política Europeia de Vizinhança.

4.   Observações sobre a proposta

4.1   O CESE considera muito positivo o conteúdo da comunicação da Comissão. Justifica-se esta abordagem, ainda que introduza poucos aspectos novos. Se se cumprissem todas as normas comunitárias em vigor, as medidas preventivas seriam eficazes, evitando e diminuindo, em muitos casos, as catástrofes que ocorrem, infelizmente, cada vez com mais frequência. O CESE (4) fez da prevenção uma das suas reivindicações mais frequentes.

4.2   Algumas propostas, como, por exemplo, as respeitantes às inundações, têm valor como método geral e não só em relação a casos concretos. A natureza das catástrofes, tanto naturais como provocadas pelo homem, requer um método de prevenção geral, que contenha o máximo de informação sobre o estado actual do nosso território, dos nossos mares e rios e da nossa atmosfera, assim como sobre eventuais fugas das instalações de armazenamento subterrâneo do CO2. Por isso, a proposta de elaboração de um inventário de informações sobre catástrofes permitirá a cartografia dos riscos, como prevê a directiva relativa às inundações, o que exigirá uma actuação preventiva das autoridades competentes.

4.2.1

As autoridades competentes em matéria de ambiente variam segundo o sistema de organização territorial de cada Estado (5). O Comité considera, no entanto, importante que sejam elas as responsáveis em primeira instância tanto pela actuação preventiva como pela informação e educação da sociedade civil. Em grande parte, depende delas a eficácia das medidas adoptadas para evitar ou atenuar os efeitos das catástrofes, quer naturais quer provocadas pelo homem.

4.3   O Comité crê oportuno sublinhar a importância do Instrumento Financeiro para a Protecção Civil (6), que permite cobrir, através dos programas de trabalho anuais, não só as actividades próprias do Mecanismo Comunitário no domínio da Protecção Civil (transportes, formação, etc.), mas também outras no domínio da preparação, planificação, alerta precoce e prevenção.

4.4   No programa de trabalho para 2009 (PT), aprovado em Novembro de 2008, foi aumentada de forma significativa a dotação para projectos de cooperação no domínio da prevenção, que passou de 1,1 milhões de euros (PT 2008) para 2,25 milhões de euros (PT 2009), contribuindo, assim, para prevenir ou reduzir os danos a longo prazo mercê de uma melhor avaliação dos riscos. Nele podem participar actores implicados na protecção civil a todos os níveis administrativos e da sociedade.

4.5   Afigura-se igualmente importante assinalar o aumento considerável nesse programa de trabalho das actividades de apoio e de preparação do Mecanismo Comunitário, em que um dos objectivos é apoiar a Comissão na aplicação da estratégia de prevenção de catástrofes e aumentar os conhecimentos nesta matéria, cuja dotação passa de 650 000 euros (PT 2008) para 1,18 milhões de euros, e ainda a inclusão no programa de trabalho para 2009 de um capítulo relativo ao intercâmbio de boas práticas em matéria de prevenção.

4.6   A difusão das melhores práticas permitirá não só uma melhor coordenação entre as autoridades competentes, mas também uma melhor aplicação das medidas de prevenção dos riscos e uma melhor actuação em caso de catástrofe. O Comité entende, a este respeito, que deve ser o Mecanismo Comunitário de Protecção Civil (7), através do Centro de Informação e Vigilância, o responsável pela centralização destas bases de dados, a fim de as tornar mais operacionais.

4.7   Neste sentido, considera que a proposta de melhorar a ligação entre todos os actores através de uma rede europeia constituída pelos diversos serviços nacionais permitirá não só aplicar as melhores práticas em caso de catástrofe, mas terá também uma função preventiva nos casos em que a intervenção costume ser mais difícil.

4.8   Um tema importante é o financiamento das medidas de prevenção. A proposta prevê dois sistemas:

elaboração de um inventário em 2009 dos instrumentos comunitários de financiamento da prevenção das catástrofes, a fim de avaliar a sua utilização e eventuais deficiências (8);

preparação de um catálogo das medidas de prevenção financiadas pelas diferentes políticas comunitárias, por exemplo, projectos de florestação/reflorestação.

4.9   O CESE considera que, além destas propostas, importa analisar o financiamento adequado da protecção civil (Instrumento Financeiro da Protecção Civil), para que as novas tarefas não levem a uma diminuição da capacidade de actuação do Mecanismo Comunitário no que toca não só à prevenção, mas também à gestão das catástrofes.

4.10   Por outro lado, convém insistir novamente na importância da investigação no domínio da prevenção, necessidade que evidencia a conveniência em investir em temas de absoluta prioridade e que já começam a ser abordados no âmbito do Sétimo Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (2007-2013). Todavia, para no tocante a medidas de prevenção concretas, poderia recorrer-se a outros meios de financiamento relacionados com esta matéria, por exemplo, fundos ao abrigo do segundo pilar da PAC para intervenções no domínio da silvicultura. Neste sentido, o Comité entende que a Comissão deveria determinar as fontes de financiamento eventualmente disponíveis nas diferentes políticas comunitárias, e não só na PAC, tais como a política regional, a política energética e a política de luta contra as alterações climáticas, etc., de forma a assegurar uma acção preventiva eficaz para qualquer tipo de catástrofe.

4.11   Importa, ainda, sublinhar a importância da consciencialização dos cidadãos e das organizações sociais e de voluntariado para a necessidade de políticas de prevenção, condição prévia de uma maior segurança e de uma resposta adequada em situações de emergência. A formação e a sensibilização da sociedade civil para a prevenção e a correcta utilização dos recursos naturais são uma das tarefas fundamentais das autoridades competentes, em particular, das autoridades locais, devido à sua proximidade aos recursos e à forma de os utilizar.

4.12   Por último, a proposta de reforçar a cooperação internacional no âmbito da prevenção, e não só das intervenções de socorro, é um dos elementos-chave da Estratégia Internacional para a Redução dos Riscos de Catástrofes das Nações Unidas (ISDR) para os países em vias de desenvolvimento. Em todo o caso, deveria ser considerada a hipótese de, ainda sob a égide da ONU, tornar os mecanismos de intervenção universais, sem, contudo, minimizar a intervenção europeia, que tão útil foi nas últimas catástrofes.

4.13   A Política Europeia de Vizinhança deveria incluir sistematicamente um capítulo consagrado à cooperação em matéria de prevenção de riscos, a fim de promover um desenvolvimento sustentável de acordo com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e o Quadro de Acção de Hyogo da ISDR (Estratégia Internacional para a Redução dos Riscos de Catástrofes das Nações Unidas).

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 204 de 9.8.2008, p. 66.

(2)  JO C 221 de 8.9.2005, p. 35.

(3)  JO L 288 de 6.11.2007.

(4)  JO C 221 de 8.9.2005, p. 35, JO C 195 de 18.8.2006, p. 40, e JO C 204 de 9.8.2008, p. 66.

(5)  O ponto 12 das conclusões da Plataforma apela ao desenvolvimento de uma cooperação que reconheça e reforce a dependência mútua entre as autoridades centrais e locais e a sociedade civil.

(6)  Decisão do Conselho, de 5 de Março de 2007, que institui um Instrumento Financeiro para a Protecção Civil (2007/162/CE, EURATOM).

(7)  JO C 204 de 9.8.2008.

(8)  O ponto 17 das Conclusões da Plataforma reconhece a necessidade de avaliar os eventuais instrumentos de financiamento disponíveis à escala mundial para a redução de catástrofes.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/101


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde — Revisão da política relativa à RTE-T — Para uma melhor integração da rede transeuropeia de transportes ao serviço da política comum de transportes

[COM(2009) 44 final]

2009/C 318/20

Relator: Jan SIMONS

Em 4 de Fevereiro de 2009, a Comissão decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu, nos termos do n.o 1 do artigo 262.o do Tratado CE, sobre o

«Livro Verde – Revisão da política relativa à RTE-T – Para uma melhor integração da rede transeuropeia de transportes ao serviço da política comum de transportes»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 8 de Setembro de 2009, sendo relator Jan Simons.

Na sua 456.a reunião plenária, realizada em 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 167 votos a favor e 1 voto contra, com 5 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Contando a UE a partir de 1996 com um número adicional de Estados-Membros muito considerável, o CESE só pode concordar com a Comissão que é necessária uma revisão a fundo das orientações relativas à rede transeuropeia de transportes (RTE-T). Por este motivo e dada a reformulação das prioridades políticas, nomeadamente com a maior ênfase dada ao ambiente e ao clima, é indispensável reorientar a rede comunitária de infra-estruturas de transporte.

1.2

Quanto ao problema do aumento das emissões de CO2 e aos hiatos ao nível das infra-estruturas e da organização do transporte de mercadorias, o CESE partilha da tese da Comissão segundo a qual haverá que buscar verdadeiras soluções co-modais capazes de gerar sinergias de que o utilizador possa beneficiar.

1.3

O CESE preconiza que, na concepção de uma nova RTE-T, se tenha expressamente em conta a chamada política de vizinhança e as ligações com o Leste e o Sul da UE. Ao mesmo tempo, a Comissão e os Estados-Membros devem concentrar-se mais na rede e menos em projectos de infra-estruturas individuais. Será também uma forma de promover a solidariedade entre os Estados-Membros.

1.4

Para a configuração da futura RTE-T, a Comissão avança com três opções. O CESE comunga da opinião do Conselho de que haverá que estabelecer uma estrutura de nível duplo, com uma rede global e uma rede de base, incluindo uma rede prioritária – definida geograficamente – e um pilar conceptual que permita integrar os vários aspectos da política de transportes e das infra-estruturas de transporte. O CESE considera que será, deste modo, possível aplicar os recursos financeiros da UE com mais eficácia e eficiência do que até aqui. Convinha criar um grupo de coordenação incumbido de monitorizar a utilização dos fundos afectados.

1.5

O CESE insiste junto da Comissão que opte na criação da «rede prioritária» por sistemas de gestão dos transportes interoperacionais cuja realização tenha um carácter mais vinculativo e preveja, inclusivamente, sanções adequadas.

1.6

Quanto ao futuro planeamento da RTE-T, o CESE comunga da abordagem da Comissão referida no Livro Verde, segundo a qual o princípio da utilização de cada modo em função das suas vantagens comparativas em cadeias eficientes de transporte co-modal, é fundamental para ajudar a Comunidade a alcançar os seus objectivos em matéria de alterações climáticas. O objectivo deve ser a transição para a cadeia de transporte mais respeitadora do ambiente.

2.   Introdução

2.1

A Comissão apresentou em 4 de Fevereiro de 2009 o «Livro Verde – Revisão da política relativa à RTE-T – Para uma melhor integração da rede transeuropeia de transportes ao serviço da política comum de transportes» que contém uma revisão da sua política com respeito à rede transeuropeia de transportes (RTE-T).

2.2

A Comissão pretende associar a esta revisão o maior número possível de partes interessadas, a fim de tirar partido dos vários conhecimentos, experiências e posições. Lançou para isso uma consulta pública que ficou concluída em 30 de Abril passado.

2.3

A Comissão tenciona analisar os resultados desta consulta e utilizá-los nos seus trabalhos de definição da sua política neste domínio. Espera-se que o período que resta até ao fim de 2009 se destine à análise das reacções ao Livro Verde e à realização dos estudos necessários. A Comissão prevê revelar no início de 2010 o método que orientará esta política e apresentar no fim de 2010 propostas legislativas – a revisão das orientações relativas à RTE-T e o regulamento na matéria.

2.4

Os artigos 154.o a 156.o do Tratado CE definem a RTE-T como uma contribuição para alcançar os objectivos do mercado interno no âmbito do crescimento e da criação de empregos, bem como para realizar a coesão social, económica e geográfica que beneficiará tanto cidadãos como empresas.

