ISSN 1977-1010

Jornal Oficial

da União Europeia

C 242

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

58.° ano
23 de julho de 2015


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015

2015/C 242/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Contributo da sociedade civil para a revisão da estratégia da União Europeia para a Ásia Central (parecer exploratório)

1

2015/C 242/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Integração das mulheres migrantes no mercado de trabalho (parecer de iniciativa)

9

2015/C 242/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Apropriação de terras agrícolas — Sinal de alarme para a Europa e ameaça para a agricultura familiar (parecer de iniciativa)

15

2015/C 242/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Situação após a extinção do regime de quotas leiteiras em 2015 (parecer de iniciativa)

24

2015/C 242/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Hipersensibilidade eletromagnética (parecer de iniciativa)

31

2015/C 242/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Situação e condições de funcionamento das organizações da sociedade civil na Turquia

34


 

III   Actos preparatórios

 

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

 

504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015

2015/C 242/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos[COM(2014) 557 final — 2014/0256 (COD)]

39

2015/C 242/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões — Sexto relatório sobre a coesão económica, social e territorial: investimento no crescimento e no emprego[COM(2014) 473 final]

43

2015/C 242/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão sobre sistemas de saúde eficazes, acessíveis e resilientes[COM(2014) 215 final]

48

2015/C 242/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao fabrico, à colocação no mercado e à utilização de alimentos medicamentosos para animais e que revoga a Diretiva 90/167/CEE do Conselho[COM(2014) 556 final — 2014/0255 (COD)] e a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos medicamentos veterinários[COM(2014) 558 final — 2014/0257 (COD)]

54

2015/C 242/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Para uma economia dos dados próspera[COM(2014) 442 final]

61

2015/C 242/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre as medidas que a União pode adotar em relação ao efeito combinado de medidas antidumping ou antissubvenções e de medidas de salvaguarda (codificação)[COM(2014) 318 final — 2014/0164 (COD)]

66


PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015

23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Contributo da sociedade civil para a revisão da estratégia da União Europeia para a Ásia Central»

(parecer exploratório)

(2015/C 242/01)

Relator:

Jonathan PEEL

Correlator:

Dumitru Fornea

Por carta de 25 de setembro de 2014, Rihards Kozlovskis, ministro interino dos Negócios Estrangeiros e ministro do Interior da República da Letónia, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu que elaborasse um parecer exploratório sobre o

«Contributo da sociedade civil para a revisão da Estratégia da União Europeia para a Ásia Central».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a secção especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 17 de dezembro de 2014.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 180 votos a favor, 2 votos contra e 18 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité acolhe muito favoravelmente o pedido que lhe foi endereçado pela futura Presidência letã para que elaborasse um parecer exploratório sobre a próxima revisão bienal da estratégia da União Europeia (UE) para uma nova parceria com a Ásia Central (1) e, em particular, a proposta de aprofundamento das relações da UE com os cinco países da Ásia Central (2) no sentido de estabelecer uma parceria efetiva, como uma das suas principais prioridades no domínio da política externa.

1.1.1.

Nesse sentido, o Comité reitera as conclusões e recomendações formuladas no seu parecer de 2011 sobre a Ásia Central (3), que continuam válidas.

1.2.

O Comité toma nota da conclusão do Conselho, adotada durante a revisão anterior, de que a estratégia da União Europeia revelou a sua eficácia e mantém-se válida (4). Qualquer tentativa da UE para aprofundar as relações com os cinco países da Ásia Central deve continuar a assentar numa base pragmática e ser adaptada às realidades política, económica e social desta região em mutação, atendendo aos valores e princípios fundamentais em matéria de direitos humanos e, sempre que possível, demonstrando flexibilidade para facilitar o desenvolvimento de relações reciprocamente benéficas.

1.2.1.

Acima de tudo, a União Europeia não precisa de lembrar que, ao contrário do que acontece na Europa, não há um verdadeiro sentimento de afinidade regional entre estes países, que têm de ser analisados caso a caso, e que qualquer aprofundamento ou alargamento do seu envolvimento na região afetará inevitavelmente as relações gerais da União Europeia com a Rússia. A UE tem de ter em conta as estruturas de poder existentes na região, reservando-se simultaneamente o direito de agir de forma independente. Como estes cinco países pertenciam à antiga União Soviética, a Rússia considera-os como fazendo parte da sua esfera de influência, tal como a Ucrânia. Consequentemente, é essencial assegurar, nesta revisão, informações recíprocas sobre a abordagem geral da União Europeia para com a Rússia e as suas relações com este país.

1.3.

O Comité observa que a posição estratégica da Ásia Central tem vindo, desde 2011, a ganhar cada vez mais importância, sobretudo à luz da crise na Ucrânia. Observa ainda que o envolvimento da China na região está a aumentar exponencialmente. Por conseguinte, a região reveste-se de importância para as relações entre a União Europeia e a China e proporciona uma oportunidade-chave para aprofundar a parceria estratégica UE-China, em particular através do reforço da cooperação nos domínios da energia e dos transportes. O Comité recomenda analisar a fundo esta questão.

1.3.1.

A estratégia de parceria reconhece a energia e os transportes como áreas prioritárias. O Comité reitera a sua recomendação de 2011, segundo a qual a viabilidade das ligações da União Europeia com as consideráveis reservas energéticas potenciais da Ásia Central tem de basear-se em considerações de ordem prática e económica. Justifica-se que a UE participe no desenvolvimento do setor energético nestes países, tanto mais que as suas reservas oferecem à Europa fontes de energia adicionais e complementares (e não alternativas), não obstante as dificuldades existentes em termos de trânsito e transporte. Contudo, será importante evitar potenciais mal entendidos com a China no contexto do nosso interesse recíproco em aumentar os fornecimentos de energia provenientes da Ásia Central.

1.3.2.

O Comité recomenda vivamente recorrer aos consideráveis conhecimentos especializados de que a União Europeia dispõe em matéria de reforço da cooperação para melhorar a eficiência energética e utilizar fontes de energia renováveis, dado que há um vasto potencial inexplorado na região; alargar a cooperação regional com a EITI (5) é também um objetivo principal.

1.3.3.

O Comité reitera igualmente a sua recomendação de 2011 de que os corredores de transportes propostos pela China e pela União Europeia devem, na medida do possível, ser completamente alinhados, nomeadamente na infraestrutura ferroviária. Recomenda também intensificar os esforços para obter resultados da Comissão Intergovernamental para o Corredor de Transporte Europa-Cáucaso-Ásia (CIG Traceca) (6), a fim de acelerar o desenvolvimento de uma cadeia de infraestruturas sustentável, assegurando o transporte multimodal (nomeadamente a infraestrutura ferroviária e rodoviária) através da ligação dos corredores com as redes transeuropeias de transportes (RTE-T).

1.4.

Contudo, a União Europeia não logrará conquistar corações na Ásia Central se se limitar a perseguir objetivos económicos. A estratégia de parceria coloca também a tónica nos direitos humanos, no Estado de direito, na boa governação e na democratização, devendo incentivar a construção de relações de confiança entre as estruturas de poder existentes. No que a este aspeto diz respeito, a região continua a confrontar-se com desafios difíceis devido à transição penosa de economias dirigidas para economias de mercado nacionais, agravada por períodos endémicos de turbulências étnicas, ambientais e económicas.

1.4.1.

A estratégia de parceria sublinha, em particular, a capacidade da União Europeia de oferecer a experiência que tem na integração regional conducente à estabilidade política e à prosperidade, referindo-se especificamente aos Estados-Membros que aderiram à UE em 2004 ou posteriormente. Por conseguinte, o Comité insta veementemente a Presidência letã a encorajar os Estados-Membros a partilharem as suas experiências na gestão da transição de economias dirigidas para economias de mercado, no desenvolvimento da governação eletrónica (e, em particular, no que respeita à «autoestrada da seda virtual») e em outras áreas de apoio suscetíveis de gerar valor acrescentado, sobretudo em articulação com os esforços desenvolvidos para consolidar o Estado de direito.

1.4.2.

Neste contexto, as recomendações do parecer do Comité sobre o tema «Mudanças sustentáveis nas sociedades em transição» (7) são também importantes. Por outro lado, o Comité frisa que as empresas e os sindicatos, enquanto tal ou como parceiros sociais, têm também um papel fulcral a desempenhar, utilizando as suas ligações e, não menos importante, incentivando os governos da Ásia Central a reconhecerem de forma mais significativa o papel positivo da sociedade civil. Neste intuito, e para promover o investimento, o Comité recomenda que uma delegação do CESE visite a Ásia Central o mais rapidamente possível.

1.4.3.

O CESE está particularmente preocupado com o facto de o cargo de representante especial da União Europeia não ter sido renovado e recomenda vivamente que o mesmo seja preenchido o mais rapidamente possível.

1.5.

A juventude e a educação adquirem especial importância. Neste domínio, o Comité acolhe favoravelmente o muito apreciado programa Erasmus+ da União Europeia, na sua versão revista, que contribui para aprofundar ainda mais os laços e promover a mobilidade a nível do ensino terciário, que deverá ser acompanhado pela facilitação da concessão de vistos e a isenção de propinas para os melhores estudantes da região.

1.5.1.

Metade da população da Ásia Central tem menos de 25 anos. Portanto, o ensino secundário é pelo menos tão importante como o ensino terciário. O Comité insta a União Europeia a aumentar a sua intervenção e apoio neste domínio, nomeadamente através da disponibilização de manuais escolares (escassos no ensino secundário) e da divulgação de informação mais extensa sobre a UE nas línguas locais. Importa igualmente considerar a concessão de apoio a professores, eventualmente como parte de um programa de desenvolvimento rural mais vasto, bem como uma maior aproximação às famílias para promover o envolvimento parental. Elevar o nível geral de educação contribuiria também para combater o possível radicalismo entre os jovens.

1.5.2.

O Comité recomenda ainda dar mais realce à concessão de apoio ao ensino das Ciências na Ásia Central, uma disciplina historicamente importante nesta região e com ligações com os Estados bálticos, em particular, bem como ao reforço da presença dos meios de comunicação social na região através de redes europeias de televisão e rádio, como a Euronews ou a Eurenet, com programas nas línguas locais.

1.6.

No entanto, o Comité está convicto de que a melhor forma de promover os direitos humanos consiste em desenvolver e promover os contactos com a sociedade civil local, reforçando a sua capacidade de se tornar um parceiro efetivo e um interlocutor dos governos e consolidando dessa forma também o Estado de direito e um poder judiciário independente.

1.6.1.

Incentivar um funcionalismo público imparcial e reforçar o papel da sociedade civil local permanecem tarefas cruciais, sobretudo dada a fraca tradição existente nestes domínios. O empenho da União Europeia para com a sociedade civil local, a níveis mais alargados e profundos, como parte do diálogo sobre os direitos humanos é essencial e tem de ser reforçado, nomeadamente através de uma utilização mais intensiva da Internet e de sítios web pertinentes.

1.6.2.

Um dos primeiros resultados da estratégia da União Europeia para a Ásia Central em 2007 foi o lançamento do processo de diálogo da UE em matéria de direitos humanos. Em média, foram realizadas cerca de seis rondas de diálogo com cada país. Não obstante acolher favoravelmente as sessões de informação do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) às organizações da sociedade civil (OSC) em Bruxelas, o Comité insta a que se aumente significativamente o número de reuniões com as OSC da Ásia Central no terreno. Estas reuniões, que têm tido lugar pontualmente, e na maior parte dos casos apenas antes do diálogo, nem sempre cobrem as questões que as OSC consideram mais importantes.

1.6.3.

O Comité lamenta que o papel das associações comunitárias e de entreajuda tradicionais, mais rurais (ashar/hashar), que estão profundamente enraizadas tanto nas zonas nómadas como sedentárias da Ásia Central, tenha sido largamente ignorado pela União Europeia, que parece apenas financiar organizações não governamentais (ONG) profissionais bem estabelecidas. Torna-se, pois, urgente inverter esta situação.

1.7.

Não cabe no presente parecer comentar muitas das áreas específicas abrangidas pela estratégia de parceria, mas a sustentabilidade ambiental e os recursos hídricos continuam a assumir importância fundamental. O Comité insta a que se coloque mais a tónica na eficiência energética, na segurança alimentar e na segurança dos alimentos, mas sobretudo na eficiência do uso da água, concentrando os esforços na redução dos elevadíssimos índices de desperdício de água. A água é um bem vital na região e, como tal, deverá estar na base de qualquer apoio que a União Europeia possa conceder à agricultura local.

1.7.1.

O Comité reitera a sua recomendação de 2011 respeitante às questões interligadas, mas difíceis, de segurança alimentar, segurança dos recursos hídricos e abastecimento energético. O Comité reitera os seus anteriores apelos para que a União Europeia assuma um papel de maior relevo no que respeita a incentivar os cinco Estados a colaborarem numa abordagem integrada para resolver estes problemas, nomeadamente devido à experiência acumulada na concessão de ajuda nesta área, e promova um comércio recíproco para os produtos agroalimentares.

2.   Contexto

2.1.

A futura Presidência letã da União Europeia definiu o aprofundamento das relações da UE com os cinco países da Ásia Central como uma das suas principais prioridades no domínio da política externa. No início de 2015, serão adotadas as conclusões do Conselho na sequência da revisão bienal da estratégia da União Europeia para a Ásia Central pelo SEAE. O Comité foi solicitado a debruçar-se essencialmente sobre as principais questões resultantes da atual situação geopolítica e estratégica, sobretudo onde haja um potencial significativo de desenvolvimento de uma verdadeira parceria entre a União Europeia e entre os países da Ásia Central.

2.1.1.

Essas questões incluem a segurança, a educação, a energia, os transportes, o ambiente, incluindo o desenvolvimento rural, bem como aspetos mais vastos do desenvolvimento sustentável, e o ambiente empresarial, incluindo as pequenas e médias empresas (PME), o comércio e o investimento.

2.1.2.

É, portanto, dispensável repetir aqui muitos dos detalhes contextuais apresentados no parecer de 2011. Todavia, importa lembrar que estes cinco países, que se estendem por uma área vastíssima, têm uma população total de apenas cerca de 66 milhões de habitantes (dados de 2013). Estes novos Estados, comparativamente a outros, ainda estão a tomar forma. Em nenhum destes países, que se tornaram independentes em 1991 com o colapso da União Soviética, tinha havido antes um movimento de libertação nacional. A maior parte deles tem relações tensas com os países vizinhos, nomeadamente devido a fronteiras que muitas vezes não coincidem com as fronteiras étnicas, o que pode degenerar em violência. E o pouco que resta de um sentimento de coesão pode também ser um fator negativo, pois faz lembrar o período soviético. Persistem desafios difíceis resultantes da transição penosa para economias de mercado nacionais. A mentalidade das elites no poder também não mudou muito: as antigas estruturas administrativas criadas pela nomenclatura soviética transformaram-se em burocracias oligárquicas dominadas por clãs ou famílias.

2.1.3.

Os cinco países encontram-se também em fases de desenvolvimento muito diferentes. O Cazaquistão está a emergir como um ator fundamental na região. As suas relações com a União Europeia estão a progredir francamente. No Quirguistão e no Tajiquistão, que são muito mais pobres, mas relativamente abertos, há uma certa participação da sociedade civil. A relação da UE com o Usbequistão está também a evoluir, mas o Turquemenistão continua a ser o país mais fechado na região, sem uma sociedade civil independente efetiva.

3.   Encruzilhada estratégica

3.1.

Apesar da sua localização inóspita, a Ásia Central tem vindo a adquirir desde 2011 importância pelo facto de se situar numa encruzilhada estratégica. A localização desta região também a torna altamente dependente dos países vizinhos no acesso a rotas de transporte para os mercados internacionais.

3.1.1.

A influência russa é grande e tornou-se alvo de uma atenção cada vez maior, a nível regional e internacional, na sequência da crise na Ucrânia e da violação dos tratados internacionais pela Rússia. A perceção generalizada é a de que o presidente russo pretende reativar a suas antigas esferas de influência. Por seu turno, isto é motivo de preocupações acrescidas quanto a um regresso aos tempos da «guerra fria» e a uma maior ameaça potencial não só para os outros países que faziam parte da União Soviética, mas também para interesses mais gerais. Além disso, é importante não subestimar o papel preponderante do poder persuasivo (soft power) da Rússia através da rádio e da televisão, para o que contribui o facto de a língua russa ser o principal meio de comunicação na região e de uma elevada percentagem de migrantes oriundos da região trabalhar na Rússia.

3.1.2.

Em particular, a energia (e os recursos naturais) começaram a despertar as atenções a nível internacional, embora o envolvimento da China na região fosse já muito forte. Acresce que a perspetiva de a guerra do Afeganistão chegar ao fim e de o envolvimento dos Estados Unidos diminuir poderá encorajar o islamismo militante e a ascensão do chamado «Estado Islâmico».

3.2.

Muitos veem a Ásia Central como o principal palco de uma renovada rivalidade entre a China e a Rússia, com a União Europeia como observadora. Com a crise financeira de 2008 a China prosperou à custa da Rússia. Em termos de energia, a parceria entre estes dois países não se tem revelado fácil. A China, que assume um papel mais ativo na Ásia Central, tem vindo a desafiar com êxito a dominância russa nesta área. A seu tempo, isso pode ser motivo suficiente para que a Rússia procure estreitar as suas relações com a União Europeia apesar das tensões atuais. Por sua vez, a China (como a Índia) tem permanecido significativamente silenciosa a respeito da crise na Ucrânia, sendo que muitos não aceitam totalmente as preocupações da Europa.

3.2.1.

A China é também a força motriz da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), que inclui países da Ásia Central, a Rússia e o Irão. Criada originalmente para resolver questões fronteiriças, esta organização tem sido útil à China tanto para promover a sua própria imagem nos novos Estados como para reforçar a sua posição no Sinquião dentro das suas fronteiras. Para a Rússia, a OCX tem sido importante para manter a sua influência relativamente à China, oferecendo igualmente uma plataforma comum para debater questões de segurança, incluindo o terrorismo, o extremismo e o separatismo (as «três forças do mal»).

3.2.2.

O papel cada vez mais importante da China na região foi demonstrado em 2013, quando o presidente Xi lançou a sua iniciativa «Cintura económica da rota da seda», apoiada por um fundo de 16,3 mil milhões de dólares, destinada a estreitar os laços com a Europa, mas associando também os países de trânsito. A atividade económica da China na região tem sido estimulada pelas suas necessidades energéticas — o país tem construído estradas e condutas, realizando investimentos substanciais, em especial no setor do gás do Turquemenistão, onde estes investimentos são, possivelmente, superiores à capacidade de extração atual mas adequados às vastas reservas do país. Se, por um lado, a agência noticiosa russa Novosti referiu (8) que a Rússia ofereceu ao Tajiquistão 6,7 milhões de dólares em auxílios à restruturação rural, por outro, um ministro do Tajiquistão anunciou posteriormente ao Financial Times que a China investirá pelo menos 6 mil milhões de dólares na região em 2017 (um valor equivalente a cerca de 70 % do PIB do Tajiquistão em 2013, e mais de 40 vezes superior ao seu investimento direto estrangeiro anual) (9).

3.2.3.

No entanto, tal como em África, o contributo da China inclui a importação maciça de mão-de-obra e de competências de engenharia civil chinesas, o que gerou alguma impopularidade, talvez exacerbada no Tajiquistão pela ausência de muitos homens tajiques que trabalham na Rússia.

3.3.

Em 1 de janeiro de 2015, sob a liderança da Rússia, será criada a União Económica da Eurásia, a partir da antiga união aduaneira. O Cazaquistão fará parte desta organização, tal como provavelmente o Quirguistão, embora a adesão deste último possa criar obstáculos ao seu comércio florescente enquanto intermediário para as exportações da China. O Tajiquistão poderá também não ter outra alternativa a não ser aderir, uma vez que 52 % do seu produto interno bruto (PIB) é constituído por remessas enviadas ao país por cidadãos tajiques que trabalham na Rússia. Contudo, tal como no passado, tanto o Usbequistão como o Turquemenistão mostram-se mais relutantes em relação ao restabelecimento de laços com a Rússia.

3.3.1.

No entanto, o Cazaquistão considera esta União essencialmente económica, mais do que política, e preocupa-se com a manutenção de um equilíbrio entre os diversos interesses internacionais. O Cazaquistão está empenhado em pôr em prática, o mais rapidamente possível, o Acordo de Parceria e Cooperação reforçado, recentemente celebrado com a União Europeia, uma vez que foi o primeiro país da Ásia Central a integrar o Encontro Ásia-Europa (ASEM) (10). É de lamentar que o processo de adesão do Cazaquistão à OMC não tenha sido concluído na reunião ministerial da OMC de 2013, facto que muitos atribuem aos atrasos provocados pelo seu grande vizinho eurasiático.

3.4.

Apesar de a militância islâmica ser um fenómeno minoritário (o fervor religioso foi um fator importante na guerra civil do Tajiquistão nos anos 90), cada regime prossegue políticas fortemente secularistas, o que é contraproducente tendo em conta o aumento da procura de educação muçulmana, incluindo da parte de mulheres. A maior parte da população é sunita, e foram encontrados combatentes da região na Síria. O Irão está interessado em reforçar os laços com a região, não apenas em termos de infraestruturas de transporte e de energia (e da ligação à China) mas também nos domínios cultural e linguístico. Os tajiques falam farsi, que é também o idioma de áreas consideráveis do Usbequistão (por exemplo, Samarcanda, Bucara). Uma vez que as outras principais línguas locais são turcomanas, a Turquia também tem importantes interesses na região.

4.   O potencial para desenvolver uma parceria UE-Ásia Central mais forte

4.1.

No seu parecer de 2011, o Comité reconheceu que a União Europeia desempenha um papel relativamente fraco na região. Em julho de 2007, a UE lançou a sua estratégia para a Ásia Central, que deve agora ser novamente analisada no âmbito da revisão periódica. Apesar de fluxos comerciais reduzidos, a União é um importante parceiro comercial de cada um destes países, em especial do Cazaquistão. Em 2013, a UE foi responsável por 38 % de todo o comércio do Cazaquistão, absorvendo dois terços das suas exportações (principalmente energia). No entanto, o valor total das importações da UE provenientes da região atingiu apenas 24,9 mil milhões de euros e as exportações 10  600 milhões de euros, representando 1 % do comércio total da União Europeia.

4.1.1.

Há que aproveitar todas as oportunidades para intensificar os fluxos comerciais e de investimento em cada país, e para desenvolver o papel e a atividade dos parceiros sociais enquanto intervenientes principais da sociedade civil.

4.1.2.

O Quirguistão pode beneficiar do SPG (11), mas o Usbequistão e o Tajiquistão ainda não se candidataram ao SPG+, sem dúvida devido às condições associadas ao mesmo. Em 2016, o Turquemenistão deixará de poder beneficiar do SPG devido à sua reclassificação como país de «rendimento médio». Uma vez que só o Quirguistão e o Tajiquistão são membros da OMC, não estão previstos acordos de comércio livre, especialmente nas modalidades dos celebrados pela União Europeia com a Ucrânia, a Geórgia ou a Moldávia. No entanto, sempre que possível, a UE deve ter muito mais em conta a Ásia Central no âmbito da parceria oriental e da estratégia para o mar Negro.

4.2.

A Ásia Central representa uma oportunidade fundamental para reforçar a parceria estratégica UE-China através do reforço da cooperação nos setores da energia e dos transportes. Este aspeto deve ser objeto de uma análise aprofundada, uma vez que ambas as partes pretendem aumentar o abastecimento energético proveniente da região.

4.2.1.

Tendo em conta os vastos recursos de hidrocarbonetos da Ásia Central, nomeadamente no setor do gás natural, atualmente estes objetivos não parecem estar em forte oposição. O crescimento demográfico e económico na região aumentará, sem dúvida, as necessidades internas de energia, embora exista também um importante potencial inexplorado para melhorar a eficiência energética e a utilização de fontes de energia renováveis. Há fortes argumentos a favor do reforço da cooperação nestes domínios, uma vez que a União Europeia possui uma importante experiência política e um sólido setor energético sustentável, bem como a favor de uma maior cooperação na região no âmbito da EITI (12), que prevê uma maior transparência em matéria de receitas públicas provenientes de fontes de energia e reforça o papel da sociedade civil.

4.3.

Para a União Europeia, o Traceca continua a ser uma iniciativa importante. Trata-se de um programa internacional destinado a reforçar as relações económicas, o comércio e as vias de comunicação desde a bacia do mar Negro até ao Cáucaso do Sul e à Ásia Central, recorrendo aos sistemas de transportes existentes e à vontade política e aspirações comuns dos seus 13 Estados membros, incluindo os países da antiga União Soviética e Ásia Central em causa (exceto o Turquemenistão), a Turquia, a Bulgária e a Roménia.

4.3.1.

A construção de uma infraestrutura rodoviária moderna e interoperável e de uma infraestrutura ferroviária estratégica ao longo da rota da seda reveste-se de especial interesse para a China, a União Europeia e a Rússia. A integração bem-sucedida desta região graças a infraestruturas modernas e fiáveis deve oferecer uma grande oportunidade não apenas para aumentar a integração económica mas também para promover a mobilidade das pessoas e o intercâmbio multicultural, gerando por sua vez um ambiente mais propício ao fomento do Estado de direito e da democracia. Por conseguinte, o Comité acolhe favoravelmente a atenção especial prestada pela Presidência letã ao desenvolvimento de ligações de transporte multimodais na Eurásia.

4.4.

O Cazaquistão dispõe de vastas reservas de recursos naturais e de combustíveis fósseis, muitas das quais ainda por explorar, embora em termos de produção a sua indústria mineira esteja longe de concretizar todo o seu potencial (13). O Cazaquistão e o Usbequistão têm abundantes recursos petrolíferos e de gás, ao passo que o Turquemenistão detém, por si só, 9 % das reservas de gás natural de todo o mundo (14). Por outro lado, o Quirguistão e o Tajiquistão ainda têm de desenvolver o seu potencial hidráulico e os seus valiosos recursos minerais (15). O Usbequistão e o Turquemenistão encontram-se entre os dez principais produtores de algodão do mundo, apesar de não disporem de recursos hídricos suficientes para esta cultura muito exigente em água.

4.5.

Contudo, a União Europeia não conseguirá conquistar corações na Ásia Central se se limitar a perseguir objetivos económicos. Um terço da população do Quirguistão e do Tajiquistão vive abaixo do limiar da pobreza. No Quirguistão, mais de dois terços da população em idade ativa trabalha no setor informal. Mais de um milhão de tajiques e meio milhão de quirguizes trabalham no estrangeiro, principalmente na Rússia e no Cazaquistão, devido em grande parte ao desemprego juvenil registado nesses países. Não obstante a igualdade jurídica existente entre homens e mulheres, persistem disparidades salariais que se devem, em parte, às baixas taxas de emprego das mulheres, e ao facto de terem profissões mal remuneradas. As mulheres têm também menos oportunidades de ensino.

4.6.

Por conseguinte, o presente parecer formula uma série de recomendações-chave que abrangem a eficiência energética e hídrica, a segurança alimentar (que continua a ser uma questão fundamental no Tajiquistão), a segurança hídrica e o abastecimento de energia, fazendo eco das recomendações apresentadas no parecer de 2011.

5.   O papel da sociedade civil

5.1.

O CESE está convicto de que o desenvolvimento de contactos com a sociedade civil local é uma das melhores formas de maximizar a eficácia da União Europeia. É igualmente importante que esta questão seja abordada de forma positiva, nomeadamente para tentar mitigar a crescente preocupação dos governos da região em relação ao papel da sociedade civil (16). O fomento do contacto e dos intercâmbios juvenis deve contribuir para este objetivo. O Comité acolhe com agrado o elevado nível de apoio obtido para a Ásia Central ao abrigo do programa alargado Erasmus+ da União Europeia, que contribui para aprofundar os laços e a mobilidade a nível do ensino terciário e deverá ser acompanhado, idealmente, pela facilitação da concessão de vistos e isenção de propinas para os melhores estudantes da região.

5.1.1.

O ensino secundário constitui outro domínio essencial em que se pode intensificar a atividade e o apoio da União Europeia, nomeadamente através da disponibilização de informações mais aprofundadas sobre a União nas línguas locais, e de uma maior aproximação às famílias para promover o envolvimento parental. Em alguns Estados o sistema de ensino está a deteriorar-se, há falta de manuais escolares no ensino secundário e uma educação de qualidade é considerada, de forma geral, elitista, nomeadamente devido ao custo elevado de uma formação universitária. O investimento a favor de professores no terreno pode também ser uma medida positiva, possivelmente no âmbito de um desenvolvimento rural mais vasto. Também se deve ponderar seriamente o reforço da presença nos meios de comunicação da região através de redes europeias de televisão e rádio, como a Euronews ou a Euranet, com programas nas línguas locais.

5.2.

No seu parecer de 2011, o Comité analisou o papel e as atividades de uma sociedade civil organizada, mais ampla e independente, na Ásia Central. Desde então, lamentavelmente, a situação não parece ter melhorado de forma significativa em nenhum dos cinco países. A crescente preocupação dos governos resultou no aumento da pressão sobre as ONG, os meios de comunicação e os líderes da oposição. No Cazaquistão, no final de 2011, protestos de trabalhadores do setor do petróleo resultaram em 14 mortes e muitos feridos. Este acontecimento levou a um aumento da desconfiança do governo relativamente aos sindicatos independentes, bem como à detenção de um importante dirigente da oposição e à proibição de diversos meios de comunicação social.

5.2.1.

O Quirguistão e o Cazaquistão, países com uma sociedade civil mais dinâmica, pretendem exercer um maior controlo sobre as ONG internacionais. O Cazaquistão elaborou um estudo sobre a experiência de «outros países» (ou seja, a Rússia), ao passo que os deputados quirguizes reapresentaram um projeto de lei inspirado nessa legislação.

5.3.

O parecer de 2011 também prestou uma atenção particular às associações comunitárias e de entreajuda tradicionais, mais rurais, ashar/hashar (por exemplo, para melhorar a infraestrutura comunitária), profundamente enraizadas tanto nas regiões nómadas como sedentárias da Ásia Central. A sua revitalização nos anos 90 seguiu-se ao colapso do sistema socialista, nomeadamente no setor social. Apesar de geralmente não disporem de estruturas formais, alguns ashar foram institucionalizados e registados como ONG. Estes grupos proporcionam aos doadores internacionais uma base para projetos de capacitação das comunidades rurais.

5.3.1.

O Comité lamenta que a União Europeia tenha a tendência de financiar apenas ONG bem estabelecidas, mas assinala que os ashar/hashar se baseiam em tradições anteriores à época soviética, muitas vezes incompatíveis com os valores dos doadores, nomeadamente por as decisões serem tomadas por aksakals («sábios anciãos»). Quando estes consideram que um projeto não é necessário, o seu parecer é estritamente respeitado pela comunidade, o que dificulta a implementação.

5.4.

A estratégia da União Europeia para a Ásia Central de 2007 foi seguida pelo lançamento do processo de diálogo da União Europeia em matéria de direitos humanos, no âmbito do qual foram, desde então, realizadas seis rondas de diálogos com a maioria dos países (oito com o Usbequistão, cinco com o Quirguistão).

5.4.1.