2.5

Além disso, importa transformar em realidade o desenvolvimento sustentável conferindo aos requisitos de protecção do ambiente um lugar proeminente na política a adoptar. A política relativa à RTE-T deverá, ao mesmo tempo, procurar contribuir de forma palpável para os objectivos «20/20/20» da Comunidade em matéria de alterações climáticas.

2.6

A política da UE neste âmbito ganhou forma entre os anos 1990 e 1995 e foi oficializada em 1996 por uma decisão do Parlamento Europeu e do Conselho. Desde essa altura foram investidos 400 mil milhões de euros em projectos de infra-estruturas de transporte de interesse comum, mas é preciso referir que tem havido demoras consideráveis na execução de muitos deles. Em particular no primeiro período da RTE (1996-2003), a maior parte dos projectos de estradas, quando comparados com o número total de projectos prioritários, foi construída pelos Estados-Membros. Novas infra-estruturas para modos de transporte mais respeitadores do ambiente terão, quando necessário, que ser construídas quanto antes.

2.7

Cerca de 30 % desse montante provém de fontes comunitárias, como o orçamento RTE-T, o Fundo de Coesão, o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD) e o Banco Europeu de Investimento (BEI). É estimada em 200 mil milhões de euros a verba restante para investimentos. Está previsto afectar ao sector dos caminhos-de-ferro 80 % do total dos fundos destinados aos projectos RTE-T prioritários.

2.8

A experiência ensina que é difícil compenetrar os cidadãos europeus dos resultados da política RTE-T e do seu valor acrescentado. No Livro Verde em apreço, a Comissão procura através da abordagem proposta colmatar este hiato, colocando os objectivos em matéria de alterações climáticas no centro da futura política de RTE-T.

2.9

A Comissão chega ela própria à conclusão de que é indispensável uma revisão de fundo da política RTE-T. Um processo integrando objectivos económicos e ambientais, claramente orientado para a necessidade de serviços eficientes de transporte de carga e de passageiros com base na co-modalidade e recorrendo à inovação, deverá fornecer uma base sólida para a contribuição efectiva da Comunidade para os objectivos em matéria de alterações climáticas.

2.10

Como a revisão tem um alcance muito vasto, incluindo simultaneamente aspectos políticos e socioeconómicos, institucionais, geográficos e tecnológicos, a Comissão lança mão de um Livro Verde onde tece as suas considerações e oferece às partes interessadas a possibilidade de, através de uma ronda de consultas, reflectirem e apresentarem sugestões para uma nova política RTE-T.

2.11

No atinente ao Livro Verde sobre a futura política RTE-T, o Parlamento Europeu observou na sua resolução de 22 de Abril de 2009 que apoia a noção, embora vaga, de pilar conceptual da RTE-T, mas também considera úteis projectos concretos, em que os modos de transporte respeitadores do ambiente tenham uma presença muito mais vincada na lista dos projectos prioritários.

2.12

O Conselho de Ministros dos Transportes acordou, na sua reunião de 11 e 12 de Junho, em que a totalidade dos actuais projectos prioritários da RTE-T sejam parte integrante de uma rede prioritária coerente, que reúna infra-estruturas já concluídas ou em construção e projectos de interesse comum, e tenham carácter multimodal dedicando a devida atenção aos nós e às conexões intermodais.

2.13

Além disso, considera que a política relativa à RTE-T deve contribuir significativamente para a consecução dos objectivos ambientais e relacionados com as alterações climáticas. A integração e a interconexão óptimas de todos os modos de transporte (tanto os sistemas de transporte físicos como os inteligentes), ao tornarem possível a concretização de serviços eficazes de transporte co-modais, constituem uma base sólida de apoio aos esforços desenvolvidos pelo sector dos transportes para reduzir as emissões de CO2 e de outros poluentes.

3.   Observações na generalidade

3.1

O CESE é de opinião que a Comissão, após ter constatado que a aplicação da decisão do Parlamento Europeu e do Conselho de 1996 no sentido de levar a bom termo uma rede de infra-estruturas transeuropeias de interesse comunitário não está a correr conforme planeado, o que, aliás, transparece já na sua comunicação «Redes transeuropeias: para uma abordagem integrada» (COM(2007) 135 final), adoptou as medidas adequadas para, através da consulta pública sobre o Livro Verde, criar uma base para a revisão de fundo da política RTE-T.

3.2

Na opinião do CESE, as orientações relativas à RTE-T carecem realmente de uma revisão de fundo, uma vez que a UE tem vindo desde 1996 a ser ampliada com um grande número de Estados. Esta evolução torna indispensável uma reorientação da rede comunitária de infra-estruturas de transporte.

3.3

A avaliação feita pela Comissão das orientações relativas à RTE-T indica que o «planeamento» inicial desta rede comunitária, cujo propósito era essencialmente reunir partes significativas das redes nacionais para os vários modos de transporte e ligá-las entre si nas fronteiras nacionais, perdeu o seu vigor em consequência do alargamento da União.

3.4

Uma vez que serão necessárias verbas muito avultadas para a realização de uma nova política RET-T, o CESE defende que se tenha em conta o maior número possível de factores e elementos relevantes para se fazer as escolhas mais adequadas e responsáveis. Como ponto de partida, o CESE recomenda que os recursos financeiros devem ser o reflexo das ambições nutridas e não o contrário.

3.5

A base da futura política RTE-T está já consagrada no Tratado CE. Nos artigos 154.o a 156.o são enunciados os elementos a que é preciso atender. No passado não se deu a devida importância ao desenvolvimento sustentável nem, no seu prolongamento, aos objectivos em matéria de alterações climáticas, mas o CESE concorda com a Comissão que esses aspectos são um elemento fundamental da política de transporte, em geral, e, por conseguinte, também da política RTE-T. O CESE já se pronunciou, de resto, a este respeito no seu parecer de 13 de Março de 2008 (TEN/298-CESE 488/2008), em que salientou igualmente a relevância de uma abordagem integrada.

3.6

Para a colocação em prática das disposições do Tratado, foram elaboradas as chamadas orientações RTE-T que enunciam as condições em que se deve seleccionar os projectos de interesse comum que são apoiados pelos Estados-Membros. Estas orientações têm o objectivo político último de estabelecer uma rede única multimodal que permita de uma forma inovadora um tráfego seguro e eficiente.

3.7

O CESE associa-se à Comissão quando afirma que, para encontrar verdadeiras soluções co-modais à altura de fazer face aos problemas causados pelo aumento das emissões de CO2 e colmatar os hiatos a nível das infra-estruturas e da organização. Por exemplo, o CESE considera, tal como a Comissão, essencial o desenvolvimento de auto-estradas do mar para o ulterior desenvolvimento da RTE-T.

3.8

A Comissão entende que uma política RTE-T revista terá de assentar nos resultados até agora alcançados e garantir a continuidade da abordagem antes adoptada. O CESE pergunta se uma tal abordagem se enquadrará numa revisão de fundo da política RTE-T. Segundo o CESE, uma avaliação dos objectivos dos actuais projectos prioritários enunciados no Anexo III das orientações relativas à RTE-T – baseada em critérios objectivos – deveria implicar uma adaptação do anexo, o que pode significar logicamente a supressão de certos projectos.

3.9

No atinente à configuração de uma nova política RTE-T, o CESE concorda com a Comissão que deve ter um objectivo dúplice, integrando a economia e a protecção do ambiente. O CESE crê que uma abordagem integrada gerará sinergias, sobretudo tratando-se de projectos relacionados com o alargamento da União. É, por conseguinte, fundamental que, na escolha de uma rede, se tenha igualmente em conta o impacto ambiental, inclusivamente as consequências para o clima. Importa, por conseguinte, encontrar um equilíbrio entre interesses económicos e protecção do ambiente na promoção de um sistema sustentável e eficiente, baseado no princípio da co-modalidade.

3.10

A título de exemplo, o CESE realça a integração do tráfego aéreo e do transporte ferroviário em trajectos de distância inferior a 500 quilómetros, integração essa estimulada a partir do mercado. As ligações em comboios de alta velocidade (CAV) desempenham um papel muito importante no transporte de passageiros. Mas o transporte de mercadorias também oferece oportunidades interessantes no âmbito da integração dos aeroportos na rede ferroviária europeia.

3.11

O CESE considera que a nova RTE-T se deveria concentrar principalmente na rede, física e não física, com ênfase na dimensão da política de vizinhança, por exemplo, em infra-estruturas de transporte de Oeste para Leste e de Norte para Sul da UE (via Báltica, Helsínquia-Atenas). Na opinião do CESE, a chamada abordagem de vizinhança favorece a solidariedade entre os povos da UE.

3.12

A Comissão sugere que se submeta todos os projectos de interesse comum a uma análise custo-benefício harmonizada, obedecendo a critérios múltiplos, com o fito de determinar o seu valor acrescentado europeu. Desse modo, será possível ter em conta todos os factores, sejam eles quantificáveis ou não em dinheiro e atribuir as subvenções europeias de forma justa e objectiva, circunscrevendo-as aos projectos com um valor acrescentado comunitário comprovado. O CESE entende que se deve recorrer a métodos que permitam utilizar mais eficazmente e mais concretamente os fundos comunitários.

3.13

Uma harmonização dos métodos de trabalho seria especialmente útil no tratamento de nós de estrangulamento nas infra-estruturas transfronteiras em que são frequentes os problemas de repartição dos custos. A harmonização poderia levar à racionalização do programa RTE-T e a uma maior concentração no binómio economia-ambiente.

3.14

No atinente à configuração da futura RTE-T, a Comissão convida a privilegiar uma das seguintes opções:

manutenção da actual estrutura de nível duplo, com a rede global e projectos prioritários (independentes uns dos outros);

um único nível composto de projectos prioritários, eventualmente ligados no âmbito de uma rede prioritária;

uma estrutura de nível duplo, com uma rede global e uma rede de base, incluindo uma rede prioritária – definida geograficamente – e um pilar conceptual que permita integrar os vários aspectos da política de transportes e das infra-estruturas de transporte.

3.15

A preferência do CESE vai para a última opção, visto considerar que, deste modo, os recursos financeiros da UE serão aplicados mais eficazmente e que a sua concentração numa rede de base oferece as melhores possibilidades. A rede global, em que ao longo dos anos a aplicação de uma parte da legislação comunitária tem sido ligada com o campo de acção da rede RTE-T, não pode, justamente devido a esta ligação, ser simplesmente posta de parte e terá, portanto, de continuar a existir. Estes projectos deveriam, por conseguinte, deixar de ser contemplados com subvenções provenientes do orçamento da RTE-T e passarem a ser financiados ao abrigo dos fundos de desenvolvimento regional e de coesão.

3.16

O CESE crê que, para aplicar os recursos financeiros da UE com maior eficiência e eficácia, será necessário criar um grupo de coordenação incumbido de monitorizar a utilização destes fundos.

3.17

Uma rede prioritária definida geograficamente deveria, na opinião do CESE, ser constituída por eixos verdadeiramente multimodais ligando entre si os centros populacionais e económicos mais importantes e ligando estes aos principais nós de transporte, ou seja, aos portos marítimos e fluviais e aos aeroportos. Esta rede terá de satisfazer, além disso, os requisitos associados à protecção do ambiente e à promoção de um desenvolvimento social e sustentável.

4.   Observações na especialidade

4.1

A Comissão considera que o desenvolvimento sustentável e, sobretudo, os ambiciosos objectivos em matéria de alterações climáticas estabelecidos pela UE em Dezembro de 2008, requerem uma adaptação da abordagem das redes transeuropeias. Embora concorde com a Comissão quando afirma que as considerações climáticas são em si motivo mais que suficiente para uma revisão, o CESE vê por bem assinalar que a não conclusão dos projectos planeados e o alargamento da União também tornam esta revisão inevitável.

4.2

Em princípio, o CESE concorda com os argumentos da Comissão no sentido de submeter todos os projectos de interesse comum a uma análise custo-benefício, mas pensa que deveria ser possível recorrer a outros métodos que surtam o mesmo efeito. Chama, todavia, a atenção para a necessidade de determinar e avaliar os efeitos externos com critérios mais uniformes.

4.3

O CESE partilha da tese da Comissão segundo a qual, na revisão da RTE-T, uma rede de grandes projectos de infra-estruturas interligados deve ser completada por uma rede conceptual deste tipo de projectos. Insiste, além disso, que a Comissão terá de orientar uma parte considerável dos seus esforços de coordenação para a sua concretização.

4.4

O CESE observa que o investimento sistemático na investigação e no desenvolvimento tecnológico da UE abriu novas possibilidades para a realização dos objectivos da política europeia de transportes, graças a outros recursos para além dos meros investimentos em infra-estruturas físicas.

4.5

A Comissão avançou, neste contexto, com várias hipóteses e intenções políticas, como o plano de acção para a logística do transporte de mercadorias e o plano de acção relativo aos sistemas de transportes inteligentes (ITS). Quando da aplicação destas novas tecnologias, há que evitar, em qualquer caso, um impacto negativo nas condições de trabalho e na protecção de dados.

4.6

Além disso, é digna de menção a iniciativa europeia a favor de automóveis respeitadores do ambiente (Green car initiative) que faz parte do plano de relançamento económico da Europa e indica como melhorar a eficácia do sistema europeu de transporte mediante o recurso a tecnologias de propulsão limpas e uma logística inteligente. Também se deve referir aqui, no contexto da inovação, o programa de acção europeu NAIADES, que se destina em sentido lato a estimular a navegação interior.

4.7

No plano de acção para a logística mencionado no ponto 4.5 é definida sumariamente a noção de «corredores verdes». O CESE apreciaria uma especificação desta noção porque, na sua opinião, os corredores verdes pressupõem igualmente a existência de modos de transporte alternativos para assegurar a ligação entre os vários nós para se poder fazer escolhas rentáveis.

4.8

A realização da RTE-T tem sido considerada até agora como um empenhamento obrigatório dos Estados-Membros envolvidos. Embora a construção de infra-estruturas seja em si uma competência nacional, o CESE insta a Comissão a prever, na criação da «rede prioritária», um carácter mais vinculativo para a sua realização, inclusivamente sanções adequadas. Estas condições deveriam ser igualmente aplicáveis aos sistemas interoperacionais de gestão de transporte.

4.9

O CESE entende que as auto-estradas do mar devem desempenhar um papel mais importante na reflexão sobre a rede prioritária. Ao mesmo tempo, convém dar mais ênfase a uma rede logística ampliada para que os portos marítimos da UE disponham de um bom acesso e de ligações adequadas ao interior, tendo sempre em mente que não poderá haver distorções na concorrência.

4.10

Por último, o CESE concorda com várias questões tratadas pela Comissão no seu Livro Verde e que devem ser consideradas no futuro planeamento da RTE-T. São de referir as necessidades divergentes do transporte de passageiros e de mercadorias, a sensibilidade do transporte aéreo aos preços do combustível, a segurança, o desenvolvimento económico e a protecção do ambiente, a problemática dos portos marítimos e da logística do transporte de mercadorias abordado no ponto 4.9 que parte do princípio de que cada modo de transporte é utilizado em função das suas vantagens comparativas no âmbito de cadeias de transporte co-modal eficientes e desempenha um papel fundamental na realização dos objectivos em matéria de alterações climáticas da Comunidade. O objectivo deve ser a transição para a cadeia de transporte mais respeitadora do ambiente.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/106


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões UE, África e China: Rumo a um diálogo e uma cooperação trilateral

[COM(2008) 654 final]

2009/C 318/21

Relator: Luca JAHIER

Em 17 de Outubro de 2008, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

«Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – UE, África e China: Rumo a um diálogo e uma cooperação trilateral»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas que emitiu parecer em 3 de Setembro de 2009, sendo relator Luca JAHIER.

Na 456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 145 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Nos últimos quinze anos, a África foi objecto de atenção crescente pela China, que se tornou de forma estável no terceiro parceiro comercial e económico do continente, graças ao aumento constante do volume de trocas comerciais, do investimento e das parcerias celebradas com a grande maioria dos países africanos. Apesar de permanecer o primeiro parceiro económico de África, a primazia da Europa tende a esboroar-se neste mundo multipolar em que os países emergentes se esforçam por estabelecer um novo equilíbrio. Uma vez que a África permanece uma região próxima que partilha interesses comuns, a intervenção de outras potências obriga a Europa a relançar as suas relações de parceria com o continente.

1.2

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe com satisfação a proposta da Comissão de lançar um diálogo e uma cooperação trilateral entre a União Europeia, a China e África. Ainda que o resultado seja incerto e problemático, esta iniciativa é extremamente necessária e inevitável. Em particular, merece destaque a abordagem pragmática e progressiva e a pertinência dos quatro sectores específicos propostos, a saber, paz e segurança, infra-estruturas, exploração dos recursos naturais e do ambiente, agricultura e segurança alimentar.

1.3

Todavia, uma cooperação trilateral só faz sentido se for eficaz e paritária. Há que tomar seriamente em consideração o ponto de partida que consiste na assimetria das relações existentes. A China é um único e grande país que trata individualmente com cada país africano, ao passo que a UE tem frequentemente dificuldades em falar a uma só voz nas suas relações com o continente. Embora a presença chinesa em África não esteja isenta de aspectos menos claros, muitos governos africanos tendem a preferir a parceria com Pequim, que se lhes afigura mais disposto a responder aos seus pedidos sem impor condições nem procedimentos burocráticos.

1.4

Para que a cooperação seja eficaz é necessário, em primeiro lugar, verificar o real interesse de todas as partes em causa na estratégia proposta e o seu envolvimento concreto no diálogo trilateral. A Comissão e o Conselho deveriam, por conseguinte, levar a cabo todas as iniciativas necessárias para responder de forma adequada às propostas em causa.

É igualmente necessário que:

a União Europeia se empenhe mais em harmonizar a sua acção, tanto a nível económico como no domínio diplomático e da cooperação para o desenvolvimento, através de uma abordagem geoestratégica a longo prazo mais assertiva, que dê novo ímpeto à Estratégia UE-África adoptada em Lisboa e aumente as dotações financeiras;

os governos e a União Africana prestem maior atenção aos benefícios a longo prazo que os seus países podem tirar de uma parceria com a Europa e a China, limitando o espaço reservado às vantagens imediatas dos líderes locais. Por isso, devem ser apoiados a reforçar as respectivas capacidades de definição e gestão das estratégias de desenvolvimento regional e do continente a longo prazo;

a China se empenhe cada vez mais em assegurar que os frutos desta cooperação trilateral, assim como da cooperação bilateral que estabelece com os vários países africanos, sejam canalizados maioritariamente para toda a sociedade e para as populações locais, e não apenas para os seus governos.

1.5

Centrar-se no objectivo do crescimento local sustentável significa que se deve assegurar, em particular, que

se aumenta a criação de valor acrescentado local;

se constroem novas infra-estruturas sociais, tendo em conta as estruturas existentes;

se realiza uma verdadeira transferência de competências e de tecnologias;

se apoia o crescimento dos mercados locais e regionais, das empresas locais e, mais em geral, a melhoria das condições de vida e de trabalho;

se apoiam as parcerias entre empresas estrangeiras e empresas locais;

não se agrava a dívida de forma insustentável a longo prazo e se reforça, em geral, as instituições locais e regionais.

1.6

Um diálogo e uma cooperação paritários devem igualmente assegurar a cada parte a liberdade de incluir na agenda também os aspectos mais controversos ou aqueles que são objecto de considerações e preocupações divergentes. À luz do disposto na decisão do Conselho da União Europeia, seria mais coerente com a Estratégia de Lisboa de 2007 e com o Acordo de Cotonu de 2000, que rege as relações entre a UE e os países ACP, se questões fundamentais como a governação democrática, os direitos humanos e o papel da sociedade civil – actualmente omissos na comunicação –, fossem introduzidas no processo proposto.

1.7

O CESE considera particularmente necessário realçar a importância crucial de envolver neste diálogo trilateral todos os actores não estatais e, em particular, do sector privado, das organizações sindicais, dos agricultores, das organizações de mulheres e dos consumidores. O papel destes actores cresceu fortemente nos últimos anos, nomeadamente devido ao êxito dos acordos de Lomé e de Cotonu. Este círculo virtuoso de participação dos vários actores socioeconómicos nas relações UE-África não é, por conseguinte, penalizado nem posto em risco, mas sim valorizado de modo adequado. O CESE convida a Comissão a integrar este ponto essencial no corpo da proposta.

1.8

Dada a vocação multilateral da Europa e tendo em conta o interesse crescente demonstrado pelos Estados Unidos da América em relação a África, a cooperação trilateral entre a UE, a China e África poderia igualmente ser alargada aos EUA, com vista a uma parceria mais completa, eficaz e equitativa nos sectores indicados, mas reservando-se a possibilidade de alargar a colaboração a outros domínios.

2.   Introdução

2.1

A África está a transformar-se muito rapidamente. Apesar de representar apenas 2 % do PIB e menos de 1 % da produção industrial mundial, o continente africano começa a entrar nos fluxos da globalização, após décadas de marginalização geopolítica e económica. A União Europeia continua a ser o seu principal parceiro económico, mas a África está a ser cada vez mais procurada pelos «financiadores emergentes», sobretudo a China, mas também a Índia, o Japão, a Coreia do Sul, os grandes países da América Latina e os países do Golfo. Nos últimos anos, também os Estados Unidos da América se voltaram para este continente, interessados sobretudo em garantir um abastecimento energético seguro e prevenir a ameaça do terrorismo. Apesar de 40 % da sua população viver abaixo do limiar da pobreza, a África está a ser cada vez menos encarada como um «continente desesperado» e cada vez mais como «uma nova fronteira» que apresenta oportunidades de desenvolvimento e de negócios.

2.2

O próprio continente africano conheceu inovações importantes de natureza política durante a última década, designadamente o nascimento da União Africana, com o lançamento do seu plano estratégico 2004-2009 e a aplicação de novas capacidades de intervenção na resolução de conflitos, o reforço das comunidades económicas regionais e programas para o desenvolvimento económico (a NEPAD – Nova Parceria para o Desenvolvimento de África) e para a governação (Mecanismo Africano de Avaliação pelos Pares).

2.3

Estas mudanças levaram a que a atenção internacional redobrada conferida às questões africanas, como sublinhou inúmeras vezes o comissário Louis Michel (1), tenha incidido em de três eixos principais, a saber, os interesses económicos, os interesses referentes à segurança e os novos interesses geoestratégicos e de poder.

2.4

No plano económico, para além da competição para aceder aos recursos naturais do continente, a começar pelos recursos energéticos, e para os controlar, a atenção virou-se igualmente para as potencialidades ainda enormes do mercado interno africano que, nos últimos anos, conheceu um crescimento médio de 6 %, marcado por uma inflação baixa e por um processo virtuoso de considerável redução da dívida pública.