Antes e depois de cada ronda de diálogos, o SEAE organiza sessões informativas para as organizações da sociedade civil em Bruxelas. No entanto, as reuniões com as organizações da sociedade civil da Ásia Central no terreno só foram realizadas pontualmente, na maior parte dos casos antes do diálogo. Estes seminários locais oferecem um fórum para a sociedade civil da Ásia Central e europeia debater questões específicas por país em matéria de direitos humanos com representantes da União Europeia e funcionários governamentais, que definem em conjunto o programa de trabalho. As recomendações da sociedade civil formuladas nestes seminários devem ser plenamente integradas nos diálogos sobre os direitos humanos.

5.4.2.

Os diálogos em matéria de direitos humanos e os seminários da sociedade civil que os acompanham diferem em termos de relevância e impacto. Estes seminários só tiveram alguma relevância para a situação real em matéria de direitos humanos e para o diálogo com os governos no Quirguistão e no Tajiquistão, onde foram seguidos de algumas alterações legislativas concretas (17), nomeadamente sobre a prática da tortura. No entanto, em ambos os casos os diálogos lançados pela União Europeia desempenharam um papel complementar e mediador, uma vez que estas questões já tinham sido levantadas anteriormente nas instâncias da ONU. Lamentavelmente, o impacto noutros países foi limitado, tendo sido realizado apenas um seminário da sociedade civil no Usbequistão, em 2008, e nenhum no Turquemenistão.

5.4.3.

Contudo, no Cazaquistão a sociedade civil não pôde participar na seleção de temas para o seminário da sociedade civil de 2011, que abrangeu os direitos das pessoas com deficiência e questões relativas ao género, mas não a greve dos trabalhadores do setor do petróleo que decorria no oeste do país. O seminário de 2012 centrou-se no «contributo da sociedade civil para as reformas judiciárias no Cazaquistão», mas o Governo cazaque não manifestou interesse no evento, e não é claro se as recomendações foram incluídas nos diálogos sobre direitos humanos.

5.5.

Os cinco países têm muito em comum no âmbito laboral, apesar de terem diferentes situações económicas: em toda a região faltam condições de trabalho digno, a economia informal desempenha um papel importante e registam-se elevados níveis de corrupção — o ambiente não é propício à liberdade de associação.

5.5.1.

Em todos estes países existem disposições legislativas restritivas em matéria de conflitos laborais, afetando em particular o direito à greve. Os governos interferem com frequência, nomeadamente favorecendo determinados candidatos a cargos nos sindicatos e aplicando restrições jurídicas às estruturas, aos procedimentos e às atividades sindicais. No Cazaquistão, uma nova lei poderá resultar numa situação de monopólio sindical, como já sucede no Tajiquistão e no Usbequistão. Os sistemas de diálogo social (tripartidos) nacionais são fortemente dominados pelo governo: o papel dos parceiros sociais é principalmente consultivo e os principais líderes sindicais estão próximos das autoridades.

5.5.2.

O parecer de 2011 prestou particular atenção à situação relativa às convenções fundamentais da OIT. Durante muitos anos, o Cazaquistão, o Quirguistão e o Tajiquistão cooperaram com a OIT, nomeadamente no âmbito dos programas nacionais para a promoção do trabalho digno, que o Usbequistão subscreveu em abril de 2014. O programa internacional da OIT para a erradicação do trabalho infantil está a ser aplicado sobretudo no Quirguistão e no Tajiquistão, embora a União Europeia também tenha reconhecido as medidas positivas adotadas pelo Usbequistão nesta matéria (18). A plena aplicação destas convenções continua a ser um objetivo fundamental.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  European Union and Central Asia: A Strategy for a New Partnership [A União Europeia e a Ásia Central: estratégia para uma nova parceria], Conselho QC-79.07.222.29C, outubro de 2007.

(2)  Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Usbequistão.

(3)  CESE 1010/2011 (JO C 248 de 25.8.2011, p. 49).

(4)  Ver comunicado de imprensa sobre as conclusões do Conselho sobre a Ásia Central, junho de 2012.

(5)  Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativas.

(6)  http://www.traceca-org.org/en/traceca/

(7)  JO C 67 de 6.3.2014, p. 6.

(8)  7 de fevereiro de 2014.

(9)  22 de outubro de 2014, citado no The Diplomat de 11 de novembro de 2014.

(10)  Um fórum fundamental para o diálogo e a cooperação a nível de chefes de Estado e de governo, que contou com 53 parceiros, em outubro de 2014.

(11)  Sistema de Preferências Generalizadas da União Europeia.

(12)  Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativas.

(13)  http://www.gecf.org/gecfmembers/kazakhstan(observer)

(14)  «BP Statistical Review of World Energy», junho de 2014.

(15)  Estima-se que os depósitos de minério de ferro do Quirguistão ascendam a 5 mil milhões de toneladas, a maior parte com um teor de ferro de cerca de 30 %. Além disso, o Quirguistão dispõe de uma das maiores reservas de ouro do mundo.

(16)  Causada nomeadamente pela Primavera Árabe, pela lei relativa aos «agentes estrangeiros» adotada recentemente na Rússia e pelo movimento Euromaidan na Ucrânia.

(17)  O parlamento quirguiz adotou uma lei contra a tortura em junho de 2012, no seguimento de uma recomendação formulada no seminário da sociedade civil quatro meses antes, enquanto no Tajiquistão foi adotada uma lei no mesmo ano que classificou a tortura como uma infração penal.

(18)  Comunicado de imprensa do Serviço Europeu para a Ação Externa de 19 de novembro de 2014.


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/9


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Integração das mulheres migrantes no mercado de trabalho»

(parecer de iniciativa)

(2015/C 242/02)

Relatora:

Béatrice OUIN

Em 10 de julho de 2014, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

«Integração das mulheres migrantes no mercado de trabalho»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a secção especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 18 de dezembro de 2014.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 212 votos a favor, 1 voto contra e 10 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações

1.1.

A fim de executar a estratégia «Europa 2020» e a Agenda Europeia para a Integração de Nacionais de Países Terceiros, tanto em matéria de acesso das mulheres ao mercado de trabalho, como de integração dos migrantes, e porque a Europa precisa deles apesar dos discursos hostis que se alastram de forma preocupante e são contrários aos interesses a longo prazo das populações da Europa, o CESE solicita às instituições europeias que:

utilizem melhor o potencial do Semestre Europeu e emitam recomendações por país relativas à integração das mulheres migrantes no mercado de trabalho;

tenham em conta as especificidades das mulheres migrantes na elaboração da estratégia para a igualdade de tratamento entre homens e mulheres pós-2015;

continuem a acompanhar a aplicação da Diretiva 2003/86/CE relativa ao direito ao reagrupamento familiar, com vista a não atrasar o acesso ao mercado de trabalho para as mulheres que têm direito a esse agrupamento, e prevejam uma revisão desta diretiva para permitir que os cônjuges tenham acesso imediato ao mercado de trabalho;

avaliem a proporção de mulheres nos beneficiários do cartão azul UE (1) e da diretiva relativa aos trabalhadores sazonais (2), bem como a natureza dos postos de trabalho que ocupam, a fim de verificar se as mulheres migrantes são vítimas de discriminação;

assegurem que as futuras regras relativas aos investigadores, estudantes, voluntários e pessoas colocadas «au pair» (3) beneficiam tanto as mulheres como os homens;

garantam que pelo menos metade dos instrumentos financeiros destinados à integração dos migrantes são consagrados às questões relacionadas com as mulheres.

1.2.

Para além das medidas que se devem aplicar a todos os migrantes, independentemente de serem homens ou mulheres, o CESE insta os Estados-Membros a:

estabelecerem objetivos claros e ambiciosos em matéria de integração das mulheres migrantes;

adotarem políticas que tenham em conta a situação específica das mulheres, incluindo habilitações, conhecimento da língua do país de acolhimento e geração de migrantes a que pertencem;

comunicarem à Comissão Europeia, no âmbito do Semestre Europeu, as medidas criadas em prol da integração das mulheres migrantes no mercado de trabalho;

não atrasarem o acesso dos cônjuges ao mercado de trabalho no âmbito do reagrupamento familiar, a fim de promover a integração das famílias e evitar a pobreza e a perda de competências;

garantirem que as mulheres gozam, em todas as fases do processo de migração, de direitos individuais e não apenas de direitos enquanto membros de uma família;

assegurarem que as mulheres migrantes dispõem de informação mais adequada no que respeita ao acesso aos serviços disponibilizados para facilitar o acesso à formação linguística e profissional e a emprego de qualidade;

organizarem formações linguísticas que respondam às necessidades específicas das mulheres migrantes, que sejam orientadas para a procura de emprego e que lhes sejam acessíveis;

acelerarem o processo de reconhecimento das habilitações literárias e da experiência adquirida no estrangeiro, para permitir às mulheres encontrar um emprego que corresponda às suas competências e aspirações;

evitarem a desqualificação dos trabalhadores, que representa uma perda de capital humano;

considerarem que o trabalho em determinados setores (limpeza, acolhimento de crianças, cuidados a idosos, hotéis/cafés/restaurantes, agricultura, etc.) pode oferecer oportunidades às mulheres migrantes com menos habilitações na condição de se pôr cobro ao trabalho não declarado em favor da sua profissionalização e valorização, de formar as mulheres para o desempenho dessas funções e de lhes permitir evoluir na carreira;

apoiarem as mulheres empreendedoras e estimularem a educação empresarial das mulheres migrantes;

incluírem os parceiros sociais e a sociedade civil na elaboração e execução das políticas;

ratificarem a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias, adotada pelas Nações Unidas em 18 de dezembro de 1990;

concederem o direito de permanência aos migrantes residentes na Europa há vários anos, tendo em conta o efeito positivo das regularizações em massa efetuadas em alguns Estados-Membros.

1.3.

Por último, o CESE apela a que os parceiros sociais:

integrem melhor as especificidades das mulheres migrantes no programa de trabalho do diálogo social europeu;

facilitem, nos acordos coletivos, o reconhecimento das habilitações das mulheres migrantes.

2.   Introdução

2.1.

Há já algumas décadas que a migração se está a tornar um fenómeno no feminino. As mulheres que migram para a Europa vêm reunir-se à sua família ou são refugiadas e requerentes de asilo. São inúmeras as que vêm à procura de um modo de subsistência, deixando a família no país de origem e tornando-se na sua principal fonte de sustento.

2.2.

As mulheres migrantes podem ou não dispor à chegada de autorização de residência e de qualificações elevadas. Migram voluntariamente ou são obrigadas a fazê-lo, e algumas são vítimas de tráfico de seres humanos. Trata-se, pois, de uma população tão importante quanto diversificada.

2.3.

A Europa, por seu turno, dado o envelhecimento da população, a diminuição das taxas de natalidade e as necessidades de mão-de-obra qualificada em inúmeros setores, enfrenta um desafio de vulto no plano laboral.

2.4.

Neste contexto, as mulheres migrantes representam uma fonte de competências e de criatividade que é, atualmente, subaproveitada. A sua integração no mercado de trabalho é uma necessidade, contribuindo para concretizar plenamente o potencial das migrações, tanto do ponto de vista das mulheres migrantes como da União Europeia. Reforça ainda a integração e contribui para o crescimento económico e para a coesão social.

2.5.

O CESE já se pronunciou várias vezes sobre questões de migração e de integração e formulou numerosas recomendações respeitantes a homens e mulheres (4) que se absterá de repetir no presente parecer.

2.6.

Em contrapartida, até à data, o CESE não apresentou propostas específicas no que respeita às mulheres migrantes. Uma vez a igualdade entre homens e mulheres ainda não se concretizou em nenhuma parte do mundo, e porque há questões que dizem respeito especificamente às mulheres que um olhar global não permite identificar, o presente parecer propõe-se analisar a integração das mulheres migrantes no mercado de trabalho.

3.   Contexto europeu

3.1.

O aumento da taxa de emprego das mulheres, assim como a dos migrantes, é uma das prioridades da União Europeia, definida na estratégia «Europa 2020», na Agenda Europeia para a Integração de nacionais de países terceiros (5) e nos programas plurianuais do Conselho Europeu (6).

3.2.

A estratégia «Europa 2020» almeja aumentar para 75 % a taxa de emprego até 2020, sendo que, para o efeito, é fundamental uma melhor inclusão das mulheres migrantes no mercado de trabalho. Neste contexto, o Semestre Europeu pode constituir um instrumento precioso. Os Estados-Membros devem apresentar medidas que visem a integração das mulheres migrantes e a Comissão deve propor recomendações específicas sobre este tema.

3.3.

Importa igualmente ter mais em conta a especificidade das mulheres migrantes na preparação da nova Estratégia para a igualdade entre homens e mulheres pós-2015. Esta estratégia deveria contribuir para melhorar a posição das mulheres migrantes no mercado de trabalho, inclusive pelo fomento do empreendedorismo.

3.4.

A nível da União Europeia, a situação das mulheres varia fortemente em função da diretiva específica que lhes é aplicável.

3.5.

As mulheres detentoras do cartão azul UE (7) têm acesso facilitado a empregos altamente qualificados; da mesma forma, o cônjuge de um titular de cartão azul UE tem imediata e automaticamente direito geral de acesso ao mercado de trabalho do país de acolhimento.

3.6.

Contudo, o cônjuge que beneficie do reagrupamento familiar (8) tem, por vezes, de esperar um ano antes de ter acesso a um emprego remunerado ou a uma atividade independente, prazo que os Estados-Membros podem impor. Este tempo de espera torna a mulher dependente do marido, afasta-a do mercado de trabalho e priva-a de uma parte das suas competências. Para remediar esta situação, a Comissão Europeia não se deveria limitar a controlar a aplicação da diretiva relativa ao direito ao reagrupamento familiar nos Estados-Membros, mas considerar igualmente a sua revisão.

3.7.

No que respeita aos requerentes de asilo, a proibição de trabalharem é um incentivo a que o façam de modo não declarado. Importa suprimir os entraves jurídicos ao seu acesso ao mercado de trabalho. Além disso, ocupar um posto de trabalho deveria permitir a regularização da permanência, o já que produziu bons resultados nos Estados-Membros que realizaram regularizações em massa.

3.8.

Em conclusão, é necessária uma harmonização dos instrumentos europeus para permitir a todas as pessoas que residam legalmente em território europeu o acesso imediato ao mercado de trabalho e direitos pessoais à residência, independentemente do estado civil.

4.

Medidas específicas destinadas à integração das mulheres migrantes no mercado de trabalho dos Estados-Membros

4.1.   Uma constatação preocupante: a condição de mulher migrante é duplamente difícil em razão do género e do estatuto de migrante

4.1.1.

O mercado de trabalho é desvantajoso para as mulheres, sejam elas europeias ou migrantes. Não obstante o quadro jurídico da União Europeia, o equilíbrio entre a vida privada e a vida profissional, o acesso aos direitos sociais e a postos de responsabilidade e ainda a participação na vida pública continuam a ser mais difíceis para as mulheres do que para os homens.

4.1.2.

As mulheres concentram-se em alguns setores (9) (saúde, educação, administração pública, hotéis/cafés/restaurantes, serviços à família, trabalho doméstico, etc.). Trabalham mais frequentemente a tempo parcial e também estão em maioria nos contratos a curto prazo de caráter precário. Em 2014, a disparidade salarial média entre homens e mulheres na União Europeia é ainda de 16,4 % (10), e a disparidade nas pensões de reforma ainda é maior.

4.1.3.

A situação é ainda mais preocupante para as mulheres migrantes: a sua taxa de atividade profissional é mais baixa do que a das mulheres autóctones. A maioria delas concentra-se em alguns setores e é mais afetada pela precariedade, o trabalho a tempo parcial, salários baixos e más condições de trabalho. Os obstáculos culturais na respetiva família ou comunidade podem entravar o seu acesso ao mercado de trabalho, no âmbito do qual são não raro alvo de discriminação.

4.2.   São necessárias medidas específicas

4.2.1.

Face a esta constatação, impõe-se uma ação positiva, que deve antes de mais ter em conta a situação específica das mulheres, incluindo o nível de habilitações, o conhecimento da língua do país de acolhimento, bem como a geração de migrantes a que pertencem.

4.2.2.

Algumas medidas, relacionadas com a conciliação da vida profissional e familiar, são as mesmas que para as mulheres autóctones. É essencial para as mulheres migrantes poderem recorrer a serviços de acolhimento de crianças de qualidade, acessíveis do ponto de vista financeiro e geográfico, dado que a sua família, em geral, não está presente para as ajudar.

4.2.3.

Outras ações são mais especificamente direcionadas para as mulheres migrantes: combater o racismo, melhorar o acesso à habitação, aos cuidados de saúde, aos serviços sociais, combater os casamentos forçados, a poligamia, etc. Algumas das razões que motivam as mulheres a abandonar o seu país prendem-se com o desejo de usufruir do respeito pelos direitos humanos e da igualdade entre homens e mulheres na Europa, para além de quererem fugir da violência contra as mulheres e de situações de desigualdade. As mulheres migrantes não deveriam encontrar esses mesmos problemas na Europa, mas o facto é que encontram, inclusive ao nível das migrantes de segunda geração, dificultando assim o seu acesso ao mercado de trabalho.

4.2.4.

Na União Europeia, muitas das iniciativas que obtiveram bons resultados em termos da integração das mulheres no mercado de trabalho são realizadas a nível local, pela sociedade civil, as associações de mulheres migrantes ou as universidades. Cabe apoiá-las e encorajar a difusão destas boas práticas a nível nacional e entre os Estados-Membros.

4.3.   Recolher os dados necessários para formular políticas informadas

4.3.1.

Para se ter um conhecimento mais aprofundado das necessidades das mulheres migrantes e se elaborarem políticas adaptadas, é indispensável dispor de melhores dados estatísticos, discriminados por género e pela nacionalidade ou origem, quer a nível nacional quer a nível europeu.

4.4.   Informar melhor as mulheres migrantes

4.4.1.

Para melhorar o conhecimento da sociedade de acolhimento e do respetivo mercado de trabalho, importa que as mulheres migrantes tenham acesso a informações sobre os seus direitos e os serviços existentes, em várias línguas e em cooperação com a sociedade civil e com as redes de migrantes, cujo contributo deve ser reconhecido e apoiado.

4.5.   Facilitar a aprendizagem da língua do país de acolhimento

4.5.1.

A integração e o acesso ao mercado de trabalho passam, em primeiro lugar, pelo conhecimento da língua do país de acolhimento. A falta de domínio da língua perpetua o isolamento das mulheres, impede-as de conhecerem os seus direitos e de terem acesso aos serviços públicos e afeta a integração dos seus filhos. Com efeito, os resultados escolares da maior parte dos jovens de origem migrante são inferiores aos dos jovens oriundos do país de acolhimento.

4.5.2.

Os poderes públicos devem colocar à disposição das mulheres migrantes cursos de língua acessíveis em termos de custos, de localização e de horários (compatíveis com a presença de crianças no agregado familiar). Do ponto de vista do conteúdo, estes cursos deverão ser úteis para a procura de emprego e para os contactos com os serviços públicos.

4.6.   Reconhecer as habilitações e evitar a desqualificação

4.6.1.

Os perfis das mulheres migrantes são variados e cabe adaptar as políticas em conformidade. Algumas mulheres têm um nível baixo de escolaridade e de experiência, enquanto outras têm qualificações universitárias ou profissionais relevantes.

4.6.2.

A maior dificuldade para a maioria destas mulheres é conseguir o reconhecimento dessas habilitações e experiências adquiridas no estrangeiro, situação paradoxal, tendo em conta que a Europa necessita de pessoal qualificado em numerosos domínios. Os prazos, por vezes longos, para reconhecimento dos diplomas podem atuar como desincentivo, implicar uma perda de conhecimentos e levar as mulheres a aceitarem postos de trabalho para que estão sobrequalificadas. As mulheres migrantes no desemprego ou em funções para que estão sobrequalificadas constituem um subaproveitamento de recursos e um desperdício de capital humano.

4.6.3.

Importa criar serviços destinados a permitir o reconhecimento das habilitações adquiridas no país de origem. Os parceiros sociais têm também um papel fundamental a desempenhar para facilitar, no âmbito dos acordos coletivos, o reconhecimento dessas qualificações.

4.6.4.

Alguns setores, como o da limpeza, o acolhimento de crianças, os cuidados a idosos, o serviço em hotéis/cafés/restaurantes, a agricultura ou a economia social, podem oferecer oportunidades às mulheres migrantes com um nível de escolaridade mais baixo, quer como empregadas quer como trabalhadoras por conta própria. Contudo, há que profissionalizá-los e valorizá-los, bem como formar e reconhecer o importante contributo das trabalhadoras nestes domínios, para que o seu trabalho beneficie ao mesmo tempo as pessoas do país de acolhimento e as mulheres migrantes.

4.6.5.

Este tipo de atividade também pode ser transitório, daí a importância de disponibilizar formações às mulheres trabalhadoras, para que possam progredir na carreira ou orientar-se para outras profissões.

4.6.6.   O caso específico dos serviços ao domicílio

4.6.6.1.

Ainda que nem todas as mulheres migrantes trabalhem neste setor, é muitas vezes para ele que se orientam num primeiro momento, por um lado por ter uma forte procura e, por outro, por permitir trabalhar sem papéis.

4.6.6.2.

Estas trabalhadoras ficam encurraladas numa situação em que só podem realizar trabalho não declarado, sem proteção, vendo-se impedidas de aceder à regularização ou à autorização de residência, por não poderem provar que trabalham, e ficam assim numa situação de grande vulnerabilidade, sem apoio face a muitos empregadores ou vivendo em casa de um empregador único.

4.6.6.3.

Alguns Estados-Membros adotaram medidas para regularizar o trabalho não declarado (auxílios fiscais na Suécia, títulos de serviço na Bélgica, cheques-emprego/serviço em França, etc.), que facilitam as formalidades de registo para os empregadores e permitem que os trabalhadores tenham acesso aos direitos sociais e deem provas de atividade profissional, abrindo assim a via para a regularização da sua permanência no território.

4.6.6.4.

Os Estados-Membros deveriam ratificar a Convenção n.o 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (11), que permite conceder aos trabalhadores domésticos direitos equivalentes aos dos outros trabalhadores e estruturar o setor, como recomenda o CESE no seu parecer sobre o tema «Desenvolver os serviços às famílias para aumentar as taxas de emprego e promover a igualdade entre homens e mulheres no trabalho» (12).

4.7.   Apoiar o emprego por conta própria e o empreendedorismo

4.7.1.

Há estudos que revelam que o espírito inovador e empresarial dos migrantes é superior ao das pessoas do país de acolhimento. Em inúmeros países, os migrantes adotam o estatuto de trabalhadores por conta própria ou criam novas empresas, no âmbito das quais empregam muitas vezes outros migrantes. O Comité consagrou um parecer à «Contribuição dos empresários migrantes para a economia da União Europeia» (13).

4.7.2.

Para terem mais êxito, há que apoiar estes empresários com vista a terem acesso a financiamento, aprenderem a redigir planos de negócios e conhecerem o ambiente económico do país de acolhimento. Importa desenvolver iniciativas específicas para ajudar as mulheres empreendedoras e prestar especial atenção ao empreendedorismo social.

4.7.3.

As mulheres migrantes também devem poder beneficiar de aconselhamento e mentorado por parte de outros empresários com mais experiência, cabendo igualmente apoiar as redes de mulheres migrantes. Importa também proporcionar educação empresarial às mulheres migrantes, em estreita cooperação com os parceiros sociais e a sociedade civil organizada.

4.8.   Melhorar a imagem das mulheres migrantes

4.8.1.

Se, por um lado, aumenta a migração feminina autónoma, composta amiúde por mulheres qualificadas, por outro, a representação social da mulher migrante enquanto vítima de uma cultura pouco respeitadora dos direitos da mulher evolui lentamente. É necessária uma imagem mais positiva das mulheres migrantes que possa servir de modelo nas comunidades migrantes. Conviria organizar campanhas de informação para o efeito.

4.9.   Melhorar a cooperação a vários níveis

4.9.1.

Só se poderá conseguir uma integração eficaz mediante uma parceria entre todas as partes interessadas, como as instituições europeias, os Estados-Membros e os intervenientes a nível nacional, regional e local.

4.9.2.

A sociedade civil organizada — e, em especial, as associações de mulheres migrantes — deve estar presente em todas as fases da elaboração de políticas relativas à integração das mulheres migrantes no mercado de trabalho. Estas partes interessadas podem, com efeito, trazer um verdadeiro valor acrescentado graças ao seu conhecimento das realidades enfrentadas pelas mulheres migrantes, o que poderá também ajudar a gerar um sentimento de responsabilidade partilhada e a favorecer a aceitação e a implementação das políticas.

5.   Conclusão

5.1.

A participação no mercado de trabalho constitui um dos meios mais eficazes e mais concretos de integração numa sociedade. As mulheres migrantes necessitam de apoio e acompanhamento no seu percurso de integração. Devem ser informadas sobre os seus direitos e deveres na sociedade de acolhimento, beneficiar de direitos próprios, ter acesso a formação, valorizar as suas competências e ser reconhecidas pelo seu contributo para a economia e para a sociedade europeia.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  Diretiva 2009/50/CE do Conselho, de 25 de maio de 2009.

(2)  Diretiva 2014/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014.

(3)  Proposta de diretiva COM(2013) 151 final.

(4)  Pareceres do CESE mais recentes: JO C 451 de 16.12.2014, p. 96, JO C 67 de 6.3.2014, p. 16, JO C 351 de 15.11.2012, p. 16, JO C 181 de 21.6.2012, p. 131, JO C 48 de 15.2.2011, p. 6, JO C 354 de 28.12.2010, p. 16, JO C 347 de 18.12.2010, p. 19, JO C 128 de 18.5.2010, p. 29, JO C 27 de 3.2.2009, p. 95, bem como o relatório de informação sobre «Os novos desafios da integração», SOC/376.

(5)  COM(2011) 455 final.

(6)  Conselho Europeu de Tampere (1999), de Haia (2004) e de Estocolmo (2009).

(7)  Diretiva 2009/50/CE (JO L 155 de 18.6.2009, p. 17).

(8)  Diretiva 2003/86/CE (JO L 251 de 3.10.2003, p. 12).

(9)  Gender Equality Index Report [Relatório sobre o índice de desigualdade entre homens e mulheres], Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE, 2013), p. 21.

(10)  http://epp.eurostat.ec.europa.eu/statistics_explained/index.php/Gender_pay_gap_statistics

(11)  Convenção n.o 189 da OIT, que entrou em vigor em 5 de setembro de 2013.

(12)  JO C 12 de 15.1.2015, p. 16.

(13)  JO C 351 de 15.11.2012, p. 16.


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Apropriação de terras agrícolas — Sinal de alarme para a Europa e ameaça para a agricultura familiar

(parecer de iniciativa)

(2015/C 242/03)

Relator:

Kaul NURM

Na reunião plenária de 20 de janeiro de 2014, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema

Apropriação de terras agrícolas — Sinal de alarme para a Europa e ameaça para a agricultura familiar (parecer de iniciativa).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 8 de janeiro de 2015.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 209 votos a favor, 5 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O presente parecer aborda o problema, a nível mundial e europeu, da apropriação de terras agrícolas (land grabbing), incluindo a concentração de propriedades fundiárias (land concentration), que constitui uma ameaça para a agricultura familiar.

1.2.

As terras agrícolas estão na base da produção alimentar e constituem, por isso, a condição essencial para garantir a segurança alimentar, em conformidade com o artigo 11.o do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, das Nações Unidas e o artigo 25.o da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

1.3.

Os seguintes fatores desencadeiam a apropriação de terras agrícolas: um mundo cada vez mais globalizado e os princípios da livre circulação de capitais que lhe são inerentes, o aumento da população e da urbanização, o aumento contínuo da procura de produtos alimentares, bioenergia e matérias-primas naturais, alguns aspetos negativos da política ambiental e agrícola e a possibilidade de especulação fundiária face à valorização dos terrenos agrícolas.

1.4.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) constata a ameaça grave que representa a elevada concentração de terras nas mãos de grandes investidores não agrícolas e das grandes explorações agrícolas, que também ocorre em algumas partes da União Europeia. Esta situação é contrária ao modelo europeu de uma agricultura sustentável, multifuncional e caracterizada por explorações agrícolas familiares e põe em risco a consecução dos objetivos formulados nos artigos 39.o e 191.o do TFUE. É igualmente contrária ao objetivo estrutural agrícola de dispersar amplamente a propriedade, causa danos irreversíveis nas estruturas económicas das zonas rurais e cria uma agricultura industrializada que não é desejada pela sociedade.

1.5.

Como consequência da agricultura industrial, agravam-se os riscos em matéria de segurança dos alimentos e degradação do solo e diminui a segurança alimentar.

1.6.

Para além da produção de bens alimentares, a exploração agrícola familiar desempenha ainda outras funções ecológicas importantes para a sociedade, algo que o modelo agrícola industrial dominado por grandes empresas não pode oferecer. Para que a agricultura familiar possa constituir uma alternativa viável à agricultura industrial e à apropriação de terras agrícolas — uma das suas manifestações —, é necessário aplicar medidas adequadas que a protejam.

1.7.

A terra não é uma mercadoria convencional que se possa simplesmente fabricar em maiores quantidades. A terra é um bem limitado, pelo que não se lhe devem aplicar as regras habituais do mercado. As relações de propriedade no que respeita à terra e o uso do solo devem ser alvo de regulamentação mais estrita. Dados os desenvolvimentos indesejados verificados, o CESE considera necessário formular um modelo unívoco para as estruturas agrícolas, tanto a nível dos Estados-Membros como da UE, o que terá consequências para a utilização das terras e o direito fundiário.

1.8.

A regulamentação do mercado das terras agrícolas varia muito entre os Estados-Membros. Se alguns países impõem restrições, outros há que não, gerando disparidades entre os Estados-Membros.

1.9.

Embora a política fundiária seja da competência dos Estados-Membros, está sujeita a determinadas restrições com base no princípio da livre circulação de capitais e mercadorias consagrado nos Tratados. O CESE exorta, por isso, o Parlamento Europeu e o Conselho a encetarem um debate conjunto sobre se também é de garantir o princípio da livre circulação de capitais no que se refere à venda e aquisição de superfícies e explorações agrícolas, em particular no que diz respeito a países terceiros mas também no território da UE.

1.10.

O CESE exorta os Estados-Membros a orientarem a utilização das terras de modo a explorar todas as possibilidades disponíveis — como impostos, ajudas e fundos da PAC —, a fim de preservar o modelo agrícola baseado nas explorações familiares em todo o território da UE.

1.11.

Há que dar aos Estados-Membros a possibilidade de imporem limites máximos para a aquisição de terrenos agrícolas e de criarem um sistema de direitos de preferência para quem está abaixo desse limite.

1.12.

O Comité exorta a Comissão Europeia e o Parlamento a, com base num procedimento uniforme, realizarem estudos exaustivos sobre o impacto das medidas políticas aplicadas nos diferentes países (apoios e restrições) relativas à concentração da superfície agrícola e da produção agrícola. Importa igualmente analisar os riscos dessa concentração para a segurança alimentar, o emprego, o ambiente, a qualidade do solo e o desenvolvimento rural.

1.13.

O CESE insta todos os Estados-Membros a implementarem orientações facultativas sobre governação responsável em matéria de propriedade das terras, pescas e florestas (VGGT) e a elaborarem um relatório para a Comissão Europeia e a FAO sobre o uso e aplicação das mesmas nas respetivas políticas de governação fundiária.

1.14.

Cabe adotar uma política que não leve à concentração da propriedade mas a uma transição das grandes explorações agrícolas que utilizam meios industriais para unidades de produção de menor dimensão, reforçando o modelo da exploração agrícola familiar, o que também garantiria a autossuficiência alimentar.

1.15.

No futuro, o CESE continuará a acompanhar atentamente a evolução do fenómeno da concentração da propriedade fundiária, analisando o seu impacto e participando na elaboração de propostas para o conter.

2.   A apropriação de terras agrícolas a nível mundial — contexto geral

2.1.

O presente parecer aborda os problemas da apropriação de terras agrícolas (land grabbing) e da concentração de propriedades fundiárias (land concentration), cujas consequências constituem uma ameaça para a existência da agricultura familiar.

2.2.

Não há uma definição única e internacionalmente reconhecida do conceito de «apropriação de terras agrícolas». Em geral, é entendido como o processo de aquisição de superfícies agrícolas em grande escala sem a consulta prévia nem o consentimento da população local, limitando, em última análise, a sua capacidade para gerir autonomamente uma exploração agrícola, produzir bens alimentares e garantir a segurança alimentar. Ao proprietário assiste também o direito de utilizar os recursos (terra, água, floresta) e de obter lucros com a sua utilização. Um possível efeito colateral é a ocorrência de situações de abandono da utilização de terras até então para fins agrícolas a favor de outras atividades.

2.3.

Os terrenos agrícolas e o acesso à água são a base da produção alimentar. O grau de autossuficiência alimentar dos países depende de vários fatores, mas as condições essenciais são a existência de terras agrícolas suficientes e o direito dos Estados a regular a propriedade e a utilização das terras agrícolas.

2.4.

Em média, há 2  000 m2 de terras agrícolas por cada habitante do planeta. As terras adequadas para a agricultura estão repartidas pelos habitantes de forma muito diferente nos vários países do mundo, razão por que alguns destes procuram aumentar essa proporção através da aquisição de terrenos noutros países para a produção agrícola.

2.5.

Os seguintes fatores favorecem a apropriação de terras:

2.5.1.

globalização crescente e princípios da livre circulação de capitais que lhe são inerentes;

2.5.2.

aumento da população e da urbanização;

2.5.3.

aumento contínuo da procura de produtos alimentares;

2.5.4.

procura crescente de bioenergia;

2.5.5.

procura crescente de matérias-primas naturais (fibra e outros produtos de madeira);

2.5.6.

aspetos negativos da política agrícola e ambiental;

2.5.7.

possibilidade de especulação sobre os produtos alimentares no mercado internacional ou, pelo menos, europeu;

2.5.8.

possibilidade de especulação fundiária face à valorização dos terrenos agrícolas e a futuras ajudas;

2.5.9.

esforço dos grandes investidores para investir o capital libertado pela crise financeira de 2008 em terras agrícolas, como um investimento mais seguro.

2.6.

A apropriação de superfícies agrícolas ocorre em grande escala em África, na América do Sul e noutras regiões, incluindo nas regiões da Europa em que, comparando com os países desenvolvidos e a média mundial, a terra é relativamente barata.

2.7.

É difícil fornecer dados fiáveis sobre a dimensão da apropriação de terras agrícolas, pois nem todas as transações fundiárias são registadas, além de nem sempre primarem pela transparência quando se realizam entre pessoas coletivas, como é o caso, por exemplo, das aquisições de terras por filiais e empresas parceiras. No entanto, algumas ONG e institutos de investigação realizaram estudos sobre o assunto. Constatou-se então que, segundo estimativas do Banco Mundial, 45 milhões de hectares foram objeto de apropriação de terras agrícolas em todo o mundo entre 2008 e 2009. Um relatório da iniciativa Land Matrix (1) mostra que nos países em desenvolvimento foi transacionada uma superfície total de 83,2 milhões de hectares de terras agrícolas no âmbito de 1  217 operações em grande escala, correspondendo a 1,7 % da totalidade de terras aráveis no mundo.

2.8.

A apropriação de terras agrícolas mais acentuada ocorreu em África (56,2 milhões de hectares, ou seja, 4,8 % dos terrenos agrícolas do continente), seguida da Ásia (17,7 milhões de hectares) e da América Latina (7 milhões de hectares). As terras mais cobiçadas distinguem-se invariavelmente pelo seu bom acesso e localização, por disporem de abastecimento de água e serem adequadas ao cultivo de cereais e produtos hortícolas, para além de prometerem rendimentos elevados. Os investidores interessam-se igualmente por zonas florestais. A maioria deles provém da China, da Índia, da Coreia, do Egito, dos Estados do Golfo, do Brasil e da África do Sul, embora também dos EUA e dos Estados-Membros da UE. Os países onde o preço da terra é elevado não atraem os compradores, verificando-se antes a concentração da propriedade fundiária em virtude do açambarcamento das pequenas explorações pelos grandes latifundiários.

2.9.

Segundo o relatório da Fundação Madariaga (2), de 10 de julho de 2013, determinadas políticas da UE têm impacto direto ou indireto na apropriação de terras agrícolas na UE e a nível mundial, nomeadamente em domínios como a bioeconomia, o comércio e a agricultura. A política fundiária de liberalização e o princípio geralmente reconhecido da livre circulação de capitais e mercadorias também contribuem para este fenómeno.

2.10.

São de destacar, em particular, o apelo da UE ao aumento da quota de biocombustíveis e a possibilidade de participar no comércio de açúcar com isenção de direitos aduaneiros e de quotas enquanto fatores que motivam alguns projetos relacionados com a apropriação de terras na Ásia e em África.

3.   Apropriação de terras agrícolas e concentração de propriedades fundiárias na Europa

3.1.

A Europa é parte integrante dos processos mundiais, pelo que também está a assistir a estes fenómenos, em algumas regiões de modo evidente enquanto noutras de forma mais inconspícua. A apropriação de terras agrícolas verifica-se sobretudo nos países da Europa Central e Oriental.

3.2.

Para além do recurso ao método convencional de aquisição de terras, também é possível assumir o controlo de superfícies agrícolas através da aquisição de empresas que possuem ou arrendam terras ou da tentativa de adquirir participações nessas empresas. Isto tem por consequência que a propriedade fundiária esteja cada vez mais concentrada num pequeno número de grandes explorações, assistindo-se à emergência de uma agricultura industrializada em alguns países da Europa Central e Oriental.

3.3.

Enquanto a superfície agrícola total diminui na Europa, também há uma concentração crescente da propriedade da terra em algumas grandes empresas. Um por cento das explorações controla 20 % das terras agrícolas e três por cento controlam 50 % das mesmas na União Europeia. Em contrapartida, 80 % das explorações controlam apenas 14,5 % das terras agrícolas.

3.4.

Na Europa há uma correlação entre o número decrescente de unidades de produção agrícola e a redução do número de pessoas empregadas na agricultura. Assim, por exemplo, entre 2005 e 2010 a diminuição no número de unidades de produção obteve a sua máxima expressão nos países da Europa Oriental, com destaque para os países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) e, em paralelo, a procura de mão de obra também decaiu mais fortemente na região (8,9 % por ano na Bulgária e na Roménia e 8,3 % por ano nos países bálticos). Na Irlanda e em Malta, por outro lado, o número de explorações agrícolas aumentou e com ele a procura de mão de obra na agricultura.

3.5.

Há essencialmente três categorias de investidores responsáveis pela aquisição de terras e a concentração da propriedade fundiária: investidores de países terceiros, da UE e do próprio país.

3.6.

O relatório Concentration, land grabbing and people’s struggles in Europe [Concentração de propriedades, apropriação de terras agrícolas e lutas populares na Europa] (3), publicado em abril de 2013 pelo movimento Via Campesina e a rede Hands off the Land, apresenta a panorâmica mais aprofundada sobre a concentração da propriedade fundiária na Europa e na União Europeia. De acordo com ele, está atualmente em curso na União Europeia um processo insidioso de apropriação de terras agrícolas e concentração da propriedade fundiária, o que tem um impacto nos direitos humanos, em particular no direito a uma alimentação suficiente. A apropriação de terras agrícolas teve a sua maior extensão na Hungria e na Roménia, embora também seja observável noutros países da Europa Central e Oriental.

3.6.1.

Segundo dados provenientes de várias fontes, neste momento até 10 % das terras agrícolas da Roménia estão nas mãos de investidores de países terceiros, enquanto 20 a 30 % são controladas por investidores da União Europeia. Através de contratos secretos, um milhão de hectares de terreno na Hungria foi adquirido com capitais provenientes em larga medida dos Estados-Membros da UE. Embora até maio de 2016 a aquisição de terra na Polónia esteja vedada a não nacionais desse país, sabe-se que há empresas estrangeiras, sobretudo dos Estados-Membros, que já adquiriram duzentos mil hectares de terra. Na região francesa de Bordéus, cerca de cem explorações vitícolas foram compradas por investidores chineses. Após a reunificação da Alemanha, as cooperativas agrícolas no território da antiga RDA dissolveram-se e foram criadas tanto explorações familiares como pessoas coletivas. Desde então, há cada vez mais indícios de que as pessoas coletivas são particularmente vulneráveis a investidores e financiadores não agrícolas.

3.7.

Os exemplos seguintes permitem dar uma ideia da magnitude desta concentração por parte das empresas: na Roménia, a maior empresa agrícola explora cerca de 65 mil hectares de terra, na Alemanha, a maior exploração tem 38 mil hectares. A maior exploração leiteira na Estónia tem 2  200 vacas, prevendo-se que o número de cabeças de gado venha a aumentar para 3  300.

3.8.

Uma razão para a concentração fundiária na Europa são os pagamentos únicos por superfície, no âmbito do primeiro pilar da PAC, pois geram um maior efeito de alavanca para os grandes produtores, colocando-os em vantagem e permitindo libertar mais capital para a aquisição de terras. Nos países da UE-15 utiliza-se principalmente o pagamento único por exploração e nos da UE-12 o pagamento único por superfície. Ao mesmo tempo, a concentração fundiária progride consideravelmente mais devagar na UE-15 do que na UE-12.

3.9.

A concentração dos terrenos agrícolas leva por seu turno a uma concentração dos subsídios da PAC. Em 2009, 2 % das explorações agrícolas familiares obtiveram 32 % dos fundos da PAC. Há diferenças entre os países da Europa Ocidental e os da Europa Oriental. Por exemplo, em 2009, 66,6 % das ajudas contemplaram grandes explorações agrícolas, que na Bulgária representam um total de 2,8 % de todas as unidades. Para a Estónia, os dados correspondentes são 3 % e 53 %, na Dinamarca 3 % e 25 % e na Áustria 5,5 % e 25 %.

4.   Consequências da apropriação das superfícies agrícolas

4.1.

Nos países onde ocorre a concentração da propriedade fundiária e o açambarcamento das terras, resulta o declínio do modelo agrícola europeu caracterizado pelas explorações familiares a favor da produção agrícola industrial em larga escala.

4.2.

Os dados disponíveis permitem concluir que as matérias-primas vegetais e os produtos alimentares cultivados nas terras adquiridas são exportados principalmente para os países de origem dos investimentos. Apenas uma pequena fração desses produtos se destina ao mercado nacional. Quanto mais elevado o grau de apropriação de terras agrícolas, mais baixo o nível de segurança alimentar do país em causa.

4.3.

A apropriação de terras agrícolas e a concentração da propriedade fundiária conduzem à expulsão das empresas agrícolas que até então exploravam os terrenos, o que por sua vez se reflete na perda de oportunidades de trabalho e de vida nas zonas rurais. Este processo tende a ser irreversível, pois é muito difícil para os pequenos produtores e as novas explorações (incluindo os jovens agricultores) adquirir terras e consolidar uma posição neste setor económico na ausência de capital suficiente.

4.4.

Não obstante os esforços do Banco Mundial para destacar a dimensão positiva da apropriação de terras agrícolas — incluindo maior eficiência, inovação e desenvolvimento —, são numerosas as organizações e os movimentos da sociedade civil que criticam este fenómeno. No seu entender, origina danos ambientais, degradação dos solos e perda de oportunidades de vida nas zonas rurais e, em detrimento de uma agricultura sustentável, promove o desenvolvimento de uma indústria agrícola de larga escala assente na monocultura.

4.5.

A apropriação de terras agrícolas tem um impacto negativo no desenvolvimento das comunidades rurais. O aspeto negativo da agricultura em grandes superfícies é o aumento do desemprego nas zonas rurais, o que acarreta custos sociais.

4.6.

Willis Peterson, investigador na Universidade de Minnesota, assevera inclusive que as pequenas explorações familiares são pelo menos tão eficazes quanto as grandes empresas agrícolas. A noção de que a concentração da propriedade fundiária se traduz em maiores rendimentos também não é sustentada pelos factos (4). Os dados da FAO mostram o contrário, uma vez que mais de 90 % das explorações agrícolas são unidades familiares que exploram 75 % das superfícies agrícolas e produzem 80 % dos produtos alimentares a nível mundial.

4.7.

Temos um exemplo que alerta para as consequências do açambarcamento das terras na Escócia, onde há duzentos anos se dividiu uma zona equivalente à área dos Países Baixos em unidades de oito mil a vinte mil hectares, que foram vendidas a investidores. Nessa região viviam entre um milhão e meio e dois milhões de pessoas. Até agora, essa região encontra-se despovoada devido à agricultura industrial. O Parlamento escocês está atualmente a trabalhar no sentido de a repovoar, o que é consideravelmente mais dispendioso do que se tivessem mantido o modelo agrícola baseado em pequenas explorações.

5.   Importância da agricultura familiar para a sociedade e a segurança alimentar

5.1.

O CESE regozijou-se com o facto de as Nações Unidas terem designado 2014 Ano Internacional da Agricultura Familiar. Em diversas ocasiões, o Comité contribuiu para salientar a importância estratégica da agricultura familiar para a segurança alimentar e o desenvolvimento do setor rural, bem como para encorajar o debate social sobre a matéria.

5.2.

Uma vez que não há ainda a nível internacional ou da União Europeia uma definição geralmente reconhecida de exploração familiar, o CESE exorta a Comissão Europeia, o Parlamento e o Conselho a definirem este conceito. O Comité propõe que, para poder ser considerada exploração familiar, uma exploração agrícola deva satisfazer os seguintes critérios:

5.2.1.

As decisões operacionais são tomadas pelos membros da família.

5.2.2.

A parte substancial dos trabalhos na quinta é realizada por membros da família.

5.2.3.

Tanto a propriedade como a parcela maior do capital pertencem à família ou o terreno está nas mãos de uma comunidade local.

5.2.4.

A família também detém o controlo da gestão da exploração.

5.2.5.

A exploração é transmitida de geração em geração no seio da família.

5.2.6.

A família vive num terreno pertencente à exploração ou situado na sua proximidade.

5.3.

O modo de vida rural e o cultivo da terra de base familiar é social e ecologicamente apropriado, para além de, na maioria das regiões do mundo, constituir uma tradição milenar. Desde que exista segurança jurídica e fiabilidade política, em todo o mundo a agricultura familiar se tem mostrado tão estável quanto outros sistemas agrícolas, se não mais.

5.4.

Para além da produção de bens alimentares, a exploração agrícola familiar desempenha ainda outras funções úteis para a sociedade, algo que o modelo agrícola industrial dominado por grandes empresas não pode oferecer.

5.4.1.

A agricultura familiar, tal como as cooperativas agrícolas, desempenha um papel ativo no tecido económico das zonas rurais, e a sua estabilidade e flexibilidade dependem em grande medida da participação em organizações cooperativas e profissionais. As explorações agrícolas preservam o património cultural e o modo de vida rural, densificando a vida social do espaço rural, gerando produtos de alto valor, utilizando os recursos naturais de modo sustentável e velando por uma ampla repartição da propriedade nas zonas rurais.

5.4.2.

As explorações familiares não se queixam de falta de emprego, criam-no elas próprias e estão abertas à inovação.

5.4.3.

A quinta familiar oferece às crianças um ambiente ideal que permite a transmissão de conhecimentos necessários e de competências de geração para geração, assegurando assim a continuidade destas explorações.

5.4.4.

A produção agrícola no âmbito das explorações familiares distingue-se pela sua diversidade e descentralização, o que assegura a concorrência no mercado e atenua os riscos decorrentes da concentração das propriedades fundiárias.

5.4.5.

Do ponto de vista da sobrevivência da humanidade, o grande número de explorações constitui um valor por si só, pois garante competências e conhecimentos no domínio da produção alimentar a um maior número de pessoas e, por conseguinte, cria as condições básicas para que os conhecimentos e competências necessários à sobrevivência estejam disponíveis, mesmo em tempos de crise. Para que a agricultura familiar possa constituir uma alternativa viável à agricultura industrial e à apropriação de terras agrícolas, como uma das suas manifestações, é necessário aplicar medidas adequadas que a protejam, designadamente medidas de apoio às organizações de produtores e medidas de combate às práticas comerciais desleais. As ações políticas a nível nacional e da UE podem contribuir para tornar a agricultura familiar mais sustentável e resistente (5).

6.   Possibilidades de regulamentação do mercado das propriedades agrícolas para a prevenção da apropriação e concentração de terras agrícolas

6.1.

A terra é a base da produção alimentar. O artigo 11.o do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (6) das Nações Unidas, bem como o artigo 25.o da Declaração Universal dos Direitos Humanos (7), obrigam os Estados a reconhecerem o direito de todas as pessoas que residam no seu território a uma alimentação suficiente e segura e estão diretamente ligados ao acesso aos solos.

6.2.

A escassez de petróleo e gás na UE acarreta riscos para a segurança alimentar, cabendo, por isso, manter a agricultura sustentável e a agricultura familiar.

6.3.

A terra não é uma mercadoria convencional que se possa simplesmente fabricar em maiores quantidades. A terra é um bem limitado, pelo que não se lhe devem aplicar as regras habituais do mercado. O CESE está convicto da necessidade de conduzir, nos Estados-Membros e na UE, um debate aprofundado sobre um modelo unívoco para as estruturas agrícolas. Só assim se podem e devem tirar as devidas consequências políticas e tomar medidas. Um exemplo é a avaliação jurídica da aquisição de ações de empresas agrícolas (os chamados «share deals»). As relações de propriedade no que respeita à terra e o uso do solo devem ser alvo de regulamentação mais estrita.

6.4.

Organizações de diferentes quadrantes políticos debruçaram-se sobre a regulamentação da propriedade fundiária e a elaboração de medidas políticas adequadas e destacaram a necessidade absoluta de uma boa governação neste domínio. A FAO elaborou orientações voluntárias sobre o tema — The Voluntary Guidelines of the Responsible Governance of Tenure of Land, Fisheries and Forestry [Orientações voluntárias para uma governação responsável da propriedade da terra, pescas e florestas] (8) — visando a aplicação de direitos de utilização regulamentados e seguros que assegurem a igualdade de acesso aos recursos (terra, bancos de pesca, florestas) para reduzir a pobreza e a fome, promover o desenvolvimento sustentável e enriquecer o meio ambiente. A CNUCED, a FAO, o FIDA e o Banco Mundial elaboraram em conjunto princípios para um investimento agrícola responsável (9), que reconheça os direitos, os meios de subsistência e os recursos. A OCDE elaborou um quadro político para o investimento na agricultura (Policy Framework for Investment in Agriculture — PFIA) (10), que visa ajudar os Estados na definição de medidas políticas para atrair investimentos privados na agricultura.

6.5.

O CESE considera que as orientações da FAO/ONU relativas aos direitos de utilização da terra para os agricultores constituem um marco e apela à sua aplicação firme e rigorosa em todos os Estados. A opacidade dos direitos de propriedade é um indício de «má governação» e constitui um incentivo à apropriação de terras agrícolas.

6.6.

O documento (11) publicado em 2012 pelo consórcio Factor Markets examina as disposições jurídicas em matéria de compra e venda de terras nos Estados-Membros da UE e nos países candidatos. Depreende-se do estudo que há uma série de Estados-Membros que dispõem de regras próprias para impedir uma concentração fundiária forçada e a aquisição de terras por estrangeiros, mediante, por exemplo, a concessão de direitos de preferência. Em alguns países, todas as transações fundiárias envolvendo superfícies agrícolas requerem uma autorização oficial, independentemente do país de origem do comprador. Trata-se de uma prática corrente em países como a França, a Alemanha e a Suécia. Há ainda países (como a Hungria e a Lituânia) que fixaram um limite máximo para a área total de terrenos agrícolas detidos por um único proprietário.

6.6.1.

Em França, as transações fundiárias estão sob o controlo de autoridades regionais de ordenamento fundiário e territorial rural (Sociétés d’Aménagement Foncier et d’Etablissement Rural, SAFER), incumbidas de acompanhar os produtores agrícolas, com destaque para os jovens agricultores, na reestruturação das relações de propriedade e velar pela transparência do mercado de terrenos agrícolas.

6.6.2.

Na Suécia, a aquisição de terrenos em zonas escassamente povoadas está sujeita a uma autorização, cuja concessão leva em conta critérios relacionados com a formação e a experiência anterior do comprador, também lhe sendo por vezes exigido que resida no terreno adquirido. Neste país, as terras agrícolas só podem ser adquiridas por pessoas singulares.

6.6.3.

Na Lituânia, uma pessoa coletiva pode adquirir terra desde que pelo menos 50 % do seu rendimento global provenha da atividade agrícola. As pessoas singulares e coletivas de nacionalidade lituana podem possuir até quinhentos hectares de terra.

6.6.4.

Na Bélgica, em Itália e em França, os arrendatários de terrenos agrícolas têm direito de preferência em caso de venda.

6.7.

Como mostra este resumo, a regulamentação do mercado de terrenos agrícolas varia consideravelmente de um Estado-Membro para outro. Se alguns países impõem restrições, outros há que não, gerando disparidades entre os Estados-Membros. É, pois, nesse sentido que cabe entender a decisão do Parlamento búlgaro que, apesar das advertências da UE, prorrogou até 2020 uma moratória cessante em 22 de outubro de 2013 relativa à aquisição de terras agrícolas devido à ameaça direta que pesava sobre as superfícies agrícolas nacionais, tendo em conta que na Bulgária tanto os preços do terreno como o poder de compra dos agricultores são significativamente mais baixos do que nos países mais prósperos.

6.8.

Na análise do consórcio Factor Markets de 2012 (12), constata-se que a supremacia das grandes empresas agrícolas no mercado fundiário agrícola também afeta o funcionamento normal deste mercado. As grandes empresas que praticam a apropriação de terras tiram partido do seu poderio nos mercados fundiários agrícolas tanto a nível local como regional para influenciarem os preços dos terrenos e as condições aplicáveis no âmbito dos contratos de arrendamento.

6.9.

A política fundiária é da competência dos Estados-Membros, que podem impor restrições às transações quando está em jogo a segurança alimentar ou energética nacional ou quando houver um interesse público superior que as justifique. As restrições são autorizadas para evitar a especulação, preservar as tradições locais e velar por uma utilização apropriada das terras. Ao mesmo tempo, limitam o princípio estabelecido nos Tratados da livre circulação de mercadorias e de capitais. O CESE exorta, por isso, o Parlamento Europeu e o Conselho a debaterem a pertinência de garantir sempre o princípio da livre circulação de capitais no que se refere à venda e aquisição de superfícies e explorações agrícolas, sobretudo em relação aos países terceiros, mas também no território da UE. A este respeito, importa ter em conta que os preços das terras agrícolas e os rendimentos individuais divergem fortemente de um Estado-Membro para outro. Há que conseguir encontrar uma resposta para a questão de saber se a livre circulação de capitais e o mercado livre proporcionam a todos os cidadãos e pessoas coletivas igualdade de oportunidades em matéria de aquisição de terrenos.

6.10.

Para o CESE, na ótica da segurança alimentar e de outros objetivos legítimos com base num modelo agrícola sustentável, cabe dar aos Estados-Membros mais espaço de manobra para regulamentarem o mercado fundiário agrícola e imporem restrições nesse domínio. Ao mesmo tempo, o CESE insta todos os Estados-Membros a utilizarem todas as possibilidades de que dispõem para a elaboração de legislação. Em certos Estados-Membros há uma manifesta falta de objetivos políticos claros, ou há objetivos que tendem a ser discriminatórios.

6.11.

Se o Parlamento Europeu e o Conselho chegarem à conclusão de que se justificam restrições à circulação de capitais no interesse da segurança alimentar, haverá que deliberar sobre a questão também a nível internacional, visto que a livre circulação de capitais é assegurada por várias convenções internacionais.

6.12.

As opções jurídicas e políticas atualmente ao dispor da UE e dos Estados-Membros permitem influenciar a utilização dos solos através de subvenções ou taxas. Uma utilização expedita dos instrumentos da PAC e da política fundiária pode garantir que a produção agrícola também continua a ser viável e rentável para as pequenas explorações, o que, por sua vez, permitiria evitar a concentração fundiária.

6.13.

No âmbito da reforma da PAC, seria com certeza possível introduzir limites máximos e ajustar os pagamentos diretos por forma a os primeiros hectares serem alvo de uma ponderação mais elevada, bem como simplificar o pagamento dos subsídios ao investimento e das ajudas diretas para as pequenas empresas agrícolas. O CESE duvida, porém, que as restrições vigentes tenham um grande impacto em termos de evitar a concentração fundiária e que nos Estados-Membros com as maiores disparidades estruturais entre as explorações agrícolas e a intensidade da concentração fundiária se aproveitem suficientemente destas possibilidades. O CESE recomenda aos Estados-Membros que delas tirem máximo partido e exorta as instituições da União Europeia a introduzirem um mecanismo reforçado para a reafetação da ajuda.

6.14.

Dado que as terras agrícolas são um recurso natural limitado, a apropriação de terras agrícolas põe em risco a consecução dos objetivos formulados nos artigos 39.o e 191.o do TFUE. O CESE solicita, por conseguinte, à Comissão Europeia e ao Parlamento Europeu que se ocupem ativamente da governação do uso do solo.

6.15.

O CESE recomenda a imposição em todos os Estados-Membros da UE de um limite máximo para a aquisição de terras agrícolas, tanto para as pessoas singulares como para as pessoas coletivas — quem estivesse abaixo desse limite, deveria dispor do direito de preferência. As autoridades competentes só podem exercer o direito de preferência para agricultores que estejam abaixo desse limite.

6.16.

As comunidades locais deveriam estar envolvidas no processo de decisão relativo à utilização das terras, o que remete igualmente para a necessidade de lhes conceder mais direitos e oportunidades.

6.17.

No âmbito da utilização das terras agrícolas, a produção de bens alimentares deve ter primazia sobre a produção de biocombustíveis.

6.18.

Cabe adotar uma política que não leve a uma concentração da propriedade mas a uma transição da produção à escala industrial para unidades de produção de menor dimensão, o que também reforçaria a autossuficiência alimentar. Os Estados-Membros da UE deveriam dispor de organismos públicos que tivessem uma visão de conjunto da situação em matéria de propriedade e utilização de terras agrícolas. Para o efeito, as bases de dados públicas a nível nacional deveriam incluir informações não só sobre os proprietários dos terrenos mas também sobre os seus utilizadores. Tais dados poderiam permitir realizar as investigações necessárias e reagir às mudanças.

6.19.

O CESE incita a Comissão e o Parlamento Europeu a, com base num procedimento uniforme, realizarem estudos exaustivos sobre o impacto das medidas políticas e das restrições aplicadas nos diferentes Estados-Membros na concentração da propriedade fundiária. Importaria igualmente analisar os perigos dessa concentração para a segurança alimentar, o emprego, o ambiente e o desenvolvimento rural.

6.20.

O CESE insta todos os Estados-Membros a elaborarem um relatório para a Comissão Europeia e a FAO sobre o uso e aplicação das orientações facultativas sobre governação responsável em matéria de propriedade das terras, pescas e florestas (VGGT), adotadas pela FAO em 2012, nas respetivas políticas de governação fundiária. As VGGT têm alcance mundial (ponto 2.4) e, portanto, abarcam também a Europa. As VGGT instam os Estados a criarem plataformas multilaterais, com o envolvimento e a participação dos mais afetados, a fim de monitorizar a execução das orientações em linha com as suas políticas (13).

6.21.

No futuro, o CESE continuará a acompanhar atentamente a evolução do fenómeno da concentração da propriedade fundiária, analisando o seu impacto e participando na elaboração de propostas para o conter. De referir ainda que o FMAT (Fórum Mundial sobre o Acesso à Terra e Recursos Naturais) também é favorável à iniciativa e insta a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu a apoiarem esta atividade.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  http://www.landmatrix.org/en

(2)  www.madariaga.org

(3)  http://www.eurovia.org/IMG/pdf/Land_in_Europe.pdf

(4)  http://familyfarmingahap.weebly.com/family-vs-corporate-farming.html

(5)  http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/note/join/2014/529047/IPOL-AGRI_NT(2014)529047_EN.pdf

(6)  http://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/cescr.aspx

(7)  http://www.un.org/en/documents/udhr/index.shtml#a25

(8)  http://www.fao.org/docrep/016/i2801e/i2801e.pdf

(9)  http://unctad.org/en/Pages/DIAE/G-20/PRAI.aspx

(10)  http://www.oecd.org/daf/inv/investment-policy/PFIA_April2013.pdf

(11)  http://ageconsearch.umn.edu/bitstream/120249/2/FM_WP14CEPSonSalesMarketRegulations_D15.1_Final.pdf

(12)  http://ageconsearch.umn.edu/bitstream/120249/2/FM_WP14CEPSonSalesMarketRegulations_D15.1_Final.pdf

(13)  Ver ponto 26.2 das VGGT: http://www.fao.org/docrep/016/i2801e/i2801e.pdf


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/24


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Situação após a extinção do regime de quotas leiteiras em 2015»

(parecer de iniciativa)

(2015/C 242/04)

Relator:

Padraig WALSHE

Em 10 de julho de 2014, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

«Situação após a extinção do regime de quotas leiteiras em 2015» (parecer de iniciativa).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a secção especializada «Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente», que emitiu parecer em 8 de janeiro de 2015.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 219 votos a favor, 1 voto contra e 14 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a extinção do regime de quotas leiteiras a partir de 31 de março de 2015, tal como decidido em 2008, constitui uma mudança fundamental. Desde a introdução deste método abrangente de gestão da produção, em 1 de abril de 1984, tornou-se cada vez mais claro que os preços dos laticínios e o rendimento dos produtores não foram eficazmente protegidos e estabilizados e que a produção de laticínios diminuiu na União Europeia (UE), ao passo que aumentou significativamente a nível mundial.

1.2.

O CESE defende que a política leiteira da União Europeia, depois da extinção do regime de quotas leiteiras, ou seja, após 2015, não se deve limitar a permitir o crescimento e a expansão, mas igualmente impedir o abandono da produção leiteira e apoiar os pequenos produtores, em particular nas regiões desfavorecidas e nas zonas montanhosas. Deve permitir que os produtores da UE e, em última análise, a economia da União beneficiem do crescimento do mercado mundial de laticínios, reconhecendo e promovendo o contributo económico e social, igualmente importante, das explorações de pequena dimensão, em situação desfavorecida, que se dedicam à produção de laticínios em muitas regiões europeias.