2.5

Em ambos os domínios, a China demonstrou grande determinação e capacidade de investimento estrutural a longo prazo (2), modificando a relação histórica iniciada nos anos 50 com os países africanos. A partir de meados dos anos 90, apesar de continuar a privilegiar a cooperação sul-sul entre países em vias de desenvolvimento, a China dedicou maior atenção às oportunidades económicas que a África proporciona e estabeleceu relações amigáveis com a quase totalidade dos países africanos. A dimensão continental da nova abordagem chinesa foi confirmada com a criação, por Pequim, do Fórum sobre a Cooperação China-África (FOCAC) (3), cujas cimeiras trienais (Pequim 2000, Adis Abeba 2003, Pequim 2006 e a prevista para Dezembro de 2009 em Sharm el-Sheik, Egipto) marcaram o ritmo e a evolução permanente das relações entre a China e os países africanos. A estratégia chinesa renovada para o continente foi apresentada oficialmente com a publicação, em Janeiro de 2006, do Livro Branco sobre a política da China em África (4).

2.6

A profunda mudança da situação em comparação com as décadas precedentes levou também a União Europeia a rever a sua política africana. Este processo culminou com a adopção, em Dezembro de 2007, em Lisboa, de uma nova Estratégia Conjunta África-UE, sobre a qual o Comité teve oportunidade de se pronunciar em parecer denso e exaustivo (5).

2.7

Enquanto a China e a Europa redescobrem o interesse pela África e a disponibilidade para investirem neste continente, o modo como estes importantes actores vão definir, no futuro, a sua linha de acção recíproca suscita questões e expectativas, quer pelas evidentes perspectivas de concorrência, quer pelo possível espaço para cooperação. Com efeito, é necessário ter em conta que apesar de, em termos absolutos, a UE e a China ocuparem respectivamente o primeiro e o terceiro lugar entre os parceiros comerciais e os investidores estrangeiros em África, o peso relativo das relações comerciais entre a Europa e África diminuiu, na última década, enquanto que o da China-África aumentou drasticamente (6).

2.8

Tendo em conta o peso da China em África e tendo-lhe sido igualmente solicitado numa resolução sobre esta matéria, adoptada em Abril de 2008, pelo PE (7), a Comissão Europeia lançou, portanto, no último biénio, uma reflexão estruturada, acompanhada de iniciativas importantes de consulta alargada (8), para compreender as repercussões dos processos em curso e identificar possíveis linhas de diálogo trilateral entre a UE.

3.   Síntese da comunicação da Comissão

3.1

A comunicação propõe procurar as modalidades mais propícias a um processo de diálogo e de cooperação equitativa entre a África, a China e a UE. O objectivo principal da Comissão é, portanto, fomentar a compreensão mútua e permitir a adopção de acções conjuntas e coordenadas em sectores estratégicos, de acordo com prioridades definidas, principalmente, pelas instituições africanas.

3.2

A comunicação baseia-se numa abordagem pragmática e progressiva, que se centra, essencialmente, numa visão de coordenação concreta em sectores considerados cruciais para promover a estabilidade e o desenvolvimento do continente africano, tais como:

paz e segurança em África, sobretudo numa óptica de colaboração mais estreita com a União Africana (UA) e com a China, no âmbito das Nações Unidas, para apoiar o desenvolvimento da Arquitectura Africana de Paz e Segurança e reforçar as capacidades de gestão das operações de manutenção da paz por parte da UA;

apoio às infra-estruturas africanas, que são a espinha dorsal do desenvolvimento, do investimento e do comércio, de uma maior interconectividade e integração regional, em especial nos sectores dos transportes, das telecomunicações e da energia;

gestão sustentável do ambiente e dos recursos naturais que, ao reforçar a ligação com iniciativas como a Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extractivas (ITIE), o Plano de Acção da UE em matéria de Aplicação da Legislação, Governação e Comércio no Sector Florestal (FLEGT) ou o Processo de Kimberley para a Transparência na Indústria de Diamantes, pode permitir processos mais transparentes, mais transferência de tecnologia e financiamento para lutar contra as alterações climáticas e fomentar o desenvolvimento de fontes de energia renováveis;

agricultura e segurança alimentar, com o propósito de aumentar a produtividade e os níveis de produção agrícola de África, sobretudo através da investigação e da inovação agrícolas, dos controlos veterinários e da segurança alimentar, no contexto do Programa Integrado para o Desenvolvimento da Agricultura em África (CAADP).

3.3

Para a Comissão, o diálogo e as consultas devem ocorrer a todos os níveis (nacional, regional, continental e na relação bilateral UE-China), para que os decisores políticos das três partes possam melhorar a compreensão mútua das respectivas políticas e abordagens, desenvolvendo, deste modo, possibilidades concretas de cooperação. Simultaneamente, o processo servirá também para aumentar a eficácia da ajuda, de harmonia com a Declaração de Paris de Março de 2005 e as conclusões do seminário de Acra de Setembro de 2008.

3.4

O Conselho da União Europeia ratificou e aprovou as principais recomendações da comunicação, considerando que este diálogo trilateral poderá contribuir «para apoiar os esforços empreendidos pela África e pela comunidade internacional a favor da democratização, da integração política e económica, da boa governação e do respeito pelos direitos humanos» (9), recomendando um exame mais aprofundado das propostas de medidas concretas.

3.5

O CESE nota, no entanto, com preocupação e decepção que tanto a China como a União Africana ainda não assumiram, até à data, qualquer posição oficial sobre o diálogo trilateral proposto pela UE. A cooperação com África não figurava na agenda da última cimeira UE-China, ao contrário do que propunha a comunicação em apreço (10). Até ao momento não há provas tangíveis de que a China e a União Africana estariam dispostas a aceitar a proposta da UE.

4.   Elementos positivos

4.1

A comunicação contém diversos elementos interessantes e positivos, nomeadamente:

a abordagem de diálogo e com uma lógica de intercâmbio que se insere numa política de procura de coordenação entre os doadores e as principais partes interessadas;

o pragmatismo revelado na identificação de quatro sectores incontestavelmente estratégicos e com vastas possibilidades de intervenção;

a proposta de uma construção gradual dessa cooperação trilateral, que procura valorizar todas as estruturas já existentes, em vez de criar pela enésima vez uma onerosa estrutura multilateral.

4.2

No atinente, em particular, ao segundo ponto, é indubitável que aqueles quatro sectores são cruciais para o desenvolvimento do continente africano, assim como, embora de forma diferente, para as relações bilaterais China-África e Europa-África.

4.3

O reacender de alguns conflitos e a fragilidade dos processos de paz em curso, aliados ao risco de desenvolvimento de novas formas de integralismo e ou de zonas em que se teme possam vir a instalar-se bases de terrorismo, tornam extremamente pertinente a cooperação no domínio da manutenção e da promoção da paz e da segurança. Há que dar particular atenção ao apoio à arquitectura africana de paz e segurança e às operações de manutenção da paz da UA, sob a forma de criação de capacidades, formação, apoio logístico e ou económico.

4.4

A cooperação no domínio da manutenção e da promoção da paz e da segurança deve, no entanto, prever também um diálogo específico sobre as regras inerentes ao fornecimento e ao comércio de armas, em particular a governos ou a grupos armados não estatais envolvidos em conflitos em curso e ou que cometam graves violações dos direitos do Homem (11), incluindo-se, deste modo, nas relações trilaterais China-Europa-África um argumento que já foi debatido na ONU.

4.5

A maior importância dada agora ao investimento em infra-estruturas, durante muito tempo negligenciadas pela cooperação europeia e que são, ao invés, um pilar essencial da abordagem chinesa para África, é estrategicamente pertinente por duas razões. Antes de mais, são necessárias infra-estruturas adequadas para garantir o acesso e o transporte de matérias-primas ou de produtos colocados nos mercados africanos, ou seja, formas de integração regional concreta e eficaz que são fundamentais para o desenvolvimento social e económico de África. A segunda prende-se com o facto de a melhoria ou a criação de raiz de infra-estruturas ser uma prioridade clara de muitos governos africanos e, por isso, não pode estar subordinada apenas às capacidades locais de financiamento e de sustentabilidade financeira (12).

4.6

A importância da sustentabilidade ambiental e da gestão dos recursos naturais é, por si, evidente, não só no que se refere ao contexto internacional das alterações climáticas, mas também em relação a todos os aspectos ligados às condições de exploração, de transporte e de utilização dos recursos naturais do continente, em particular os minerais e energéticos.

4.7

Nos últimos anos o debate tem girado em torno sobretudo das condições ambientais e de trabalho nos estaleiros geridos ou associados a empresas chinesas que operam em África, como amplamente documentado por um estudo da African Labour Research Network (rede africana de investigação sobre o trabalho) (13). No entanto, não nos podemos esquecer que o mesmo se pode dizer em relação a muitas empresas europeias ou multinacionais. O problema do cumprimento das normas internacionais e em matéria de transparência (14) na celebração e execução dos contratos com os governos africanos diz, assim, respeito, em igual medida, à China, Europa e África e deve, portanto, ser parte integrante do diálogo trilateral sobre a gestão sustentável dos recursos naturais e do ambiente, bem como sobre o apoio às infra-estruturas africanas.

4.8

A agricultura e a segurança alimentar passaram finalmente a figurar à cabeça das prioridades dos principais doadores e da estratégia comum para o continente africano. É, no entanto, necessário que esta atenção se traduza, com urgência, em acções concretas e sustentadas a longo prazo, que digam respeito ao desenvolvimento rural no seu todo, assegurando o pleno protagonismo das populações rurais e o envolvimento das organizações de agricultores, e garantindo-lhes o acesso aos recursos locais e a sua gestão a longo prazo.

4.9

Nesta perspectiva, é também útil ter em conta o recente alerta lançado pela «Cimeira das organizações de agricultores das cinco regiões africanas», organizada em Roma pela Coldiretti, que diz respeito ao considerável aumento na aquisição de terras agrícolas em África e noutros países em vias de desenvolvimento por países como a Coreia do Sul, a China, os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita e o Japão (15), para garantirem o seu aprovisionamento alimentar e os recursos para produção de biocombustíveis.

4.10

A cooperação sobre a segurança alimentar pode ser usada igualmente para lançar o diálogo sobre outros temas relevantes, como o respeito dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, a protecção dos grupos mais vulneráveis e a protecção da saúde. Neste último domínio, dever-se-ia dar atenção particular à identificação de estratégias comuns de luta contra as três grandes pandemias (16) – malária, VIH/Sida e tuberculose –, que já são, aliás, objecto de cooperação internacional em instâncias multilaterais.

4.11

No que se refere ao papel das instituições africanas no processo de diálogo trilateral, o papel central da União Africana, a par das organizações económicas regionais e de cada Estado, é muito apreciado. A abertura do diálogo anual UE-China à participação da troika UA é igualmente importante, tal como a ideia de confiar à Comissão da UA de Adis Abeba um papel de mediador nas consultas trilaterais regulares. Estas indicações vão de par com a necessidade já referida pelo Comité no parecer sobre a estratégia UE-África (17), de os governos e as instituições africanas assumirem responsabilidades concretas, a fim de reforçarem a sua soberania e legitimidade e criarem parcerias verdadeiramente equilibradas. É, no entanto, necessário verificar que essas prioridades são partilhadas e assumidas como suas pela UA e que se traduzem, o mais rapidamente possível, em planos de acção concretos.

4.12

A procura de um diálogo trilateral entre a UE, a China e África afigura-se tanto mais pertinente se considerarmos a ofensiva de charme lançada por Pequim neste continente. Para muitos governos africanos, a China apresenta-se como o modelo a seguir por ter conseguido sair da pobreza, vencer as doenças e tornar-se num actor de primeiro plano no palco internacional, e tudo isto no espaço de apenas uma geração. A batalha da China contra a pobreza travou-se, em primeiro lugar, nas zonas rurais, visando o desenvolvimento e o aumento da produtividade agrícola, uma estratégia que pode servir igualmente os interesses dos países africanos (18). O fascínio exercido pela China aumenta também pelo facto de este país não ter uma herança colonial, continuando a definir-se como um país em vias de desenvolvimento que refuta a lógica da relação doador-beneficiário, historicamente mais vinculada aos países da OCDE. Estas características, aliadas a uma vasta disponibilidade de meios para investir ou conceder empréstimos aos parceiros governativos africanos, conferem a Pequim uma evidente vantagem nas suas relações com África.