1.3.

O CESE considera que, para tal, é preciso tirar o máximo partido das disposições do segundo pilar da PAC para 2014-2020 e do «Pacote Leite», assegurando o apoio, em todo o território, às explorações familiares dedicadas aos laticínios. Deve fomentar-se a participação em organizações de produtores, que pode melhorar a posição dos produtores na cadeia de abastecimento, e a adoção de medidas para a transferência de conhecimentos, destinadas a ajudar os produtores a aumentar a eficiência técnica e económica.

1.4.

No entanto, o CESE considera que as dotações e as medidas do segundo pilar, ou as medidas do «Pacote Leite», que integra atualmente a PAC para 2014-2020, não serão, de modo algum, suficientes para proteger os produtores de laticínios vulneráveis, quer nas regiões desfavorecidas ou montanhosas quer noutras regiões. Pode ser necessário adotar medidas adicionais para assegurar que esses produtores dispõem de rendimentos viáveis e de uma quantidade equitativa de retornos proporcionados pelo mercado. Devem também dispor de serviços de aconselhamento sobre a eficiência, a diversificação e a reorientação da produção que lhes permitam tomar as melhores decisões para o seu futuro e o dos seus sucessores, tendo em conta os limites das empresas em situação desfavorecida em termos de capacidade de geração de rendimentos.

1.5.

O CESE considera igualmente fundamental assegurar que os produtores de laticínios comerciais e competitivos de todas as regiões, incluindo as regiões mais propícias à produção sustentável e competitiva de laticínios para exportação, possam desenvolver as suas empresas de forma a dar resposta ao rápido aumento da procura mundial, gerando assim mais emprego e rendimentos para a economia das regiões rurais da União Europeia. No entanto, o principal desafio com que estes produtores se confrontarão será o nível muito elevado de flutuações de rendimentos causado pela volatilidade dos preços dos laticínios (e, em consequência, dos preços do leite para o produtor) e dos custos dos fatores de produção. É essencial que a UE facilite o desenvolvimento, pelos Estados-Membros e pelo setor, de soluções fiscais e de instrumentos de cobertura simples, tais como contratos de margem fixa, que sejam facilmente acessíveis aos produtores.

1.6.

O CESE exorta à revisão do nível inadequado das disposições que formam a «rede de segurança» prevista na nova política agrícola comum (PAC) e à sua verificação contínua, de forma a assegurar que apresentem uma relação mais estreita com os custos reais de produção.

1.6.1.

Deve igualmente fomentar-se a promoção dos laticínios, tanto no mercado interno da União como para as exportações da União Europeia. A UE deve apoiar a identificação e o desenvolvimento de novos mercados, e garantir que os acordos comerciais internacionais sejam equilibrados e ofereçam um acesso equitativo aos exportadores da União Europeia.

1.6.2.

No mercado interno, a União Europeia deve contribuir para a divulgação dos benefícios para a saúde do consumo de laticínios, confirmados por recentes investigações científicas.

1.6.3.

A União Europeia deve ainda reforçar a regulamentação do mercado retalhista, a fim de controlar a especulação por parte dos retalhistas e aumentar a capacidade dos produtores de recuperar os seus custos.

1.7.

Por último, o papel fundamental desempenhado pelas cooperativas no setor dos laticínios deve ser reconhecido e promovido. As cooperativas desempenham um papel de liderança no setor leiteiro mundial — quatro cooperativas integram a lista das 10 maiores empresas de laticínios a nível mundial, segundo um inquérito do Rabobank de julho de 2014 (1). As cooperativas podem desempenhar um papel muito mais importante do que os compradores ou fornecedores de leite do setor privado no apoio aos produtores de laticínios face a uma volatilidade imprevisível, uma vez que os seus fornecedores de leite são, em larga medida, também os seus acionistas. Além disso, oferecem aos seus membros compromissos de aquisição de leite a preços viáveis e muito mais sustentáveis a longo prazo.

2.   Contexto — Aprender com a experiência do passado

2.1.

O preço médio do leite na União Europeia em setembro de 2014 era de 37,47 c/kg (fonte:«LTO milk review») (2), o que representa uma diminuição de 8,2 % relativamente ao preço médio do leite registado em fevereiro de 2014 pela mesma fonte.

2.2.

Até ao final da primavera, a forte procura mundial contribuiu para a estabilidade dos preços. No entanto, tem começado a registar-se uma correção dos preços, dado que a produção dos principais exportadores (+ 4,3 % por ano para o período de janeiro a setembro de 2014) está a aumentar a um ritmo superior ao do crescimento natural da procura (+2 %-2,5 % por ano), proveniente principalmente dos mercados emergentes. Mais recentemente, a saída temporária da China do mercado, devido à sobrecompra dos meses anteriores, e a proibição imposta pela Rússia às exportações de laticínios da União Europeia (a Rússia absorvia 33 % das exportações de laticínios da UE) tiveram um impacto ainda maior neste produto de base e, em consequência, nos preços para o produtor, no segundo semestre de 2014.

2.2.1.

Com o preço do leite em rápida descida no final de 2014, os produtores de laticínios da União Europeia estão, compreensivelmente, preocupados com o provável impacto nos seus meios de subsistência nos próximos meses, dado que o regime de quotas será suprimido na UE e a produção noutras regiões mundiais continuará a aumentar, pelo menos a curto prazo. Questionam também, legitimamente, a vontade e a capacidade da União de ajudá-los a gerir os períodos caracterizados por preços do leite e rendimentos baixos, que surgirão inevitavelmente em resultado de crises futuras.

2.3.

As perspetivas a médio e longo prazo para o setor do leite e dos laticínios continuam a ser muito favoráveis, tanto a nível mundial como nos mercados nacionais. A procura mundial permanece dinâmica, especialmente nas economias emergentes, apoiando-se em tendências demográficas robustas. Os produtos artesanais tradicionais de alta qualidade, que em muitos casos são fabricados em regiões desfavorecidas a partir de leite produzido em explorações vulneráveis e são muito apreciados pelos consumidores, estão a registar um aumento da procura, mesmo em mercados nacionais europeus maduros. Os laticínios inovadores, tais como produtos à base de soro de leite e de outros componentes lácteos para desportistas, bebés e fins medicinais, constituem categorias de produtos de elevado valor e em rápida expansão, tanto nos mercados nacionais como internacionais.

2.4.

Prevê-se que a extinção das quotas tenha como consequência um aumento da produção, principalmente nos Estados-Membros atualmente limitados pelas quotas, como a Irlanda, a Alemanha, os Países Baixos, a Dinamarca, a Áustria e a Polónia, bem como a França.

2.5.

No entanto, subsistem dúvidas sobre a capacidade do quadro regulamentar da União Europeia de fazer face a episódios de extrema volatilidade do mercado ou a uma situação de crise, em particular no que se refere a ajudar os produtores a gerir margens e rendimentos voláteis, e de garantir o desenvolvimento equilibrado da produção de leite em toda a União Europeia.

2.6.

A proibição imposta pela Rússia e as suas repercussões em todos os mercados de laticínios de base da União Europeia foi a primeira situação a pôr à prova o novo sistema de gestão de crises da UE, e tendo em conta os efeitos limitados nos mercados da reintrodução dos auxílios ao armazenamento privado de queijo (antes da sua interrupção abrupta), bem como dos auxílios ao armazenamento privado de manteiga e de leite em pó desnatado, para além do prolongamento do período de compras de intervenção e do aumento das despesas de promoção, é claro que as dúvidas têm fundamento. Devem ser tomadas medidas adicionais para fazer face a crises de mercado mas, acima de tudo, a União deve estar preparada para aplicar estas medidas de forma rápida e decisiva.

2.6.1.

A União Europeia pode retirar ensinamentos da sua resposta à grave diminuição da procura e dos preços dos laticínios que acompanhou a crise financeira de 2008-2009. Na altura, a lentidão da resposta da Comissão Europeia teve como resultado que, em 2009, tenham sido necessários seis meses de compras de intervenção para a manteiga, e oito meses de compras para o leite em pó desnatado para que os preços de mercado tenham começado a ultrapassar o preço equivalente ao da intervenção. A prática de armazenamento privado de manteiga prosseguiu durante a maior parte do ano (março a dezembro) e continuou em 2010, tendo terminado só em agosto de 2010. Em 2009, foi consagrado um total de 370 milhões de euros ao conjunto das medidas de intervenção de apoio aos mercados, dos quais 181 milhões de euros se destinaram a restituições à exportação. Em 2010, o montante consagrado ao conjunto das medidas de intervenção de apoio aos mercados ascendeu a 529 milhões de euros, dos quais 186 milhões de euros se destinaram a restituições à exportação. Em 2010, a Comissão Europeia obteve 31 milhões de euros com a venda de reservas de intervenção de leite em pó desnatado e manteiga, e 73 milhões de euros suplementares com a venda de leite em pó desnatado em 2011. O regime de distribuição de alimentos às pessoas mais necessitadas permitiu igualmente utilizar quantidades significativas de reservas, que de outro modo teriam exigido uma contribuição financeira do orçamento da União Europeia (3).

2.6.2.

Também em 2009-2010, o Parlamento Europeu aprovou o pagamento direto de 300 milhões de euros aos produtores de laticínios da União Europeia, equivalente a pouco menos de 600 euros por produtor (com base nas modalidades de distribuição aplicadas em Itália), montante que foi transferido no início de 2010 com muito atraso, num momento em que os preços já estavam a começar a recuperar. O custo administrativo desta medida não é claro. Deve-se concluir desta experiência que estes pagamentos diretos pouco fazem para inverter a tendência dos mercados, e que uma pequena dotação por produtor acaba por ter um custo enorme.

2.6.3.

Na altura da crise dos laticínios de 2009, os custos de produção eram significativamente inferiores aos atuais. Os custos de produção na Irlanda correspondiam a 19 c/l nesse ano, e aumentaram para 25,6 c/l em 2014. A «rede de segurança» da intervenção, representada pelos atuais níveis de preço de compra de intervenção do leite em pó desnatado e da manteiga, equivale a um preço de produção de cerca de 20 c/l, sendo por conseguinte desprovida de qualquer relevância em relação aos custos de produção.

2.7.

Foram apresentadas ideias sobre a forma de dotar a União Europeia dos meios necessários para manter uma produção de laticínios viável em situações de crise, de forma a gerir melhor as consequências negativas para a produção de leite em regiões desfavorecidas. É importante que as medidas propostas sejam adequadas aos objetivos, e consentâneas com um mercado europeu de laticínios em que os preços dos laticínios, mesmo em países que não são exportadores, são agora influenciados em larga medida pelas tendências mundiais. Nenhuma forma de gestão unilateral da produção de leite da UE, mesmo a título voluntário, alterará este facto.

3.   Perspetivas para os mercados de laticínios após 2015

3.1.

As projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as tendências demográficas e socioeconómicas a nível mundial indicam que a população mundial aumentará dos atuais 7  000 milhões de pessoas para 8  400 milhões em 2030 e 9  600 milhões em 2050 (4). Prevê-se que a maior parte deste crescimento, ou mesmo a totalidade, ocorra nos países emergentes e seja acompanhado por um crescimento equivalente das «classes médias». Num documento de 2012, analistas da HSBC Global (5) concluíram que, até 2050, a percentagem da população que terá um rendimento equivalente, pelo menos, aos níveis de rendimento intermédio será de 2  600 milhões de pessoas, o que representa mais de um terço da população mundial atual. Este grupo não só será mais numeroso, mas também mais próspero e ambicioso nos seus hábitos de consumo. Cada vez mais, optará por um consumo de proteínas animais e não vegetais.

3.2.

Neste contexto, os laticínios desempenham um papel particularmente importante, já que são considerados, tanto pelos governos como pelos indivíduos, um contributo para uma dieta saudável, desejável e muitas vezes apoiado pelas políticas oficiais (por exemplo, o programa de distribuição de leite nas escolas na China).

3.3.

A OCDE e a FAO, no seu último relatório sobre as perspetivas agrícolas (6), preveem que a procura mundial de laticínios aumente cerca de 2 % por ano até 2023, especialmente no caso do leite em pó desnatado, do soro de leite e do queijo, com um aumento ligeiramente inferior (cerca de 1 %) no caso da manteiga. Segundo o sétimo índice dos laticínios, publicado em outubro de 2014 pela empresa internacional de embalagens de laticínios Tetra Pak, o crescimento anual da procura para este período poderá atingir 3,6 %. Estes e outros peritos, como a GIRA, a IFCN e o CNIEL, etc. (7), afirmam que, a longo prazo, o aumento da produção será inferior ao aumento da procura, uma vez que as regiões mais propícias a uma produção sustentável do ponto de vista ambiental e competitiva do ponto de vista económico são relativamente escassas — e incluem algumas regiões da União Europeia, nomeadamente a sua periferia setentrional e ocidental.

4.   Volatilidade das margens — O principal desafio para os produtores de laticínios

4.1.

Embora, de uma forma geral, as perspetivas sejam extremamente positivas, a ocorrência de desequilíbrios pontuais entre a procura e a oferta, como o que atravessamos atualmente, exercerá uma pressão temporária sobre os preços e, em consequência, sobre os rendimentos agrícolas. Tal será exacerbado por tendências similares de volatilidade a nível mundial no caso dos cereais e de outros ingredientes dos alimentos para animais. Estes fenómenos serão muito provavelmente de curta duração, à luz das tendências demográficas subjacentes, mas poderão ser muito perturbadores na ausência de novas estratégias que abordem a questão.

4.2.

A volatilidade dos preços do leite e, em consequência, dos rendimentos, é uma experiência relativamente nova para todos os produtores europeus de laticínios e vem na sequência da redução significativa dos apoios ao mercado e da redução dos direitos aduaneiros de importação do leite desde 2005 até 2007, no início da anterior reforma da PAC.

4.3.

A substituição do apoio ao mercado por pagamentos diretos aos agricultores contribuirá em certa medida para ajudar os mesmos a fazer face à volatilidade dos rendimentos, mas o nível de redistribuição dos pagamentos e as flutuações extremas dos rendimentos baseados no mercado exigirão estratégias adicionais.

5.   Gestão da produção — Uma estratégia ineficaz

5.1.

As negociações da Ronda do Uruguai do GATT (atualmente OMC), que decorreram de 1986 a 1994, integraram pela primeira vez a agricultura nas negociações comerciais internacionais. Em consequência, registaram-se alterações fundamentais na orientação da política da União Europeia. As oportunidades de importação aumentaram graças à diminuição geral dos direitos aduaneiros e à introdução de contingentes pautais isentos de direitos. Com o novo acordo GATT assistiu-se igualmente a uma transição gradual dos apoios do mercado para os pagamentos diretos aos agricultores, que mais tarde foram cada vez mais dissociados da atividade produtiva. O regime de quotas leiteiras europeu, introduzido apenas dois anos antes, não foi afetado, tendo sido renovado várias vezes.

5.2.

Em 2003, aquando da revisão intercalar da PAC, os Estados-Membros acordaram em pôr termo ao regime de quotas a partir de 31 de março de 2015. Depois de esta decisão ter sido tomada, foram adotadas em 2008 medidas adicionais de atenuação, a fim de facilitar a supressão gradual do regime de quotas. Esta mudança de orientação política, que se distancia claramente das restrições da produção ou da gestão da mesma, surge num momento em que os mercados mundiais registam um rápido crescimento. Em consequência, faz sentido oferecer aos produtores de laticínios europeus e à indústria leiteira europeia — e, em última instância, à economia da União Europeia — a oportunidade de abastecer esses mercados, recuperando em parte das enormes perdas de quota de mercado registadas ao longo de 30 anos de estagnação sob o regime de quotas.

5.3.

No entanto, a nova volatilidade de preços que se seguiu à aplicação da PAC anterior provocou, em 2009, uma importante crise dos rendimentos provenientes dos laticínios, e as vantagens da restrição da produção voltaram a ser motivo de debate, tendo sido apresentadas várias propostas baseadas na gestão da produção, que foram discutidas nos últimos anos em vários círculos em Bruxelas.

5.4.

Um destes exemplos é a «proposta Dantin», adotada pelo Parlamento Europeu (PE) durante o verão de 2013 no âmbito das negociações relativas à PAC para 2014-2020. De acordo com esta proposta, em caso de perturbações do mercado, os produtores podem ser incentivados a reduzir a produção a título voluntário (buy out), ao passo que aqueles que aumentarem a produção podem ser penalizados. Esta proposta foi sujeita a uma análise de Michael Keane e Declan O’Connor, encomendada pela Associação Europeia do Setor dos Laticínios (8).

5.5.

As futuras opções em matéria de política leiteira foram igualmente analisadas na perspetiva do «equilíbrio do mercado e competitividade» e da «produção sustentável de leite, incluindo a dimensão territorial», num estudo realizado por um painel de peritos da Ernst and Young a pedido da Comissão Europeia (9).

5.6.

Estes dois estudos indicam que a gestão da produção e as quotas já não são eficazes para apoiar e estabilizar os preços do leite e os rendimentos. Ambos os estudos assinalaram igualmente que a proposta de aquisição (buy out) ou outras medidas de gestão da produção similares seriam de aplicação difícil em toda a União Europeia, uma vez que o nível de preços que pode provocar uma crise de rendimentos varia consideravelmente de país para país; seriam ineficazes porque demorariam muito tempo a ter efeito; e seriam dispendiosas devido ao nível de compensação que teria de ser oferecido aos produtores para que reduzissem a produção a título voluntário. Michael Keane e Declan O’Connor salientaram ainda que, caso este sistema fosse implementado, teria uma série de efeitos negativos previsíveis e não intencionais sobre o funcionamento normal dos mercados de laticínios, e tornaria o investimento e o planeamento quase impossíveis ao nível das explorações agrícolas e da transformação do leite.

5.7.

Acima de tudo, o estudo de Michael Keane e Declan O’Connor salienta vivamente que a medida proposta só pode ser eficaz se for implementada numa economia fechada, ou, no caso de uma economia aberta, se for adotada em conjunto por todos os principais fornecedores internacionais. Caso seja aplicada unilateralmente, como proposto, os principais beneficiários serão os nossos concorrentes internacionais, ao passo que os produtores de leite da União Europeia perderão competitividade, e o preço do leite continuará a sofrer as consequências das decisões tomadas pelos nossos concorrentes nos Estados Unidos ou na Nova Zelândia.

5.8.

Enquanto a União Europeia esteve limitada por quotas, a produção mundial de leite aumentou exponencialmente 22 % só nos últimos dez anos. Durante o mesmo período, os nossos concorrentes, especialmente a Nova Zelândia e os Estados Unidos, ambos com uma forte vocação exportadora, aumentaram a sua produção de forma considerável, ao passo que a União Europeia diminuiu a sua produção, e as restrições impostas pelas quotas não protegeram os produtores de laticínios das grandes flutuações de preços registadas em 2007-2009.

5.9.

Pode deduzir-se igualmente que as estratégias de aumento das exportações destes países, assentes em planos de investimento muito bem divulgados, nomeadamente na Nova Zelândia e nos Estados Unidos, prosseguirão após 2015. Se a UE não participar, perderá importantes oportunidades de exportação a nível mundial, o que acarretará um custo considerável para os produtores de laticínios da União, mas também, de forma mais geral, em termos de emprego e de rendimentos para a economia rural da União Europeia.

6.   Instrumentos de gestão do risco e melhoria da «rede de segurança»

6.1.

O estudo da Ernst and Young recomendou também vivamente o reforço da rede de segurança em caso de crises de mercado. Salientou a importância de ajudar os produtores de laticínios a fazer face à nova volatilidade dos rendimentos causada pelo caráter altamente variável dos preços do leite e dos custos dos fatores de produção, referindo instrumentos de gestão do risco, desde a cobertura de risco ao recurso aos mercados de futuros.

6.2.

A União Europeia deve permitir que os Estados-Membros ofereçam soluções de ordem fiscal que ajudem os produtores a acumular reservas monetárias em anos favoráveis que só serão reintroduzidas e tributadas em anos desfavoráveis, podendo ser usadas para efeitos de alavancagem de investimento em períodos intermédios por aqueles que pretendam expandir-se.

6.3.

A União Europeia deve igualmente fomentar, promover e, eventualmente, regulamentar o fornecimento pelo setor de opções de cobertura de risco relativas aos preços e às margens, que permitam aos produtores dispor, da forma mais simples possível, de opções para fixar o preço do leite/margem de uma percentagem da sua produção e por um determinado período de tempo, sem terem de ser confrontados com todas as complexidades das transações dos mercados de futuros. Os produtores dos Estados Unidos já têm acesso a este tipo de instrumentos através de cooperativas leiteiras, e alguns compradores de leite (a Glanbia na Irlanda e a Fonterra na Nova Zelândia) introduziram regimes de preços/margens fixos que beneficiam os produtores. É fundamental assegurar uma maior disponibilização deste tipo de opções em toda a Europa.

6.3.1.

O regime de preço fixo do leite indexado da Glanbia permite que os produtores bloqueiem, a título voluntário, uma percentagem do leite que produzem a um preço fixo por um período de três anos. O preço é corrigido anualmente para ter em conta a inflação dos custos de produção, a fim de que os produtores possam igualmente garantir uma proporção considerável da sua margem. Desde 2010 foram lançados quatro regimes trienais deste tipo, e todos tiveram uma adesão superior ao limite previsto, uma vez que oferecem aos produtores um forte grau de segurança em relação ao rendimento que recebem para uma percentagem do leite. Estima-se que 22 % da totalidade do leite adquirido pela Glanbia esteja abrangido por este regime, e que a maioria dos produtores que aderiram ao primeiro regime tenha voltado a aderir posteriormente.

6.4.

De um ponto de vista económico, é igualmente fundamental que a União Europeia reveja a base das suas disposições em matéria de «rede de segurança». Inalterados desde meados de 2008, os preços de intervenções no setor dos laticínios oferecem um nível de «apoio» equivalente a cerca de 19c/l dos custos líquidos da transformação, o que já não tem qualquer relação nem com o nível muito mais elevado dos preços dos laticínios a nível mundial e da UE nem com os custos primários de produção, que aumentaram significativamente. A União deve rever em alta os níveis da sua rede de segurança, aumentando o preço de intervenção para o leite em pó desnatado e a manteiga, para que estejam pelo menos em consonância com o aumento dos custos de produção, e deve verificar regularmente a pertinência desta rede de segurança em relação aos custos de produção.

6.5.

O setor deverá analisar se é possível desenvolver um instrumento adicional de gestão de crises, em especial perante a ocorrência de uma forte volatilidade dos preços que comprometa a subsistência dos produtores.

6.6.

Do ponto de vista dos produtores, as cooperativas são a estrutura jurídica mais eficaz para gerir uma exploração leiteira. As cooperativas dão prioridade aos rendimentos dos seus acionistas (agricultores), quer através de dividendos quer do preço do leite. A sua atividade centra-se no bem-estar e no melhor interesse comercial dos seus membros.

6.7.

As cooperativas encontram-se numa posição única para desempenhar a função de elo de ligação e propor aos agricultores opções de gestão da volatilidade, como os contratos de preço fixo ou oportunidades para «bloquear» um preço do leite e/ou margem durante um determinado período de tempo.

6.8.

Qualquer política leiteira futura deve ter devidamente em conta a importância fundamental das cooperativas, e não deve criar quaisquer dificuldades a esta estrutura, ideal do ponto de vista dos produtores.

6.9.

O facto de os produtores não conseguirem recuperar os custos no setor retalhista deve igualmente ser abordado. Os consumidores beneficiam pouco das extremas reduções dos preços dos laticínios de base, mas os retalhistas procuram sempre obter o máximo benefício, exercendo pressão sobre os fornecedores quando os preços dos laticínios descem a nível mundial, como sucede atualmente. A redução dos preços grossistas obtida através da pressão — às vezes moralmente, se não juridicamente, questionável — exercida pelos retalhistas equivale a maiores margens retalhistas e a lucros excessivos, obtidos à custa do resto da cadeia e dos consumidores. Os produtores estão na extremidade dessa cadeia, e não têm qualquer forma de assegurar uma margem que mantenha o seu rendimento familiar. Uma intervenção mais rápida no mercado por parte da Comissão Europeia ajudaria a superar mais rapidamente as crises de mercado, e reduziria ao mínimo a pressão exercida pelos retalhistas mencionada no presente ponto.

7.   Produção sustentável de leite em regiões desfavorecidas

7.1.

O setor dos laticínios oferece um importante contributo socioeconómico e ambiental para todas as regiões da União Europeia. O reconhecimento e o apoio a este contributo, que em muitas regiões se baseia em pequenas explorações vulneráveis, têm sido desde há muito uma das missões da PAC. O segundo pilar da PAC inclui muitas medidas relevantes neste domínio, como as novas disposições, agora incluídas na PAC/OCM, inicialmente introduzidas como o «Pacote Leite».

7.1.1.

No entanto, o fim do regime de quotas poderá acelerar a deslocação da produção de leite na União Europeia para as regiões setentrional e ocidental, onde a produção pode ser levada a cabo de forma mais eficiente. Tal poderia conduzir a uma redução ou ao abandono da produção nas regiões da Europa em que o custo é mais elevado (que são também mais pobres), aumentado as disparidades económicas entre essas regiões.

7.1.2.

A grande maioria das explorações dos Estados-Membros da União Europeia tem um número muito reduzido de vacas — 75 % das explorações tem menos de nove vacas (10). Embora em muitos casos a produção de leite seja certamente destinada ao consumo das próprias famílias, a vulnerabilidade económica destas explorações é evidente, tanto mais porque muitas se situam em regiões montanhosas ou de outra forma desfavorecidas.

7.1.3.

A Comissão Europeia deve lançar um projeto coerente de desenvolvimento rural e leiteiro para as regiões montanhosas, para as regiões desfavorecidas de «vocação leiteira» e para os Estados-Membros em que a produção leiteira é assegurada por manadas de dimensão muito reduzida.

7.1.4.

Para além do pacote relativo à transferência de conhecimentos, ou eventualmente no âmbito do mesmo, seria essencial que estas explorações tivessem acesso a serviços de aconselhamento e formação que os ajudassem a tomar decisões de negócio adequadas para o seu próprio futuro e para o futuro dos seus sucessores. Poderiam receber aconselhamento sobre a forma de diversificar a sua atividade, aumentar a eficiência, crescer, se tal for viável do ponto de vista económico, e também, quando fosse caso disso, sobre as possíveis atividades profissionais alternativas para os agricultores atuais ou seus sucessores (reorientação profissional).

7.2.

Nas regiões que correm o risco de abandono de terras, subpastoreio ou outros impactos ambientais negativos, os pagamentos ambientais ao abrigo do segundo pilar podem ser dirigidos especificamente para os produtores de laticínios, em determinadas condições.

7.3.

Os produtores de laticínios vulneráveis de todas as regiões devem ser incentivados a participar em organizações de produtores e organizações interprofissionais, a fim de promover produções de qualidade e aumentar o seu peso e influência na cadeia de abastecimento.

7.4.

Os pagamentos aos jovens agricultores podem ser igualmente utilizados para fomentar a renovação das gerações nos casos em que o êxodo rural é uma preocupação devido à capacidade limitada de criação de rendimentos. No caso destes agricultores, o investimento pode ser incentivado através de empréstimos favoráveis ou outros programas semelhantes.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  https://www.rabobank.com/en/press/search/2014/dairy_top20.html

(2)  http://www.milkprices.nl/

(3)  Relatórios da Comissão Europeia sobre medidas de intervenção no setor dos lacticínios: 2008, 2009, 2010 e 2011 (Observatório do Mercado do Leite da União Europeia).

(4)  «World Population Prospects: the 2012 Revision» (Projeções da população mundial: revisão de 2012), ONU, junho de 2013.

(5)  «Consumer in 2050 — The Rise of the Emerging Market Middle Class» (Consumidores em 2050 — O crescimento da classe média nos mercados emergentes] — HSBC Global, outubro de 2012.

(6)  http://www.oecd.org/fr/sites/perspectivesagricolesdelocdeetdelafao/produits-laitiers.htm

(7)  GIRA (consultoria em produtos alimentares), International Farm Comparison Network [Rede internacional de comparação das explorações] e Centre National Interprofessionnel de l’Industrie Laitière (Centro nacional interprofissional da indústria leiteira) (França).

(8)  «Analysis of the Crisis Dairy Supply Management Proposal in the Report of the Committee on Agriculture and Rural Development (COMAGRI) on CAP Reform 2012/2013» [Análise da proposta de gestão da crise de abastecimento de lacticínios incluída no relatório da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (COMAGRI) sobre a reforma da PAC 2012-2013] (versão final) setembro de 2013, Michael Keane, PhD, Cork, Irlanda, e Declan O’Connor, PhD, Cork Institute of Technology, Irlanda.

(9)  «AGRI-2012-C4-04 — Analysis on future developments in the milk sector» (AGRI-2012-C4-04 — Análise de desenvolvimentos futuros no setor do leite), relatório final elaborado para a Comissão Europeia — DG Agricultura e Desenvolvimento Rural, 19 de setembro de 2013, Ernst and Young.

(10)  Fonte: Eurostat, 1 de janeiro de 2011.


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/31


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Hipersensibilidade eletromagnética»

(parecer de iniciativa)

(2015/C 242/05)

Em 10 de julho de 2014, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

Hipersensibilidade eletromagnética

(parecer de iniciativa).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 7 de janeiro de 2015.

Na sua 504.a reunião plenária, realizada em 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu rejeitou o projeto de parecer elaborado pela Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação em favor do seguinte contraparecer, que foi aprovado por 138 votos a favor, 110 votos contra e 19 abstenções:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE reconhece a prevalência da hipersensibilidade eletromagnética e manifesta-se preocupado com esta questão. Apraz-lhe constatar que está em curso um trabalho substancial de investigação para compreender o problema e as suas causas. Assinala também que o Comité Científico dos Riscos para a Saúde Emergentes e Recentemente Identificados (CCRSERI, «Parecer preliminar relativo aos potenciais efeitos para a saúde da exposição a campos eletromagnéticos», 29.11.2013: http://ec.europa.eu/health/scientific_committees/emerging/docs/scenihr_o_041.pdf) tem analisado amplamente esta questão nos últimos anos e está prestes a concluir o seu mais recente parecer, tendo realizado consultas públicas exaustivas.

1.2.

O CESE entende que as principais conclusões desse relatório não divergirão substancialmente do parecer preliminar de 2013, que afirmava que, «globalmente, os dados disponíveis indicam que a exposição a campos de radiofrequências não causa sintomas nem afeta a função cognitiva nas pessoas. O parecer anterior do Comité Científico concluiu que não existiam efeitos adversos na reprodução e no desenvolvimento provocados por campos de radiofrequências a níveis de exposição abaixo dos limites em vigor. A inclusão de dados mais recentes relativos a pessoas e animais não altera esta apreciação» («Preliminary opinion on Potential health effects of exposure to electromagnetic fields» [Parecer preliminar relativo aos potenciais efeitos para a saúde da exposição a campos eletromagnéticos], CCRSERI, 29.11.2013 http://ec.europa.eu/health/scientific_committees/emerging/docs/scenihr_o_041.pdf).

1.3.

O parecer preliminar do CCRSERI referiu igualmente que novos elementos de prova, em comparação com o seu anterior parecer de 2009, corroboram a conclusão de que a exposição a radiofrequências não tem qualquer relação causal com os sintomas. Observa que, muitas vezes, a convicção de que houve exposição (mesmo que não haja) é suficiente para provocar sintomas.

1.4.

No entanto, com o intuito de dissipar a preocupação contínua da opinião pública e respeitar o princípio da precaução, o CESE insta a Comissão a prosseguir o seu trabalho neste domínio, especialmente porque é necessária mais investigação a fim de reunir provas relativas a um potencial impacto na saúde da exposição a longo prazo, por exemplo, no caso da utilização de um telemóvel durante mais de 20 anos.

1.5.

Resta a questão da perceção da opinião pública. Para algumas pessoas, a prevalência de campos eletromagnéticos é encarada como uma ameaça — no local de trabalho, no contexto familiar e em espaços públicos. Grupos semelhantes estão igualmente preocupados com a exposição a múltiplos produtos químicos, intolerância alimentar generalizada ou exposição a partículas, fibras ou bactérias no ambiente. Essas pessoas necessitam de apoio, não apenas para tratar os sintomas clínicos propriamente ditos, mas para lidar com as preocupações que exprimem em relação à sociedade moderna.

1.6.

O Comité observa que as pessoas que sofrem de hipersensibilidade eletromagnética têm sintomas reais. Devem ser envidados esforços para melhorar as suas condições de saúde, com destaque para a redução da deficiência, como descrito em pormenor na ação COST [Cooperação Europeia em Ciência e Tecnologia] no domínio da Biomedicina e Biociências Moleculares BM0704. (Ação COST no domínio da Biomedicina e Biociências Moleculares BM0704, Tecnologias emergentes ligadas aos campos eletromagnéticos e gestão dos riscos para a saúde.)

2.   Introdução

2.1.

O objetivo do presente parecer é explorar as preocupações manifestadas por grupos da sociedade civil acerca da utilização e do impacto de dispositivos emissores de radiofrequências utilizados em equipamentos industriais e domésticos e em serviços que dependem da comunicação sem fios. Estes fatores são considerados relevantes por pessoas que padecem de uma série vaga de problemas de saúde e que adotaram também o termo «síndrome de hipersensibilidade eletromagnética» como definição e causa implícita dos seus sintomas.

3.   A hipersensibilidade eletromagnética como diagnóstico sintomático da síndrome

3.1.

Infelizmente para essas pessoas, a esmagadora maioria de opiniões da comunidade médica e científica defende que não existem provas conclusivas que associem a vasta gama de sintomas descritos como síndrome de hipersensibilidade eletromagnética à exposição a campos eletromagnéticos ou a radiofrequências. Neste sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou: «Todas as avaliações realizadas até à data indicam que as exposições abaixo dos limites recomendados pelas orientações relativas aos campos eletromagnéticos da Comissão Internacional para a Proteção contra as Radiações Não Ionizantes (CIPRNI), de 1998, abrangendo toda a banda de frequências de 0 Hz a 300 GHz, não produzem quaisquer efeitos adversos conhecidos para a saúde» (OMS: http://www.who.int/peh-emf/research/en/). Não obstante, organizações ativistas continuam a realizar campanhas em vários países para reivindicar um maior reconhecimento do problema que consideram existir, bem como a adoção de mais medidas preventivas e corretivas relativamente à intensidade e à prevalência de fontes de campos eletromagnéticos. Estas organizações encaram a falta de ação por parte das autoridades como sendo, na melhor das hipóteses, complacente ou, no pior dos casos, parte de uma conspiração mais alargada, influenciada por interesses governamentais, comerciais ou estrangeiros, que não estão dispostos a fazer face às grandes adaptações necessárias se a utilização de equipamentos sem fios (ou de outros dispositivos elétricos) fosse moderada ou reduzida.

3.2.

Tanto antes como depois da Recomendação do Conselho relativa à limitação da exposição da população aos campos eletromagnéticos (0 Hz-300 GHz) de 1999 (Recomendação 1999/519/CE do Conselho), a UE manteve-se ativamente empenhada neste tema e procurou obter o melhor aconselhamento científico e médico, através de uma série de grupos de trabalho e do Comité Científico dos Riscos para a Saúde Emergentes e Recentemente Identificados (CCRSERI) da Comissão Europeia, o que deu origem a um fluxo regular de análises, documentos de posição e pareceres que refletem a seriedade com que este assunto é encarado pelas autoridades e pelas comunidades do campo da medicina, da investigação e da ciência.

3.3.

Esta não é uma questão exclusivamente europeia. Em novembro de 2014, a Comissão Europeia organizou a 18.a conferência anual para a coordenação mundial das comunicações por radiofrequência sobre a investigação e a política da saúde, que passou em revista a investigação extensa que se realiza a nível global neste domínio. Até à data, estes pareceres científicos não conduziram a uma fundamentação científica que justifique uma revisão dos valores-limite de exposição (restrições básicas e níveis de referência) estabelecidos na Recomendação 1999/519/CE do Conselho. No entanto, a Comissão reconhece que os dados de base para a avaliação de alguns riscos são ainda limitados, nomeadamente no que toca à exposição a níveis baixos a longo prazo, o que justifica a necessidade de realizar mais investigação neste domínio.

3.4.

As pessoas que sofrem da síndrome de hipersensibilidade eletromagnética continuam a reclamar que a ação levada a cabo para resolver o seu problema, tanto por parte dos Estados-Membros como da UE, está muito aquém do que consideram necessário. A maior parte das autoridades de saúde pública, porém, não concorda com esta visão. (Por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido: http://www.nhs.uk/Conditions/Mobile-phone-safety/Pages/QA.aspx#biological-reasons.) A grande maioria dos testes clínicos independentes realizados até à data constatou que as pessoas que se autoproclamam doentes da síndrome de hipersensibilidade eletromagnética não conseguem distinguir entre a exposição a campos eletromagnéticos reais e a campos falsos (ou seja, exposição zero). Os testes «duplo cego» sugerem que as pessoas que declaram sofrer de hipersensibilidade eletromagnética não são capazes de detetar a presença de campos eletromagnéticos e são tão suscetíveis de comunicar problemas de saúde na sequência de uma exposição de nível zero como após a exposição a campos eletromagnéticos genuínos [British Medical Journal, 332 (7546): 886-889].

3.5.

Não se pretende, todavia, negar a realidade dos sintomas atribuídos à síndrome de hipersensibilidade magnética. Claramente, muitas pessoas diagnosticam a si próprias uma série de problemas de saúde desconexos, que associam aos campos eletromagnéticos. A percentagem da população que faz este diagnóstico varia consideravelmente entre os Estados-Membros. A Organização Mundial de Saúde afirma que «a síndrome de hipersensibilidade eletromagnética não tem critérios de diagnóstico claros e não existe qualquer base científica que ligue os sintomas desta condição à exposição aos campos eletromagnéticos. Além disso, a síndrome de hipersensibilidade eletromagnética não é um diagnóstico médico, nem é evidente que seja representativa de um único problema médico» (OMS: «Electromagnetic fields and public health» [Campos eletromagnéticos e saúde pública]: http://www.who.int/peh-emf/publications/facts/fs296/en/).

3.6.

Em contrapartida, o impacto térmico dos campos eletromagnéticos no corpo humano foi estabelecido há mais de 100 anos e, tal como referido, as recomendações do Conselho da UE relativas aos campos eletromagnéticos e as normas internacionais de segurança contra as radiações estão a ser aplicadas e são sujeitas a revisões periódicas. A nível da União Europeia, foram aprovados os seguintes instrumentos jurídicos no domínio dos campos eletromagnéticos:

Recomendação 1999/519/CE do Conselho, de 12 de julho de 1999, relativa à limitação da exposição da população aos campos eletromagnéticos (1), que se destina a complementar as políticas nacionais para melhorar a saúde. O seu objetivo é criar um enquadramento para limitar a exposição da população aos «campos eletromagnéticos», baseado nos melhores dados científicos disponíveis, e proporcionar uma base para acompanhar a situação;

Diretiva 1999/5/CE (2);

Diretiva 2013/35/UE (3);

Diretiva 2006/95/CE (4), destinada a garantir que a população em geral, incluindo os trabalhadores, não está sujeita a níveis de exposição superiores aos fixados na recomendação de 1999;

Decisão n.o 243/2012/UE (5), que estabelece um programa plurianual da política do espetro radioelétrico.

3.7.

No que diz respeito à investigação, o Comité observa que, desde o ano 2000, a Comissão Europeia, para além do seu empenho ativo neste domínio, consagrou 37 milhões de euros à investigação sobre os campos eletromagnéticos e os telemóveis.

3.8.

O CESE manifestou a sua preocupação em relação a estas matérias nos pareceres que emitiu sobre estas normas e durante o processo de elaboração das mesmas, mostrando-se favorável à minimização da exposição às radiações não ionizantes. No entanto, as pessoas que sofrem da síndrome de hipersensibilidade eletromagnética caracterizam-se por atribuir os seus sintomas aos campos eletromagnéticos com intensidades bem abaixo dos limites permitidos.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  JO L 199 de 30.7.1999, p. 59.

(2)  Diretiva 1999/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 91 de 7.4.1999, p. 10).

(3)  Diretiva 2013/40/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 179 de 29.6.2013, p. 1).

(4)  Diretiva 2006/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 374 de 27.12.2006, p. 10).

(5)  Decisão n.o 243/2012/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 81 de 21.3.2012, p. 7).


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/34


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Situação e condições de funcionamento das organizações da sociedade civil na Turquia»

(2015/C 242/06)

Relator:

Arno METZLER

Na reunião plenária de 26 e 27 de fevereiro de 2014, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

Situação e condições de funcionamento das organizações da sociedade civil na Turquia.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 17 de dezembro de 2014.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 205 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE insta o governo e a administração pública da Turquia a reconhecerem as organizações da sociedade civil como parte importante da sociedade e atores fulcrais no processo de aproximação da Turquia aos valores e acervo da UE. O objetivo deve ser criar uma sociedade na qual todos os grupos sociais podem desempenhar um papel importante. A Turquia deve participar em esforços conjuntos para criar um enquadramento institucional e legislativo que propicie uma cultura pluralista e participativa de reconhecimento e intercâmbios mútuos.

1.2.

Há que fazer cumprir em todos os domínios o princípio da separação de poderes de um Estado de direito, que é uma condição fundamental para o funcionamento das organizações da sociedade civil. As interferências desproporcionadas do Estado que impedem, indevidamente, esse funcionamento, como no caso das auditorias especiais, são incompatíveis com este princípio. Importa também garantir o acesso das organizações da sociedade civil a vias de recurso. Cumpre envidar esforços determinados para combater a corrupção.

1.3.

No diálogo UE-Turquia, há que prestar especial atenção à implementação efetiva dos direitos e liberdades fundamentais, incluindo:

a liberdade de expressão, sem receio de sofrer discriminação individual ou represálias;

a liberdade de imprensa, que promove a diversidade;

a liberdade de reunião e de associação, especialmente em debates e eventos controversos;

os direitos das mulheres;

os direitos sindicais;

os direitos das minorias, incluindo as minorias religiosas, culturais ou sexuais;

os direitos dos consumidores.

1.4.

A separação dos poderes legislativo, judicial e executivo — em particular, a distinção e diferenciação claras entre as ações do governo e as ações da administração (que devem ter uma base jurídica) —, é fundamental para assegurar o funcionamento das organizações da sociedade civil. A independência do poder judicial, em particular, é a base do Estado de direito.

1.5.

O CESE insta o Conselho da UE a trabalhar no sentido de abrir o capítulo 23 (sistema judiciário e direitos fundamentais) e o capítulo 24 (justiça, liberdade e segurança) das negociações de adesão da Turquia, por forma a acompanhar melhor este processo na Turquia.

1.6.

Ao mesmo tempo, há que respeitar o princípio da separação vertical de poderes — por exemplo, o princípio da autonomia do governo local.

1.7.

Seria oportuno tornar acessíveis às organizações da sociedade civil na Turquia as informações sobre os processos (decisórios) do governo. Para tal, há que organizar regularmente audições e consultas segundo normas transparentes, a fim de permitir que os conhecimentos adquiridos através das atividades das organizações da sociedade civil e que os interesses dos grupos sociais que elas representam sejam tidos em conta nas decisões políticas e administrativas. O Comité insta o governo e a administração da Turquia a dialogar com a sociedade civil no âmbito de um processo de debate oficial (Conselho Económico e Social), consagrando esta medida na Constituição, no âmbito do processo de revisão constitucional.

1.8.

Na opinião do CESE, certas classes profissionais — em particular as profissões liberais — desempenham um papel particularmente importante na realização concreta de uma sociedade livre regida por um Estado de direito. O acesso à justiça ou aos cuidados médicos só pode ser assegurado por profissionais independentes e qualificados, com os quais os cidadãos possam contar, graças a uma relação de confiança que não seja ameaçada por interferências externas ou por atos de violência. Esses serviços de confiança prestados por advogados, médicos, consultores fiscais e similares têm de estar amplamente protegidos pelo sigilo profissional.

1.9.

Por conseguinte, estas profissões requerem uma autorregulação eficaz, efetuada, por exemplo, por organizações profissionais capazes de assegurar o cumprimento das suas responsabilidades específicas perante a sociedade e os indivíduos, sem serem sujeitas a interferências políticas. Na sua missão de estudo, o CESE identificou violações deste princípio.

1.10.

O diálogo social a nível nacional, setorial e empresarial é recomendável na Turquia, de modo que os trabalhadores e empregadores se tornem efetivamente parceiros. Outro objetivo deve ser melhorar as condições de trabalho e a saúde e a segurança no trabalho, o que se deve refletir em amplos direitos para os trabalhadores (1).

2.   Introdução e contexto

2.1.

Durante a visita do CESE a Istambul e Ancara, em 9 e 10 de setembro de 2013, observou-se que as condições de funcionamento das organizações da sociedade civil na Turquia apresentam, por vezes, manifestas lacunas. Em alguns casos, os representantes e o pessoal destas organizações foram objeto de severas restrições pessoais, ou mesmo violência física, por parte das instituições estatais.

2.2.

Na sequência da referida visita, o CESE visitou Ancara e Diyarbakır, entre 1 e 3 de julho de 2014, com o fim de investigar a situação atual e a evolução das condições em que a sociedade civil opera na Turquia. O CESE realizou debates com representantes da sociedade civil turca, a fim de indagar se as organizações haviam observado mudanças nas suas condições de funcionamento desde setembro de 2013.

2.3.

Estas visitas complementaram as reuniões periódicas do Comité Consultivo Misto UE-Turquia, que acompanha o processo de adesão da Turquia à UE, e proporcionaram aos membros do CESE a oportunidade de falar com representantes da sociedade civil que não haviam sido propostos como interlocutores do Comité Consultivo Misto.

2.4.

Estes debates com representantes de um vasto leque de organizações da sociedade civil e do governo, incluindo uma entidade local, permitiram compreender as condições de funcionamento das organizações da sociedade civil na Turquia, bem como as eventuais mudanças de que foram objeto. O objetivo foi traçar um panorama geral a partir das experiências e interpretações individuais dos vários atores da sociedade civil, retratando não tanto o enquadramento jurídico, mas principalmente a situação efetivamente observada na prática, que tem uma importância crucial para a participação individual das pessoas nas organizações da sociedade civil.

2.5.

Neste contexto, parte-se do princípio de que nunca será possível satisfazer plenamente todos os atores da sociedade civil quanto às suas condições de funcionamento, mesmo em circunstâncias ideais. O objetivo deve ser, antes, melhorar constantemente o ambiente para a participação da sociedade civil, graças a um equilíbrio dos diversos interesses, tendo em vista continuar a desenvolver uma sociedade democrática e pluralista, como a formada em todos os Estados-Membros da UE através de um processo dinâmico.

2.6.

O CESE insta a Turquia e a União Europeia a encararem o diálogo com a sociedade civil como uma condição indispensável para a aproximação das respetivas sociedades, e a envidarem os máximos esforços para promover esta premissa. Este processo só será bem-sucedido se for conduzido como um processo de aprendizagem mútua no âmbito de um diálogo contínuo e aberto.

3.   Enquadramento institucional e legislativo para as organizações da sociedade civil

3.1.

A Turquia fez progressos notórios em relação aos princípios fundamentais da separação de poderes e da autonomia governativa, embora sejam necessários esforços adicionais consideráveis para os aplicar. As organizações da sociedade civil necessitam de um enquadramento jurídico fiável que sustente as suas atividades, o que implica, entre outros aspetos, disporem de uma margem de manobra suficiente conferida pela legislação aplicável e que tal legislação seja devidamente aplicada e respeitada pelo Estado e pela administração. Esta segurança jurídica em relação às condições de funcionamento das organizações da sociedade civil e do seu pessoal deve ser transparente e garantida.

3.2.

O principal alvo das críticas foi a realidade constitucional, nomeadamente a capacidade de confiar nos poderes públicos para respeitarem os direitos individuais. Independentemente da questão de saber se determinadas ações da administração estavam formalmente dentro da legalidade ou se violavam disposições jurídicas, em alguns casos faltou segurança e transparência no que respeita à base jurídica ou à justificação de certas ações do governo, pelo que as medidas adotadas pelo Estado em tais situações foram vistas como arbitrárias.

3.3.

A base jurídica de uma medida, a entidade responsável pela ação e o motivo de uma decisão ou intervenção devem ser sempre divulgados de forma que a parte afetada possa compreendê-las. Importa também garantir na prática e documentar devidamente o acesso rápido a vias de recurso.

4.   Separação de poderes, Estado de direito e liberdade de ação individual

4.1.

Todo o pessoal das organizações da sociedade civil é responsável pelos seus atos, à semelhança de qualquer outro cidadão, e não deve, injustamente, ser prejudicado a nível pessoal nem objeto de restrições devido às suas atividades. Em particular, a sua vida privada e a das suas famílias merecem ser plenamente protegidas.

4.2.

O CESE está ciente de que os representantes das organizações da sociedade civil foram algumas vezes atacados verbalmente e ameaçados com a interposição de ações judiciais, por vezes a título pessoal, tendo as suas atividades no âmbito da sociedade civil sido objeto de restrições injustificadas. Algumas destas restrições foram impostas no contexto das manifestações no Parque Gezi, em maio e junho de 2013, e dos processos judiciais conexos.

4.3.

A delegação do CESE ficou profundamente chocada por lhe ter sido comunicado que, após as manifestações no Parque Gezi, os médicos foram proibidos de tratar os feridos e que os registos de saúde dos doentes foram solicitados para fins de investigação. Além disso, alguns médicos foram alegadamente investigados por crimes como desobediência a ordens do governo, por não terem cumprido as instruções dadas pelos poderes públicos. A independência e confidencialidade da assistência médica é um direito humano alheio a acontecimentos políticos e à pessoa em causa, e deve ser prestada de acordo com o juramento de Hipócrates. No que toca aos cuidados médicos e à representação legal, o respeito de todos os intervenientes pelo sigilo profissional é essencial para realizar atividades assentes na confiança e uma característica do Estado de direito. O cumprimento destes princípios por todos os funcionários é muito importante, não só em casos individuais, mas também para o funcionamento geral da democracia e do Estado de direito, e para a confiança da população no respeito dos seus direitos.

4.4.

O CESE aconselha as autoridades turcas a envidar esforços a fim de restabelecer a confiança perdida das organizações da sociedade civil, assegurando para tal que as decisões adotadas por todos os níveis de governo são transparentes e em conformidade com o Estado de direito, e garantindo também a total independência das decisões dos órgãos legislativos, judiciais e executivos.

4.5.

O processo de adesão à UE pode servir para apoiar a participação da sociedade civil no processo decisório democrático através da abertura dos capítulos 23 (sistema judiciário e direitos fundamentais) e 24 (justiça, liberdade e segurança), bem como da implementação proativa dos direitos e liberdades que neles figuram.

4.6.

O CESE salienta que a independência do sistema judiciário, inclusivamente dos juízes, é um elemento fundamental de uma sociedade civil livre em democracia. Em particular, os juízes devem poder administrar a justiça de forma independente e no cumprimento da lei, sem receberem instruções indiretas de outros órgãos, sem serem objeto de pressões individuais ou ameaçados de represálias pessoais.

5.   Transparência e comunicação para a participação da sociedade civil

5.1.

O CESE gostaria que o governo e a administração da Turquia aproveitassem melhor o potencial das organizações da sociedade civil aquando da formulação e comunicação de decisões políticas, consultando as mesmas regularmente antes da adoção das decisões, e dando-lhes acesso às informações sobre os processos decisórios do governo, com vista a estabelecer um diálogo. Muitas organizações da sociedade civil da Turquia denunciaram a impossibilidade de aceder aos processos de decisão. Nos Estados-Membros da UE, os representantes das organizações da sociedade civil são regularmente consultados antes da adoção das decisões, de modo a integrar no processo o conjunto de opiniões e interesses dos seus membros, melhorando assim a qualidade e viabilidade social das decisões. Em primeiro lugar, a consulta dos grupos sociais que, de forma estabelecida, participam ou são partes interessadas no processo legislativo e regulamentar permite aos organismos públicos prever eventuais aspetos a melhorar e, em segundo lugar, recorrer às organizações interessadas para transmitir as decisões aos seus próprios círculos de influência.

5.2.

O Comité insta o governo e a administração da Turquia a envolver também formalmente a sociedade civil, incluindo as minorias, num processo político oficial e estruturado de formação da opinião, através da criação de um Conselho Económico e Social, consagrando esta medida na Constituição, no âmbito do processo de revisão constitucional.

5.3.

Durante a missão de estudo, os representantes das organizações da sociedade civil consideraram que a sua comunicação com os membros e com o público foi objeto de fortes restrições. A este propósito, afirmaram que o acesso à imprensa era difícil ou praticamente impossível devido às estruturas, por vezes oligopolistas, dos meios de comunicação social, assim como à frequente orientação tendenciosa das redações. Referiram ainda a acentuada dependência económica e a influência direta exercida sobre os meios de comunicação social. Esta situação conduz a restrições que afetam não só as reportagens sobre as atividades das organizações da sociedade civil mas também a possibilidade de estabelecer debates políticos livres que permitam a manifestação de posições críticas em relação ao governo.

5.4.

O CESE considera necessário empreender mais esforços em prol de um panorama mediático mais livre e diversificado. Há que pôr termo imediato às ações de repressão dos jornalistas, incluindo detenções, na sequência de peças jornalísticas críticas.

5.5.

O CESE critica o bloqueio temporário do serviço de microblogues Twitter. O governo turco deve apoiar a liberdade de expressão, inclusivamente nas redes sociais, e considerá-la como parte de um intercâmbio dinâmico de opiniões no quadro de uma democracia.

6.   Experiências no domínio da proteção das minorias como teste ao funcionamento da democracia

6.1.

A proteção das minorias sociais deve ser encarada com seriedade, como teste ao funcionamento da democracia. Há que eliminar sistematicamente a discriminação praticada pelos órgãos públicos, resolver, por meios legais, a discriminação praticada por terceiros e evitá-la através de campanhas de sensibilização do público. O processo de adesão à UE pode servir para facilitar a participação da sociedade civil no processo decisório democrático, através da abertura dos capítulos 23 (sistema judiciário e direitos fundamentais) e 24 (justiça, liberdade e segurança), bem como da implementação imediata dos direitos e liberdades fundamentais que neles figuram.

6.2.

Apesar de não ser adequado considerar as mulheres como uma minoria, o CESE insta a Turquia a utilizar instrumentos de proteção das minorias para promover a igualdade entre homens e mulheres. Para tal, deve aplicar a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Mulher. A Turquia deve considerar a promoção das raparigas e das mulheres em todos os setores da sociedade — em particular no acesso ao mercado de trabalho, inclusive à administração pública — como um objetivo político a perseguir com determinação. O Estado deve apoiar as mães em dificuldades, prestando aconselhamento especializado independente, com vista a reduzir o número de abortos ilegais. Importa prosseguir e consolidar as formas de cooperação comprovadamente eficazes entre as organizações de direitos da mulher e o Estado turco.

6.3.

A Turquia deve prosseguir os seus esforços de integração efetiva da minoria curda na sociedade turca e de promoção da língua e da cultura curdas.

6.4.

O CESE insta a Turquia a proteger contra a discriminação as pessoas com orientações sexuais ou identidades de género diferentes, e a integrá-las na sociedade.

6.5.

O CESE foi informado de que, em alguns casos, o princípio constitucional do secularismo do Estado é violado, exigindo-se, em particular, que os documentos de identidade oficiais incluam informações sobre a religião dos cidadãos. As pessoas que pertencem a minorias religiosas, como os alevitas, são aparentemente prejudicadas na vida em sociedade e nas oportunidades profissionais. A Turquia deve intensificar os esforços para integrar as minorias religiosas na sociedade, sem discriminação.

7.   O diálogo social como instrumento e expressão da democracia no local de trabalho

7.1.

O CESE constatou lacunas na aplicação da participação sistemática dos trabalhadores nas decisões que lhes dizem respeito. Os sindicatos comunicaram a existência de restrições à liberdade de associação e reunião, que são condições básicas para a filiação sindical. Além disso, foi comunicado ao CESE que os sindicalistas, em especial os membros dos conselhos de empresa, são alvo de pressões, o que viola o direito à liberdade de associação.

7.2.

O CESE verificou com consternação lacunas na conceção e aplicação das medidas de segurança no trabalho, que resultaram em acidentes antes da missão de estudo, como o da mina em Soma, em maio de 2014. O Comité insta o governo turco e a administração a colaborar com os trabalhadores no sentido de desenvolver medidas de precaução para proteger a vida e segurança dos trabalhadores e para assegurar que essas medidas são aplicadas de forma generalizada.

8.   Governo local autónomo como instrumento da democracia participativa

8.1.

Em certos locais da Turquia, o princípio da autonomia do governo local continua a ser um processo de aprendizagem mútua no âmbito do qual são definidas e moldadas de forma gradual as funções e responsabilidades dos diferentes órgãos. O CESE assinala que a separação vertical de poderes também é utilizada na Turquia como instrumento para formar uma rede de ligações entre o Estado e os grupos sociais, e que os processos democráticos devem ser implantados mais firmemente nos níveis regional e local. Apresenta-se aqui mais uma oportunidade de associar aos processos de decisão política as organizações da sociedade civil que mantêm relações locais diretas, que poderiam intervir, por exemplo, na qualidade de cidadãos informados e de consultores independentes.

9.   Condições sociais gerais essenciais para as organizações da sociedade civil

9.1.

O Estado e os meios de comunicação social poderiam envidar esforços suplementares para fomentar a compreensão da população em relação à diversidade dos grupos sociais e à necessidade de haver organizações da sociedade civil e representantes dos diversos interesses, a fim de as minorias serem reconhecidas como componentes legítimos e enriquecedores da sociedade turca.

9.2.

Para que as organizações da sociedade civil possam desenvolver-se e funcionar de forma profissional, necessitam de uma estrutura social genuinamente pluralista e participativa, o que requer não só a existência de mecanismos institucionais que lhes permitam funcionar dentro da legalidade, mas também condições práticas estruturais para a sua participação. O trabalho voluntário depende do empenho individual em defender os interesses e valores em causa, mas também do reconhecimento dos voluntários pela sua ação.

9.3.

Alguns diálogos com os atores da sociedade civil mostraram que estes consideram o seu trabalho uma luta desigual contra as autoridades, e não uma representação legítima de interesses. Foi desconcertante verificar a utilização, em certos casos, de uma retórica de confronto, desconfiança e resistência contra as forças sociais ou governamentais. Esta atitude não favorece a compreensão mútua nem permite realizar progressos significativos através da alteração do comportamento de ambas as partes, para além de poder criar divisões entre os grupos sociais da Turquia.

9.4.

Para superar este clima de desconfiança e medo, o CESE convida as autoridades e as organizações da sociedade civil a encetar diálogos e trílogos com as organizações parceiras europeias, em prol de um ambiente de respeito e confiança mútuos.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  Ver Joint Report on Trade Union Rights Situation in Turkey [Relatório conjunto sobre a situação dos direitos sindicais na Turquia] (correlatores Annie Van Wezel e Rüçhan Işık), adotado durante a 32.a reunião do Comité Consultivo Misto UE-Turquia, em 7 e 8 de novembro de 2013 (CES6717-2013_00_00_TRA_TCD), http://www.eesc.europa.eu/?i=portal.en.events-and-activities-32-eu-turkey-jcc-jointreport.30035


III Actos preparatórios

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015

23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/39


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos»

[COM(2014) 557 final — 2014/0256 (COD)]

(2015/C 242/07)

Relatora:

Renate HEINISCH

Em 20 e 23 de outubro de 2014, o Parlamento Europeu e o Conselho, respetivamente, decidiram, nos termos dos artigos 114.o e 168.o, n.o 4, alínea c), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos

COM(2014) 557 final — 2014/0256 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 16 de dezembro de 2014.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 223 votos a favor e uma abstenção, o seguinte parecer:

1.

Conclusões e recomendações

1.1.

A alteração do Regulamento (CE) n.o 726/2004 (1) faz parte de um pacote de regulamentos que introduz um novo regime jurídico da União Europeia em matéria de medicamentos veterinários. No regulamento acima referido, são suprimidas todas as referências aos medicamentos veterinários, dissociando assim completamente as disposições em matéria de medicamentos para uso humano e de medicamentos veterinários. Dado que as condições-quadro são diferentes para os dois domínios, essa dissociação é acertada e tem o apoio do Comité. No entender do CESE, as alterações propostas ao regulamento fazem todo o sentido. Não são apresentadas propostas concretas de modificação do regulamento supracitado, e tampouco se afiguram necessárias. O CESE recomenda que o projeto de regulamento seja adotado na forma ora proposta.

1.2.

Muito mais importante, porém, do que a supressão das referências aos medicamentos veterinários no referido regulamento é a nova regulamentação aplicável a esses medicamentos, proposta em simultâneo através da proposta de regulamento COM(2014) 558 final — 2014/0257 (COD).

1.3.

Após um primeiro exame do documento correspondente, o Comité acolhe favoravelmente também estas propostas de um regulamento relativo aos medicamentos veterinários, que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 que estabelece procedimentos comunitários, bem como de um regulamento relativo ao fabrico, à colocação no mercado e à utilização de alimentos medicamentosos para animais. O Comité considera, porém, que vários pontos deveriam ainda ser melhorados para permitir que sejam efetivamente cumpridos os objetivos de aumentar a disponibilidade de medicamentos veterinários, reduzir os encargos administrativos, promover a inovação e a competitividade e assegurar um melhor funcionamento do mercado interno.

1.4.

As instituições da UE devem ter em conta que todas as autorizações de colocação de medicamentos para animais no mercado têm um impacto na cadeia alimentar e na saúde humana, nomeadamente devido à infiltração e disseminação de diversas substâncias na água, resultantes das nanotecnologias, da reciclagem de águas residuais, de novas vias de permeabilidade em certos lençóis de água subterrâneos, etc. O CESE preocupa-se com estas questões, como já referiu em pareceres anteriores.

1.5.

No entanto, não compete ao Comité fazer comentários mais pormenorizados sobre tal incumbência.

2.   Introdução

2.1.