5.   Elementos negativos

5.1

No entanto, a relação entre a China e África apresenta, ao mesmo tempo, aspectos negativos que suscitam preocupação nos observadores externos e que merecem ser abordados no âmbito do diálogo a realizar durante o processo de cooperação trilateral proposto pela Comissão.

5.2

A crescente presença chinesa em África não está isenta de aspectos menos claros, a começar pelo regresso a uma posição central dos governos locais e das elites urbanas, o que leva a uma marginalização preocupante do sector privado africano, coloca em risco as modestas conquistas sociais obtidas pelos sindicatos africanos e põe em evidência as condições de trabalho que penalizam fortemente os trabalhadores locais. Uma verdadeira relação de parceria entre iguais deve prever a possibilidade para todas as três partes (UE, China e África) de incluir na agenda também os aspectos mais controversos ou aqueles que são objecto de considerações e preocupações divergentes.

5.3

Se compararmos os quatro sectores de cooperação propostos pela Comissão com os oito aspectos definidos como prioritários no Plano de Acção da Estratégia Europa-África celebrada em Lisboa (19), observa-se a ausência de temas importantes como a governação democrática, os direitos do Homem ou o trabalho digno. Para a UE, seria mais coerente com a Estratégia de Lisboa e com o Acordo de Cotonu de 2000 (20), que rege as relações entre a UE e os países ACP, se estas questões, assim como o papel da sociedade civil, fossem introduzidas no diálogo trilateral.

5.4

A UE e a China têm estratégias diferentes de intervenção em África. Enquanto a UE fornece grande parte da sua ajuda sob a forma de doações, impondo aliás cada vez mais condições políticas (respeito das regras democráticas, dos direitos do Homem, das convenções da OIT, luta contra a corrupção e progressos em matéria de práticas de boa governação, envolvimento da sociedade civil), com o objectivo de reduzir a pobreza, a China, por seu turno, concede geralmente empréstimos em condições vantajosas, grande parte deles destinados à construção de infra-estruturas e garantidos por contratos a longo prazo para exploração dos recursos naturais. Além disso, os empréstimos chineses parecem estarem vinculados ao recurso a empresas, bens e, por vezes até mesmo, mão-de-obra chineses, segundo formas de «ajudas condicionadas», que já foram, em grande medida, abandonadas pelos países da OCDE. Por último, as próprias regras vigentes na área da OCDE em matéria de contratos públicos favorecem, em muitos casos, as empresas de países emergentes, entre os quais principalmente a China.

5.5

A abordagem chinesa é, regra geral, mais do agrado das classes dirigentes africanas, pois não impõe condições e não é vítima do excesso burocrático da Europa, mas apresenta um risco duplo, designadamente, a criação de uma forma de reendividamento massivo, cujos efeitos a longo prazo podem ser insustentáveis, e o reforço da dependência das economias dos vários países das «monoculturas» e das suas exportações, que estão por seu turno ligadas às flutuações dos preços nos mercados internacionais.

5.6

Por seu turno, a Europa, não obstante continuar a ser o primeiro parceiro económico e comercial de África, tem dificuldade em falar a uma só voz e em criar e manter uma verdadeira coerência de conjunto das próprias políticas, sejam elas de desenvolvimento, comerciais ou de política externa e de segurança. No terreno persistem inúmeros entraves à coordenação da acção dos Estados-Membros, com a consequente perda de impacto e de eficácia.

6.   Outros pontos críticos

6.1

Para além das já referidas condições que a UE impõe nas suas relações com África, há outros elementos que marcam a diferença de abordagem entre a Europa e a China e que são constantemente recordados pelos vários governos africanos:

os diversos problemas sentidos nas relações entre a UE e os países africanos por ocasião das negociações para conclusão dos Acordos de Parceria Económica (APE), em comparação com uma abertura gradual e bem publicitada do mercado chinês às mercadorias africanas isentas de direitos aduaneiros (o número deve passar de 190 em 2006 para 440 até 2010);

o forte e visível empenho do governo chinês na construção de infra-estruturas, escolas, hospitais e edifícios públicos, em comparação com o número de projectos ligados a anteriores intervenções europeias e muitas vezes só parcialmente realizados;

uma resposta mais concreta da parte da China no domínio da educação e da formação profissional nos sectores agrícola, médico, científico e cultural, incluindo a abertura das universidades e dos centros de formação chineses ao ingresso de estudantes africanos;

a abundância de artigos manufacturados de origem chinesa, em alguns casos, pouco cumpridores das normas internacionais de segurança dos produtos, com graves consequências para a saúde pública e o ambiente, que invadem gradualmente os mercados e os agregados familiares de todo o continente, muitas vezes com consequências desastrosas para alguns sectores de produção locais, a começar pelo sector têxtil (21).

6.2

Por fim, a actual crise económica e financeira internacional incita a que se inicie uma reflexão sobre o seu possível impacto no continente africano (22).

As consequências da recessão mundial, a queda das exportações, as medidas proteccionistas em muitos mercados e a diminuição dos preços de muitas matérias-primas criam um cenário preocupante, que ameaça pôr seriamente em perigo as conquistas alcançadas na década passada, como a redução da dívida e dos défices públicos, o aumento e a concorrência em matéria de investimento em infra-estruturas e o saneamento dos sistemas fiscais, bem como os esforços de diversificação das estruturas de produção nacionais.

6.3

Perante a crise, a China reiterou e relançou recentemente o seu empenho no continente não só a nível das ajudas e empréstimos, como no domínio do investimento (23). A União Europeia esforça-se por respeitar os compromissos assumidos, mas alguns Estados-Membros já reduziram drasticamente os recursos e os compromissos financeiros bilaterais nas suas leis do Orçamento do Estado para 2009, sendo semelhantes, ou mesmo piores, as previsões para 2010. Ora, como foi dito em todas as recentes cimeiras, são necessários novos recursos.

6.4

As relações entre a Europa e África e entre a China e África são marcadas cada vez mais por um conjunto de dinâmicas migratórias ainda pouco estudadas, sobretudo no que concerne a entrada nos países africanos de cidadãos chineses. O lançamento de uma reflexão sobre as modalidades e a dimensão destes fluxos e sobre eventuais interligações pode ajudar a compreender o impacto que estes podem ter no desenvolvimento africano.

6.5

Por fim, o CESE considera fundamental a complexa questão da participação da sociedade civil, tema que já era considerado crucial pelos parceiros europeus (24) e que passou a ser parte integrante e significativa de todas as relações de parceria com África, em particular no seguimento do Acordo de Cotonu. Esta perspectiva não parece ser, de momento, relevante nas relações entre a China e África, nem nas relações bilaterais entre Pequim e os diferentes países.

Os quatro sectores indicados pela Comissão prestam-se a um envolvimento amplo e estruturado de todos os actores não estatais, em particular os empresários, os sindicatos e as organizações de agricultores, de mulheres e dos consumidores. O seu papel nas sociedades africanas, bem como nas dinâmicas económicas e nas relações políticas, reconhecido e reforçado precisamente em virtude do êxito do processo lançado com os acordos de Lomé e de Cotonu, corre o risco de perder importância e de ser novamente marginalizado se os diálogos bilaterais ou trilaterais se mantiverem apenas a nível intergovernamental. Ora, trata-se de um papel que deve ser considerado de valor inestimável, devendo ser valorizado e estimulado.

6.6

O CESE observa com preocupação que a comunicação em apreço não faz qualquer referência a esta questão nem às possibilidades concretas de envolvimento dos parceiros sociais ou dos intervenientes não estatais, em geral, no âmbito do processo proposto.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver, em particular, Louis MICHEL, Afrique-Europe: l'indispensable alliance, Pro-manuscripto, CE, dic. 2007.

(2)  Não se trata apenas dos recursos naturais, infra-estruturas e comércio. O principal banco chinês, o Industrial Land Commercial Bank of China, adquiriu 20 % do capital do maior banco sul-africano e de África, o Standard Bank, desembolsando para tal 5,6 mil milhões de dólares. Trata-se do maior investimento jamais realizado em África por um grupo estrangeiro.

(3)  Ver o sítio oficial do FOCAC: www.focac.org/eng/

(4)  China’s African policy, 12 de Janeiro de 2006, http://www.focac.org/eng/zgdfzzc/t463748.htm

(5)  JO C 77 de 31.3.2009, p. 148-156, «A estratégia UE-África», relator Gérard DANTIN, Setembro de 2008.

(6)  Os dados do FMI indicam que o volume comercial UE-África, que em 1995 representava 45 % do total das trocas comerciais africanas, desceu para pouco menos de 30 %, enquanto que a China passou de valores percentuais irrisórios em 1995 para os cerca de 27 % actuais. Em 2008, o comércio China-África atingiu um valor de 106,8 mil milhões de dólares americanos, ultrapassando, assim, com dois anos de antecedência e com um crescimento de 45 % em relação ao ano precedente, o objectivo de 100 mil milhões até 2010 anunciado na cimeira de Pequim de 2006. Ver igualmente o «Documento de trabalho dos serviços da Comissão – Anexos da Comunicação da Comissão – UE, África e China: Rumo a um diálogo e uma cooperação trilateral» (COM(2008) 654), SEC(2008) 2641 final.

(7)  Resolução do Parlamento Europeu, de 23 de Abril de 2008, sobre A política da China e os seus efeitos em África (A6-0080/2008/P6_TA(2008)0173), relatora Ana Maria GOMES, http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=TA&reference=P6-TA-2008-0173&language=PT&ring=A6-2008-0080

(8)  Realce-se, em particular, a conferência - Partners in competition? The EU, Africa and China - organizada pela Comissão Europeia, em 28 de Junho de 2007, que contou com a participação de mais de 180 decisores políticos, peritos e diplomatas africanos, chineses e europeus.

(9)  Ver conclusões da 2902.a reunião do Conselho (Assuntos Gerais e Relações Externas) de 10 de Novembro de 2008.

(10)  11.a Cimeira UE-China, Praga, 20 de Maio de 2009, comunicado final conjunto.

(11)  Ver o já citado relatório e a resolução do PE, 2008, A6-0080/2008/P6_TA-PROV(2008)0173 – Resolução do PE de 28 de Março, relatora Ana Maria GOMES.

(12)  Ver os debates e as deliberações da 12.a Cimeira da UA, que decorreu de 26 de Janeiro a 3 de Fevereiro de 2009, em Adis Abeba, e cujo tema central era exactamente «O desenvolvimento das infra-estruturas em África», www.africa-union.org

(13)  A. Yaw Baah - H. Jaunch, Chinese investment in Africa, a labour perspective, African Labour Research Network, Maio de 2009, http://www.fnv.nl/binary/report2009_chinese_investments_in_africa_tcm7-23663.pdf

(14)  Ver Tax Justice Network, Breaking the curse: how transparent taxation and fair taxes can turn Africa’s mineral wealth into development, http://www.taxjustice.net/cms/upload/pdf/TJN4Africa_0903_breaking_the_curse_final_text.pdf

(15)  As organizações mencionaram a aquisição, unicamente em 2008, de áreas equivalentes a 7,6 milhões de hectares e de acordos agrícolas celebrados pela China com vários países africanos, http://www.coldiretti.it/docindex/cncd/informazioni/314_09.htm Ver igualmente L. COTULA, S. VERMEULEN, R. LEONARD, J. KEELEY, Land grab or development opportunity? – Agricultural investment and international land deals in Africa, FAO-IFAD-IIED, Maio de 2009..

(16)  JO C 195 de 18.8.2006, p. 104-109, Prioridade à África: O ponto de vista da sociedade civil europeia, relator A. BEDOSSA, Maio de 2006.