Em 2001, foram codificadas as disposições relativas à produção, à introdução no mercado e à utilização de medicamentos veterinários (Diretiva 2001/82/CE (2)). Paralelamente, foi também modificado o regulamento que rege o procedimento de autorização central e a Agência Europeia de Medicamentos, entre outros aspetos [Regulamento (CE) n.o 726/2004]. Os documentos supracitados regulamentam a autorização, a produção, a comercialização, a farmacovigilância e a utilização dos medicamentos veterinários ao longo de todo o seu ciclo de vida. Os anexos da Diretiva 2001/82/CE também especificam uma série de dados a comunicar no contexto de um pedido de autorização. O Regulamento (CE) n.o 726/2004 estabeleceu igualmente disposições aplicáveis aos medicamentos veterinários (para além dos medicamentos para uso humano) e à colaboração com a Agência Europeia de Medicamentos.

2.2.

As disposições relativas à concessão e manutenção das autorizações dos medicamentos veterinários são suprimidas do Regulamento (CE) n.o 726/2004 e integradas num novo regulamento relativo aos medicamentos veterinários. Este novo regulamento abrangerá todas as formas de concessão de autorizações de medicamentos veterinários na União, tanto a nível centralizado como a nível nacional.

2.3.

Os custos dos procedimentos e dos serviços associados à aplicação desse regulamento devem ser suportados pelos produtores e comercializadores dos produtos em questão, bem como por quem solicita uma autorização. São ainda definidos os princípios aplicáveis às taxas a pagar à Agência Europeia de Medicamentos, incluindo disposições que têm em conta as necessidades específicas das PME, em conformidade com as disposições do Tratado de Lisboa.

2.4.

O Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 1 de dezembro de 2009, estabeleceu uma distinção entre o poder conferido à Comissão de adotar atos não legislativos de alcance geral que completem ou alterem certos elementos não essenciais de um ato legislativo, tal como previsto no artigo 290.o do TFUE (procedimento de delegação), e o poder de adotar atos de execução, previsto no artigo 291.o do TFUE (procedimento de execução).

2.5.

Estes dois poderes estão sujeitos a quadros jurídicos distintos.

2.5.1.

O exercício do poder de delegação está previsto nos seguintes instrumentos não vinculativos:

na comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Aplicação do artigo 290.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (3);

no Common Understanding on practical arrangements for the use of delegated acts [Entendimento comum sobre disposições práticas para a utilização de atos delegados] entre o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão; e

nos artigos 87.o-A e 88.o do Regulamento Interno do Parlamento Europeu, modificado pela decisão de 10 de maio de 2012 (4).

2.5.1.1.

O Comité adotou recentemente um relatório de informação detalhado sobre o procedimento de delegação, cuja leitura se aconselha vivamente para a compreensão do presente parecer (5).

2.5.2.

Por sua vez, o exercício do poder de execução previsto no artigo 291.o do TFUE rege-se por instrumentos juridicamente vinculativos:

Regulamento (UE) n.o 182/2011 (6) (seguidamente designado «regulamento de comitologia») que prevê dois procedimentos: o procedimento consultivo e o procedimento de exame;

Decisão 1999/468/CE (7) (seguidamente designada «decisão de comitologia»), alterada em 2006, com vista a reforçar o poder de controlo do Parlamento e do Conselho, que prevê o procedimento de regulamentação com controlo.

2.5.3.

O procedimento de regulamentação com controlo foi utilizado na adoção de medidas de execução que alteram elementos não essenciais de atos legislativos de base. Esta redação do artigo 5.o-A da «decisão de comitologia» (8) aproxima-se bastante da definição de atos delegados. De facto, um ato delegado tal como definido no artigo 290.o do TFUE é um ato quase legislativo adotado pela Comissão com vista a completar ou modificar «elementos não essenciais de um ato legislativo».

2.5.4.

É em virtude dessa proximidade que, entre 2009 e 2014, o artigo 5.o-A da «decisão de comitologia» e o procedimento de regulamentação com controlo permanecem provisoriamente válidos, tendo a Comissão por objetivo utilizar este lapso de tempo limitado para adaptar ao regime de atos delegados as disposições existentes, que preveem um procedimento de regulamentação com controlo.

2.5.5.

No seguimento de um «pedido» do Parlamento Europeu (9), a Comissão empreendeu um «exercício de alinhamento» de alguns regulamentos, diretivas e de uma decisão, com o apoio do Conselho (10).

3.   Propostas da Comissão

3.1.

A Comissão publicou três propostas de regulamento:

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos [COM(2014) 557 final];

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos medicamentos veterinários [COM(2014) 558 final],

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao fabrico, à colocação no mercado e à utilização de alimentos medicamentosos para animais e que revoga a Diretiva 90/167/CE do Conselho (11) [COM(2014) 556 final].

3.2.

Este pacote de regulamentos permite dissociar completamente as disposições relativas aos medicamentos para uso humano das disposições aplicáveis aos medicamentos veterinários.

3.3.

Para o efeito, a primeira proposta elimina todas as referências aos medicamentos veterinários do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos.

3.4.

A proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos medicamentos veterinários [COM(2014) 558 final], por sua vez, introduz uma nova regulamentação das disposições aplicáveis aos medicamentos veterinários. Entre outras coisas, o procedimento centralizado de autorização dos medicamentos veterinários é alargado, mas os outros procedimentos de autorização (procedimento nacional, procedimento descentralizado, procedimento de reconhecimento mútuo) continuam a estar acessíveis para os medicamentos veterinários. Um outro objetivo da nova regulamentação é reduzir os encargos administrativos para a alteração de autorizações de medicamentos veterinários.

3.5.

Os objetivos de base do regulamento são adequados e têm o apoio do Comité. Um exame pormenorizado da proposta de regulamento não faz, contudo, parte das competências do CESE.

3.6.

Por último, o terceiro regulamento, relativo ao fabrico, à colocação no mercado e à utilização de alimentos medicamentosos para animais e que revoga a Diretiva 90/167/CEE [COM(2014) 556 final], define requisitos uniformes para toda a UE quanto à produção e à utilização de alimentos medicamentosos para animais. As disposições, atualmente muito vagas, da Diretiva 90/167/CEE que estabelece as condições ao abrigo das quais os alimentos medicamentosos para animais podem ser produzidos, colocados no mercado e utilizados na UE tornam-se assim mais precisas e vinculativas. Isso deverá permitir o bom funcionamento de um mercado interno competitivo e inovador dos alimentos medicamentosos para animais, com um elevado nível de proteção da saúde humana e animal.

3.7.

As instituições da UE devem ter em conta que todas as autorizações de colocação de medicamentos para animais no mercado têm um impacto na cadeia alimentar e na saúde humana, nomeadamente devido à infiltração e disseminação de diversas substâncias na água, resultantes das nanotecnologias, da reciclagem de águas residuais, de novas vias de permeabilidade em certos lençóis de água subterrâneos, etc. O CESE preocupa-se com estas questões, como já referiu em pareceres anteriores.

3.8.

Em resumo, o CESE é em princípio favorável a uma dissociação das disposições aplicáveis aos medicamentos para uso humano e das disposições relativas aos medicamentos veterinários, bem como às novas regulamentações propostas para os medicamentos veterinários. O CESE considera particularmente positivos o alargamento do procedimento centralizado de autorização e as propostas de simplificação administrativa no que se refere ao pedido e ao tratamento das autorizações de medicamentos veterinários.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  JO L 136 de 3.4.2000, p. 1.

(2)  JO L 311 de 28.11.2001, p. 1.

(3)  COM(2009) 673 final de 9.12.2009.

(4)  Doc. A7-0072/2012.

(5)  Relatório de informação sobre «Legislar melhor: Atos de execução e atos delegados» (INT/656).

(6)  JO L 55 de 28.2.2011, p. 13.

(7)  JO L 184 de 17.7.1999, p. 23.

(8)  Decisão do Conselho de 17 de julho de 2006 (JO L 200 de 22.7.2006, p. 11).

(9)  Resolução do Parlamento Europeu de 5 de maio de 2010 (P7-TA (2010) 0127), n.o 18.

(10)  Declarações da Comissão (JO L 55 de 28.2.2011, p. 19).

(11)  JO L 92 de 7.4.1990, p. 42.


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/43


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões — Sexto relatório sobre a coesão económica, social e territorial: investimento no crescimento e no emprego»

[COM(2014) 473 final]

(2015/C 242/08)

Relator:

Paulo BARROS VALE

Em 23 de julho de 2014, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu, ao Comité das Regiões — Sexto relatório sobre a coesão económica, social e territorial: investimento no crescimento e no emprego

COM(2014) 473 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 16 de dezembro de 2014.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 211 votos a favor, um voto contra e três abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente a Comunicação da Comissão — Sexto Relatório sobre a coesão económica, social e territorial, não querendo deixar contudo de expressar um conjunto de reservas e de preocupações acerca de uma temática tao importante.

1.2.

A política de coesão deve continuar a perseguir o objetivo que lhe deu origem, consagrado no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, de promoção da coesão social, económica e territorial, colocando a cooperação e a solidariedade ao serviço do desenvolvimento harmonioso, criador de bem-estar nas populações. O foco na Estratégia Europa 2020 é importante, apesar de insuficiente face aos desafios atuais.

1.3.

O relatório é uma constatação do esforço europeu para tornar a Europa melhor mas é, também ele, uma constatação da dificuldade de o fazer. A crise aumentou as disparidades económicas e sociais, agravando as diferenças entre os Estados-Membros (e dentro dos Estados-Membros) e concentrando o crescimento e o desenvolvimento. Os progressos de convergência alcançados foram não só interrompidos pela crise como agravados em alguns casos e a recessão é uma realidade na quase totalidade da área do euro.

1.4.

Em períodos de crise, como aquela que temos vindo a atravessar, a maioria dos Estados-Membros, e muito especialmente os da área do euro, não tem condições de promover investimento, acentuando-se as diferenças entre as regiões periféricas e os centros (quer entre os países da União quer mesmo dentro dos países), criando-se efeitos perversos de migrações e centralização dos investimentos em áreas mais desenvolvidas, votando as outras ao retrocesso e à desertificação.

1.5.

As políticas de austeridade que têm vindo a ser adotadas não têm tido, em geral, o efeito esperado. O equilíbrio orçamental deve ser perseguido, mas não a qualquer custo, sob pena de surtir um efeito contraproducente, anulando os efeitos da política de coesão.

1.6.

A política de coesão, que em muitos casos será a fonte primária do investimento, deve ser mais ambiciosa, ou mesmo revista de uma forma profunda, enquanto não surgir uma retoma em termos de crescimento e emprego. Dos resultados obtidos até agora pode concluir-se que os seus recursos são manifestamente insuficientes para resolver os verdadeiros problemas. Deverão pois ser encontradas formas alternativas de financiamento para a convergência que elevem a política de coesão a um novo estádio, baseado não apenas na solidariedade europeia, matéria de grande sensibilidade nos tempos que correm. O esforço de solidariedade europeu é grande mas os recursos por ele mobilizados não são suficientes para as reais necessidades de convergência, face à dimensão das carências das regiões mais atrasadas económica e socialmente.

1.7.

Numa economia global, as diversas regiões têm vindo a sofrer impactos diferentes da globalização. A reação das regiões ao investimento difere, sendo de estudar o porquê de umas regiões convergirem enquanto outras não são capazes de o fazer. É imperioso, através da política de coesão, estabelecer novas formas de governança que permitam às regiões dar resposta aos desafios que se lhes deparam. O papel do Estado deverá contribuir para valorizar os atributos específicos das regiões, assegurar os princípios da regulamentação inteligente, garantir a dinâmica empresarial e apoiar o desenvolvimento, em especial das PME, e fortalecer a capacidade de inovação promovendo o bem-estar, a qualidade de vida, a coesão social e a sustentabilidade ambiental.

1.8.

A política de coesão deve continuar a perseguir o fomento do crescimento económico e da competitividade, não esquecendo os objetivos sociais para um crescimento inteligente e inclusivo. O CESE apoia o mote do sexto relatório de «investimento no crescimento e no emprego».

2.   Propostas

2.1.

A política de coesão tem que canalizar e investir os seus fundos com o objetivo básico de promover um plano extraordinário de investimentos para o crescimento e o emprego. Terá que, complementarmente com o plano Juncker aprovado, financiar prioritariamente projetos europeus de caráter transnacional estruturantes (como, por exemplo, de redes de transportes vários e de banda larga) e financiar diretamente as empresas (em especial as PME) em setores vitais ao desenvolvimento local e atividades da economia social.

2.2.

O plano Juncker recentemente adotado cria um novo Fundo Europeu para o Investimento Estratégico, financiado por fundos comunitários existentes e pelo BEI. A meta, muito ambiciosa, é a de conseguir o máximo aproveitamento dos fundos de investimento, privados e públicos, selecionando projetos que possam ser rapidamente implementados. O plano assume que há uma enorme procura inexplorada para este tipo de investimentos. Só o tempo dirá se o plano vai ter sucesso.

2.3.

Com objetivos alargados em mente, a política de coesão poderá, para além dos fundos disponíveis, encontrar formas autónomas de financiamento como sejam o envolvimento do Banco Europeu de Investimento (BEI) ou as euro-obrigações, que não condicionem os esforços de consolidação orçamental nem o cumprimento das metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

2.4.

Para garantir um efeito multiplicador dos investimentos, deverá ser atribuída uma parcela significativa dos fundos estruturais remanescentes do período anterior (2007-2013), bem como fundos do novo período, ao BEI, a fim de permitir uma recapitalização capaz de atrair os capitais de risco disponíveis no mercado que alavanquem a política de coesão (1).

2.5.

A política de coesão tem que estar bem articulada com as restantes iniciativas da UE, nomeadamente com a promoção da União Económica e Monetária para que, em conjunto, possam ser alcançados os onze objetivos traçados e seja de facto desenvolvido o «investimento para o crescimento e para o emprego».

2.6.

A política de coesão não pode colocar em causa os objetivos de consolidação orçamental. Os Estados mais depauperados não têm atualmente meios para promover o investimento público e, por isso, não oferecem condições atrativas aos investidores privados. O princípio da adicionalidade tem que ser aplicado de forma cuidadosa e adaptada nos Estados-Membros a braços com esforços nesta matéria, já que o incumprimento deste princípio condiciona a atribuição de verbas que, em alguns casos, podem ser a única fonte de financiamento ao investimento. O CESE apoia a aplicação das regras de ouro para excluir provisoriamente do pacto orçamental (e/ou pacto de estabilidade) o cofinanciamento dos fundos estruturais nas regiões ou Estados mais afetados pela recessão (2).

2.7.

A monitorização dos resultados reputa-se essencial. O CESE reitera a sua convicção de que deverá ser efetuado o acompanhamento dos resultados intercalares e finais, por equipas de trabalho dinâmicas que possam apresentar as suas conclusões numa cimeira europeia anual (3) promotora do debate e da adoção das medidas corretivas que se mostrarem pertinentes.

2.8.

A aplicação da política de coesão tem que passar pelo envolvimento forte dos parceiros sociais. O modelo de governação dos programas da política de coesão deve considerar a existência de subvenções globais, atribuídas à sociedade civil organizada para apoio próximo das populações e diretamente relacionada com a resolução de problemas específicos, objetivo que o CESE tem proposto ao longo do tempo, infelizmente sem concretização por parte das autoridades europeias.

2.9.

Para possibilitar o acompanhamento por parte dos parceiros sociais é necessário criar verdadeiros mecanismos de acompanhamento para que estes, em muitos casos, não se limitem a ser meros espetadores e possam verdadeiramente intervir. O contributo dos representantes da sociedade civil organizada é de vital importância, não só na conceção dos programas operacionais, mas também na monitorização e avaliação dos resultados. A inclusão dos parceiros promove o debate sobre as dificuldades sentidas e as propostas de melhoria e de simplificação que potenciem o acesso aos financiamentos europeus e a eficiência da aplicação dos fundos.

2.10.

A simplificação e harmonização de regras a que estão sujeitos os programas e a uniformização dos procedimentos e de formulários são primordiais para potenciar resultados. A Comissão pode simplificar alguns procedimentos mas cabe aos Estados-Membros o papel principal, já que os regulamentos da UE introduzem possibilidades e não obrigações. Os Estados-Membros devem ser apoiados e incentivados a simplificar de forma radical os procedimentos e a não acrescentar detalhes desnecessários, podendo esses esforços ser monitorizados pela Comissão, optando-se pelo rigoroso controlo dos resultados em detrimento dos controlos meramente administrativos, sempre que possível. A simplificação pode ser objeto de uma medida extraordinária (novo regulamento) do Conselho (4).

2.11.

A aplicação de um princípio de concessão dos investimentos e avaliação da elegibilidade das despesas com a opção de reembolso por custos simplificados (princípio forfetário) é possível em variadas situações, como por exemplo em custos gerais de funcionamento, sendo a despesa elegível dependente do resultado e não da imputação de documentos com base em chaves de imputação. Os Estados-Membros devem ser incentivados a aplicá-lo sempre que tal se mostre possível, simplificando os procedimentos.

2.12.

A simplificação dos procedimentos administrativos que nada acrescentam aos resultados tem que ser acompanhada de formação dos empresários, especialmente das PME, seus empregados e funcionários públicos. A formação é um instrumento fundamental para a compreensão dos mecanismos de financiamento e para a correta aplicação dos fundos disponíveis. Em especial, a formação dos funcionários públicos reputa-se essencial para alcançar o objetivo temático de melhor administração pública.

2.13.

Os recursos poupados com a mitigação da burocracia podem ser aplicados na criação de um grupo da Comissão, com o fito de apoiar e ajudar os Estados e as regiões a formularem e a realizarem projetos de política de coesão. Este grupo de apoio aos países e às regiões poderia, em última instância e em casos de incumprimento, substituir-se às entidades nacionais gestoras dos fundos europeus, seja no planeamento, seja na aplicação dos planos e cumprimento de calendários.

2.14.

Os objetivos da política de coesão não podem ser medidos apenas por indicadores quantitativos. A promoção da coesão social, económica e territorial, centro da política de coesão, compreende objetivos que devem ser mensuráveis por indicadores qualitativos que deveriam ser concebidos para medir o desenvolvimento e não só o crescimento. Por exemplo, não chega medir o número de pessoas desempregadas que obtiveram formação e trabalho, devendo também ser medido o impacto dessa formação na melhoria das condições de vida.

2.15.

A condicionalidade ex ante, que introduz um número de condições que devem existir antes de serem desembolsados os fundos, não pode servir para excluir algumas regiões mais endividadas que, pela sua conjuntura, não têm forma de investir ou captar investimento para criar tais condições. A condicionalidade ex ante tem que ser aplicada de forma cuidadosa ou mesmo suspensa por um período de tempo determinado, enquanto existirem riscos de crise e de deflação, sob pena de poder ser agravada a situação frágil de algumas regiões que veem afastada qualquer possibilidade de obtenção de financiamento promotor do crescimento, que agravará ainda mais os seus problemas.

2.16.

A condicionalidade macroeconómica não deverá ser utilizada por penalizar as regiões e os seus cidadãos pelas más decisões macroeconómicas tomadas a nível nacional ou europeu (5).

3.   Observações na generalidade

3.1.

A introdução de reformas na política de coesão foi já abordada no quinto relatório sobre a coesão económica, social e territorial, tendo o CESE tido a oportunidade de concordar com a abordagem geral.

3.2.

A política de coesão é apresentada como o principal motor do crescimento. Não deverá contudo ser esquecido que só o será se agir em conjunto com as restantes políticas europeias. É importante que a política de coesão esteja focada nos objetivos da Estratégia Europa 2020, mas não é suficiente — é necessário o estabelecimento de estratégias conjuntas de execução com as restantes políticas e instrumentos comuns, económicos, sociais e regionais.

3.3.

Especial cuidado deve ser dado à implementação da política de coesão nos países mais afetados pela crise, a braços com esforços de consolidação orçamental, que condicionam o investimento público. O equilíbrio entre a aplicação do princípio da adicionalidade e a necessidade de consolidação orçamental é ténue, podendo a falta de articulação de objetivos e o modo de os alcançar condicionar a consolidação orçamental e/ou dirimir os efeitos potenciais da política de coesão.

3.4.

É reconhecida a importância da política de coesão no desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas mas, em algumas, esse crescimento poderia ter sido potenciado com a existência de melhores condições para o desenvolvimento. A introdução da preocupação com a boa governação, que visa possibilitar melhor ambiente ao desenvolvimento, em linha com as diretrizes emanadas pela OCDE, é uma boa aposta que merece o apoio do CESE.

4.   Observações na especialidade

4.1.

Há ainda um longo caminho a percorrer para que a Europa regresse aos níveis de desenvolvimento, emprego e bem-estar anteriores à crise. O crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, prioridade da Estratégia Europa 2020, é agora apoiado pelo realinhamento da política de coesão.

4.2.

O sexto relatório não apresenta ainda a avaliação do impacto da política de coesão no período de 2007-2013, já que a avaliação ex post terá início apenas em 2015. Dos dados apresentados é contudo possível constatar que o impacto da crise foi grande e que a política da coesão não foi capaz de contrariar os seus efeitos, mantendo-se e agravando-se até as diferenças em alguns casos.

4.3.

A definição clara de estratégias para cada área de investimento que considere as especificidades de cada região preconizada reputa-se essencial. Como refere a comunicação, «os projetos devem seguir as estratégias e não o inverso». Não obstante, não é suficiente a definição das estratégias. Há que criar um ambiente regulamentar adequado, que prime pelo rigor mas não estaque em processos burocráticos desnecessários e desincentivadores. Operar num enquadramento favorável, tal como é referido na comunicação, é fundamental. A Comissão tem que ter mão firme nos Estados que não cumpram, evitando desperdícios de verbas, que não serão aceites pelos Estados contribuidores líquidos.

4.4.

É introduzida na política de coesão uma nova orientação, referindo-se as vantagens de apoiar um número limitado de prioridades, dada a escassez de recursos para satisfazer todas as necessidades das regiões menos desenvolvidas. Se, por um lado, a concentração dos recursos no apoio a projetos de grande impacto e de efeitos duradouros ao nível económico e social traz vantagens, resolvendo problemas específicos, este tipo de abordagem também poderá ter um efeito contraproducente em alguns casos — em países com territórios de níveis heterogéneos de desenvolvimento, onde há escassez de investimento privado, a concentração exagerada dos recursos deixará à margem do crescimento e do desenvolvimento zonas e setores que de outra forma poderiam beneficiar dos fundos da política de coesão, que os faria convergir e contribuir positivamente para um desenvolvimento integrado.

4.5.

Sendo apresentados diversos números relativamente ao impacto da política de coesão, continua a verificar-se que os verdadeiros efeitos dos investimentos permanecem difíceis de quantificar, o que demonstra que os indicadores escolhidos não o têm sido da forma mais adequada. Parece haver uma evolução, que merece o apoio do CESE, já que está prevista a definição de objetivos e de resultados a alcançar claros e mensuráveis. As prioridades, indicadores e metas estabelecidos nos acordos de parceria carecem de monitorização ao longo do tempo, que permita a tomada de decisões corretivas, quando assim for o caso, para uma efetiva responsabilização dos Estados-Membros sobre os resultados e um acompanhamento fiável das medidas.

4.6.

Todavia, a escolha dos indicadores não deverá cingir-se apenas a indicadores de natureza quantitativa. Se a dimensão quantitativa é a ideal para medir o crescimento, já o desenvolvimento obriga a medir indicadores de natureza qualitativa que não podem ser descurados.

4.7.

As cidades são apontadas como um motor do crescimento. Elas receberão cerca de metade dos montantes disponibilizados pelo FEDER. O investimento nas cidades e no seu potencial efeito difusor merece concordância mas com ressalvas. O CESE chama a atenção para o facto de tais investimentos deverem ser feitos com cuidado, sob pena de alimentarem centralismos de efeito perverso. Se é certo que a atração das populações pelas cidades pode incentivar desenvolvimento, não é menos verdade que a sobrepopulação potencia a pobreza e a exclusão social. Por outro lado, a falta de investimento em regiões menos centrais coloca em causa a qualidade de vida das populações, provocando uma cada vez maior desertificação e êxodo para as grandes cidades, votando ao abandono atividades da agricultura, pesca e indústria, setores essenciais ao desenvolvimento da UE.

4.8.

A melhor inclusão dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil é focada como um dos pontos de base para a política de coesão. A Comissão publicou, em janeiro de 2014, o regulamento delegado relativo ao código de conduta europeu sobre as parcerias no âmbito dos FEEI (6). Da análise do documento conclui-se não existirem grandes inovações à prática existente, enumerando-se princípios fundamentais de seleção e envolvimento dos parceiros e diversas boas práticas sem contudo descrever mecanismos obrigatórios de acompanhamento por parte dos parceiros sociais. A verdade é que em muitos dos Estados-Membros os parceiros sociais continuam a ter um papel figurativo nas decisões — a consulta existe sem contudo ser considerada a opinião de quem mais perto está da realidade e melhor conhece os problemas. Apesar destas dificuldades, o CESE reafirma o seu apoio à difusão da implementação do código de conduta europeu.

4.9.

O CESE já teve a oportunidade de exprimir a sua convicção de que envolver todos os parceiros e partes interessadas da sociedade civil organizada na preparação, execução e avaliação ex post dos programas e projetos contribui para melhorar a qualidade e a execução dos mesmos (7).

4.10.

A burocracia tem que ser mitigada. Aproveitando as recomendações das auditorias, o foco dos programas deve ser no controlo dos resultados obtidos e não tanto na forma como eles são alcançados, com processos administrativos tortuosos que obrigam a estruturas gigantescas e dispendiosas, públicas e privadas. A burocracia é um entrave real à participação de muitos empreendedores e à eficiência da administração pública. A simplificação e a uniformização dos procedimentos, regras e formulários não só são possíveis como são desejáveis.

5.   A boa governação: uma nova aposta para 2014-2020

5.1.

Apesar de existirem duas visões quanto à importância e influência da boa governação para o crescimento económico, tem cada vez mais adeptos a visão de que a boa governação e a existência de instituições públicas eficientes são uma condição necessária para um desenvolvimento económico forte. Também o CESE perfilha esta opinião.

5.2.

Garantir a segurança jurídica e um sistema judicial independente e regular de forma adequada e estável reduz o desperdício administrativo e cria um sentimento de estabilidade favorável ao investimento, que afeta diretamente a política de coesão.

5.3.

A inclusão da preocupação com a boa governação na política de coesão, consagrada nos princípios emanados pela OCDE para um investimento público eficaz, responde a uma necessidade transversal, que o CESE apoia. As diferenças existentes na facilidade de implementar projetos e novos negócios nos vários Estados-Membros devem ser colmatadas, já que a fraca governação condiciona não só o mercado interno mas também o mercado único, ao estabelecer barreiras à entrada de operadores provenientes de outros Estados-Membros.

5.4.

Em alguns dos Estados-Membros denota-se a necessidade de melhoria da coordenação ao nível regional ou mesmo de existência de uma efetiva governação regional, patamar intermédio entre a governação nacional e local, capaz de gizar estratégias de nível regional efetivamente importantes para o desenvolvimento e para a convergência das regiões. O Estado central, apesar de muitas vezes ser incapaz de interpretar as necessidades e prioridades dos territórios, não dá, em alguns casos, os devidos poderes às entidades regionais, que se limitam a ser uma caixa-de-ressonância do poder político nacional, sem qualquer mais-valia para a região.

5.5.

No âmbito das preocupações introduzidas com a boa governação, há que não esquecer que uma administração pública mais eficiente só se consegue com a formação dos quadros da administração pública em paralelo com a vontade política de proceder às alterações regulamentares devidas.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  JO C 143 de 22.5.2012, p. 10.

(2)  JO C 451 de 16.12.2014, p. 10.

(3)  JO C 248 de 25.8.2011, p. 68.

(4)  JO C 44 de 15.2.2013, p. 23.

(5)  JO C 191 de 29.6.2012, p. 30.

(6)  Regulamento Delegado (UE) n.o 240/2014 da Comissão (JO L 74 de 14.3.2014, p. 1).

(7)  JO C 44 de 15.2.2013, p. 23.


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/48


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão sobre sistemas de saúde eficazes, acessíveis e resilientes»

[COM(2014) 215 final]

(2015/C 242/09)

Relator:

José Isaías RODRÍGUEZ GARCÍA-CARO

Em 4 de abril de 2014, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão sobre sistemas de saúde eficazes, acessíveis e resilientes

COM(2014) 215 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 18 de dezembro de 2014.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 206 votos a favor e 10 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE acolhe favoravelmente a comunicação, com as observações contidas no presente documento, e insta a Comissão e os Estados-Membros a colaborarem quanto antes nas orientações estratégicas propostas no documento objeto do presente parecer.

1.2.

Considera que, para melhorar o bem-estar dos cidadãos da União Europeia, os sistemas de saúde dos Estados-Membros têm de assentar em princípios e valores como a universalidade, a acessibilidade, a equidade e a solidariedade. Sem estes princípios básicos, a Europa não se pode desenvolver na sua dimensão social, pelo que estes devem ser salvaguardados e protegidos em todas as políticas da UE relacionadas com a saúde dos cidadãos.

1.3.

O CESE acredita firmemente que a crise económica que afeta a União Europeia em geral e certos Estados-Membros em particular não pode ser resolvida com medidas que comprometam o direito dos cidadãos europeus à proteção da saúde. Apesar dos custos e preços da prestação dos cuidados de saúde, esta não é uma mercadoria e, portanto, não pode depender do poder de compra dos cidadãos.

1.4.

Reforçar a eficácia dos sistemas de saúde passa por assegurar o valor dos recursos, utilizando-os do modo mais eficiente e eficaz possível e ligando o conceito de qualidade científico-técnica ao conceito de eficiência e de sustentabilidade como uma perspetiva essencial na organização do setor da saúde e na prática profissional, sempre no máximo respeito pelo doente.

1.5.

O Comité considera que, no início do século XXI, é inaceitável que tenhamos ainda de reconhecer a falta de dados comparáveis. Sem dados válidos e relevantes não é possível progredir e dispor de indicadores homogéneos que permitam sustentar a tomada de decisões e a análise científica. O Comité exorta a Comissão e os Estados-Membros a acelerarem a adoção de um sistema de indicadores fiáveis que permita a análise e a adoção de medidas a nível da UE.

1.6.

O CESE considera prioritário combater as desigualdades na saúde. As diferenças de natureza social, económica e política são determinantes na distribuição da doença. Assim, é necessário que os Estados-Membros assumam o compromisso de garantir que os serviços de saúde são prestados de forma equitativa, independentemente da sua localização geográfica, do sexo do doente, da eventual deficiência, do nível de rendimentos e capacidade económica, da idade, da raça ou de qualquer outro fator, e que essa prestação é financiada por fundos públicos (impostos e seguros de doença) como elemento de apoio à redistribuição dos recursos. Considera necessário manter uma gama de serviços tão ampla quanto possível, a custo razoável, evitando que o regime de comparticipação represente um obstáculo ao acesso dos mais desfavorecidos.

1.7.

O CESE considera que os profissionais de saúde são um elemento essencial dos sistemas de saúde. Uma formação técnica e científica de elevada qualidade é imprescindível para poder dispor de profissionais altamente qualificados, capazes de atender com êxito às necessidades de cuidados dos cidadãos da União. Considera também que os aspetos éticos da sua formação devem ser igualmente tidos em conta e fomentados nos Estados-Membros.

1.8.

O CESE entende que o incremento dos cuidados primários, enquanto elemento básico dos cuidados de saúde prestados pelos sistemas de saúde, pode ser um instrumento de melhoria do desempenho dos sistemas de saúde e um elemento de correção das despesas que permita melhorar a sua sustentabilidade financeira. A Comissão deve desenvolver um papel de coordenação na transmissão de experiências nacionais entre os Estados-Membros.

1.9.

O Comité considera necessário envidar esforços de contenção das despesas com medicamentos e alta tecnologia, uma vez que estes elementos influenciam fortemente a sustentabilidade dos sistemas de saúde. As agências nacionais e europeias devem desempenhar um papel determinante na avaliação da eficácia e da segurança, que, no domínio da saúde, pode englobar os medicamentos e as tecnologias que se introduzem no mercado.

1.10.

As tecnologias da informação e da comunicação devem continuar a desempenhar um papel cada vez mais preponderante nos sistemas de saúde dos Estados-Membros, sem esquecer que a dimensão humana deve estar no centro da saúde em linha.

1.11.

A fim de promover a boa governação dos sistemas de saúde em toda a UE e garantir que os pontos de vista dos doentes são devidamente tidos em conta, a recolha de dados, o acompanhamento e a avaliação da acessibilidade, desempenho e resiliência dos sistemas de saúde deverão fazer pleno uso dos contributos dos doentes e contar com participação plena e ativa de associações de doentes, organizações da sociedade civil e parceiros sociais.

2.   Introdução

2.1.

O artigo 168.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia («TFUE») estabelece que a ação da União respeita as responsabilidades dos Estados-Membros no que se refere à definição das respetivas políticas de saúde, bem como à organização e prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos. Além disso, nos termos do n.o 7 desse artigo, essas responsabilidades incluem a gestão dos serviços de saúde e de cuidados médicos, bem como a repartição dos recursos que lhes são afetados.

2.2.

Assim, a margem de manobra da ação da União sobre os sistemas de saúde dos Estados-Membros limita-se às questões de saúde pública refletidas no referido artigo do Tratado. No entanto, no seu papel de apoio, financiamento e coordenação de esforços, a Comissão pode trazer um forte valor acrescentado a outros aspetos relacionados com os cuidados de saúde, permitindo que os Estados-Membros avancem na consolidação e melhoria dos seus sistemas nacionais de saúde, que se devem basear num conjunto de valores europeus comuns, tais como a universalidade, o acesso a cuidados de saúde de boa qualidade, a equidade e a solidariedade, conforme expresso pelo Conselho da União Europeia em junho de 2006 (1). Na sua declaração, os ministros da saúde dos Estados-Membros concluíram que os sistemas de saúde constituem uma componente essencial da infraestrutura social europeia.

2.3.

A comunicação da Comissão identifica uma série de dificuldades com que se deparam os sistemas de saúde europeus, acentuadas por uma situação de crise económica. Estas dificuldades prendem-se com o aumento dos custos dos cuidados de saúde, o envelhecimento gradual das nossas sociedades e o consequente aumento das patologias crónicas, assim como com o aumento da procura de serviços de saúde, uma distribuição desigual dos profissionais de saúde, incluindo escassez em alguns Estados-Membros, e a falta de equidade no acesso aos cuidados de saúde.

2.4.

Nesta perspetiva, e com base nas conclusões dos Conselhos da União Europeia de junho de 2011 (2) e de dezembro de 2013 (3), a Comissão elaborou a comunicação sobre a qual versa este parecer do CESE. Esta comunicação foi acolhida favoravelmente pelo Conselho da UE nas conclusões que adotou em junho de 2014 sobre a crise económica e os cuidados de saúde (4).

2.5.

A comunicação propõe uma agenda da União Europeia para sistemas de saúde eficazes, acessíveis e resilientes, no respeito das competências dos Estados-Membros, cabendo à União a definição de orientações e ferramentas de monitorização e avaliação. A agenda compreende os seguintes elementos:

2.5.1.

Reforço da eficácia dos sistemas de saúde em três vertentes: avaliação do desempenho dos sistemas de saúde; qualidade dos cuidados de saúde e segurança dos doentes; integração dos cuidados de saúde. Aumento da acessibilidade dos sistemas de saúde, através de: ações relativas aos profissionais de saúde; boa relação custo-eficácia na utilização de medicamentos; otimização da aplicação da Diretiva 2011/24/UE. Melhoria da resiliência dos sistemas de saúde com as ações seguintes: avaliação das tecnologias da saúde; sistemas de informação sobre a saúde; saúde em linha.

3.   Observações sobre o contexto da comunicação

3.1.

O aumento dos custos dos cuidados de saúde, o crescente envelhecimento da população e a cronicidade de certas doenças, que afetam principalmente os idosos, não são dificuldades que surgiram na última década, mas sim situações que já se verificavam nas décadas anteriores e que a atual crise veio agravar ao limitar a afetação de recursos às políticas neste domínio. Por conseguinte, a abordagem estratégica deve ser orientada para a forma de resolver, do ponto de vista da eficácia e da eficiência, a constante necessidade de recursos que os sistemas de saúde terão nos próximos anos para atender a uma população cada vez mais envelhecida e com maiores necessidades de cuidados devido ao aumento da esperança de vida.

3.1.1.

A promoção da saúde e a prevenção de doenças, enquanto medidas básicas de proteção da saúde, devem ter uma presença importante na atuação dos nossos sistemas de saúde. Os custos com os cuidados de saúde podem ser significativamente reduzidos, investindo na educação sanitária e incentivando a adoção de estilos de vida mais ativos e saudáveis a fim de combater a obesidade, o tabagismo e o consumo de álcool. A realização regular de exames de despistagem do cancro e de exames médicos completos pode fazer com que mais idosos tenham uma vida longa e saudável na pós-reforma.

3.2.

O Comité concorda que os sistemas de saúde dos Estados-Membros têm de assentar em princípios e valores como a universalidade, a acessibilidade para todos, a equidade e a solidariedade. Estes princípios devem garantir que todos os cidadãos da União Europeia tenham direito à proteção da saúde e a cuidados de saúde, que os serviços de saúde sejam utilizados de forma adequada e atempada a fim de obter os melhores resultados neste domínio, que a prestação desses serviços seja equitativa, independentemente da sua localização geográfica, do sexo do doente, da eventual deficiência, do nível de rendimentos, da idade, da raça ou de qualquer outro fator, e financiada por fundos públicos (impostos e/ou seguros de doença) como elemento de apoio à redistribuição dos recursos.

3.3.

O CESE está convicto de que a crise económica que afeta a União Europeia em geral e certos Estados-Membros em particular não deve servir de pretexto para criar um fosso entre cidadãos de primeira e cidadãos de segunda no que toca ao direito que todos têm de proteger a sua saúde. A este respeito, o Comité deve também velar por que a prestação de cuidados de saúde, com os seus diferentes níveis de capacidade e qualidade nos diversos Estados-Membros, inclua igualmente os cidadãos da UE que trabalhem temporariamente no estrangeiro e não no seu país de origem. Não é possível alcançar a eficácia e a sustentabilidade dos sistemas sem ter em conta os seus destinatários. Apesar dos custos e preços da prestação dos cuidados de saúde, esta não é uma mercadoria, pelo que não pode, de modo algum, depender do poder de compra dos cidadãos.

3.4.

No seu parecer (5) sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Solidariedade na saúde: Reduzir as desigualdades no domínio da saúde na UE» (6), o CESE afirmou textualmente que «a Comissão deve utilizar da melhor maneira os instrumentos ao dispor (como, por exemplo, o método aberto de coordenação, as avaliações de impacto, os programas de investigação, os indicadores e a cooperação com as organizações internacionais) e analisar, com os Estados-Membros, a criação de novos métodos para garantir que as políticas e ações da UE combatem os fatores que geram ou contribuem para as desigualdades na saúde na União Europeia». Reitera-se o conteúdo desse parecer e apoiam-se todas as recomendações formuladas pelo Comité para reduzir as desigualdades na saúde.

3.5.

Com o parecer (7) sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui o programa Saúde para o Crescimento, o terceiro programa plurianual de ação da UE no domínio da saúde para o período 2014-2020» (8), o CESE teve ocasião de se pronunciar sobre alguns aspetos dessa comunicação. Neste sentido, reiteram-se as observações formuladas no que se refere à avaliação das tecnologias da saúde, à formação dos profissionais de saúde, à aplicação da medicina baseada em dados científicos e ao intercâmbio de boas práticas.

3.6.

O Comité considera muito importante incluir o setor da saúde no Semestre Europeu. O peso que o setor representa no produto interno bruto dos Estados-Membros, o importante volume de mão-de-obra que gera e a capacidade de inovação que desenvolve são motivos suficientes para a sua inclusão. Contudo, as recomendações decorrentes da avaliação do Semestre Europeu devem partir da premissa de que não se podem comprometer os princípios e valores sobre os quais assentam os sistemas de saúde dos Estados-Membros da União Europeia.

3.7.

Reforçar a eficácia dos sistemas de saúde apenas na perspetiva de obter bons resultados exclui outros aspetos que, num contexto de escassez de recursos e restrição orçamental, devem ser tidos em conta. Assim, um sistema de saúde eficiente e de elevado valor permite maximizar a qualidade dos cuidados e os resultados obtidos com os recursos disponíveis. Isto significa que não podemos contemplar o reforço da eficácia de um sistema de saúde sem ter em conta a sua eficiência. Assegurar o valor dos recursos implica utilizá-los da forma mais eficiente e eficaz possível, ligando o conceito de qualidade científico-técnica ao conceito de eficiência e de sustentabilidade como uma perspetiva essencial na organização dos cuidados de saúde e na prática profissional.

3.8.

O CESE é a favor de que a Comissão e os Estados-Membros trabalhem no sentido de aplicar indicadores a nível da UE que permitam aferir a eficácia das intervenções na saúde. Para o efeito, todos os Estados-Membros devem estabelecer e dispor de sistemas validados de recolha de informação, com transparência e objetividade, a fim de permitir análises conjuntas, o que facilitará a adoção de medidas de cooperação para reduzir as desigualdades em matéria de saúde entre os Estados-Membros e no interior de cada um. No início do século XXI, é inaceitável que tenhamos ainda de reconhecer a falta de dados comparáveis. Sem dados válidos, relevantes e oportunos não é possível progredir e dispor de indicadores homogéneos que permitam sustentar a tomada de decisões e a análise científica.

3.9.

A utilidade dos indicadores de saúde prende-se com a sua fiabilidade, condição indispensável para se poder estabelecer comparações. Na sua comunicação, a Comissão reconhece esta falta de fiabilidade, que torna os resultados obtidos dificilmente comparáveis. Por conseguinte, o Comité apoia o sistema de Indicadores de Saúde da Comunidade Europeia, que fornece dados comparáveis sobre a saúde e os comportamentos que a influenciam, bem como sobre as doenças e os sistemas de saúde, o que permite a certos Estados-Membros melhorar os seus sistemas de informação e aplicar indicadores em falta, facilitando o intercâmbio de boas práticas em geral. Do mesmo modo, congratula-se com o quadro de avaliação comum sobre a saúde, concebido pelo subgrupo responsável pelos indicadores do Comité da Proteção Social.

3.10.

O Comité considera que o reconhecimento efetivo da universalidade dos cuidados de saúde pode ficar comprometido por problemas de acessibilidade aos sistemas de saúde. Em caso de problemas de acesso, os mais afetados são sempre os segmentos da população com menos recursos próprios. Para reduzir as desigualdades na saúde, o primeiro elemento que requer intervenção é a acessibilidade. A aplicação efetiva dos cuidados de saúde primários nas zonas rurais, a existência de serviços de urgência locais, infraestruturas adequadas de transporte e de comunicação, o acesso a cuidados de saúde especializados e a cautela na aplicação de regimes de comparticipação (tendo em conta o nível de rendimentos) são alguns dos componentes essenciais que garantem o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde e que devem ser objeto de intervenção nos Estados-Membros.

3.11.

O CESE partilha os receios manifestados pela Comissão e reconhece que, ao assinar a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, temos também de adotar todas as medidas apropriadas para garantir o acesso das pessoas com deficiência aos serviços de saúde — incluindo a garantia de que as instalações sejam acessíveis às pessoas que estão limitadas por uma deficiência.

3.12.

O Comité concorda com a Comissão quanto à necessidade de manter mecanismos estáveis de financiamento dos serviços de saúde. Neste contexto, o financiamento misto, proveniente de contribuições e de impostos, pode proporcionar um enquadramento de estabilidade financeira aos sistemas de saúde. O Comité está convicto de que a melhoria da resiliência ou robustez destes sistemas está também associada a uma gestão altamente profissionalizada com base em sistemas de informação eficazes, que permita o cálculo preciso dos custos dos cuidados de saúde. Este facto, aliado à presença de profissionais de saúde altamente qualificados e motivados, pode constituir o fundamento sólido e estável de um sistema de saúde sustentável.

3.13.

O CESE partilha da opinião da Comissão de que uma das principais dificuldades que alguns sistemas de saúde dos Estados-Membros enfrentam é a escassez de profissionais. Esta escassez também é agravada por uma elevada migração destes trabalhadores para outros Estados da União e países terceiros. Dado que os motivos são variados e complexos, o CESE é de opinião que a agenda proposta pela Comissão deve conter medidas que ajudem a tornar as profissões do setor da saúde mais atrativas para os jovens, de maneira não só a aumentar o número de candidatos à formação neste domínio, mas também a tornar o exercício destas profissões atraente tanto do ponto de vista profissional como laboral.

4.   Observações sobre a agenda da União Europeia para sistemas de saúde eficazes, acessíveis e resilientes

4.1.

Hoje em dia, nas sociedades mais avançadas, a avaliação do desempenho dos sistemas de saúde é entendida, entre outras coisas, como um instrumento para responsabilizar os prestadores de cuidados de saúde perante os destinatários desses serviços e como um instrumento de planeamento prospetivo. Para aprofundar os compromissos assumidos com a Carta de Tallinn, o Comité defende a disponibilização aos Estados-Membros de ferramentas e metodologias que permitam aproximar os sistemas de saúde e reduzir as desigualdades internas e externas desses sistemas.

4.2.

A segurança dos doentes implica reduzir ao mínimo os riscos desnecessários de danos sofridos por estes, ou seja, zelar por que não ocorram lesões acidentais imputáveis à prestação de cuidados ou a erros médicos. Promover a segurança dos doentes implica uma gestão do risco, notificação, análise e seguimento de incidentes, bem como a implantação de soluções para minimizar o risco de reincidência. O Comité reitera as recomendações que apresentou no parecer (9) sobre a «Proposta de recomendação do Conselho sobre a segurança dos doentes, incluindo a prevenção e o controlo de infeções associadas aos cuidados de saúde» (10), e estende-as a todos os riscos não relacionados com processos infeciosos, com especial ênfase na necessidade de divulgar as reações adversas e de adotar medidas corretivas. As ações a empreender devem seguir esta linha de intervenção.

4.3.

O CESE considera que os cuidados de saúde ao doente devem ser coordenados entre todos os níveis envolvidos, de modo que os cuidados de saúde primários tenham um papel mais relevante na deteção e no tratamento dos problemas de saúde. Uma boa rede de cuidados primários, desenvolvida e altamente profissionalizada, permite uma maior proximidade dos problemas de saúde, evita intervenções especializadas desnecessárias e reduz os custos dos cuidados na medida em que evita uma maior dependência dos cuidados hospitalares. A Comissão deve desenvolver um papel de coordenação na transmissão de experiências nacionais entre os Estados-Membros.

4.4.

O peso que o emprego no setor da saúde tem no conjunto da população ativa dos países da União Europeia é suficientemente relevante para que uma escassez destes profissionais seja considerada um problema de saúde. A fim de evitar uma situação deste tipo, o planeamento no âmbito da formação dos profissionais de saúde, embora sendo da competência dos Estados-Membros, deve ser objeto de acompanhamento e análise da União Europeia, colaborando com os Estados-Membros na manutenção de uma massa crítica de profissionais que permita prestar cuidados de saúde a uma população cada vez mais necessitada. O Comité considera que, para desenvolver as capacidades educativas e universitárias necessárias, também é preciso prestar apoio financeiro.

4.5.

A seu ver, uma formação técnica e científica de elevada qualidade é imprescindível para poder dispor de profissionais de saúde altamente qualificados, capazes de atender com êxito às necessidades de cuidados dos cidadãos da União. Considera também que os aspetos éticos da sua formação devem ser igualmente tidos em conta e fomentados nos Estados-Membros.

4.6.

As despesas com medicamentos são dos fatores que mais influenciam o custo dos serviços de saúde e a sua sustentabilidade. A prescrição de medicamentos segundo a sua substância ativa (Denominação Comum Internacional da OMS), em vez da prescrição pela denominação comercial, é uma opção que pode contribuir para reduzir a fatura farmacêutica. Na União Europeia há determinadas organizações de saúde que praticam este tipo de prescrição e que podem servir de exemplo a seguir noutros Estados-Membros. Não obstante, qualquer medida que venha a adotar-se deve ter em conta as necessidades de investigação de novos medicamentos e o financiamento dessas atividades.

4.7.

O Comité concorda com a opinião da Comissão expressa na comunicação em apreço relativamente à otimização da aplicação da Diretiva 2011/24/UE (11), mas considera que esse não é o principal problema da acessibilidade dos cidadãos aos seus sistemas nacionais de saúde, nem a otimização da aplicação da diretiva aumentará o acesso dos cidadãos a esses sistemas. Entende que, no âmbito da comunicação, o aumento da acessibilidade deve centrar-se primordialmente em alargar a cobertura da população até que se torne universal, em prestar uma gama de serviços tão ampla quanto possível a custo razoável e em evitar que os regimes de comparticipação representem um obstáculo ao acesso dos mais desfavorecidos. A garantia da segurança e da qualidade dos cuidados de saúde transfronteiriços não garante que os cidadãos recebam, no seu país de origem, serviços de saúde básicos.

4.8.

A investigação e a inovação na medicina levam ao aparecimento de novas tecnologias da saúde para dar resposta aos desafios diagnósticos e terapêuticos que se colocam neste domínio. O elevado custo dessas tecnologias e da respetiva eficácia almejada requer um sistema sólido para a sua avaliação. O CESE considera de grande interesse que a Rede Europeia para a Avaliação das Tecnologias da Saúde (EUnetHTA) traga valor acrescentado às agências nacionais e regionais dos Estados-Membros, criando sinergias e facilitando a divulgação das suas avaliações.

4.9.

A utilização das tecnologias da informação no manuseamento dos processos clínicos dos doentes é um passo que deve ir além dos próprios centros de saúde. Um historial clínico do doente em formato digital, acessível a qualquer profissional de saúde envolvido no seu tratamento, deveria ser um objetivo a atingir, ainda que seja, atualmente, longínquo. A União Europeia deve apoiar sistemas de informação de saúde e serviços de saúde em linha que facilitem o acompanhamento do historial clínico dos cidadãos para onde quer que estes se desloquem. O historial clínico eletrónico é um instrumento muito útil para o doente, mas representa igualmente um desafio para as administrações no que toca a coordenar aplicações compatíveis nos seus sistemas de saúde que permitam a qualquer profissional de saúde conhecer os problemas de saúde que afetam um cidadão independentemente do local onde este se encontre. Trata-se de um desafio enorme, mas o Comité acredita que a concretização deste objetivo culminará numa melhoria da saúde dos cidadãos europeus.

4.10.

O CESE considera extremamente importante que os cidadãos possam ter acesso a sistemas de informação digitais no domínio da saúde, para que possam obter informação sobre questões como os dispositivos médicos para uso humano aprovados pelas entidades reguladoras. A informação deve ser compreensível, exata, atualizada e segura para que o cidadão que pretenda aceder a essa informação possa completar as informações recebidas do profissional de saúde que lhe presta assistência.

4.11.

No parecer (12) sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Plano de ação para a saúde em linha, 2012-2020 — Cuidados de saúde inovadores para o século XXI» (13), o Comité teve ocasião de se pronunciar sobre a saúde em linha. Reitera-se a afirmação contida nesse parecer de que «a saúde em linha deve fomentar a confiança mútua entre os doentes e os profissionais e evitar o risco da “impessoalidade” e a falta de atenção aos fatores psicológicos. A dimensão humana deve estar no centro da saúde em linha». Neste contexto, conclui-se que o cidadão é o cerne do sistema de saúde.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  JO C 146 de 22.6.2006, p. 1.

(2)  JO C 202 de 8.7.2011, p. 10.

(3)  JO C 376 de 21.12.2013, p. 3.

(4)  JO C 217 de 10.7.2014, p. 2.

(5)  JO C 18 de 19.1.2011, p. 74.

(6)  COM(2009) 567 final.

(7)  JO C 143 de 22.5.2012, p. 102.

(8)  COM(2011) 709 final.

(9)  JO C 228 de 22.9.2009, p. 113.

(10)  COM(2008) 837 final.

(11)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 116.

(12)  JO C 271 de 19.9.2013. p. 122.

(13)  COM(2012) 736 final.


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/54


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao fabrico, à colocação no mercado e à utilização de alimentos medicamentosos para animais e que revoga a Diretiva 90/167/CEE do Conselho»

[COM(2014) 556 final — 2014/0255 (COD)]

e a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos medicamentos veterinários»

[COM(2014) 558 final — 2014/0257 (COD)]

(2015/C 242/10)

Relator:

José María ESPUNY MOYANO

Em 24 de setembro, 20 de outubro e 23 de outubro de 2014, o Parlamento Europeu e o Conselho, respetivamente, decidiram, nos termos dos artigos 43.o, 114.o e 168.o, n.o 4, alínea b), e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao fabrico, à colocação no mercado e à utilização de alimentos medicamentosos para animais e que revoga a Diretiva 90/167/CEE do Conselho

COM(2014) 556 final — 2014/0255 (COD)

e a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos medicamentos veterinários

COM(2014) 558 final — 2014/0257 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 8 de janeiro de 2015.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu aprovou, por 208 votos a favor, quatro votos contra e 16 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   Alimentos medicamentosos para animais

1.1.1.

O CESE considera necessário e conveniente atualizar a legislação da UE em matéria de alimentos medicamentosos para animais, a fim de assegurar condições uniformes de fabrico, colocação no mercado e utilização destes alimentos, protegendo simultaneamente a saúde e o bem-estar dos animais e as expectativas dos consumidores.

1.1.2.

O CESE concorda com a utilização de alimentos medicamentosos para animais como um instrumento adicional para a produção de animais saudáveis e a melhoria da saúde pública.

1.1.3.

O CESE congratula-se com a inclusão do fabrico, da colocação no mercado e da utilização de alimentos medicamentosos para animais não utilizados na alimentação humana, dado serem um meio de administração alternativo, nomeadamente para o tratamento de doenças crónicas.

1.1.4.

O CESE insta a que as espécies menores ou aquícolas, em relação às quais existe um problema de disponibilidade de medicamentos veterinários, possam ter acesso a alimentos medicamentosos para animais e a que se minimizem os obstáculos ao fabrico e à distribuição fluida. O CESE congratula-se igualmente com a produção antecipada, a fim de planear melhor o fabrico e minimizar as possíveis transferências. Assim, em caso algum se irá gerar um estoque inadequado devido às datas de validade dos produtos medicamentosos.

1.1.5.

O CESE reclama que se dê mais importância, no regulamento em apreço, ao veterinário ou profissional qualificado e acreditado que conhece a legislação vigente e está plenamente apto a diagnosticar e prescrever o tratamento mais adequado para garantir a saúde, o bem-estar e a saúde pública.

1.1.6.

O CESE considera que o veterinário ou profissional qualificado e acreditado, no exercício da sua atividade profissional, é a única pessoa que deve determinar a duração dos tratamentos, os quais não podem obedecer a regras rígidas devido à diferença entre as espécies, o seu estado fisiológico, as condições de administração, a gravidade da doença, etc.

1.1.7.

O CESE está consciente de que poderá haver uma transferência de uma substância ativa contida num alimento medicamentoso para animais para um alimento para animais não visado, mas essa transferência deverá fazer-se em conformidade com o princípio ALARA (tão baixo quanto razoavelmente possível).

1.1.8.

O CESE chama a atenção para os diferentes sistemas de produção e considera essencial que as transferências tenham em conta as tecnologias existentes no setor e sejam definidas de modo a não correrem o risco de criar resistências bacterianas.

1.1.9.

O CESE considera necessário estabelecer um sistema de gestão integrada dos produtos não utilizados ou cujo prazo de validade tenha expirado, a fim de controlar os riscos que esses produtos possam representar no que se refere à proteção da saúde animal e humana ou do ambiente.

1.1.10.

O CESE sublinha igualmente a necessidade de estabelecer critérios, como valores-alvo, para a homogeneidade dos alimentos medicamentosos para animais.

1.1.11.

O CESE considera que esta proposta legislativa pode vir a prejudicar o comércio intracomunitário e julga conveniente tornar o regulamento mais flexível para melhorar a competitividade do setor.

1.1.12.

O CESE observa que os veterinários ou profissionais qualificados e acreditados devem cumprir com a sua responsabilidade de não recorrer a tratamentos preventivos de rotina com antimicrobianos, ainda que haja circunstâncias em que tal seja necessário (como na medicina humana) para assegurar a saúde e o bem-estar dos animais e, por conseguinte, a saúde pública.

1.1.13.

O CESE considera que a identificação de tratamentos preventivos com agentes antimicrobianos deve ser avaliada por cada Estado-Membro, atendendo às características específicas dos sistemas de produção, às espécies animais, à situação sanitária, à disponibilidade de medicamentos, etc., existentes em cada país.

1.1.14.

O CESE entende que esta proposta legislativa deve enumerar os equipamentos de proteção individual necessários para o trabalhador, a fim de evitar a exposição a agentes químicos devido a poeiras libertadas durante o processo de produção e ao risco resultante da sua inalação.

1.1.15.

O CESE recomenda que os Estados-Membros apliquem programas de formação específicos para os trabalhadores expostos a agentes químicos.

1.1.16.

O CESE considera que o regulamento deve deixar aos Estados-Membros a possibilidade de produzir atos de execução destinados a evitar encargos administrativos e burocracia para os pequenos agricultores que produzem para uso próprio, sem comprometer os regulamentos específicos em matéria de segurança e higiene dos alimentos medicamentosos para animais.

1.2.   Medicamentos veterinários

1.2.1.

A saúde dos animais é de importância estratégica pelas repercussões na saúde e no bem-estar animal, na saúde pública e segurança dos alimentos, no ambiente e na economia rural. Por este motivo, é essencial que haja no mercado medicamentos veterinários autorizados para que os veterinários ou profissionais qualificados e acreditados disponham de instrumentos suficientes para controlar, prevenir e tratar as doenças dos animais.

1.2.2.

À semelhança de outros medicamentos veterinários, os antibióticos são necessários para combater as infeções bacterianas nos animais. O CESE entende que o acesso a antibióticos seguros e eficazes é uma componente essencial das ferramentas à disposição dos veterinários para manter e restabelecer a saúde e o bem-estar dos animais, bem como a saúde pública.

1.2.3.

Por conseguinte, o CESE acolhe favoravelmente a proposta legislativa em análise, cujo objetivo é desenvolver normas atualizadas e proporcionadas, colocar à disposição medicamentos veterinários cujo objetivo final é salvaguardar a saúde animal, a saúde pública, a segurança dos alimentos e o ambiente. Este princípio deveria ser igualmente adotado para assegurar a disponibilidade de antibióticos em medicina veterinária.

1.2.4.

O mercado dos medicamentos veterinários tem características e especificidades que o distinguem do dos medicamentos humanos, portanto o CESE considera muito apropriado que a proposta legislativa incida exclusivamente sobre os medicamentos veterinários. Cabe referir que, se, por um lado, os princípios devem ser coerentes, por outro, a sua aplicação deve ser totalmente adaptada às condições no setor.

1.2.5.

O CESE considera que a atual regulamentação impõe pesados encargos administrativos à indústria, o que prejudica a sua necessária inovação; por este motivo, congratula-se com a introdução de regras simplificadas durante os procedimentos de autorização, bem como durante o acompanhamento posterior, as alterações de autorizações de introdução do mercado, etc., com o propósito de reduzir a sobrecarga administrativa, embora haja espaço para melhorias na proposta.

2.   Síntese das propostas

2.1.   Alimentos medicamentosos para animais

2.1.1.

A proposta estabelece os requisitos para o fabrico, colocação no mercado e utilização dos alimentos medicamentosos para animais na União Europeia.

2.1.2.

Para este efeito, estabelece as definições aplicáveis, das quais convém salientar as seguintes:

«Alimentos medicamentosos para animais»: uma mistura de um ou mais medicamentos veterinários ou produtos intermédios com um ou mais alimentos para animais, pronta para ser diretamente administrada aos animais sem transformação;

«Produto intermédio»: uma mistura de um ou mais medicamentos veterinários com um ou mais alimentos para animais, destinada a ser utilizada para o fabrico de alimentos medicamentosos para animais;

«Operador de uma empresa do setor dos alimentos para animais»: qualquer pessoa singular ou coletiva responsável por assegurar o cumprimento dos requisitos do presente regulamento na empresa do setor dos alimentos para animais sob o seu controlo;

«Fabricante de misturas móvel»: um operador de uma empresa do setor dos alimentos para animais detentor de um estabelecimento constituído por um camião especialmente equipado para o fabrico de alimentos medicamentosos para animais;

2.1.3.

O CESE considera muito positiva a classificação de alimento medicamentoso para animais como alimento composto para animais no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 767/2009 e do Regulamento n.o 183/2005 relativo a alimentos compostos para animais.

2.1.4.

O domínio dos alimentos medicamentosos para animais é alargado para abranger as espécies animais não utilizadas na alimentação humana, como os animais de companhia.

2.1.5.

A proposta de regulamento apoia a utilização de alimentos medicamentosos para animais como um instrumento válido e muito útil para abordar a questão da saúde animal e da saúde pública. Além disso, assinala o seu valor para os sistemas de produção que são altamente competitivos na Europa.

2.1.6.

A produção animal na União Europeia e os diferentes sistemas de produção dos diversos Estados-Membros têm um papel preponderante e, por conseguinte, devem dotar-se de instrumentos, como os alimentos medicamentosos para animais, a fim de melhorar a competitividade deste setor.

2.1.7.

Os anexos a esse regulamento enumeram todos os requisitos necessários para que as fábricas produzam alimentos medicamentosos para animais seguros, homogéneos e capazes de reduzir ao mínimo a contaminação cruzada.

2.1.8.

Essa proposta legislativa considera necessário que os alimentos medicamentosos para animais importados pela UE cumpram os mesmos requisitos regulamentares previstos no regulamento.

2.1.9.

O futuro regulamento assinala a necessidade de os alimentos medicamentosos para animais serem fabricados com base em medicamentos veterinários autorizados, devendo a compatibilidade de todos os componentes utilizados ser assegurada por razões de segurança e eficácia do produto.

2.2.   Medicamentos veterinários

2.2.1.