(17)  Ver JO C 77 de 31.3.2009, p. 148-156.

(18)  Com apenas 7 % de terras aráveis, a China sustenta 22 % da população mundial, tendo, no essencial, vencido a batalha contra a pobreza extrema, o analfabetismo, as doenças e as epidemias mais devastadoras e reduzido a mortalidade infantil. Segundo Martin Ravallion, Are there lessons for Africa from China’s success against poverty?, The World Bank, Policy Research working paper n.o 4463, Janeiro de 2008, a África poderia extrair ensinamentos importantes a partir de uma análise atenta dos factores de desenvolvimento chinês. Ver anexo 2.

Ver igualmente R. SANDREY, H. EDINGER, The relevance of Chinese agricultural technologies for African smallholder farmers: agricultural technology research in China, Centre for Chinese Studies, Universidade Stellenbosch, Abril de 2009, http://www.ccs.org.za/downloads/CCS%20China%20Agricultural%20Technology%20Research%20Report%20April%202009.pdf

(19)  Paz e segurança; governação democrática e direitos humanos; comércio, integração regional e infra-estruturas; parceria em matéria de Objectivos de Desenvolvimento do Milénio; energia; alterações climáticas; migração, mobilidade e emprego; ciência, sociedade da informação e espaço.

(20)  Ver o n.o 1 do artigo 9.o.

(21)  A este respeito, ver o interessante relatório do Banco Mundial de 2007 intitulado Africa’s Silk Road.

(22)  Ver a este propósito a comunicação Ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar a crise, COM(2009) 160 final e o parecer do CESE em fase de elaboração.

(23)  Ver os compromissos assumidos pelo presidente Hu Jintao durante a sua viagem a quatro países africanos (Mali, Senegal, Tanzânia e Maurícia), em meados de Fevereiro de 2009.

(24)  Ver JO C 110 de 9.5.2006, p. 68-74Relações entre a União Europeia e a China: O contributo da sociedade civil, de que foi relator Sukhdev SHARMA, Março de 2006.


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/113


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre Uma Estratégia da UE para a Juventude — Investir e Mobilizar: Um método aberto de coordenação renovado para abordar os desafios e as oportunidades que se colocam à juventude

[COM(2009) 200 final]

2009/C 318/22

Em 27 de Abril de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Comunicação da Comissão ao Conselho, Parlamento Europeu, Comité Económico e Social Europeu e Comité das Regiões sobre Uma Estratégia da UE para a Juventude – Investir e Mobilizar Um método aberto de coordenação renovado para abordar os desafios e as oportunidades que se colocam à juventude»

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 1 de Setembro de 2009, sendo relator Ionuț SIBIAN.

Na 456.a reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro de 2009), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 133 votos a favor, sem votos contra e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE considera que há que desenvolver uma estratégia neste quadro não só PARA a juventude mas também COM a juventude, que deve ser incluída no processo de decisão e na sua aplicação.

1.2

Em virtude do princípio da subsidiariedade, as políticas para a juventude são principalmente da responsabilidade dos Estados-Membros. Todavia, muitos dos desafios que se colocam à juventude na sociedade actual não são plenamente solucionáveis sem uma estratégia mais global e integrada. Por isso, uma estratégia europeia para a juventude é bem-vinda.

1.3

Todos os domínios de acção seleccionados são trans-sectoriais e não podem constituir acções isoladas. Estão interligados e condicionam-se mutuamente. Assim, devem ser tratados de forma horizontal de acordo com as necessidades dos jovens.

1.4

O CESE considera que os factores que se seguem são fundamentais para garantir o êxito da futura estratégia:

o processo de coordenação;

a hierarquização dos domínios de acção;

a co-participação de todas as partes interessadas;

a atribuição dos recursos necessários;

o apoio ao trabalho de animação socioeducativa e às estruturas para a juventude.

Assim, o Comité apresenta as seguintes recomendações:

1.5

O trabalho de animação socioeducativa e as estruturas para a juventude devem ser o elo principal na sensibilização dos cidadãos e na gestão de todos os domínios de acção propostos na estratégia da UE para a juventude, mediante uma abordagem trans-sectorial.

1.6

Como a aprendizagem pode existir em diferentes enquadramentos, há que continuar a apoiar a aprendizagem não formal enquanto complemento da educação formal.

1.7

O estabelecimento de ligações entre a escola, o trabalho, associações e actividades de voluntariado deve ser prosseguido a nível comunitário e nacional.

1.8

O apoio às actividades empresariais através de mecanismos de financiamento constitui um desafio, mas é também uma necessidade. O espírito empreendedor não deve ficar limitado à sua vertente económica, devendo, pelo contrário, ser encarado de forma mais ampla.

1.9

Os jovens devem ter um papel activo na sociedade, na medida em que a sua participação em todos os aspectos das suas vidas é condição essencial para desenvolver políticas para a juventude.

1.10

Há que estabelecer uma vasta gama de sistemas de trabalho de animação socioeducativa e bons serviços de cooperação em toda a Europa, a fim de evitar a marginalização. As acções destinadas à juventude em risco de exclusão social não devem encarar os jovens como beneficiários passivos de serviços sociais, mas sim como participantes activos.

1.11

O reconhecimento das competências obtidas em actividades de voluntariado é essencial, incluindo o reconhecimento no âmbito da educação formal. As competências e os conhecimentos não formais acumulados podem ser utilizados tanto no mercado de trabalho, como para reforçar a participação na vida civil.

1.12

Os projectos e as actividades devem fomentar nos jovens um sentido de solidariedade, consciência e responsabilidade generalizadas em relação à comunidade em geral. Para evitar percalços, os jovens devem poder esperar para o seu futuro próximo salários dignos como fruto do trabalho que realizarão, graças à aplicação de condições que favoreçam políticas salariais adequadas.

1.13

O CESE lamenta que a estratégia proposta não especifique métodos de aplicação concretos nem formas de avaliar os progressos a nível europeu e nacional. Espera-se, porém, que o método aberto de coordenação continue a ser o instrumento principal. O CESE considera que se devia recorrer a um Pacto Europeu para a Juventude renovado como complemento. Insta igualmente os parceiros sociais e a Comissão Europeia a chegarem a um acordo para melhorar a mobilidade e o emprego dos jovens.

1.14

Os jovens devem estar no centro da estratégia. O trabalho de animação socioeducativa e a participação em estruturas para a juventude constituem a forma mais eficaz de chegar até eles. Assim, a avaliação e a melhoria da qualidade do trabalho de animação socioeducativa devem ser uma prioridade.

1.15

A Comissão deve encorajar os Estados-Membros a aplicar medidas que aumentem as oportunidades de emprego e permitam aos jovens tornarem-se autónomos, tais como:

apoio durante a formação inicial (ajuda financeira, habitação, aconselhamento, transporte, etc.);

rendimento de inserção para os que procuram o primeiro emprego;

contratos de aprendizagem e estágios de elevada qualidade;

transformação dos estágios em contratos de trabalho de duração indeterminada.

2.   Proposta da Comissão

2.1

O actual quadro de cooperação no domínio da juventude, baseado no Livro Branco sobre política de juventude, no Pacto Europeu para a Juventude (2005), no método aberto de coordenação (MAC) e na integração das questões relacionadas com a juventude noutras políticas, termina em 2009 e nem sempre satisfez as expectativas. Assim, após um amplo processo de consulta em 2008, a Comissão Europeia apresentou uma proposta para um novo quadro de cooperação. O título dado pela Comissão Europeia à sua comunicação, publicada em Abril de 2009, é Uma Estratégia da UE para a Juventude – Investir e Mobilizar.

2.2

A nova proposta de estratégia baseia-se em três objectivos globais e interligados, cada um englobando dois ou três domínios de acção:

Objectivo: Criar mais oportunidades educativas e profissionais para a juventude.

Domínios de acção – educação, emprego, criatividade e empreendedorismo.

Objectivo: Melhorar o acesso e a cabal participação de todos os jovens na sociedade.

Domínios de acção – saúde e desporto, participação.

Objectivo: Fomentar a solidariedade mútua entre a sociedade em geral e os jovens.

Domínios de acção – inclusão social, voluntariado, juventude no mundo.

Cada domínio de acção inclui uma lista de objectivos e acções específicos para a Comissão e para os Estados-Membros.

3.   Observações na generalidade

3.1   Necessidade de uma melhor coordenação

3.1.1

Questões sociais importantes como a ausência de segurança social, a crescente xenofobia, os obstáculos ao emprego e à educação podem facilmente atravessar as fronteiras, ameaçando dessa forma o modelo social europeu. Em virtude da crise económica, essas questões exigem mais do que nunca uma resposta europeia coerente. Embora estas questões sociais não se levantem apenas entre os jovens, esta categoria é uma das mais vulneráveis.

3.1.2

O CESE considera que os níveis europeu e nacional devem coordenar-se melhor e repartir mais claramente os seus papéis. As diferenças existentes entre os Estados-Membros devem ser tidas em consideração e encaradas como fonte de sinergias frutuosas, e não como um problema. A Comissão Europeia deve esforçar-se por estreitar a ligação entre os níveis europeu e nacional em matéria de cooperação no domínio da juventude e reforçar e melhorar a execução dos objectivos europeus ao nível nacional, regional e local. A consulta sobre a juventude que precedeu a publicação da proposta de estratégia mostrou que a política de juventude reveste agora maior importância não só a nível europeu, mas também a nível nacional.

3.1.3

O CESE estima que a proposta de estratégia representa um passo em frente e, para obter bons resultados, recomenda a consideração das seguintes questões:

Representatividade. Embora o MAC e o diálogo estruturado sejam instrumentos úteis, é necessário avaliar e melhorar de forma constante a sua aplicação e desenvolver os mecanismos de consulta de modo a envolver na elaboração das políticas as organizações locais para a juventude, os organismos públicos, os próprios jovens e outras partes interessadas (1).

Reconhecimento da política europeia para a juventude. Uma maior visibilidade das acções ao nível europeu seria benéfica para os jovens, pois teriam a consciência de que as oportunidades abertas através do ciclo de cooperação no domínio da juventude (como os intercâmbios de jovens) provêm da política europeia para a juventude.

Diferenças entre os países. Coordenar e aproximar 27 estratégias nacionais no quadro da cooperação europeia constitui uma tarefa difícil. Em alguns países, diversos domínios de acção analisados têm uma longa tradição, e a estratégia comunitária beneficiaria da sua experiência, ao passo que noutros países, esses domínios de acção surgiram apenas recentemente. No entanto, a nova estratégia deverá constituir uma mais-valia para todos os Estados-Membros.

Desafios de comunicação. Deve ser seguida uma estratégia comum para divulgar e recolher dados comparáveis de forma estruturada, melhorando a comunicação e a análise dos progressos realizados. É importante aprovar indicadores comuns para objectivos específicos.

Execução. Há também grandes diferenças entre os Estados-Membros no que se refere à capacidade de execução das políticas europeias. Alguns países possuem sistemas bem desenvolvidos, que abrangem os níveis regional e local, ao passo que outros países dedicam muito poucos recursos à cooperação europeia em questões relacionadas com a juventude.

3.1.4

O CESE insta a Comissão a utilizar as suas competências e autoridade para encorajar e orientar os Estados-Membros na execução da estratégia. A Comissão deve assumir inequivocamente o seu papel na coordenação da estratégia.

3.2   Uma estratégia trans-sectorial bem sucedida

3.2.1

Os domínios de acção apresentados na proposta de estratégia (ver ponto 2.2) abrangem uma vasta área social e económica. Nenhum dos domínios de acção está directamente ligado a um grupo etário específico, mas todos são extremamente importantes para os jovens. Todavia, alguns dos domínios de acção são bastante pormenorizados em relação aos objectivos a concretizar, ao passo que outros são apresentados de forma mais geral.

3.2.2

O CESE tem para si que a intervenção simultânea em oito domínios de acção temáticos representa um desafio ambicioso e, por isso, recomenda a consideração das seguintes questões:

estabelecer um órgão coordenador na Comissão Europeia e procedimentos claros para o processo de coordenação na sua globalidade, para orientar, gerir, acompanhar e avaliar o processo de execução ao nível europeu e nacional, com a participação das partes interessadas pertinentes (incluindo organizações de jovens) e de organismos responsáveis pelos domínios de acção (por exemplo, uma organização diferente no seio de outras instituições europeias, incluindo o Conselho da Europa), com reuniões periódicas entre os agentes participantes, exercícios de aprendizagem entre pares e o Pacto Europeu para a Juventude renovado;

definir objectivos claros para um determinado calendário e elaboração de um roteiro para cada um;

hierarquizar os domínios de acção e garantir o seu acompanhamento de perto;

co-envolver as partes interessadas (tais como animadores socioeducativos, profissionais do sector, investigadores, especialistas, parceiros sociais, políticos, etc.) e envolver os jovens e as estruturas para a juventude num diálogo estruturado melhorado e permanente;

estabelecer uma abordagem fiável, transparente e sistemática para a execução da estratégia;

incluir a dimensão da juventude na Estratégia de Lisboa pós-2010 a fim de facilitar a inserção social e profissional dos jovens;

atribuição dos recursos necessários criando novos instrumentos ou adaptando as gerações presentes e futuras de programas como a Juventude em Acção, Aprendizagem ao Longo da Vida, PROGRESS, MEDIA, Erasmus para Jovens Empresários, Programa de Competitividade & Inovação e fundos estruturais. Esses instrumentos devem ser coordenados e complementarem-se entre si;

reduzir a burocracia e assegurar mais transparência na gestão de projectos e actividades nos domínios de acção;

o apoio ao trabalho de animação socioeducativa e às estruturas para a juventude deve ser considerado fundamental para tratar todos os domínios de acção, devendo a participação ser o princípio subjacente a tudo.

3.3   Otrabalho de animação socioeducativa enquanto instrumento de execução da estratégia

3.3.1

O CESE acolhe com agrado a ênfase colocada no papel importante do trabalho de animação socioeducativa. As políticas de juventude devem ser elaboradas e aplicadas para benefício de TODOS os jovens. A questão da juventude tornou-se um veículo importante de mudanças sociais (2), desenvolvendo competências transmissíveis e compensando a ausência de certificados formais (em especial no que se refere aos grupos mais desfavorecidos). Apesar disso, há que envidar mais esforços para o reconhecimento das competências adquiridas através do trabalho de animação socioeducativa. O papel das organizações juvenis na mobilização dos jovens deve ser reforçado, na medida em que constituem um espaço para o auto-desenvolvimento e para aprender a participar. O desenvolvimento das competências deve ser alvo de maior reconhecimento.

3.3.2

O trabalho de animação socioeducativa está relacionado com actividades que procuram intencionalmente ter algum impacto nos jovens e decorrem em diferentes ambientes e estruturas (tais como uma organização juvenil de voluntariado, centros para a juventude a nível local, instalações específicas administradas por instituições públicas ou pela igreja). Este termo, porém, necessita de uma definição clara.

3.3.3

O trabalho de animação socioeducativa deve tornar-se um elemento transversal integrado em todos os domínios de acção apresentados na proposta de estratégia. Assim, um trabalho de animação socioeducativa de qualidade deverá ser um objectivo explícito, a fim de que a nova estratégia a longo prazo para a política de juventude tenha um impacto em todas as categorias de jovens. Programas como Juventude em Acção e Leonardo da Vinci (programa sectorial) devem ter por objectivo desenvolver, apoiar e formar melhor as pessoas envolvidas na animação socioeducativa, mesmo os profissionais, contribuindo para o desenvolvimento de mais competências profissionais nesse tipo de trabalho.

3.3.4

Os principais participantes no trabalho de animação socioeducativa costumam encontrar-se em situação de pré-emprego, desde os adolescentes aos jovens com necessidades especiais, aos migrantes por motivos económicos, passando pelos grupos portadores de deficiência e desfavorecidos nas comunidades mais pobres. Embora não seja um instrumento directo de acesso ao emprego em si, o trabalho de animação socioeducativa e a participação em estruturas para a juventude é algo positivo para a inserção social e tirará ainda mais benefícios de uma cooperação mais estreita com os serviços de formação profissional e de um reforço da visibilidade do seu contributo para a empregabilidade dos jovens.

4.   Observações na especialidade sobre os domínios de acção

4.1   OCESE fará referência a oito domínios de acção propostos, embora haja propostas para mais prioridades ou para uma hierarquização diferente das apresentadas.

4.2   Educação

4.2.1

A educação sempre foi não só um elemento essencial para o desenvolvimento e crescimento pessoais, como também um factor de desenvolvimento das próprias sociedades. O CESE tem chamado a atenção para o facto de a formação académica e profissional dos docentes estarem estreitamente ligadas a outras políticas essenciais, como a política de juventude (3).

4.2.2

A aprendizagem não formal pode completar a educação formal e proporcionar competências necessárias que se desenvolvem melhor num sistema menos formal, enquanto a educação formal pode integrar métodos não formais aplicando princípios da aprendizagem ao longo da vida.

4.2.3

Para tornar a aprendizagem mais interessante e eficiente aos olhos dos jovens (4) e para reconhecer o papel da educação não formal, há que examinar e acompanhar as seguintes questões:

a introdução de métodos não formais de aprendizagem na educação formal;

a criação de transições fáceis entre as oportunidades de aprendizagem formal e não formal;

a orientação dos jovens para a aprendizagem através da experiência;

a interligação entre as escolas e o trabalho de animação socioeducativa a nível local;

a colocação dos jovens no centro do processo de aprendizagem;

o reconhecimento das competências adquiridas através de actividades de voluntariado e de aprendizagem não formal (o certificado Youthpass é um bom exemplo, devendo ser alargado de forma a abranger mais acções e actividades, mesmo as não incluídas no programa Juventude em Acção);

a instituição de um sistema claro para avaliar as competências adquiridas através da educação formal e não formal.

4.2.4

A proporção de jovens obrigados a exercer uma actividade remunerada para financiar os seus estudos não pára de aumentar, apesar de esta dupla actividade ser um importante factor de insucesso nos exames.

4.2.5

O programa Juventude em Acção e outros programas, como Comenius e Erasmus Mundus, podem incluir acções e financiamento mais específico para concretizar estes objectivos no futuro. Estes programas devem ser mais acessíveis a todos os grupos de jovens.

4.3   Emprego

4.3.1

Há uma ligação directa entre a educação e o emprego: quanto mais elevado o nível de educação, menor o risco de desemprego (5). Em especial, os indivíduos que abandonaram precocemente a escola deparam-se com grandes dificuldades para encontrar um emprego, o que conduz a rendimentos baixos e ao risco de pobreza e exclusão social.

4.3.2

As desigualdades sociais têm-se feito sentir de forma crescente e marcante nos últimos anos através da desigualdade ao nível do sucesso nos estudos e na obtenção de diplomas e ao acesso a empregos qualificados. Os jovens trabalhadores vivem na precariedade, com salários muito baixos e têm condições de trabalho e de vida indignas. O diploma já não serve de garantia contra o desemprego e a desqualificação, cabendo à sociedade reagir a estes desafios, assumindo parte da solidariedade.

4.3.3

Para dar perspectivas seguras de futuro a todos os jovens, para além de melhorar as qualificações, é especialmente importante neste contexto reforçar as medidas activas ao nível do mercado de trabalho destinadas aos jovens que procuram emprego e eliminar os problemas estruturais na transição da formação para a vida activa.

4.3.4

A busca por um trabalho mais interessante e mais bem pago faz com que muitos jovens saiam do seu país natal. Isto acontece em todas as categorias de ensino, provocando uma migração e fuga de cérebros permanentes, em especial dos novos Estados-Membros. Esta situação é diferente da mobilidade temporária, que é positiva para todos (jovens, sociedades e economias) e que deve ser fomentada na UE.

4.3.5

O trabalho representa um factor de dignidade pessoal e colectiva, bem como um factor de inclusão social. A insegurança no local de trabalho, os salários baixos e as horas extraordinárias dificultam a conciliação entre a vida profissional e pessoal, familiar.

4.3.6

A transição dos jovens da escola para o trabalho deve ser examinada em maior profundidade a nível comunitário e nacional. Sem serviços de orientação e aconselhamento no âmbito das carreiras bem desenvolvidos e sem sistemas de ensino adaptados às necessidades do mercado de trabalho, a questão do desemprego entre os jovens continuará por resolver.

4.3.7

Tendo em conta o anteriormente referido, o CESE recomenda que a estratégia desenvolva acções específicas nos seguintes domínios:

fornecimento de melhor formação académica e profissional e mais acessível, para permitir que os jovens entrem na vida activa com um mínimo de problemas e nela permaneçam;

adopção de medidas para prevenir que os contratos a prazo e o trabalho sem garantias sociais se tornem a regra para os jovens;

prestação generalizada de serviços facilmente acessíveis de orientação profissional e informação para os jovens e as mulheres em todos os estádios da formação, assim como criação de mais oportunidades de estágios, incluindo estágios profissionais, de qualidade (através de um quadro europeu de qualidade);

assistência activa e precoce aos jovens em busca de estágios ou de emprego e programas especiais para a inserção dos grupos problemáticos, como os jovens desempregados de longa duração e os jovens que abandonam os cursos educativos e formativos através, por exemplo, de projectos locais no domínio do emprego e de ajudas à formação;

reforço da cooperação entre estabelecimentos de ensino e entidades patronais;

consolidação das relações entre os sistemas de ensino e o mundo empresarial quando pertinente;

estabelecimento de relações com as associações e reconhecimento das actividades de voluntariado;

promoção de boas práticas entre todos os agentes participantes;

desenvolvimento da iniciativa «Novas competências para novos empregos» da Comissão;

fomento da mobilidade através de uma nova geração de programas (6).

4.3.8

A iniciativa de indicar o emprego da juventude para tema do ciclo de diálogo estruturado de 2010 é muito positiva e constitui uma boa oportunidade para promover esta questão.

4.3.9

No mundo do trabalho o papel dos parceiros sociais é particularmente importante. Os parceiros sociais europeus estão fortemente empenhados nesta área e o aumento da participação de jovens com qualificações e competências que se adeqúem às necessidades do mercado de trabalho sempre foi uma das prioridades dos seus programas de trabalho conjuntos.

4.4   Criatividade e espírito empresarial

4.4.1

O apoio à inovação em projectos e actividades empresariais dos jovens através de mecanismos de financiamento constitui um desafio que interessa abraçar a fim de criar oportunidades para uma aprendizagem orientada para o participante. São necessários mais recursos financeiros para promover essas iniciativas, na medida em que o financiamento nacional em muitos Estados-Membros é escasso ou inexistente.

4.4.2

O espírito empreendedor não deve ficar limitado à sua vertente económica, devendo, pelo contrário, ser encarado de forma mais ampla e integrada, permitindo identificar ou criar uma oportunidade e agir em conformidade para a concretizar, independentemente do domínio (social, político, etc.).

4.4.3

O CESE recomenda que o empreendedorismo social entre os jovens seja fomentado e apoiado.

4.4.4

Os programas que visam desenvolver o pensamento criativo e a resolução de problemas devem estar disponíveis em todos os níveis de ensino.

4.4.5

Devem ser criados programas de orientação para o arranque de empresas (espírito empresarial), assim como sistemas de apoio a todo o tipo de espírito empreendedor. (7)

4.5   Saúde e desporto

4.5.1

O desporto e as actividades físicas são instrumentos importantes para chegar aos jovens. Contribuem para um estilo de vida saudável, para a cidadania activa e a integração social. É essencial, porém, colocar menos ênfase no desporto enquanto entretenimento para o espectador, devendo promover-se a participação em massa e os desportos recreativos e não competitivos.

4.5.2

Os encontros desportivos com participação activa são bastante comuns nos clubes recreativos de desporto e atraem jovens de diferentes meios sociais. Os resultados são ainda melhores quando associados à utilização de métodos não formais de aprendizagem pelos animadores socioeducativos para promover o desporto e a actividade física junto dos jovens.

4.5.3

As organizações juvenis ao nível europeu e nacional devem participar mais nas actuais campanhas comunitárias em prol de um estilo de vida mais saudável, em que são mencionados os desafios alimentares, os danos causados pelo álcool, o tabaco e as drogas, a saúde mental. As revisões das estratégias comunitárias sobre estas questões devem dar mais importância aos jovens enquanto grupo especial. A Comissão deve também considerar elaborar uma estratégia comunitária sobre saúde sexual, especialmente orientada para os jovens.

4.5.4

O programa comunitário de saúde deve ser promovido junto das organizações juvenis. O programa pode ser fonte de fundos adicionais para a promoção de um estilo de vida saudável. As organizações juvenis devem ser promovidas e beneficiar desta iniciativa comunitária, colaborando com os profissionais de saúde.

4.5.5

A Comissão e os Estados-Membros devem também analisar a questão da saúde e segurança dos jovens no trabalho. Os dados nacionais e europeus sugerem que os trabalhadores jovens correm maior risco de acidentes de trabalho. A taxa de incidência de acidentes de trabalho não mortais foi 40 % superior entre o grupo etário dos 18 aos 24 anos (8) do que entre os trabalhadores mais velhos.

4.6   Participação

4.6.1

O CESE tem para si que a proposta de estratégia deve ser pragmática em relação à participação e ser mais do que um instrumento político. É necessário um diálogo verdadeiro e transparente entre os jovens e os decisores a todos os níveis (europeu, nacional, regional e local).

4.6.2

Para o CESE, as formas de concretizar este objectivo poderão ser as seguintes:

desenvolver métodos de participação mais intuitivos e interessantes;

criar oportunidades e estruturas de participação para os jovens;

transmitir e partilhar boas práticas;

criar e apoiar conselhos para a juventude a nível local, regional, nacional e europeu.

desenvolver oportunidades para os grupos desfavorecidos e informais de jovens de se exprimirem;

eliminar os obstáculos à mobilidade, incentivando a participação dos jovens e uma melhor compreensão das questões europeias;

utilizar cabalmente todos os instrumentos de participação já desenvolvidos por diferentes agentes ao nível europeu e nacional (9);

orientar um diálogo estruturado permanente com as principais partes interessadas (tais como os jovens, organizações juvenis, animadores socioeducativos, profissionais do sector, investigadores, especialistas, parceiros sociais, políticos, etc.).

4.6.3

A participação dos jovens nas estruturas para a juventude e numa sociedade civil mais alargada deve ser reforçada. É também necessário entender e promover melhor conceitos como participação e cidadania activa.

4.7   Inserção social

4.7.1

O fomento do potencial dos jovens deve ser uma preocupação constante da sociedade. Por isso, há que optimizar a estratégia para os jovens desfavorecidos através de acções específicas.

4.7.2

O trabalho de animação socioeducativa e a aprendizagem não formal são ferramentas muito importantes para a inserção dos jovens. Os indivíduos que abandonaram precocemente a escola ou provenientes de um meio migrante reagem melhor em contextos não formais destinados a evitar uma possível exclusão social. O processo não se deve concentrar nos problemas, nem apenas naqueles já em dificuldades.

4.7.3

O CESE recomenda o desenvolvimento de acções específicas para projectos e actividades destinados aos jovens desfavorecidos, que se poderão enquadrar no actual programa Juventude em Acção. Isto não deve substituir a prioridade principal do programa, antes orientá-lo melhor para a inserção social dos jovens desfavorecidos.

4.7.4

São necessários mais esforços para obter coesão social nas regiões, onde a participação dos jovens é mais reduzida.

4.7.5

A declaração de 2010 como Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social constitui uma boa oportunidade para promover e desenvolver este tema.

4.8   Actividades de voluntariado

4.8.1

Tal como o CESE referiu em pareceres anteriores, as actividades de voluntariado representam uma experiência valiosa para o desenvolvimento pessoal, a inserção social e profissional e têm um papel importante na inserção de jovens com menos oportunidades (10).

4.8.2

Para reforçar a importância das actividades de voluntariado, a União Europeia deve garantir que a questão do maior reconhecimento das actividades de voluntariado se mantém presente na sua agenda política. Um bom exemplo que devia ser alargado é o Youthpass. Iniciativas como o Serviço Voluntário Europeu devem ser mais desenvolvidas e o valor do voluntariado também deve ser reconhecido noutras formas de participação (por exemplo, outras acções enquadradas no Juventude em Acção).

4.8.3

Há que reforçar as sinergias entre os sistemas nacionais e europeu de voluntariado. Neste contexto, há diferentes conceitos de voluntariado e, por isso, a definição de voluntariado deve ser harmonizada, de forma a poder ser aplicada em diferentes contextos.

4.8.4

Como recomendado anteriormente, no domínio das actividades de voluntariado, é essencial melhorar a cooperação entre os programas nacionais e europeus existentes, reduzindo os entraves técnicos e decidindo sobre a cobertura dos seguros de saúde e de acidente. O CESE instou a Comissão Europeia a ponderar criar uma «marca» para os programas de intercâmbio que preencham as normas de qualidade comunitárias. Dada a sua importância, é imprescindível assegurar pelos meios mais adequados a qualidade das actividades de voluntariado (11).

4.8.5

Há que envidar esforços para evitar que o serviço de voluntariado substitua diferentes formas de trabalho.

4.8.6

O CESE insta o Conselho a adoptar a proposta de decisão da Comissão de declarar 2011 Ano Europeu do Voluntariado. O Dia Internacional dos Voluntários, que se celebra a 5 de Dezembro, também constitui uma boa oportunidade para promover e aprofundar este assunto.

4.9   AJuventude no Mundo

4.9.1

Os jovens são igualmente «factores» afectados directamente pelo processo de globalização. É necessário um maior conhecimento do impacto da globalização nos jovens através de estudos científicos. Mediante a participação em projectos e actividades que fomentem nos jovens um sentido de solidariedade e reconhecimento generalizados, os jovens sentem-se mais responsáveis em relação à comunidade em geral.

4.9.2

As questões de interesse mundial (ambiente, alterações climáticas, desenvolvimento sustentável) devem ser integradas na política de juventude, de forma que esta e os projectos para a juventude contribuam para progressos nesses domínios. Por outro lado, a juventude deve ser tida em conta quando se abordam políticas gerais.

4.9.3

A iniciativa de indicar a juventude no mundo para tema do ciclo de diálogo estruturado de 2011 é muito positiva e constitui uma boa oportunidade para promover esta questão.

5.   Instrumentos e aplicação do novo quadro de cooperação

5.1

O CESE lamenta que a estratégia proposta não especifique métodos de aplicação concretos nem formas de avaliar os progressos a nível europeu e nacional. Espera-se, porém, que o método aberto de coordenação continue a ser o instrumento principal. O CESE considera que se devia recorrer a um Pacto Europeu para a Juventude renovado como complemento.

5.2

O futuro quadro de cooperação deve basear-se num diálogo estruturado melhorado, o mais inclusivo possível e desenvolvido a todos os níveis, envolvendo os jovens, animadores socioeducativos, organizações juvenis, organismos nacionais, investigadores e outras partes interessadas ao longo de todo o ciclo político e em todos os domínios de política. Deve fundar-se numa ampla abordagem ascendente, incluindo diversas formas de cidadania activa e envolvendo os jovens com menos oportunidades.

5.3

A elaboração de políticas no âmbito da proposta de estratégia deve escorar-se em provas e ser o mais transparente possível. O CESE recomenda que a base de dados do Centro Europeu de Conhecimento para as Políticas de Juventude (12) seja utilizada para a publicação de todos os relatórios, recolha e análise de dados.

5.4

Os jovens devem estar no centro do processo, e o trabalho de animação socioeducativa é a forma mais eficaz de chegar até eles. Assim, a avaliação e a melhoria da qualidade do trabalho de animação socioeducativa devem ser uma prioridade.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Apenas 33 % dos jovens considera desempenhar um papel influente na sociedade a nível europeu e 50 % estima não ter a possibilidade de se fazer ouvir (resultados da consulta em linha sobre a juventude – 2008).

(2)  Ver as conclusões do estudo desenvolvido no âmbito do projecto UP2YOUTH, apresentado no Relatório Europeu sobre a Juventude, publicado em Abril de 2009.

(3)  Ver parecer do CESE de 16.1.2008 sobre Melhorar a Qualidade da Formação Académica e Profissional dos Docentes, relator: Henri Malosse (JO C 151 de 17.6.2008).

(4)  67 % dos jovens e das organizações juvenis não está satisfeito com os sistemas nacionais de ensino (resultados da consulta em linha sobre a juventude – 2008).

(5)  Segundo o Relatório Europeu sobre a Juventude, publicado em Abril de 2009, nos Estados-Membros, as pessoas com apenas o ensino secundário inferior correm três vezes mais riscos de desemprego do que as pessoas que frequentaram o ensino superior.

(6)  Ver o parecer do CESE, de 17.1.2008, sobre a Comunicação – Promover a plena participação dos jovens na educação, no emprego e na sociedade, relator: Pavel Trantina (JO C 151, 17.6.2008).

(7)  Conclusões do encontro da juventude organizado pela Presidência checa do Conselho da UE, de 2 a 5 de Junho de 2009, em Praga.

(8)  Estatísticas Europeias de Acidentes de Trabalho (EEAT).

(9)  Tal como a Carta Europeia revista sobre a participação dos jovens na vida local e regional, do Conselho da Europa: http://www.coe.int/t/dg4/youth/Resources/Documents/Bibliographies/Political_participation_en.asp

(10)  Ver o parecer do CESE de 13.12.2006 sobre O papel e o impacto do voluntariado na sociedade europeia – relatora: Erika Koller (JO C 325 de 30.12.2006).

(11)  Ver o parecer de prospectiva do CESE de 25.2.2009 sobre o Serviço Cívico Europeu, relator: Thomas Janson, co-relator: Ionuț Sibian (JO C 218 de 11.9.2009).

(12)  http://youth-partnership.coe.int/youth-partnership/ekcyp/index


23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/121


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 998/2003 relativo às condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação sem carácter comercial de animais de companhia

[COM(2009) 268 final — 2009/0077 (COD)]

2009/C 318/23

Em 30 de Junho de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 152.o, n.o 4, alínea b) do Tratado que institui a União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 998/2003 relativo às condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação sem carácter comercial de animais de companhia»

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório, o qual, de resto, havia sido já objecto dos pareceres CES 1411/2000 e CESE 1705/2007, adoptados em 29 de Novembro de 2000 (1) e em 12 de Dezembro de 2007 (2), o Comité, na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 30 de Setembro), decidiu por 180 votos a favor, com 9 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto, remetendo para a posição defendida nos documentos mencionados.

Bruxelas, 30 de Setembro de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Parecer do CESE sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação sem carácter comercial de animais de companhiaJO C 116 de 20.4.2001, p. 54.

(2)  Parecer do CESE sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 998/2003, relativo às condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação sem carácter comercial de animais de companhia, no que diz respeito à prorrogação do período transitórioJO C 120 de 16.5.2008, p. 49.