A proposta legislativa abrange tanto os requisitos em matéria de dados como os procedimentos de autorização para a colocação no mercado dos medicamentos veterinários. Cobre, igualmente, a embalagem e a rotulagem, a distribuição e o controlo da segurança (farmacovigilância), bem como questões relativas ao controlo e à utilização de medicamentos veterinários.

2.2.2.

A proposta introduz uma novidade ao alargar o procedimento de autorização centralizado de modo a permitir a apresentação de pedidos de autorização para qualquer medicamento veterinário. Além disso, a fim de evitar encargos administrativos e financeiros desnecessários, bastará que se realize uma só vez a apreciação de um pedido de autorização.

2.2.3.

A proposta introduz uma simplificação importante ao reduzir a informação obrigatória que deve figurar na rotulagem e na embalagem e ao permitir que se utilizem abreviaturas e pictogramas harmonizados.

2.2.4.

Regula o prazo de proteção aplicável à documentação técnica apresentada para obter ou alterar uma autorização de colocação no mercado e dilata o período de proteção em caso de número limitado de mercados e de novos antibióticos.

2.2.5.

A Comissão Europeia fica habilitada a estabelecer requisitos para a proibição ou a restrição de determinados antibióticos na medicina veterinária.

2.2.6.

Os medicamentos veterinários têm de ser autorizados antes de poderem ser colocados no mercado, à semelhança do que sucede com os medicamentos para uso humano. Para o efeito, há que fornecer dados que comprovem a qualidade do produto, a inocuidade (para os animais, os utilizadores e o ambiente), bem como a eficácia clínica. Além disso, no atinente ao tratamento de animais de produção há que fornecer dados que garantam a segurança dos consumidores.

2.2.7.

São mantidos os quatro procedimentos para obtenção de uma autorização de colocação no mercado de um medicamento veterinário (procedimento centralizado ou descentralizado, procedimento de reconhecimento mútuo e processo nacional), com algumas alterações. O regulamento prevê também um sistema para modificar os termos das autorizações de colocação no mercado que tem em conta o nível de risco. Introduz igualmente uma abordagem de farmacovigilância com base no risco e institui um procedimento de harmonização do resumo das características dos produtos.

2.2.8.

Inclui ainda condições em matéria de medicamentos homeopáticos veterinários, bem como questões relacionadas com o fabrico, a distribuição e a utilização, entre outros temas.

3.   Observações na generalidade

3.1.   Alimentos medicamentosos para animais

3.1.1.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de regulamento e a intenção da Comissão de harmonizar os requisitos para alimentos medicamentosos para animais em todos os Estados-Membros.

3.1.2.

O CESE recorda que não se devem estabelecer requisitos de fabrico de tal modo elevados que sejam difíceis de cumprir pela indústria de alimentos para animais. A contaminação cruzada é um facto real no setor que não se pode limitar aos níveis tecnicamente impraticáveis e que não correspondem ao risco para a saúde animal.

3.1.3.

O CESE considera que a produção animal ocupa um lugar muito importante na agricultura da União e que, por conseguinte, os criadores e os produtores de alimentos deverão dispor de instrumentos adequados para lograr uma elevada competitividade no mercado. É necessário regulamentar a utilização e o fabrico de alimentos medicamentosos para animais mas, por outro lado, há que adaptar às tecnologias hoje existentes no setor.

3.1.4.

A legislação sobre alimentos medicamentosos para animais, de acordo com a avaliação de impacto realizada pela Comissão, terá repercussões positivas sobre a rentabilidade e o crescimento económico do setor de produção de alimentos medicamentosos para animais, considerando igualmente as aplicações inovadoras dos medicamentos veterinários.

Haverá que melhorar a saúde animal e a saúde pública, tanto nos Estados-Membros que têm atualmente normas pouco rigorosas para alimentos medicamentosos para animais como nos que aplicam normas proibitivas.

3.1.5.

É importante estabelecer níveis de transferência para os alimentos medicamentosos para animais com base nos conhecimentos da Comissão e de acordo com o princípio ALARA, bem como nas melhores técnicas de fabrico existentes no setor.

3.1.6.

O CESE considera que esta legislação abrange algumas formas de produção, tais como unidades móveis, que devem respeitar os princípios da segurança dos alimentos e da homogeneidade dos alimentos medicamentosos para animais, de modo a evitar níveis elevados de transferências, e que, por isso, as mesmas devem ser sujeitas a um controlo mais apertado.

3.1.7.

O CESE considera conveniente que as trocas comerciais intracomunitárias não sejam prejudicadas pelos requisitos do regulamento em apreço, motivo pelo qual é preciso agilizar as trocas comerciais.

3.1.8.

O CESE recorda que há espécies menores nos diferentes Estados-Membros que dispõem atualmente de poucas opções terapêuticas e que, por conseguinte, há que evitar agravar a situação através da introdução de encargos adicionais no que se refere à produção antecipada de alimentos medicamentosos para animais destinados a estas espécies.

3.2.   Medicamentos veterinários

3.2.1.

O CESE considera que os procedimentos de autorização dos medicamentos veterinários deverão ser definidos de modo a evitar atrasos desnecessários na colocação no mercado nos vários Estados-Membros em que se pretende autorizar esses produtos, bem como a facilitar a pronta resolução de situações de desacordo entre autoridades competentes.

3.2.2.

O CESE considera que o quadro regulamentar deve promover a investigação, o desenvolvimento tecnológico e a inovação no domínio dos medicamentos veterinários para responder às necessidades e aos desafios sanitários com que se deparam as diferentes espécies e modelos de produção na Europa.

3.2.3.

Historicamente, tem havido um problema de falta de disponibilidade de medicamentos veterinários para algumas espécies animais, denominadas espécies menores, e de informações específicas sobre outras espécies (utilizações menores) com especial importância socioeconómica na Europa.

3.2.4.

Nesta situação, torna-se necessária uma política europeia para promover a disponibilidade de medicamentos veterinários para espécies e utilizações menores, assegurando a sua qualidade, segurança e eficácia e garantindo, ao mesmo tempo, que o seu desenvolvimento seja viável do ponto de vista económico para as empresas do setor da saúde animal.

3.2.5.

O CESE acolhe favoravelmente a introdução de medidas para reduzir a carga administrativa através da simplificação dos requisitos de rotulagem, da farmacovigilância veterinária, das alterações às condições de autorização e da autorização de colocação no mercado por um período ilimitado.

3.2.6.

O CESE concorda com a introdução de um sistema eletrónico de apresentação de pedidos e com a ideia de uma base de dados central europeia, que promoverá a troca de informações entre as empresas e as agências, o que terá um impacto positivo sobre a redução dos encargos administrativos.

3.2.7.

Também as medidas destinadas a melhorar o funcionamento do sistema de farmacovigilância veterinária terão um impacto positivo na redução dos encargos administrativos, garantindo, assim, a segurança dos medicamentos, pelo que se considera a abordagem baseada no risco como sendo muito adequada.

3.2.8.

Um dos objetivos da revisão da legislação é melhorar o funcionamento do mercado único, o que deve ser feito sem comprometer outros objetivos, como o de reduzir os encargos administrativos e aumentar a disponibilidade de medicamentos. Para realizar estes objetivos, o processo de harmonização dos resumos das características dos produtos deve ser eficaz e respeitar os princípios da proporcionalidade e do reconhecimento mútuo.

3.2.9.

O novo quadro regulamentar deve estimular a inovação e o desenvolvimento de novos medicamentos, em particular os antibióticos, para os quais é indispensável um quadro regulamentar que garanta a previsibilidade e se baseie em dados científicos, tendo sempre em conta o «princípio da precaução».

3.2.10.

A proposta legislativa deve promover a utilização de medicamentos veterinários registados na UE quando utilizados por razões de vazio terapêutico em detrimento dos autorizados para uso humano. Os medicamentos veterinários têm um perfil de segurança e de eficácia comprovado na prática. Esta opção apresenta uma vantagem notável em relação aos medicamentos para uso humano, que não demonstraram ser seguros nem eficazes para serem utilizados nos animais. Além disso, este aspeto é de particular importância no quadro da resistência antimicrobiana, já que a proposta legislativa permite a utilização de antibióticos para uso humano como primeira opção quando haja vazio terapêutico.

4.   Observações na especialidade

4.1.   Alimentos medicamentosos para animais

4.1.1.

O artigo 2.o, «Definições», deveria clarificar os seguintes termos utilizados no documento: «substância ativa», «alimento para animais não visado», «fabricante de misturas móvel» e «fabricante de misturas na exploração», termos esses que são pertinentes para o desenvolvimento da legislação. Importa igualmente garantir que a terminologia é suficientemente precisa, de forma a não entrar em conflito com as denominações existentes contidas na legislação nacional.

4.1.2.

É necessário conceder um prazo mais razoável para as receitas veterinárias, a fim de tornar eficaz o tratamento sem pôr em perigo a segurança dos animais. Por isso, seria conveniente alargá-lo de três semanas para um período adequado.

4.1.3.

O veterinário ou o profissional qualificado e acreditado devem, no exercício da sua profissão, indicar a duração dos tratamentos a efetuar, as dosagens adequadas, os tempos de espera, etc., com base nas informações constantes do resumo das características do produto. Essas instruções devem ser parte da receita dos alimentos medicamentosos para animais, emitida pelo veterinário oficial. O criador dos animais deve seguir a prescrição e verificar a coerência das instruções com as indicações que figuram no resumo das características do produto. Em caso de discrepância, o produtor está isento de responsabilidade. O tratamento dos animais é da responsabilidade do veterinário, que conhece e é responsável pelo estado dos mesmos. Obrigar o criador a cumprir estritamente o resumo das características do produto implicaria, com efeito, que aquele assumisse as obrigações e responsabilidades do veterinário.

4.1.4.

É conveniente autorizar a utilização preventiva de agentes antimicrobianos, embora limitada a casos em que tal seja estritamente necessário e se justifique. Em caso algum deve ser autorizada a sua utilização rotineira como prevenção, importa antes fomentar as boas práticas de higiene e utilização.

4.1.5.

O CESE insta a que seja feita referência à legislação que regula a introdução de requisitos aplicáveis à qualidade da água e ao material das tubagens. No que diz respeito às tolerâncias admitidas na rotulagem, não deve haver qualquer distinção de produtos, uma vez que todos estes produtos têm de respeitar o mesmo processo de autorização, com os mesmos requisitos e sem haver diferenciação.

4.1.6.

Qualquer incorreção na rotulagem dever-se-á a um erro técnico ou de análise (incerteza de medida devido ao método analítico utilizado e ao tipo e conteúdo da substância ativa) e pode ocorrer caso se trate de uma alimento medicamentoso para animais contendo agentes microbianos ou não. Além disso, a margem de erro dos métodos analíticos para determinar agentes antimicrobianos num alimento para animais é maior do que noutras substâncias, o que indica uma menor reprodutibilidade e, portanto, não se justifica uma tolerância tão reduzida.

4.1.7.

Além disso, o CESE aprecia o facto de a homogeneidade do produto já ser garantida nos ensaios realizados para a sua autorização.

4.1.8.

Na prática, é difícil cumprir a obrigação de que os alimentos medicamentosos para animais que contêm a dose diária do medicamento veterinário devem corresponder a, pelo menos, 50 % da ração diária, devendo, por conseguinte, aditar-se o seguinte texto no final: «os alimentos medicamentosos para animais que contêm a dose diária do medicamento veterinário devem corresponder a, pelo menos, 50 % da ração diária de alimentos completos ou alimentos complementares para animais (matéria seca)».

4.2.   Medicamentos veterinários

4.2.1.

A necessidade de esperar seis meses entre um procedimento nacional e a apresentação de um pedido de autorização para o reconhecimento mútuo poderá causar problemas caso se verifique uma situação grave de saúde animal ou de saúde pública. Há, pois, que permitir uma derrogação a este período mínimo de seis meses em circunstâncias excecionais. Além disso, a fim de evitar atrasos nos procedimentos haveria que fixar uma data para a conclusão dos procedimentos descentralizados e de reconhecimento mútuo pelo Estado-Membro em causa.

4.2.2.

Importa favorecer o desenvolvimento de medicamentos veterinários em todas as espécies animais, através de uma maior proteção dos investimentos e da inovação para todas as espécies e não apenas para as menores. Seria, por conseguinte, conveniente dilatar o período de proteção de dados para todas as espécies, mesmo quando as condições de autorização são alargadas para abarcar mais de uma espécie.

4.2.3.

As diversas espécies animais e as várias patologias requerem modos de administração diferentes, o que, por seu turno, pressupõe diversas formas farmacêuticas (por exemplo, líquido, sólido, gel, injetável, etc.). A alteração de uma forma farmacêutica exige o desenvolvimento quase completo do produto, o que torna necessário proteger este tipo de investimento.

4.2.4.

É necessária uma maior flexibilidade no que diz respeito aos requisitos de rotulagem no acondicionamento primário e na embalagem externa, de modo a incluir, para além das informações obrigatórias, informações facultativas que possam ser do interesse dos destinatários.

4.2.5.

Os benefícios decorrentes da utilização de meios eletrónicos só podem ser obtidos se existir um procedimento único harmonizado em todos os Estados-Membros, que utilize o mesmo formato e se aplique a todos os procedimentos.

4.2.6.

O processo de harmonização do resumo das características do produto deveria ser um procedimento meramente administrativo, evitando a reavaliação de produtos que tenham demonstrado a sua segurança e eficácia no mercado durante vários anos, a fim de evitar sobrecargas de trabalho desnecessárias.

4.2.7.

A proposta legislativa poderia ter um impacto negativo no desenvolvimento de novos antibióticos na medicina veterinária, dado não garantir a existência de um mercado previsível, estável e transparente que constitua um incentivo para as empresas.

4.2.8.

Seria conveniente desenvolver um sistema de classificação para os casos em que os medicamentos são utilizados por vazio terapêutico, dando prioridade à utilização de medicamentos veterinários registados na UE e limitando a utilização de medicamentos para uso humano apenas aos casos em que não haja alternativas em veterinária.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/61


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Para uma economia dos dados próspera»

[COM(2014) 442 final]

(2015/C 242/11)

Relatora:

Anna NIETYKSZA

Em 16 de julho de 2014, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Para uma economia dos dados próspera

COM(2014) 442 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 7 de janeiro de 2015.

Na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 213 votos a favor, 1 voto contra e 11 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE toma boa nota da comunicação da Comissão, que apela à criação na União Europeia de uma economia dos dados próspera e, como tal, de uma economia digital que tire partido das tecnologias da informação. O plano de ação coordenado para o efeito deverá contribuir para a consecução dos objetivos da Agenda Digital para a Europa. O CESE chama a atenção para a necessidade de elaborar um plano de ação pormenorizado.

1.2.

O programa da União Europeia Horizonte 2020, os programas nacionais de financiamento da investigação, inovação e respetiva aplicação, assim como os programas de promoção do empreendedorismo e da inovação setorial, desempenharão um papel fundamental na concretização destes objetivos.

1.3.

O CESE salienta que a difusão das tecnologias da informação em todos os domínios da vida económica e social e nas esferas da cultura e da educação oferece enormes possibilidades de desenvolvimento. As oportunidades de desenvolvimento proporcionadas pelas TIC beneficiam não só as companhias e as grandes empresas europeias mas também as empresas inovadoras de dimensão pequena e média, bem como as microempresas.

1.4.

Para tirar pleno partido de tais oportunidades, importa apoiar atividades de investigação e desenvolvimento relacionadas com as tecnologias da informação tanto em âmbito técnico-científico como no campo das ciências sociais e económicas. A Comissão Europeia e os Estados-Membros da UE precisam de elaborar mecanismos eficazes de financiamento público da investigação e criar incentivos ao seu financiamento privado. O CESE lamenta a redução substancial das dotações para o financiamento de infraestruturas digitais no âmbito do Mecanismo Interligar a Europa e apela com veemência a que se retirem as devidas conclusões. O novo plano de investimento apresentado pelo presidente da Comissão, Jean Claude Juncker, em dezembro de 2014, destinado a mobilizar 315 mil milhões de EUR sob a forma de investimentos públicos e privados adicionais em domínios essenciais como as infraestruturas digitais, constitui, neste contexto, uma resposta política particularmente bem-vinda.

1.5.

Para garantir que a economia dos dados se desenvolve sem entraves, há que velar por um quadro jurídico adequado, assegurar estratégias e meios de proteção dos dados pessoais e da segurança da informação, bem como implementar uma estratégia europeia de cibersegurança. A proteção e a segurança da informação fazem aumentar a confiança dos consumidores e a segurança da atividade económica para as empresas.

1.6.

O CESE frisa que, no domínio da proteção de dados e da segurança da informação, é necessária cooperação entre as administrações nacionais e europeias e as entidades reguladoras em matéria de comunicações eletrónicas, defesa dos consumidores e concorrência.

1.7.

O CESE recomenda à Comissão que apoie todas as atividades destinadas à concretização dos objetivos da Agenda Digital para a Europa, na medida em que lançam as bases para uma economia dos dados, incluindo o desenvolvimento de infraestruturas de banda larga de elevado débito e de serviços de computação em nuvem fiáveis, interoperacionais e amplamente acessíveis, assim como o tratamento de grandes volumes de dados ou megadados (big data), a internet das coisas (IdC) e Redes de Nova Geração (NGA) para comunicações eletrónicas, nomeadamente a utilização das tecnologias disponíveis de quinta geração e outras atualmente em desenvolvimento.

1.8.

A emergência das tecnologias digitais cria novos valores não só na economia mas em todos os domínios da vida social e cultural. É, pois, muito importante desenvolver as competências digitais em todos os quadrantes da sociedade, incluindo a população sénior e as pessoas em risco de exclusão social, económica e cultural por motivos de saúde, rendimento ou educação. Importa pôr em prática, em larga escala, conteúdos e métodos de ensino modernos, em particular com vista a preparar os trabalhadores para a requalificação profissional e a aquisição de novas competências.

1.9.

Nos próximos anos, a administração pública terá de aprender a utilizar da melhor forma os dados digitais e os canais de comunicação eletrónicos, a fim de aumentar a eficiência, desenvolver uma relação de cooperação alargada com os cidadãos e tirar partido da sua participação ativa, a qual pressupõe, por seu turno, a existência de serviços públicos bem concebidos e de dados abertos e acessíveis em formato eletrónico em todos os domínios da economia e da administração. O CESE recomenda a realização em larga escala de formações destinadas a reforçar as competências digitais do pessoal administrativo, com destaque para as que permitem conceber serviços modernos, proceder à contratação pública e utilizar os serviços de peritos e especialistas.

1.10.

O CESE recomenda que as administrações públicas possibilitem a reutilização de informações do setor público, bem como a sua disponibilização sob a forma de dados abertos em formato eletrónico, tomando as medidas de precaução necessárias. O acesso a dados públicos reutilizáveis reveste-se de particular importância para as pequenas e médias empresas europeias.

2.   Síntese e contexto da comunicação da Comissão

2.1.

A economia dos dados e, de um modo geral, a economia digital é um domínio de importância económica estratégica para os países da União Europeia. Os dados digitais formam atualmente a base das atividades em todos os domínios da economia, da administração pública, da cultura e dos serviços sociais e de saúde. A sua utilização inovadora é a principal fonte do aumento da produtividade da economia da UE.

2.2.

Graças à utilização generalizada dos dados digitais — quer originalmente gerados nesse formato, quer resultantes da digitalização de dados gerados noutros formatos — e à facilidade da sua transmissão e processamento, eles são hoje em dia considerados um recurso novo e particularmente valioso para a sociedade e a economia.

2.3.

Atualmente, os dados digitais são gerados, recolhidos e processados em todas as esferas da vida económica e social. Há um número crescente de empresas inovadoras para as quais os dados digitais formam a base e a principal área de atividade. Um aspeto de particular relevância da economia dos dados são os dados geoespaciais e de geolocalização.

2.4.

O segmento do mercado da informação que regista o crescimento mais acelerado é o dos megadados. Segundo estudos da IDC, prevê-se que entre 2012 e 2017 este segmento mantenha um ritmo de crescimento médio anual de 27 % (seis vezes superior à globalidade do mercado das TIC), sendo responsável por que em 2017 o mercado mundial das tecnologias e serviços de megadados deva ascender aos 23,7 mil milhões de EUR. Prevê-se igualmente um crescimento muito rápido no domínio dos serviços de computação em nuvem.

2.5.

Perante o desenvolvimento de soluções e aplicações no âmbito da internet das coisas (IdC), nomeadamente infraestruturas para cidades inteligentes, é de esperar nos próximos anos um crescimento exponencial no volume de dados decorrente do desenvolvimento da IdC. Segundo projeções de empresas de pesquisa e consultoria, em 2020 o número de dispositivos de tipo «objeto inteligente» no âmbito da IdC atingirá os 26 mil milhões em todo o mundo, superando várias vezes o número de computadores conectados à internet. Tanto as empresas como as administrações públicas terão de aprender a gerir — e a utilizar de forma criativa — este aumento exponencial nos volumes de dados.

2.6.

É absolutamente crucial assegurar que a economia dos Estados-Membros consiga explorar o enorme potencial económico dos megadados e da internet das coisas, com destaque para as empresas inovadoras que fornecem soluções nesses domínios e para as empresas dos restantes setores económicos da UE que as aplicam no âmbito da sua atividade.

2.7.

A comunicação da Comissão Europeia chama a atenção para a necessidade de criar condições que permitam o funcionamento da computação em nuvem, de infraestruturas de computação de alto desempenho (HPC), bem como de plataformas e serviços que utilizem estas soluções. Segundo estimativas da Comissão (1), os serviços de computação em nuvem poderão contribuir para criar 2,5 milhões de novos postos de trabalho e aumentar o PIB dos países da UE em 160 mil milhões de EUR até 2020.

2.8.

No entender da Comissão, um outro elemento-chave do desenvolvimento é a inovação baseada em dados (DDI — data-driven innovation), ou seja, a capacidade das empresas e administrações públicas para fazerem uma utilização criativa da informação proveniente de análises de dados aprofundadas, incluindo os dados disponibilizados no âmbito da reutilização das informações do setor público. O processo de abertura e disponibilização dos dados para reutilização pode gerar dividendos para os países da UE na ordem dos 40 mil milhões de EUR por ano, enquanto os benefícios económicos diretos e indiretos decorrentes da aplicação e utilização das informações do setor público na economia da UE-27 são estimados em 140 mil milhões de EUR por ano (2).

2.9.

A Comissão Europeia salienta que isto exigirá o envolvimento de peritos altamente qualificados, uma vasta aplicação dos dados abertos e a criação de um quadro jurídico adequado em matéria de propriedade, proteção e disponibilização dos dados.

2.10.

O programa da União Europeia Horizonte 2020, os programas nacionais de financiamento da investigação e inovação e as medidas de fomento do empreendedorismo e da inovação setorial desempenharão um papel importante na concretização destes objetivos.

2.11.

A Comissão Europeia apoiará o empreendedorismo digital na Europa por vários meios, nomeadamente promovendo o livre acesso aos dados, facilitando o acesso à computação em nuvem, fomentando a ligação e a cooperação entre incubadoras de dados locais, bem como promovendo o desenvolvimento de conhecimentos e competências digitais, inclusive no âmbito da Grande coligação em prol das qualificações e do emprego na área digital.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE reconhece e aprova na generalidade os elementos para uma economia dos dados próspera sugeridos na comunicação da Comissão. Como salientado na comunicação, a análise dos dados é sinónimo de melhores resultados, processos e decisões, o que permite estimular a inovação e o desenvolvimento de novas soluções, antecipar tendências e fazer preparativos para o futuro. O CESE faz notar, porém, que a comunicação não formula claramente a estratégia de ação da Comissão necessária para desenvolver este tipo de economia na UE.

3.2.

O CESE assinala a importância de certas medidas avançadas na comunicação para o desenvolvimento das infraestruturas — entendidas em sentido lato — necessárias ao funcionamento da economia dos dados, destacando os seguintes aspetos:

acesso a infraestruturas indispensáveis e fiáveis para assegurar a interoperabilidade dos sistemas de recolha, tratamento e utilização de dados, incluindo infraestruturas com elevado recurso a serviços e soluções eficazes e seguras de computação em nuvem;

acesso a conjuntos de dados fiáveis e de elevada qualidade;

condições apropriadas e um quadro jurídico, organizacional e formativo, bem como condições de trabalho que permitam a cooperação entre os vários intervenientes para garantir um nível adequado de competências e desenvolver soluções baseadas numa utilização inovadora dos dados;

apoio das políticas e criação de um quadro jurídico que fomente a utilização inovadora dos dados abertos acessíveis em formatos digitais em todos os domínios da economia e da administração.

4.   Observações na especialidade

4.1.

O CESE apoia o desenvolvimento e a utilização dos mecanismos e recursos definidos no programa Horizonte 2020, em particular os que visam disponibilizar soluções de plataformas de serviços de tipo PaaS (Platform as a Service — plataforma como serviço), SaaS (Software as a Service — software como serviço), IaaS (Infrastructure as a Service — infraestrutura como serviço), entre outros serviços baseados em soluções públicas, privadas e híbridas de computação em nuvem.

4.2.

O CESE apoia ações destinadas à execução da estratégia europeia para a computação em nuvem, na linha de pareceres que elaborou anteriormente sobre este tema.

4.3.

Quanto à criação de parcerias público-privadas europeias contratuais (PPPc) avançada pela Comissão, o CESE apoia-as, mas entende que é fundamental formular claramente estratégias a longo prazo e políticas afins no domínio da investigação e desenvolvimento, bem como no plano financeiro.

4.4.

O CESE chama a atenção para a necessidade de assegurar financiamento adequado para atividades de investigação e aplicação nos domínios que, segundo as previsões, registarão o crescimento mais rápido nos próximos anos e que são essenciais para manter a competitividade da economia europeia a nível mundial, de que se destacam os seguintes: tratamento de megadados, internet das coisas (IdC) e Redes de Nova Geração (NGA) para comunicações eletrónicas, incluindo a utilização das tecnologias disponíveis de quinta geração e outras atualmente em desenvolvimento, bem como questões de cibersegurança.

4.5.

O CESE salienta a importância de assegurar a precisão e a fiabilidade dos resultados do tratamento dos megadados e dos sistemas de análise de dados e de pesquisa. Importa, por isso, prestar apoio a trabalhos de investigação e aplicação, nomeadamente nos domínios da pesquisa semântica, da análise de dados geoespaciais e do tratamento rápido de grandes volumes de dados. A necessidade de garantir recursos apropriados para a investigação é extremamente importante face à tendência para introduzir cortes orçamentais nos Estados-Membros e a nível do Conselho — de 9 mil milhões para 1,4 mil milhões de EUR.

4.6.

O financiamento do desenvolvimento e da criação de novas empresas inovadoras (start-ups) na economia digital reveste-se de grande importância, pois ainda há poucos mecanismos financeiros vocacionados para suprir estas necessidades. O financiamento de novos setores tecnológicos tem de assentar numa articulação hábil dos fundos do programa Horizonte 2020 com outros programas centrais de investigação da UE e com os recursos orçamentais dos Estados-Membros, e deverá motivar as empresas privadas para a cooperação estratégica mediante parcerias público-privadas contratuais (PPPc).

4.7.

Para explorar plenamente as potencialidades de uma economia baseada no conhecimento, é muito importante a reciclagem profissional dos trabalhadores, a fim de que estes possuam as competências necessárias para trabalhar nos novos empregos e setores da economia. Isto é tanto mais importante quanto, segundo as previsões, em 2020, 80 % dos postos de trabalho exigirão conhecimentos e competências digitais.

4.8.

O CESE assinala a necessidade de pôr uma tónica mais forte numa educação que forneça a todos os cidadãos as competências digitais adequadas e os conhecimentos necessários para usufruírem dos instrumentos e serviços digitais que estão a assumir protagonismo crescente na vida económica e social e a nível administrativo e cultural. Esta abordagem deve abranger todas as fases e formas de educação, do ensino básico ao ensino para adultos.

4.9.

O CESE sublinha a necessidade de elaborar novos quadros e instrumentos regulamentares adaptados às mudanças que se perfilam e adequados às necessidades de desenvolvimento da economia dos dados.

4.10.

No âmbito das políticas de regulamentação, e no seguimento do seu parecer sobre a «Configuração da governação da internet no futuro» (TEN/549), o CESE entende que convém atender em particular à gestão da cadeia de valor da internet, a fim de assegurar a todos os prestadores de serviços e conteúdos que nela operam uma fração dos lucros dos produtos e serviços digitais que seja proporcional ao investimento realizado.

4.11.

O CESE chama a atenção para a necessidade de uma aplicação eficaz dos mecanismos descritos e previstos, nomeadamente no regulamento eIDAS, que têm por objetivo aumentar a confiança na economia digital, assegurando bases jurídicas coerentes ao nível da União para as interações eletrónicas entre empresas, cidadãos e organismos públicos.

4.12.

Neste sentido, ganha uma importância acrescida denunciar o aparente impasse em que caiu a negociação interinstitucional do regulamento relativo à proteção de dados, que pende há meses no Conselho sem solução à vista, com prejuízos bem conhecidos para todas as partes interessadas, designadamente em aspetos tão relevantes para o pleno desenvolvimento das potencialidades de uma economia dos dados.

4.13.

O novo quadro regulamentar deve, por um lado, assegurar às empresas que operam no mercado a possibilidade de se desenvolverem, para além de fomentar a inovação e a competitividade e, por outro, garantir a segurança das transações económicas e a defesa dos direitos dos consumidores e da sua privacidade. As questões de cibersegurança revestem-se de particular importância, uma vez que as redes informáticas e a computação em nuvem passarão a lidar com volumes crescentes de dados muito importantes do ponto de vista económico e social, incluindo informação sensível, como é o caso dos dados médicos.

4.14.

O CESE assinala que a comunicação não se detém longamente sobre as questões da propriedade dos dados nem sobre a necessidade de elaborar novas soluções para a proteção da propriedade intelectual que sejam adaptadas às necessidades da economia digital, nomeadamente no tocante às indústrias criativas que, nos próximos anos, serão um dos domínios de crescimento dinâmico.

4.15.

O CESE está disponível para cooperar com outras organizações, nomeadamente com o fito de reforçar a confiança dos consumidores nos serviços da economia digital e de definir programas e estratégias a longo prazo, bem como programas de ensino que contribuam para a sua realização.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  Comunicação — Explorar plenamente o potencial da computação em nuvem na Europa [COM(2012) 0529 final].

(2)  Comunicação — Dados abertos — Um motor de inovação, crescimento e governação transparente [COM(2011) 882 final].


23.7.2015   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 242/66


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre as medidas que a União pode adotar em relação ao efeito combinado de medidas antidumping ou antissubvenções e de medidas de salvaguarda (codificação)»

[COM(2014) 318 final — 2014/0164 (COD)]

(2015/C 242/12)

Em 20 de outubro de 2014, o Parlamento Europeu decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre as medidas que a União pode adotar em relação ao efeito combinado de medidas antidumping ou antissubvenções e de medidas de salvaguarda (codificação)

COM(2014) 318 final — 2014/0164 (COD).

Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 504.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2015 (sessão de 21 de janeiro), decidiu, por 219 votos a favor, um voto contra e 10 abstenções, emitir parecer favorável ao texto proposto.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE