ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de julho de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Convenção de Espoo — Convenção de Aarhus — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43/CEE — Artigo 6.o, n.o 3 — Conceito de “projeto” — Avaliação das incidências sobre o sítio em causa — Artigo 6.o, n.o 4 — Conceito de “razões imperativas de reconhecido interesse público” — Conservação das aves selvagens — Diretiva 2009/147/CE — Avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente — Diretiva 2011/92/UE — Artigo 1.o, n.o 2, alínea a) — Conceito de “projeto” — Artigo 2.o, n.o 1 — Artigo 4.o, n.o 1 — Avaliação dos efeitos no ambiente — Artigo 2.o, n.o 4 — Isenção de avaliação — Abandono progressivo da energia nuclear — Legislação nacional que prevê, por um lado, a reativação, por um período de cerca de dez anos, da atividade de produção industrial de eletricidade de uma central nuclear encerrada, com o efeito de adiar por dez anos a data inicialmente fixada pelo legislador nacional para a sua desativação e o fim da sua atividade, e, por outro, o adiamento, também por dez anos, do prazo inicialmente previsto por esse mesmo legislador para a desativação e o encerramento da produção industrial de eletricidade de uma central em atividade — Falta de avaliação dos efeitos no ambiente»

No processo C‑411/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional, Bélgica), por Decisão de 22 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de julho de 2017, no processo

Inter‑Environnement Wallonie ASBL,

Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen ASBL

contra

Conseil des ministres,

sendo interveniente:

Electrabel SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot (relator), A. Prechal, M. Vilaras, E. Regan, T. von Danwitz, C. Toader e C. Lycourgos, presidente de secção, A. Rosas, M. Ilešič, J. Malenovský, M. Safjan, D. Šváby e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de setembro de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Inter‑Environnement Wallonie ASBL e da Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen ASBL, por J. Sambon, avocat,

em representação da Electrabel SA, por T. Vandenput e M. Pittie, avocats, e por D. Arts e F. Tulkens, advocaten,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs, C. Pochet e J. Van Holm, na qualidade de agentes, assistidas por G. Block e K. Wauters, avocats, e por F. Henry,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil, J. Pavliš e L. Dvořáková, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, inicialmente por T. Henze e D. Klebs, e em seguida por D. Klebs, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, inicialmente por C. Pesendorfer, e em seguida por M. Oswald e G. Hesse, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo, J. Reis Silva e L. Medeiros, na qualidade de agentes,

em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, J. Kraehling, G. Brown e R. Fadoju, na qualidade de agentes, assistidos por D. Blundell, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, C. Zadra, M. Noll‑Ehlers, R. Tricot e M. Patakia, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 29 de novembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Convenção relativa à avaliação dos impactes ambientais num contexto transfronteiras, celebrada em Espoo (Finlândia), em 25 de fevereiro de 1991, e aprovada em nome da Comunidade Europeia por Decisão do Conselho de 27 de junho de 1997 (a seguir «Convenção de Espoo»), e da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, celebrada em Aarhus (Dinamarca), em 25 de junho de 1998, e aprovada em nome da Comunidade pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1) (a seguir «Convenção de Aarhus»), bem como da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013 (JO 2013, L 158, p. 193) (a seguir «Diretiva Habitats»), da Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (JO 2010, L 20, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2013/17 (a seguir «Diretiva Aves»), e da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1, a seguir «Diretiva AEA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Inter‑Environnement Wallonie ASBL e a Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen ASBL ao Conseil des ministres (Conselho de Ministros, Bélgica) a respeito da lei pela qual o Reino da Bélgica, por um lado, previu a reativação, por um período de cerca de dez anos, da atividade de produção industrial de eletricidade de uma central nuclear encerrada e, por outro, adiou, por dez anos, o prazo inicialmente previsto para a desativação e o encerramento da produção industrial de eletricidade de uma central nuclear em atividade.

I. Quadro jurídico

A. Direito internacional

1.   Convenção de Espoo

3

Nos termos do artigo 1.o da Convenção de Espoo, com a epígrafe «Definições»:

«[…]

5.

A expressão “atividade proposta” designa qualquer atividade ou projeto destinados a modificar sensivelmente uma atividade cuja execução deva ser objeto de uma decisão por parte de uma autoridade competente de acordo com qualquer processo nacional aplicável;

[…]

9.

A expressão “autoridade competente” designa a(s) autoridade(s) nacional (ou nacionais) designada(s) por uma Parte para desempenhar as atribuições definidas na presente convenção e ou a(s) autoridade(s) habilitada(s) por uma Parte a decidir relativamente a uma atividade proposta;

[…]»

4

O artigo 2.o da Convenção de Espoo estipula:

«1.   As Partes adotarão, individualmente ou em conjunto, todas as medidas adequadas e eficazes para prevenir, reduzir e combater os impactes ambientais transfronteiras prejudiciais importantes que as atividades propostas sejam suscetíveis de exercer sobre o ambiente.

2.   Cada uma das Partes adotará as disposições regulamentares, administrativas ou outras, necessárias para aplicar as disposições da presente convenção, incluindo, no que diz respeito às atividades propostas enumeradas no apêndice I que sejam suscetíveis de exercer impactes transfronteiras prejudiciais importantes, o estabelecimento de um processo de avaliação dos impactes ambientais que permita a participação do público e a constituição do dossier de avaliação dos impactes ambientais descrito no apêndice II.

3.   A Parte de origem velará, em conformidade com o disposto na presente convenção, por que se proceda a uma avaliação dos impactes ambientais anterior à tomada de decisão relativa à autorização ou início de uma atividade proposta incluída na lista do apêndice I que seja suscetível de exercer um impacte transfronteiras prejudicial importante.

[…]

6.   Em conformidade com o disposto na presente convenção, a Parte de origem oferecerá ao público das zonas suscetíveis de serem afetadas a possibilidade de participar nos processos pertinentes de avaliação dos impactes ambientais das atividades propostas e velará por que a possibilidade oferecida ao público da Parte afetada seja equivalente à que é oferecida ao seu próprio público.

7.   As avaliações dos impactes ambientais determinadas pela presente convenção serão efetuadas pelo menos na fase de projeto da atividade proposta. As Partes esforçar‑se‑ão, na medida do necessário, por aplicar os princípios da avaliação dos impactes ambientais às políticas, planos e programas.

[…]»

5

Segundo o artigo 3.o, n.o 8, da Convenção de Espoo, «[a]s Partes envolvidas assegurar‑se‑ão de que o público da Parte afetada, nas zonas suscetíveis de serem afetadas, seja informado a respeito da atividade proposta e tenha a possibilidade de formular observações ou objeções a este respeito e que estas observações ou objeções sejam transmitidas à autoridade competente da Parte de origem quer diretamente quer, se for caso disso, por intermédio da Parte de origem».

6

O artigo 5.o da Convenção de Espoo indica:

«Após constituição do dossier de avaliação dos impactes ambientais, a Parte de origem deverá proceder, no mais breve prazo, a consultas da Parte afetada a respeito, nomeadamente, do impacte transfronteiras que a atividade proposta é suscetível de exercer e das medidas adequadas que permitam reduzir este impacte ou eliminá‑lo. As consultas podem dizer respeito a:

a)

Alternativas possíveis da atividade proposta, incluindo a opção “zero” (ausência de intervenção), bem como medidas que poderiam ser tomadas para atenuar qualquer impacte transfronteiras prejudicial importante e relativas ao método que poderia ser aplicado para monitorizar os efeitos destas medidas a cargo da Parte de origem;

b)

Outras formas possíveis de assistência mútua para reduzir qualquer impacte transfronteiras prejudicial importante da atividade proposta;

c)

Quaisquer outras questões pertinentes relativas à atividade proposta.

As Partes fixarão, no início das consultas, um prazo razoável para a duração do período de consultas. Estas consultas poderão ser conduzidas por intermédio de um órgão comum adequado, se este existir.»

7

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Convenção de Espoo:

«As Partes assegurar‑se‑ão de que no momento de tomar uma decisão definitiva a respeito da atividade proposta, os resultados da avaliação dos impactes ambientais, incluindo o dossier correspondente, bem como as observações recebidas a este respeito em aplicação do n.o 8 do artigo 3.o e do n.o 2 do artigo 4.o, e o resultado das consultas referidas no artigo 5.o, sejam tomados na devida consideração.»

8

O apêndice I da Convenção de Espoo, intitulado «Lista de atividades», refere, no seu ponto 2, nomeadamente, as «centrais nucleares e outros reatores nucleares».

9

O Documento de informação sobre a aplicação da [Convenção de Espoo] a atividades relacionadas com a energia nuclear (ECE/MP.EIA/2011/5), emitido em 2 de abril de 2011 pela Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa, evoca, entre as modificações importantes sujeitas às exigências da Convenção de Espoo, «um aumento significativo da produção ou do armazenamento de resíduos radioativos provenientes de uma instalação (não apenas de uma central nuclear) de, por exemplo, 25 %», bem como «uma prorrogação da longevidade de uma instalação».

10

Este mesmo documento precisa, num resumo do seu conteúdo, o seguinte:

«A presente nota tenta tomar em consideração os diferentes e, por vezes, contraditórios pontos de vista expressos a respeito da aplicação da [Convenção de Espoo] a atividades relacionadas com a energia nuclear, nomeadamente as centrais nucleares. Não se trata de uma nota de orientação: antes visa favorecer o debate sobre as questões‑chave no âmbito da mesa redonda consagrada aos projetos relacionados com a energia nuclear, que terá lugar durante a quinta sessão da reunião das Partes na [Convenção de Espoo].

Esta nota não reflete necessariamente as opiniões da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa ou do Secretariado.»

11

O mandato conferido para a elaboração das Recomendações sobre as boas práticas relativas à aplicação da [Convenção de Espoo] às atividades ligadas à energia nuclear, aprovadas pela reunião das Partes na Convenção de Espoo aquando da sétima sessão [Minsk (Bielorrússia), 13‑16 de junho de 2017], indica que o objeto desse documento é «descrever as boas práticas existentes em matéria de avaliação do impacto no ambiente e aplicáveis às atividades ligadas à energia nuclear».

12

Este mandato indica que a verificação preliminar deverá determinar se as atividades nucleares, bem como as modificações sensíveis nelas introduzidas, estão abrangidas ou não pelo âmbito de aplicação da Convenção de Espoo. Precisa que esta verificação «inclui considerações relativas à prorrogação, à renovação e à atualização da licença (por exemplo, prorrogação da longevidade operacional), como um aumento substancial nos níveis de produção ou na produção/transporte/armazenamento dos resíduos radioativos de uma instalação (não apenas uma central nuclear) e a colocação fora de serviço».

2.   Convenção de Aarhus

13

Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, a definição dada por esta convenção à expressão «autoridade pública»«não inclui organismos ou instituições que atuem na qualidade de órgãos […] legislativos».

14

O artigo 6.o da Convenção de Aarhus, com a epígrafe «Participação do público nas decisões referentes a atividades específicas», estipula, nos seus n.os 1 e 4:

«1.   Cada Parte:

a)

Aplicará o disposto no presente artigo às decisões relativas à autorização das atividades propostas, constantes do anexo I;

b)

Aplicará igualmente o disposto no presente artigo, em conformidade com a legislação nacional, às decisões relativas às atividades propostas não incluídas no anexo I que possam ter um impacto significativo no ambiente. Para este fim, as partes determinarão a pertinência da sujeição de tal atividade às disposições em apreço; […]

[…]

4.   Cada parte velará pela participação do público o mais cedo possível no processo, quando todas as opções estiverem em aberto e possa haver uma participação efetiva do público.»

15

O anexo I da Convenção de Aarhus, intitulado «Lista das atividades referidas no n.o 1, alínea a), do artigo 6.o», refere, no seu ponto 1, quinto travessão, as «centrais nucleares e outros reatores nucleares, incluindo o desmantelamento ou a desclassificação dessas centrais nucleares ou dos reatores nucleares».

16

Segundo o ponto 22 deste anexo:

«As alterações ou o alargamento das atividades que preencham os critérios/limiares fixados no presente anexo serão submetidos ao disposto no n.o 1, alínea a), do artigo 6.o da presente convenção. As restantes alterações ou extensões das atividades serão submetidas ao disposto no n.o 1, alínea b), do artigo 6.o da presente convenção.»

17

As Recomendações de Maastricht sobre os meios destinados a promover a participação efetiva do público no processo de tomada de decisão em matéria de ambiente foram aprovadas pela reunião das Partes na Convenção de Aarhus na quinta sessão [Maastricht (Países Baixos), 30 de junho‑1 de julho de 2014]. Na parte intitulada «Resumo» destas recomendações, refere‑se que as mesmas, embora não sejam «nem vinculativas nem exaustivas», fornecem, no entanto, «preciosas orientações sobre a aplicação dos artigos 6.o, 7.o e 8.o da [Convenção de Aarhus]».

B. Direito da União

1.   Diretiva Habitats

18

O artigo 2.o da Diretiva Habitats precisa, no seu n.o 2:

«As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.»

19

O artigo 3.o desta diretiva prevê, no seu n.o 1:

«É criada uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação denominada “Natura 2000”. Esta rede, formada por sítios que alojam tipos de habitats naturais constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural.

A rede Natura 2000 compreende também as zonas de proteção especial designadas pelos Estados‑Membros nos termos da Diretiva 79/409/CEE[, de 2 de abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO 1979, L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125)].»

20

O artigo 6.o da Diretiva Habitats dispõe:

«1.   Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

2.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos da presente diretiva.

3.   Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.o 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.   Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projeto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adotadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

21

O artigo 7.o da Diretiva Habitats enuncia:

«As obrigações decorrentes dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 6.o substituem as decorrentes do n.o 4, primeira frase, do artigo 4.o da Diretiva [79/409], no respeitante às zonas de proteção especial classificadas nos termos do n.o 1 do artigo 4.o ou analogamente reconhecidas nos termos do n.o 2, do artigo 4.o da presente diretiva a partir da data da sua entrada em aplicação ou da data da classificação ou do reconhecimento pelo Estado‑Membro nos termos da Diretiva [79/409], se esta for posterior.»

2.   Diretiva Aves

22

O artigo 2.o da Diretiva Aves enuncia:

«Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para manter ou adaptar a população de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.o a um nível que corresponda nomeadamente às exigências ecológicas, científicas e culturais, tendo em conta as experiências económicas e de recreio.»

23

O artigo 3.o desta diretiva prevê:

«1.   Tendo em conta as exigências mencionadas no artigo 2.o, os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para preservar, manter ou restabelecer uma diversidade e uma extensão suficientes de habitats para todas as espécies de aves referidas no artigo 1.o

2.   A preservação, a manutenção e o restabelecimento dos biótopos e dos habitats comportam em primeiro lugar as seguintes medidas:

a)

Criação de zonas de proteção;

b)

Manutenção e adaptação ajustadas aos imperativos ecológicos dos habitats situados no interior e no exterior das zonas de proteção;

c)

Reabilitação dos biótopos destruídos;

d)

Criação de biótopos.»

24

O artigo 4.o da referida diretiva indica:

«1.   As espécies mencionadas no anexo I são objeto de medidas de conservação especial respeitantes ao seu habitat, de modo a garantir a sua sobrevivência e a sua reprodução na sua área de distribuição.

[…]

2.   Os Estados‑Membros tomam medidas semelhantes para as espécies migratórias não referidas no anexo I e cuja ocorrência seja regular, tendo em conta as necessidades de proteção na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente diretiva no que diz respeito às suas áreas de reprodução, de muda e de invernada e às zonas de repouso e alimentação nos seus percursos de migração. […]

[…]

4.   Os Estados‑Membros tomam as medidas adequadas para evitar, nas zonas de proteção referidas nos n.os 1 e 2, a poluição ou a deterioração dos habitats, bem como as perturbações que afetam as aves, desde que tenham um efeito significativo a propósito dos objetivos do presente artigo. Para além destas zonas de proteção, os Estados‑Membros esforçam‑se igualmente por evitar a poluição ou a deterioração dos habitats

25

Como resulta do seu artigo 18.o, primeiro parágrafo, a Diretiva Aves revogou a Diretiva 79/409. O segundo parágrafo deste artigo 18.o precisa que as remissões para esta última diretiva devem entender‑se como sendo feitas para a Diretiva Aves e devem ler‑se nos termos da tabela de correspondência que consta do anexo VII desta.

3.   Diretiva AEA

26

Os considerandos 1, 15 e 18 a 20 da Diretiva AEA enunciam:

«(1)

A Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente [(JO 1985, L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9),] foi por várias vezes alterada de modo substancial, sendo conveniente, por uma questão de lógica e clareza, proceder à sua codificação sendo conveniente, por uma questão de lógica e clareza, proceder à sua codificação.

[…]

(15)

É desejável estabelecer disposições reforçadas relativas à avaliação do impacto ambiental num contexto transfronteiriço, de modo a ter em conta a evolução a nível internacional. A Comunidade Europeia assinou, em 25 de fevereiro de 1991 e ratificou em 24 de junho de 1997, a [Convenção de Espoo].

[…]

(18)

A Comunidade Europeia assinou a [Convenção de Aarhus] em 25 de junho de 1998 e ratificou‑a em 17 de fevereiro de 2005.

(19)

Um dos objetivos da Convenção de Aarhus é o de garantir os direitos de participação do público na tomada de decisões em questões ambientais, a fim de contribuir para a proteção do direito dos indivíduos de viverem num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar.

(20)

O artigo 6.o da Convenção de Aarhus prevê a participação do público em decisões sobre atividades específicas enumeradas no anexo I da convenção e sobre atividades não incluídas nessa lista que podem ter um efeito significativo no ambiente.»

27

Nos termos do artigo 1.o, n.os 2 e 4, desta diretiva:

«2.   Na aceção da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Projeto”:

a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras,

outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo;

b)

“Dono da obra”: o autor de um pedido de aprovação de um projeto privado, ou a autoridade pública que toma a iniciativa relativa a um projeto;

c)

“Aprovação”: a decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar o projeto;

[…]

4.   A presente diretiva não se aplica aos projetos que são adotados em pormenor por um ato legislativo nacional específico, visto os objetivos da presente diretiva, incluindo o de prestar informações, serem atingidos através do processo legislativo.»

28

O artigo 2.o, n.os 1 e 4, da referida diretiva prevê:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para garantir que, antes de concedida a aprovação, os projetos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização, fiquem sujeitos a um pedido de aprovação e a uma avaliação dos seus efeitos. Esses projetos são definidos no artigo 4.o

[…]

4.   Sem prejuízo do disposto no artigo 7.o, os Estados‑Membros podem, em casos excecionais, isentar um projeto específico, na totalidade ou em parte, das disposições previstas na presente diretiva.

Nesse caso, os Estados‑Membros:

a)

Examinam a conveniência de outras formas de avaliação;

b)

Colocam à disposição do público interessado a informação recolhida através das outras formas de avaliação nos termos da alínea a), a informação relativa à decisão que concede a isenção e os motivos para a concessão da mesma;

c)

Informarão a Comissão, antes de concederem a aprovação, dos motivos que justificam a isenção concedida e fornecer‑lhe‑ão as informações que porão, sempre que aplicável, à disposição dos seus nacionais.

A Comissão transmite imediatamente aos outros Estados‑Membros os documentos recebidos.

A Comissão informará anualmente o Parlamento Europeu e o Conselho da aplicação do presente número.»

29

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto no artigo 2.o, n.o 4, os projetos incluídos no anexo I serão submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.o a 10.o

2.   Sem prejuízo do disposto no artigo 2.o, n.o 4, os Estados‑Membros determinarão, relativamente aos projetos incluídos no anexo II, se o projeto deve ser submetido a uma avaliação nos termos dos artigos 5.o a 10.o Os Estados‑Membros procedem a essa determinação:

a)

Com base numa análise caso a caso;

ou

b)

Com base nos limiares ou critérios por eles fixados.

Os Estados‑Membros podem decidir aplicar os dois procedimentos referidos nas alíneas a) e b).»

30

O artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva AEA prevê que as informações a fornecer pelo dono da obra, no caso de projetos que, em conformidade com o disposto no artigo 4.o, devem ser submetidos a uma avaliação de impacto no ambiente, devem incluir, pelo menos: uma descrição do projeto incluindo as informações relativas à sua localização, à sua conceção e às suas dimensões; uma descrição das medidas previstas para evitar, reduzir e, se possível, compensar os efeitos negativos significativos; os dados necessários para identificar e avaliar os principais impactos que o projeto possa ter no ambiente; um resumo das principais soluções alternativas estudadas pelo dono da obra e a indicação das principais razões da sua escolha, atendendo aos efeitos no ambiente; um resumo não técnico destas diferentes informações.

31

O artigo 7.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva enuncia:

«Sempre que um Estado‑Membro tiver conhecimento de que um projeto pode vir a ter efeitos significativos no ambiente de outro Estado‑Membro ou sempre que um Estado‑Membro que possa vir a ser significativamente afetado o solicitar, o Estado‑Membro em cujo território se prevê a realização do projeto deve enviar ao Estado‑Membro afetado, o mais rapidamente possível e o mais tardar quando informar o seu próprio público, nomeadamente:

a)

Uma descrição do projeto, acompanhada de toda a informação disponível sobre os seus eventuais impactos transfronteiriços;

b)

Informação sobre a natureza da decisão que poderá ser tomada.»

32

O anexo I da referida diretiva, intitulado «Projetos abrangidos pelo artigo 4.o, n.o 1», refere, no seu ponto 2, alínea b), as «[c]entrais nucleares e outros reatores nucleares, incluindo o desmantelamento e a desativação dessas centrais nucleares ou dos reatores nucleares».

33

O referido anexo I visa, no seu ponto 24, «[q]ualquer alteração ou ampliação de projetos incluídos no presente anexo, se essa alteração ou ampliação, em si mesma, corresponder aos eventuais limiares estabelecidos no presente anexo».

34

O anexo II da Diretiva AEA refere, no seu ponto 13, alínea a), «[q]ualquer alteração ou ampliação de projetos incluídos no anexo I ou no presente anexo, já autorizados, executados ou em execução, que possam ter impactos negativos importantes no ambiente (alteração ou ampliação não incluída no anexo I)».

C. Direito belga

1.   Lei de 31 de janeiro de 2003

35

A loi du 31 janvier 2003 sur la sortie progressive de l’énergie nucléaire à des fins de production industrielle d’électricité (Lei de 31 de janeiro de 2003 sobre o abandono progressivo da energia nuclear para fins de produção industrial de eletricidade) (Moniteur belge de 28 de fevereiro de 2003, p. 9879, a seguir «Lei de 31 de janeiro de 2003») estabeleceu um calendário de abandono progressivo da produção industrial de eletricidade a partir da fissão de combustíveis nucleares pelas centrais nucleares.

36

Nos termos do artigo 2.o desta lei:

«Para efeitos da aplicação da presente lei, deve entender‑se por:

1° “data de entrada em funcionamento industrial”: a data do acordo formal entre o produtor de eletricidade, os construtores e o gabinete de estudos, pelo qual termina a fase de projeto e começa a fase de produção, a saber, para as centrais existentes:

Doel 1: 15 de fevereiro de 1975

Doel 2: 1 de dezembro de 1975

Doel 3: 1 de outubro de 1982

Doel 4: 1 de julho de 1985

Tihange 1: 1 de outubro de 1975

Tihange 2: 1 de fevereiro de 1983

Tihange 3: 1 de setembro de 1985

[…]»

37

Na sua versão inicial, o artigo 4.o da referida lei previa:

«§ 1.   As centrais nucleares destinadas à produção industrial de eletricidade a partir da fissão de combustíveis nucleares são desativadas quarenta anos após a data da sua entrada em funcionamento industrial e não podem voltar a produzir eletricidade a partir desse instante.

§ 2.   Todas as autorizações individuais de exploração e de produção industrial de eletricidade a partir da fissão de combustíveis nucleares, emitidas pelo Rei por um período de duração ilimitada […], terminam quarenta anos após a data de entrada em funcionamento industrial da instalação de produção em causa.»

38

Segundo o artigo 9.o da mesma lei:

«Em caso de ameaça para a segurança do abastecimento em matéria de eletricidade, o Rei pode, por decreto real aprovado em Conselho de Ministros, após parecer da Commission de Régulation de l’Électricité et du Gaz [Comissão de Regulação da Eletricidade e do Gás, Bélgica], tomar as medidas necessárias, sem prejuízo dos artigos 3.o a 7.o desta lei, salvo em caso de força maior. Este parecer incidirá, nomeadamente, sobre o impacto da evolução dos preços de produção na segurança do abastecimento.»

2.   Lei de 28 de junho de 2015

39

A loi du 28 juin 2015 modifiant la loi du 31 janvier 2003 sur la sortie progressive de l’énergie nucléaire à des fins de production industrielle d’électricité afin de garantir la sécurité d’approvisionnement sur le plan énergétique (Lei de 28 de junho de 2015, que altera a Lei de 31 de janeiro de 2003 sobre o abandono progressivo da energia nuclear para fins de produção industrial de eletricidade a fim de garantir a segurança do abastecimento no plano energético) (Moniteur belge de 6 de julho de 2015, p. 44423, a seguir «Lei de 28 de junho de 2015»), entrou em vigor em 6 de julho de 2015.

40

A exposição de motivos da Lei de 28 de junho de 2015 sublinha, nomeadamente, que a situação potencialmente problemática em matéria de segurança do abastecimento é evidenciada em vários estudos científicos e que, tendo em conta as grandes incertezas ligadas à reativação das centrais Doel 3 e Tihange 2, ao encerramento anunciado de centrais térmicas no ano de 2015 e ao facto de a integração das capacidades externas à rede belga não ser possível a curto prazo, o Governo belga decidiu, em 18 de dezembro de 2014, prorrogar a exploração das centrais Doel 1 e Doel 2 por um período de dez anos, sem que a duração da exploração desses reatores possa ser prorrogada para além do ano de 2025. Enuncia que esta prorrogação será realizada no respeito das prescrições em matéria de reavaliação decenal de segurança que abrangem nomeadamente as medidas previstas pelo plano para a exploração a longo prazo das centrais, elaborado pela Electrabel SA, que detalha as medidas a tomar em razão da prorrogação da atividade de produção industrial de eletricidade das duas centrais, dito «plano Long Term Operation» (a seguir «plano LTO»), a readaptação do plano de ação relativo aos testes de resistência e as aprovações necessárias da Agence fédérale de contrôle nucléaire (Agência Federal de Controlo Nuclear, Bélgica, a seguir «AFCN»).

41

O artigo 4.o, n.o 1, da Lei de 31 de janeiro de 2003, na sua versão resultante da Lei de 28 de junho de 2015, dispõe atualmente:

«A central nuclear Doel 1 pode voltar a produzir eletricidade a partir da entrada em vigor da [Lei de 28 de junho de 2015]. Será desativada e não poderá voltar a produzir eletricidade a partir de 15 de fevereiro de 2025. As restantes centrais nucleares destinadas à produção industrial de eletricidade a partir da fissão de combustíveis nucleares serão desativadas nas seguintes datas e não poderão voltar a produzir eletricidade a partir destas datas:

[…]

Doel 2: 1 de dezembro de 2025.»

42

Por outro lado, a Lei de 28 de junho de 2015 completou o artigo 4.o da Lei de 31 de janeiro de 2003 com um n.o 3, com a seguinte redação:

«O Rei apresenta, por decreto aprovado em Conselho de Ministros, a data prevista no § 1 para as centrais nucleares de Doel 1 e de Doel 2 em 31 de março de 2016, se não tiver sido celebrada a convenção prevista no artigo 4.o/2, § 3, até 30 de novembro de 2015.»

43

Por último, a Lei de 28 de junho de 2015 inseriu na Lei de 31 de janeiro de 2003 um artigo 4.o/2, com a seguinte redação:

«§ 1.   O proprietário das centrais nucleares Doel 1 e Doel 2 paga ao Estado federal, até 15 de fevereiro de 2025 para Doel 1 e até 1 de dezembro de 2025 para Doel 2, uma taxa anual como contrapartida pela prorrogação da duração da licença de produção industrial de eletricidade a partir da fissão de combustíveis nucleares.

[…]

§ 3.   O Estado federal celebra uma convenção com o proprietário das centrais nucleares Doel 1 e Doel 2, com vista, designadamente, a:

precisar as modalidades de cálculo da taxa referida no n.o 1;

regular a indemnização de cada uma das partes em caso de incumprimento das suas obrigações contratuais.»

II. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

44

O Reino da Bélgica dispõe de sete reatores nucleares: quatro no território da Região da Flandres, em Doel (Doel 1, Doel 2, Doel 3 e Doel 4), e três no território da Região da Valónia, em Tihange (Tihange 1, Tihange 2 e Tihange 3). No âmbito do presente acórdão, cada um dos reatores é designado como sendo uma central nuclear distinta.

45

As centrais Doel 1 e Doel 2 estão em funcionamento desde, respetivamente, 15 de fevereiro de 1975 e 1 de dezembro de 1975. Foram objeto de uma autorização única, concedida em 1974 por decreto real, por tempo indeterminado.

46

A Lei de 31 de janeiro de 2003, na sua redação inicial, por um lado, proibiu a construção e a entrada em funcionamento de qualquer nova central nuclear na Bélgica e, por outro, estabeleceu um calendário de abandono progressivo do nuclear, decidindo o encerramento, numa determinada data, da atividade de produção industrial de eletricidade de todas as centrais em atividade. Para o efeito, previu que as autorizações individuais de exploração e de produção industrial de eletricidade caducariam quarenta anos após a entrada em funcionamento da central em causa, conferindo, no entanto, ao Rei a possibilidade de alterar esse calendário em caso de ameaça à segurança do abastecimento do país.

47

No entanto, a Lei de 18 de dezembro de 2013, que alterou a Lei de 31 de janeiro de 2003, adiou por dez anos a data do encerramento da produção industrial de eletricidade da central Tihange 1, que tinha entrado em funcionamento em 1 de outubro de 1975. Esta lei previu que só a autorização de produção industrial de eletricidade caducaria na data de desativação prevista no calendário de abandono do nuclear e que a autorização de exploração continuaria em vigor até que fosse «adaptada». Também suprimiu a possibilidade de o Rei alterar o calendário de abandono do nuclear que tinha sido fixado pela Lei de 31 de janeiro de 2003.

48

Em 18 de dezembro de 2014, o Governo belga decidiu que o período de produção de eletricidade das centrais Doel 1 e Doel 2 também devia ser prorrogado por dez anos.

49

Em 13 de fevereiro de 2015, a Electrabel, proprietária e operadora destas duas centrais, notificou à AFCN a desativação da central Doel 1 e o encerramento da sua atividade de produção industrial de eletricidade, em 15 de fevereiro de 2015 à meia‑noite, em conformidade com o calendário fixado pela Lei de 31 de janeiro de 2003. Precisava‑se que esta notificação seria «nula e sem efeito» se e a partir do momento em que uma lei de prorrogação decenal relativa a esta central entrasse em vigor e desde que as respetivas condições fossem aceites pela Electrabel.

50

A Lei de 28 de junho de 2015 alterou novamente o calendário de abandono do nuclear fixado pelo legislador nacional, adiando por dez anos o prazo fixado para o encerramento da produção industrial de eletricidade das centrais Doel 1 e Doel 2. Esta lei também previu que a central Doel 1 poderia voltar a produzir eletricidade.

51

Em conformidade com esta lei, estas duas centrais devem ser desativadas e cessar a sua produção industrial de eletricidade em 15 de fevereiro de 2025, para a central Doel 1, e em 1 de dezembro de 2025, para a central Doel 2.

52

Resulta da decisão de reenvio que foram realizadas várias audições pelos parlamentares no âmbito do processo de adoção da referida lei, incluindo do diretor do organismo nacional dos resíduos radioativos e dos materiais físseis enriquecidos, o qual indicou que a prorrogação por dez anos da atividade de produção de eletricidade destas duas centrais poderia produzir cerca de 350 m3 de resíduos de exploração.

53

Em setembro de 2015, a AFCN confirmou a sua decisão, adotada em agosto de 2015, de não submeter as alterações projetadas pelo operador no quadro do plano LTO a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente.

54

Esta decisão foi objeto de recurso para o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica).

55

Um Decreto Real de 27 de setembro de 2015 precisou as condições de exploração das centrais Doel 1 e Doel 2, prevendo que a Electrabel deveria dar execução ao plano LTO, o mais tardar, no final de 2019. Este decreto foi igualmente objeto de recurso para o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional).

56

Em 30 de novembro de 2015, a Electrabel e o Estado belga assinaram uma convenção que previa a realização de um plano de investimentos denominado «de jouvence», no montante de cerca de 700 milhões de euros, para a prorrogação do período de exploração das centrais Doel 1 e Doel 2 até ao prazo previsto na Lei de 28 de junho de 2015 (a seguir «convenção de 30 de novembro de 2015»).

57

A Inter‑Environnement Wallonie e a Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen, associações belgas de proteção do ambiente, interpuseram na Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional, Bélgica) um recurso de anulação da Lei de 28 de junho de 2015. Alegam, essencialmente, que esta lei foi adotada sem que fossem respeitadas as exigências de avaliação prévia, impostas tanto pelas Convenções de Espoo e de Aarhus como pelas Diretivas AEA, Habitats e Aves.

58

Nestas condições, a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 2.o, n.os 1 a 3, 6 e 7, o artigo 3.o, n.o 8, o artigo 5.o, o artigo 6.o, n.o 1, e o ponto 2 do apêndice I da [Convenção de Espoo] ser interpretados em conformidade com as precisões fornecidas pelo Documento de informação sobre a aplicação da [Convenção de Espoo] a atividades relacionadas com a energia nuclear e as Recomendações sobre as boas práticas relativas à aplicação da [Convenção de Espoo] às atividades ligadas à energia nuclear?

2)

Pode o artigo 1.o, alínea 9), da Convenção de Espoo, que define a “autoridade competente”, ser interpretado no sentido de que exclui do âmbito de aplicação da referida [c]onvenção atos legislativos como a [Lei de 28 de junho de 2015], tendo em conta, designadamente, os diferentes estudos e audições conduzidos no âmbito da adoção desta lei?

3)

a)

Devem os artigos 2.o a 6.o da Convenção de Espoo ser interpretados no sentido de que se aplicam previamente à adoção de um ato legislativo como a [Lei de 28 de junho de 2015], cujo artigo 2.o adia a data da desativação e do fim da produção industrial de eletricidade das centrais nucleares de Doel 1 e de Doel 2?

b)

A resposta à questão enunciada na alínea a) é diferente consoante a mesma seja respeitante à central de Doel 1 ou à de Doel 2, tendo em conta a necessidade, no que diz respeito à primeira central, de adotar atos administrativos de execução da referida Lei de 28 de junho de 2015?

c)

Pode a segurança de abastecimento em eletricidade do país constituir um motivo imperioso de interesse geral que permite derrogar a aplicação dos artigos 2.o a 6.o da Convenção de Espoo ou suspender essa aplicação?

4)

Deve o artigo 2.o, n.o 2, da [Convenção de Aarhus] ser interpretado no sentido de que exclui do âmbito de aplicação da referida [c]onvenção atos legislativos como a [Lei de 28 de junho de 2015], tendo em conta ou não os diferentes estudos e audições conduzidos no âmbito da adoção desta lei?

5)

a)

Tendo em conta designadamente as “Recomendações de Maastricht sobre os meios destinados a promover a participação efetiva do público no processo de tomada de decisão em matéria de ambiente” no que respeita a um processo de tomada de decisão com múltiplas etapas, devem os artigos 2.o e 6.o, em conjugação com o anexo I.I da Convenção de Aarhus, ser interpretados no sentido de que se aplicam previamente à adoção de um ato legislativo como a [Lei de 28 de junho de 2015], cujo artigo 2.o adia a data da desativação e do fim da produção industrial de eletricidade das centrais nucleares de Doel 1 e de Doel 2?

b)

A resposta à questão enunciada na alínea a) é diferente consoante a mesma seja respeitante à central de Doel 1 ou à de Doel 2, tendo em conta a necessidade, no que diz respeito à primeira central, de adotar atos administrativos de execução da referida Lei de 28 de junho de 2015?

c)

Pode a segurança de abastecimento em eletricidade do país constituir um motivo imperioso de interesse geral que permite derrogar a aplicação dos artigos 2.o e 6.o da Convenção de Aarhus ou suspender essa aplicação?

6)

a)

Deve o artigo 1.o, n.o 2, conjugado com o ponto 13, alínea a), do anexo II da Diretiva [AEA], lidos, sendo caso disso, à luz das Convenções de Espoo e de Aarhus, ser interpretado no sentido de que se aplica ao adiamento da data de desativação e de fim da produção industrial de eletricidade de uma central nuclear, que implica, como no caso vertente, investimentos importantes e nivelamentos da segurança no que respeita às centrais nucleares de Doel 1 e 2?

b)

Em caso de resposta afirmativa à questão enunciada na alínea a), devem os artigos 2.o a 8.o e 11.o e os anexos I, II e III da Diretiva [AEA] ser interpretados no sentido de que se aplicam previamente à adoção de um ato legislativo como a [Lei de 28 de junho de 2015], cujo artigo 2.o adia a data da desativação e do fim da produção industrial de eletricidade das centrais nucleares de Doel 1 e de Doel 2?

c)

A resposta às questões enunciadas nas alíneas a) e b) é diferente consoante a mesma seja respeitante à central de Doel 1 ou à de Doel 2, tendo em conta a necessidade, no que diz respeito à primeira central, de adotar atos administrativos de execução da referida Lei de 28 de junho de 2015?

d)

Em caso de resposta afirmativa à questão enunciada na alínea a), deve o artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva [AEA] ser interpretado no sentido de que permite isentar o adiamento da desativação de uma central nuclear da aplicação dos artigos 2.o a 8.o e 11.o da Diretiva [AEA] por motivos imperiosos de interesse geral ligados à segurança do abastecimento em eletricidade do país?

7)

Deve o conceito de “ato legislativo específico” na aceção do artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva [AEA] ser interpretado no sentido de que exclui do âmbito de aplicação da referida diretiva um ato legislativo como a [Lei de 28 de junho de 2015], tendo em conta, designadamente, os diferentes estudos e audições conduzidos no âmbito da adoção desta lei e que seriam suscetíveis de alcançar os objetivos da diretiva referida?

8)

a)

Deve o artigo 6.o da Diretiva [Habitats], em conjugação com os artigos 3.o e 4.o da Diretiva [Aves], lidos, sendo caso disso, à luz da Diretiva [AEA] e das Convenções de Espoo e de Aarhus, ser interpretado no sentido de que se aplica ao adiamento da data de desativação e de fim da produção industrial de eletricidade de uma central nuclear, que implica, como no caso vertente, investimentos importantes e nivelamentos da segurança no que respeita às centrais nucleares de Doel 1 e [Doel] 2?

b)

Em caso de resposta afirmativa à questão enunciada na alínea a), deve o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva [Habitats] ser interpretado no sentido de que se aplica previamente à adoção de um ato legislativo como a [Lei de 28 de junho de 2015], cujo artigo 2.o adia a data da desativação e do fim da produção industrial de eletricidade das centrais nucleares de Doel 1 e de Doel 2?

c)

A resposta às questões enunciadas nas alíneas a) e b) é diferente consoante a mesma seja respeitante à central de Doel 1 ou à de Doel 2, tendo em conta a necessidade, no que diz respeito à primeira central, de adotar atos administrativos de execução da referida Lei de 28 de junho de 2015?

d)

Em caso de resposta afirmativa à questão enunciada na alínea a), deve o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva [Habitats] ser interpretado no sentido de que permite considerar como razão imperativa de [reconhecido interesse público] motivos ligados à segurança do abastecimento em eletricidade do país, tendo em conta, designadamente, os diferentes estudos e audições conduzidos no âmbito da adoção da referida Lei de 28 de junho de 2015 e que seriam suscetíveis de alcançar os objetivos da diretiva referida?

9)

Se chegar à conclusão, com base nas respostas dadas às questões prejudiciais anteriores, de que a [Lei de 28 de junho de 2015] viola uma das obrigações decorrentes das convenções ou diretivas referidas, sem que a segurança do abastecimento em eletricidade do país possa constituir um motivo imperioso de interesse geral que permita derrogar essas obrigações, pode o juiz nacional manter os efeitos da Lei de 28 de junho de 2015, a fim de evitar uma insegurança jurídica e permitir que sejam cumpridas as obrigações de avaliação das incidências ambientais e de participação do público decorrentes das convenções ou diretivas referidas?»

III. Quanto às questões prejudiciais

A. Quanto à sexta e sétima questões, relativas à Diretiva AEA

1.   Quanto à sexta questão, alíneas a) a c)

59

Com a sua sexta questão, alíneas a) a c), que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, e o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva AEA devem ser interpretados no sentido de que a reativação, por um período de cerca de dez anos, da produção industrial de eletricidade de uma central nuclear encerrada, com o efeito de adiar por dez anos a data inicialmente fixada pelo legislador nacional para a sua desativação e o fim da sua atividade, e o adiamento, também por dez anos, do prazo inicialmente fixado por esse mesmo legislador para a desativação e o encerramento da produção industrial de eletricidade de uma central em atividade, medidas que implicam obras de modernização das centrais em causa, constituem um projeto, na aceção desta diretiva, e, sendo caso disso, se essas medidas e essas obras devem ser submetidas a uma avaliação dos efeitos no ambiente previamente à adoção das referidas medidas pelo legislador nacional. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre a pertinência da circunstância de a aplicação das medidas contestadas perante ele exigir, em relação a uma das duas centrais em causa, a adoção de atos posteriores, como a emissão de uma nova autorização individual de produção de eletricidade para fins industriais.

60

Uma vez que, segundo o considerando 1 da Diretiva AEA, esta codifica a Diretiva 85/337, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições desta última diretiva é igualmente válida para a Diretiva AEA, quando as respetivas disposições são idênticas.

a)   Quanto ao conceito de «projeto», na aceção da Diretiva AEA

61

Importa recordar que a definição do termo «projeto», contida no artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AEA, refere, no seu primeiro travessão, a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras e, no segundo travessão, outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo.

62

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o termo «projeto» se refere, atendendo, em especial, à redação do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva AEA, a obras ou intervenções que alterem a realidade física do sítio (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2012, Pro‑Braine e o., C‑121/11, EU:C:2012:225, n.o 31 e jurisprudência referida).

63

A questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio é saber se as medidas em causa no processo principal se enquadram nessa qualificação, uma vez que, para a sua execução, carecem e, portanto, são necessariamente acompanhadas de importantes investimentos e de obras de modernização das duas centrais em causa.

64

Com efeito, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que as medidas em causa no processo principal implicam a realização de obras de envergadura nas centrais Doel 1 e Doel 2, destinadas a modernizá‑las e a garantir o respeito das normas atuais de segurança, como atesta o pacote financeiro, no montante de 700 milhões de euros, que lhes é destinado.

65

Segundo a decisão de reenvio, a convenção de 30 de novembro de 2015 prevê a realização de um plano de investimentos denominado «de jouvence», que descreve essas obras como as necessárias à prorrogação do período de exploração das duas centrais e como abrangendo, designadamente, os investimentos aprovados pela AFCN no quadro do plano LTO para a substituição de instalações por causa de envelhecimento e para a modernização de outras instalações, bem como as alterações a introduzir por força da quarta vistoria periódica de segurança e dos testes de resistência efetuados na sequência do acidente de Fukushima (Japão).

66

Em especial, resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que essas obras deveriam incidir designadamente sobre a modernização das cúpulas das centrais Doel 1 e Doel 2, a renovação das piscinas de armazenamento do combustível usado, a instalação de uma nova estação de bombagem e a adaptação das bases, a fim de melhor proteger estas centrais contra as inundações. Estas obras implicam não só a melhoria das estruturas existentes mas também a construção de três edifícios, dos quais dois se destinam a alojar os sistemas de ventilação e o terceiro uma estrutura anti‑incêndio. Ora, tais obras são suscetíveis de afetar a realidade física dos sítios em causa, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

67

Por outro lado, embora seja verdade que essas obras não são referidas na Lei de 28 de junho de 2015, mas na convenção de 30 de novembro de 2015, estão estreitamente ligadas às medidas adotadas pelo legislador belga.

68

Com efeito, estas últimas, pela amplitude da prorrogação do período da atividade de produção industrial de energia que preveem, não puderam ser votadas sem que previamente o legislador belga tivesse tido conhecimento da natureza e da viabilidade técnica e financeira das obras de modernização que implicam, bem como dos investimentos necessários à sua execução. Acresce que a exposição de motivos e os trabalhos preparatórios da Lei de 28 de junho de 2015 referem expressamente estas obras de modernização e estes investimentos.

69

Importa igualmente salientar que este nexo material entre as medidas contestadas no órgão jurisdicional de reenvio e os investimentos mencionados no número anterior é confirmado pelo facto de a Lei de 28 de junho de 2015 ter inserido, no artigo 4.o da Lei de 31 de janeiro de 2003, um n.o 3, que prevê que, na falta de celebração, o mais tardar até 30 de novembro de 2015, de uma convenção entre o proprietário das centrais Doel 1 e Doel 2 e o Estado belga, o Rei apresentaria, em 31 de março de 2016, a data de desativação dessas centrais.

70

Além disso, resulta igualmente dos autos transmitidos ao Tribunal de Justiça que o operador das duas centrais se comprometeu juridicamente a realizar todas estas obras ao final de 2019.

71

Tendo em conta estes diferentes elementos, medidas como as que estão em causa no processo principal não podem ser artificialmente separadas das obras que lhes estão indissociavelmente ligadas, para efeitos de apreciar a existência, no caso em apreço, de um projeto na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva AEA. Por conseguinte, há que concluir que tais medidas e as obras de modernização que lhes estão indissociavelmente ligadas fazem parte, conjuntamente, e sob reserva das apreciações de facto que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, de um mesmo projeto, na aceção desta disposição.

72

A circunstância de a aplicação destas medidas exigir, no que respeita a uma das duas centrais em causa, a adoção de atos posteriores, como a emissão de uma nova autorização individual de produção de eletricidade para fins industriais, não é suscetível de alterar esta análise.

b)   Quanto à necessidade de uma avaliação dos efeitos no ambiente

73

Importa, a título preliminar, recordar que os projetos, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AEA, devem, antes de serem aprovados, ser sujeitos a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente, por força do artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva, quando possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização.

74

Além disso, o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva AEA não impõe que qualquer projeto que possa ter um impacto significativo no ambiente seja sujeito ao procedimento de avaliação que esta diretiva prevê, mas apenas que devem sê‑lo aqueles que são mencionados no artigo 4.o desta diretiva, que remete para os projetos enumerados nos anexos I e II da mesma (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2011, Brussels Hoofdstedelijk Gewest e o., C‑275/09, EU:C:2011:154, n.o 25).

75

Por último, resulta de uma leitura conjugada do artigo 2.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva AEA que os projetos incluídos no anexo I desta diretiva apresentam, por natureza, um risco de impacto significativo no ambiente e devem imperativamente ser objeto de uma avaliação dos seus efeitos no ambiente (v., neste sentido, sobre esta obrigação de avaliação, Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Comissão/Espanha, C‑404/09, EU:C:2011:768, n.o 74, e de 11 de fevereiro de 2015, Marktgemeinde Straßwalchen e o., C‑531/13, EU:C:2015:79, n.o 20).

1) Quanto à aplicação dos anexos I e II da Diretiva AEA

76

O ponto 2, alínea b), do anexo I da Diretiva AEA menciona, entre os projetos que o artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva submete a uma avaliação nos termos dos artigos 5.o a 10.o da referida diretiva, as centrais nucleares e os outros reatores nucleares, incluindo o seu desmantelamento e a sua desativação.

77

Por conseguinte, importa apreciar se medidas como as que estão em causa no processo principal, em conjunto com as obras de que são indissociáveis, podem ser abrangidas pelo ponto 24 do anexo I da Diretiva AEA, que remete para «[q]ualquer alteração ou ampliação de projetos incluídos no presente anexo, se essa alteração ou ampliação, em si mesma, corresponder aos eventuais limiares estabelecidos no presente anexo», ou pelo ponto 13, alínea a), do anexo II desta diretiva, que se refere a «[q]ualquer alteração ou ampliação de projetos incluídos no anexo I ou no presente anexo, já autorizados, executados ou em execução, que possam ter impactos negativos importantes no ambiente (alteração ou ampliação não incluída no anexo I)».

78

Quanto ao ponto 24 do anexo I da Diretiva AEA, resulta dos seus termos e da sua sistemática que o mesmo visa as alterações ou as ampliações de um projeto que, nomeadamente, pela sua natureza ou dimensão, apresentam riscos semelhantes, em termos de efeitos no ambiente, ao próprio projeto.

79

Ora, deve considerar‑se que as medidas em causa no processo principal, que têm por efeito prorrogar, por um período significativo de dez anos, a duração, anteriormente limitada a quarenta anos pela Lei de 31 de janeiro de 2003, da autorização de produção, pelas duas centrais em causa, de eletricidade para fins industriais, combinadas com as importantes obras de renovação declaradas necessárias pela vistoria a essas centrais e com a obrigação de as conformar com as normas de segurança, são de dimensão comparável, em termos de riscos de efeitos no ambiente, à entrada em funcionamento inicial das referidas centrais.

80

Por conseguinte, importa considerar que essas medidas e essas obras estão abrangidas pelo ponto 24 do anexo I da Diretiva AEA. Com efeito, tal projeto apresenta, por natureza, um risco de impacto significativo no ambiente, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva, e deve imperativamente ser submetido a uma avaliação de impacto no ambiente por força do artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva.

81

Além disso, uma vez que as centrais Doel 1 e Doel 2 estão situadas na proximidade da fronteira do Reino da Bélgica com o Reino dos Países Baixos, não se pode contestar que tal projeto também pode ter efeitos significativos no ambiente deste último Estado‑Membro, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da mesma diretiva.

2) Quanto ao momento em que a avaliação dos efeitos no ambiente deve ser realizada

82

O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva AEA precisa que a avaliação dos efeitos no ambiente que impõe deve ocorrer «antes de concedida a aprovação» dos projetos sujeitos a essa avaliação.

83

Como o Tribunal de Justiça já sublinhou, o caráter prévio de tal avaliação justifica‑se pela necessidade de, no processo decisório, a autoridade competente ter em conta, o mais cedo possível, os efeitos no ambiente de todos os processos técnicos de planificação e de decisão, para evitar, desde o início, a criação de poluições ou de perturbações, em vez de combater posteriormente os seus efeitos (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Polónia, C‑526/16, não publicado, EU:C:2018:356, n.o 75 e jurisprudência referida).

84

Importa igualmente referir que o artigo 1.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva AEA define o termo «aprovação» como a decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar o projeto, o que cabe, em princípio, ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, com base na legislação nacional aplicável.

85

Por outro lado, caso o direito nacional preveja que o processo de aprovação se desenrole em várias etapas, a avaliação dos efeitos de um projeto no ambiente deve, em princípio, ser efetuada logo que seja possível identificar e avaliar todos os efeitos que esse projeto é suscetível de ter no ambiente (Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, EU:C:2004:12, n.o 52, e de 28 de fevereiro de 2008, Abraham e o., C‑2/07, EU:C:2008:133, n.o 26).

86

Assim, quando uma dessas etapas é uma decisão principal e a outra uma decisão de execução que não pode ir além dos parâmetros determinados pela decisão principal, os efeitos que o projeto é suscetível de ter no ambiente devem ser identificados e avaliados no procedimento relativo à decisão principal. Só se esses efeitos apenas forem identificáveis quando do procedimento relativo à decisão de execução é que a avaliação deverá ser efetuada durante este procedimento (Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, EU:C:2004:12, n.o 52, e de 28 de fevereiro de 2008, Abraham e o., C‑2/07, EU:C:2008:133, n.o 26).

87

No caso em apreço, embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, com base na legislação nacional aplicável, se a Lei de 28 de junho de 2015 vale como aprovação, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva AEA, importa desde já declarar que esta lei prevê, de forma precisa e incondicional, por um lado, a reativação, por um período de cerca de dez anos, da produção industrial de eletricidade de uma central nuclear encerrada, com o efeito de adiar por dez anos a data inicialmente fixada pelo legislador nacional para a sua desativação e o fim da sua produção industrial de eletricidade, e, por outro, o adiamento, também por dez anos, do prazo inicialmente previsto pelo legislador nacional para o encerramento da produção industrial de eletricidade de uma central em atividade.

88

Daqui resulta que, mesmo que a execução destas medidas careça da adoção de atos posteriores no âmbito de um processo complexo e regulado, destinado designadamente a garantir o respeito das normas de proteção e de segurança aplicáveis a esta atividade de produção industrial de eletricidade de origem nuclear, e embora as referidas medidas estejam em especial sujeitas, como resulta da exposição de motivos da Lei de 28 de junho de 2015, a uma aprovação prévia da AFCN, não deixa de ser verdade que essas medidas, uma vez adotadas pelo legislador nacional, definem as características essenciais do projeto e, a priori, já não podem ser discutidas ou postas em causa.

89

A circunstância de a execução deste projeto carecer da emissão, para uma das duas centrais em causa, de uma nova autorização individual de produção de eletricidade para fins industriais não pode justificar que a avaliação dos seus efeitos no ambiente só seja realizada após a adoção desta lei. Além disso, importa salientar que, segundo as informações prestadas na decisão de reenvio, a quantidade suplementar de resíduos radioativos suscetível de ser gerada pelas medidas em causa no processo principal, a saber, 350 m3, tinha sido levada ao conhecimento do Parlamento belga antes dessa adoção.

90

Acresce que, como declarado nos n.os 63 a 71 do presente acórdão, as medidas em causa no processo principal constituem, conjuntamente com as obras de modernização que lhes estão indissociavelmente ligadas, um projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva AEA.

91

Neste contexto, afigura‑se à primeira vista que a Lei de 28 de junho de 2015 vale como aprovação na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, ou que, pelo menos, constitui a primeira etapa do processo de aprovação do projeto em causa, no que respeita às suas características essenciais.

92

Quanto à questão de saber se a avaliação dos efeitos no ambiente devia igualmente incidir sobre as obras indissociavelmente ligadas às medidas em causa no processo principal, seria esse o caso se, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tanto essas obras como os seus potenciais efeitos no ambiente fossem suficientemente identificáveis nessa fase do processo de aprovação. Sobre este aspeto, resulta da decisão de reenvio que, como já foi sublinhado no n.o 68 do presente acórdão, tanto a natureza como o montante das obras exigidas pelas medidas contidas na Lei de 28 de junho de 2015 também eram do conhecimento do Parlamento belga antes da adoção desta lei.

93

Por outro lado, uma vez que o projeto em causa no processo principal é suscetível de ter efeitos significativos no ambiente de outro Estado‑Membro, há que declarar que o mesmo deve ser igualmente submetido a um processo de avaliação num contexto transfronteiriço em conformidade com o artigo 7.o da Diretiva AEA.

94

Tendo em conta o exposto, há que responder à sexta questão, alíneas a) a c), que o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, o artigo 2.o, n.o 1, e o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva AEA devem ser interpretados no sentido de que a reativação, por um período de cerca de dez anos, da produção industrial de eletricidade de uma central nuclear encerrada, com o efeito de adiar por dez anos a data inicialmente fixada pelo legislador nacional para a sua desativação e o fim da sua atividade, e o adiamento, também por dez anos, do prazo inicialmente previsto por esse mesmo legislador para a desativação e o encerramento da produção industrial de eletricidade de uma central em atividade, medidas que implicam obras de modernização das centrais em causa suscetíveis de afetar a realidade física dos sítios, constituem um «projeto», na aceção desta diretiva, que deve, em princípio, e sob reserva das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, ser submetido a uma avaliação dos efeitos no ambiente, previamente à adoção dessas medidas. A circunstância de a execução destas últimas implicar atos posteriores, como a emissão, para uma das centrais em causa, de uma nova autorização individual de produção de eletricidade para fins industriais, não é determinante a este respeito. As obras indissociavelmente ligadas às referidas medidas devem igualmente ser submetidas a tal avaliação antes da adoção dessas mesmas medidas, se, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a sua natureza e os seus potenciais efeitos no ambiente forem suficientemente identificáveis nessa fase.

2.   Quanto à sexta questão, alínea d)

95

Com a sua sexta questão, alínea d), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva AEA deve ser interpretado no sentido de que um projeto como o que está em causa no processo principal pode ser isento de uma avaliação dos efeitos no ambiente por motivos relacionados com a segurança do abastecimento em eletricidade do Estado‑Membro em causa.

96

Por força do artigo 2.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva AEA, os Estados‑Membros podem, em casos excecionais, isentar um projeto específico, na totalidade ou em parte, das disposições nela previstas, sem prejuízo, todavia, do disposto no artigo 7.o da referida diretiva, relativo às obrigações impostas a um Estado‑Membro em cujo território está prevista a realização de um projeto que pode vir a ter efeitos significativos no ambiente de outro Estado‑Membro.

97

Embora não se possa excluir que a necessidade de garantir a segurança do abastecimento em eletricidade de um Estado‑Membro possa caracterizar um caso excecional, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva AEA, suscetível de justificar que se isente um projeto de uma avaliação dos efeitos no ambiente, importa recordar que o artigo 2.o, n.o 4, segundo parágrafo, alíneas a) a c), desta diretiva impõe obrigações especiais aos Estados‑Membros que pretendam beneficiar desta isenção.

98

Com efeito, nesse caso, os Estados‑Membros em causa devem examinar a conveniência de outras formas de avaliação, colocar à disposição do público interessado a informação recolhida através dessas outras formas de avaliação, informar a Comissão, antes de concederem a aprovação, dos motivos que justificam a isenção concedida e fornecer‑lhe as informações que porão, sempre que aplicável, à disposição dos seus próprios nacionais.

99

Como salientou a advogada‑geral no n.o 150 das suas conclusões, estas obrigações não são meras formalidades, mas requisitos destinados a assegurar o respeito, tanto quanto possível, dos objetivos prosseguidos pela Diretiva AEA.

100

No caso em apreço, embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio verificar o respeito pelo Reino da Bélgica das referidas obrigações, pode desde já constatar‑se que a Comissão indica, nas suas observações escritas, que não foi informada por este Estado‑Membro da aplicação da referida isenção.

101

Por outro lado, o artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva AEA só permite isentar um projeto da avaliação dos efeitos no ambiente se o Estado‑Membro em causa puder demonstrar que o risco para a segurança do abastecimento em eletricidade que invoca é razoavelmente provável e que esse projeto apresenta um caráter de urgência suscetível de justificar a falta dessa avaliação. Além disso, como foi dito no n.o 96 do presente acórdão, tal isenção aplica‑se sem prejuízo do disposto no artigo 7.o desta diretiva, relativo à avaliação dos projetos com efeitos transfronteiriços.

102

Tendo em conta o que precede, há que responder à sexta questão, alínea d), que o artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva AEA deve ser interpretado no sentido de que só autoriza um Estado‑Membro a isentar um projeto como o que está em causa no processo principal de uma avaliação dos efeitos no ambiente com vista a garantir a segurança do seu abastecimento em eletricidade no caso de esse Estado‑Membro demonstrar que o risco para a segurança desse abastecimento é razoavelmente provável e que o projeto em causa apresenta um caráter de urgência suscetível de justificar a falta dessa avaliação, desde que as obrigações previstas no artigo 2.o, n.o 4, segundo parágrafo, alíneas a) a c), desta diretiva sejam respeitadas. No entanto, tal possibilidade de isenção não prejudica as obrigações impostas ao Estado‑Membro em causa por força do artigo 7.o da referida diretiva.

3.   Quanto à sétima questão

103

Com a sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva AEA deve ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal constitui um ato legislativo nacional específico, na aceção desta disposição, excluído, por força desta, do âmbito de aplicação desta diretiva.

104

A este respeito, há que recordar que o artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva AEA, que retomou o teor do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337, sujeita a duas condições a exclusão de um projeto do âmbito de aplicação da Diretiva AEA.

105

A primeira condição implica que o projeto seja adotado por um ato legislativo específico, que apresente as mesmas características que uma aprovação. Este ato deve, designadamente, conferir ao dono da obra o direito de realizar o projeto (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o., C‑182/10, EU:C:2012:82, n.o 32 e jurisprudência referida).

106

Além disso, o projeto deve ser adotado em pormenor, a saber, de maneira suficientemente precisa e definitiva, de forma que, à semelhança de uma aprovação, o ato legislativo que o adota deve incluir, após a sua apreciação pelo legislador, todos os elementos do projeto pertinentes para a avaliação dos efeitos no ambiente. O ato legislativo deve, assim, atestar que os objetivos da Diretiva AEA foram atingidos no que se refere ao projeto em causa (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o., C‑182/10, EU:C:2012:82, n.o 33 e jurisprudência referida).

107

Daqui resulta que não se pode considerar que um ato legislativo adota um projeto em pormenor, na aceção do artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva AEA, quando não inclui os elementos necessários à avaliação dos efeitos desse projeto no ambiente ou carece da adoção de outros atos para conferir ao dono da obra o direito de realizar o projeto (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o., C‑182/10, EU:C:2012:82, n.o 34 e jurisprudência referida).

108

A segunda condição prevista no artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva AEA implica que os objetivos desta diretiva, incluindo o de prestar informações, sejam atingidos através do processo legislativo. Com efeito, resulta do artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva que o seu objetivo principal é garantir que, antes de concedida a aprovação, os projetos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, fiquem sujeitos a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o., C‑182/10, EU:C:2012:82, n.o 35 e jurisprudência referida).

109

Consequentemente, no momento da adoção do projeto, o legislador deve ter à sua disposição informações suficientes. A este respeito, resulta do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva AEA que as informações a fornecer pelo dono da obra devem incluir, pelo menos, uma descrição do projeto com informações relativas à sua localização, à sua conceção e às suas dimensões, uma descrição das medidas previstas para evitar, reduzir e, se possível, compensar os efeitos negativos significativos, os dados necessários para identificar e avaliar os principais impactos que o projeto possa ter no ambiente, um resumo das principais soluções alternativas estudadas pelo dono da obra e a indicação das principais razões da sua escolha, atendendo aos efeitos no ambiente, bem como um resumo não técnico destas diferentes informações (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 2011, Boxus e o., C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09, EU:C:2011:667, n.o 43, e de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o., C‑182/10, EU:C:2012:82, n.o 37).

110

No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se essas condições foram respeitadas, tendo em conta tanto o conteúdo do ato legislativo adotado como o conjunto do processo legislativo que levou à sua adoção, nomeadamente, os atos preparatórios e os debates parlamentares (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 2011, Boxus e o., C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09, EU:C:2011:667, n.o 47, e de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o., C‑182/10, EU:C:2012:82, n.o 41).

111

No entanto, tendo em conta as informações levadas ao conhecimento do Tribunal de Justiça, afigura‑se que não foi esse o caso.

112

Com efeito, embora o órgão jurisdicional de reenvio mencione a existência de estudos e audições anteriores à adoção da Lei de 28 de junho de 2015, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o legislador nacional teve conhecimento das informações referidas no n.o 109 do presente acórdão no que se refere tanto às medidas em causa no processo principal como às obras indissociavelmente ligadas a essas medidas, relativamente às quais se considerou, no âmbito da resposta à sexta questão, alíneas a) a c), que constituíam, conjuntamente, um mesmo projeto.

113

Além disso, como resulta nomeadamente do n.o 91 do presente acórdão, uma lei como a de 28 de junho de 2015 pode constituir apenas uma primeira etapa do processo de aprovação do projeto em causa no processo principal, no que respeita às obras que este implica, pelo que também não preenche uma das condições exigidas para que o respetivo projeto seja excluído do âmbito de aplicação da Diretiva AEA em aplicação do artigo 1.o, n.o 4, desta diretiva, a saber, ter sido adotado em pormenor por um ato legislativo específico.

114

Tendo em conta o que precede, há que responder à sétima questão que o artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva AEA deve ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não constitui um ato legislativo nacional específico, na aceção desta disposição, excluído, por força desta, do âmbito de aplicação desta diretiva.

B. Quanto à oitava questão, relativa à Diretiva Habitats

1.   Quanto à oitava questão, alíneas a) a c)

115

Com a sua oitava questão, alíneas a) a c), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, conjugado com os artigos 3.o e 4.o da Diretiva Aves e lido, sendo caso disso, à luz da Diretiva AEA, deve ser interpretado no sentido de que medidas como as que estão em causa no processo principal constituem, tendo em conta as obras de modernização e de adequação às normas de segurança atuais que implicam, um plano ou um projeto sujeito a avaliação, por força desse artigo 6.o, n.o 3, e, sendo caso disso, se essa avaliação deve ser realizada antes da sua adoção pelo legislador. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se há que distinguir a este respeito consoante essas medidas sejam respeitantes a uma ou outra das duas centrais em causa no processo principal, tendo em conta a necessidade, no que diz respeito a uma delas, de que sejam posteriormente adotados atos de execução, como a emissão de uma nova autorização individual de produção de eletricidade para fins industriais.

a)   Observações preliminares

116

O artigo 6.o da Diretiva Habitats impõe aos Estados‑Membros uma série de obrigações e de procedimentos específicos destinados a garantir, conforme resulta do artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva, a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies de fauna e flora selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável, a fim de atingir o objetivo mais geral prosseguido por esta diretiva de garantir um alto nível de proteção do ambiente nos sítios por ela protegidos [v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 106 e jurisprudência referida].

117

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats institui um procedimento de avaliação destinado a garantir, graças a uma fiscalização prévia, que um plano ou um projeto não diretamente relacionado com a gestão do sítio em causa e não necessário para essa gestão, mas suscetível de o afetar de forma significativa, só seja autorizado desde que não afete a integridade desse sítio [Acórdãos de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 108 e jurisprudência referida, e de 25 de julho de 2018, Grace e Sweetman, C‑164/17, EU:C:2018:593, n.o 38].

118

Este mesmo artigo 6.o, n.o 3, distingue duas fases no procedimento de avaliação nele previsto.

119

A primeira, referida na primeira frase desta disposição, exige que os Estados‑Membros efetuem uma avaliação adequada das incidências de um plano ou de um projeto sobre um sítio protegido quando exista a probabilidade de este plano ou este projeto afetar esse sítio de forma significativa. A segunda, referida na sua segunda frase, que ocorre após a referida avaliação adequada, sujeita a autorização desse plano ou projeto à condição de não afetar a integridade do sítio em causa, sem prejuízo das disposições do n.o 4, deste artigo 6.o (Acórdão de 25 de julho de 2018, Grace e Sweetman, C‑164/17, EU:C:2018:593, n.o 32).

120

Além disso, uma avaliação adequada das incidências de um plano ou projeto implica que, antes de o mesmo ser aprovado, sejam identificados, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspetos desse plano ou desse projeto que possam, por si só ou em conjugação com outros planos ou projetos, afetar os objetivos de conservação do sítio protegido. As autoridades nacionais competentes só autorizam uma atividade no sítio protegido se tiverem a certeza de que essa atividade não tem efeitos prejudiciais para a integridade desse sítio. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável, do ponto de vista científico, quanto à inexistência de tais efeitos (Acórdão de 7 de novembro de 2018, Holohan e o., C‑461/17, EU:C:2018:883, n.o 33 e jurisprudência referida).

121

Importa também referir que, no que respeita às zonas classificadas de zonas de proteção especial, as obrigações resultantes do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats substituem, de acordo com o artigo 7.o desta diretiva, as obrigações resultantes do artigo 4.o, n.o 4, primeira frase, da Diretiva Aves, a partir da data da classificação prevista nesta diretiva quando esta última data seja posterior à data de execução da Diretiva Habitats [Acórdãos de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 109 e jurisprudência referida, e de 25 de julho de 2018, Grace e Sweetman, C‑164/17, EU:C:2018:593, n.o 27].

b)   Quanto ao conceito de «projeto», na aceção da Diretiva Habitats

122

Uma vez que a Diretiva Habitats não define o conceito de «projeto» na aceção do seu artigo 6.o, n.o 3, há que, antes de mais, ter em conta o conceito de «projeto» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AEA (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, EU:C:2004:482, n.os 23, 24 e 26; de 14 de janeiro de 2010, Stadt Papenburg, C‑226/08, EU:C:2010:10, n.o 38; de 17 de julho de 2014, Comissão/GréciaC‑600/12, não publicado, EU:C:2014:2086, n.o 75; e de 7 de novembro de 2018, Coöperatie Mobilisation for the Environment e o., C‑293/17 e C‑294/17, EU:C:2018:882, n.o 60).

123

Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que, se uma atividade está abrangida pela Diretiva AEA, está, por maioria de razão, abrangida pela Diretiva Habitats (Acórdão de 7 de novembro de 2018, Coöperatie Mobilisation for the Environment e o., C‑293/17 e C‑294/17, EU:C:2018:882, n.o 65).

124

Daqui resulta que, quando uma atividade é considerada um projeto na aceção da Diretiva AEA, é suscetível de constituir um projeto na aceção da Diretiva Habitats (Acórdão de 7 de novembro de 2018, Coöperatie Mobilisation for the Environment e o., C‑293/17 e C‑294/17, EU:C:2018:882, n.o 66).

125

Tendo em conta a resposta dada à sexta questão, alíneas a) a c), há que considerar que medidas como as que estão em causa no processo principal, conjuntamente com as obras que lhes estão indissociavelmente ligadas, constituem um projeto, na aceção da Diretiva Habitats.

126

Em seguida, é pacífico que o projeto em causa no processo principal não está diretamente relacionado com a gestão de um sítio protegido e não necessário para essa gestão.

127

Por último, importa recordar que o facto de uma atividade recorrente ter sido autorizada nos termos do direito nacional antes da entrada em vigor da Diretiva Habitats não constitui, em si mesmo, um obstáculo a que essa atividade possa ser considerada, aquando de cada intervenção posterior, um projeto distinto na aceção desta diretiva, sob pena de subtrair essa atividade de forma permanente a qualquer avaliação prévia das suas incidências sobre o sítio em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 2010, Stadt Papenburg, C‑226/08, EU:C:2010:10, n.o 41, e de 7 de novembro de 2018, Coöperatie Mobilisation for the Environment e o., C‑293/17 e C‑294/17, EU:C:2018:882, n.o 77).

128

Para esse efeito, importa apreciar se, tendo em conta nomeadamente a sua recorrência, a sua natureza ou as suas condições de execução, certas atividades devem ser vistas como constituindo uma operação única e podem ser consideradas como um único e mesmo projeto, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 2010, Stadt Papenburg, C‑226/08, EU:C:2010:10, n.o 47, e de 7 de novembro de 2018, Coöperatie Mobilisation for the Environment e o., C‑293/17 e C‑294/17, EU:C:2018:882, n.o 78).

129

Tal não seria o caso na falta de continuidade e de identidade de uma atividade, nomeadamente quanto aos seus locais e às suas condições de execução (Acórdão de 7 de novembro de 2018, Coöperatie Mobilisation for the Environment e o., C‑293/17 e C‑294/17, EU:C:2018:882, n.o 83).

130

No caso em apreço, embora a atividade de produção industrial de eletricidade das centrais Doel 1 e Doel 2 tenha sido autorizada antes da entrada em vigor da Diretiva Habitats, por um período ilimitado, a Lei de 31 de janeiro de 2003 limitou, todavia, a 40 anos esse período de atividade, a saber, até 15 de fevereiro de 2015 para a central Doel 1 e até 1 de dezembro de 2015 para a central Doel 2. Como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, as medidas em causa no processo principal alteraram esta opção legislativa, o que, designadamente, tornou necessária a reativação de uma dessas duas centrais.

131

É igualmente pacífico que, quando da execução dessas medidas, a atividade de produção industrial destas duas centrais não será realizada em condições de execução idênticas às inicialmente autorizadas, quanto mais não seja devido à evolução dos conhecimentos científicos e às novas normas de segurança aplicáveis, as quais justificam, como foi recordado nos n.os 64 a 66 do presente acórdão, a realização de obras de modernização de envergadura. Além disso, resulta da decisão de reenvio que foi concedida uma autorização de produção ao operador das referidas centrais após a entrada em vigor da Diretiva Habitats, na sequência de um aumento da respetiva potência.

132

Daqui resulta que medidas como as que estão em causa no processo principal, conjuntamente com as obras que lhes estão indissociavelmente ligadas, constituem um projeto distinto, sujeito às regras de avaliação previstas no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

133

A qualidade de legislador da autoridade nacional competente para aprovar o plano ou o projeto em causa não é relevante. Com efeito, contrariamente ao que prevê a Diretiva AEA, não se pode derrogar a avaliação prevista no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats com o fundamento de que a autoridade competente para autorizar o projeto em causa é o legislador (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o., C‑182/10, EU:C:2012:82, n.o 69).

c)   Quanto ao risco de afetação significativa de um sítio protegido

134

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a exigência de uma avaliação adequada das incidências de um plano ou de um projeto, prevista do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, está subordinada à condição de existir uma probabilidade ou um risco de esse plano ou projeto afetar o sítio em causa de forma significativa. Tendo em conta, em especial, o princípio da precaução, considera‑se que esse risco existe quando não se pode excluir, com base nos melhores conhecimentos científicos na matéria, que o plano ou o projeto possa afetar os objetivos de conservação desse sítio. A apreciação do risco deve ser feita, nomeadamente, à luz das características e das condições ambientais específicas do sítio a que se refere esse plano ou projeto [v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.os 111, 112 e jurisprudência referida].

135

No caso em apreço, como resulta de excertos de trabalhos parlamentares relativos à Lei de 28 de junho de 2015 reproduzidos na decisão de reenvio e como salientou igualmente a advogada‑geral nos n.os 24 a 26 das suas conclusões, as centrais que são objeto das medidas em causa no processo principal, situadas nas margens do Escalda, encontram‑se na proximidade de zonas protegidas, nos termos da Diretiva Habitats e da Diretiva Aves, estabelecidas, nomeadamente, a favor de espécies protegidas de peixes e de ciclóstomos que se desenvolvem nesse rio.

136

A este respeito, importa salientar que a circunstância de um projeto se situar fora de uma zona Natura 2000 não dispensa as exigências enunciadas no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Comissão/Alemanha, C‑98/03, EU:C:2006:3, n.os 44 e 51, e de 26 de abril de 2017, Comissão/Alemanha, C‑142/16, EU:C:2017:301, n.o 29).

137

No caso em apreço, o projeto em causa no processo principal, tanto pela dimensão das obras que implica como pela duração da prorrogação da atividade de produção industrial de eletricidade das duas centrais que prevê, pode manifestamente comprometer os objetivos de conservação dos sítios protegidos situados na proximidade, quanto mais não seja em razão das próprias modalidades de funcionamento dessas centrais, em especial, das retiradas de importantes massas de água efetuadas no rio vizinho para as necessidades do sistema de arrefecimento, bem como da rejeição dessas massas de água, mas também devido à existência do risco de acidente grave que comporta (v., por analogia, Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Comissão/Alemanha, C‑98/03, EU:C:2006:3, n.o 44, e de 26 de abril de 2017, Comissão/Alemanha, C‑142/16, EU:C:2017:301, n.o 30), sem que haja que distinguir a situação de cada uma das duas centrais.

138

Por conseguinte, um projeto como o que está em causa no processo principal é suscetível de afetar de forma significativa sítios protegidos, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

139

Resulta do exposto que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que medidas como as que estão em causa no processo principal, conjuntamente com as obras que lhes estão indissociavelmente ligadas, constituem um projeto que deve ser objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio em causa, em conformidade com esta diretiva, sem que haja que distinguir consoante essas medidas são relativas a uma ou a outra das duas centrais em causa.

d)   Quanto ao momento em que a avaliação deve ter lugar

140

O artigo 6.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva Habitats precisa que, na sequência da realização da avaliação adequada, as autoridades nacionais competentes «só autorizarão» o projeto depois de se terem assegurado de que não afetará a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

141

Daqui resulta que tal avaliação deve necessariamente ocorrer antes dessa autorização.

142

Por outro lado, embora a Diretiva Habitats não defina as condições em que as autoridades «autorizarão» um determinado projeto, em aplicação do artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva, o conceito de «aprovação» que figura no artigo 1.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva AEA é pertinente para definir o sentido desse termo.

143

Assim, por analogia com o que foi declarado pelo Tribunal de Justiça no que respeita à Diretiva AEA, no caso de o direito nacional prever que o procedimento de autorização decorre em várias fases, há que considerar que a avaliação exigida no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve, em princípio, ser efetuada logo que todos os efeitos que o projeto em causa possa ter sobre um sítio protegido sejam suficientemente identificáveis.

144

Consequentemente, e por razões semelhantes às enunciadas nos n.os 87 a 91 do presente acórdão, uma legislação nacional como a Lei de 28 de junho de 2015 apresenta as características de uma autorização das autoridades em relação ao projeto em causa, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, e a circunstância de a execução desse projeto dever ser objeto de atos posteriores, em especial, em relação a uma das duas centrais em causa, de uma nova autorização individual de produção de eletricidade para fins industriais, não pode justificar a falta de avaliação adequada das suas incidências antes da adoção dessa legislação. Além disso, quanto às obras indissociavelmente ligadas às medidas em causa no processo principal, estas devem ser sujeitas a avaliação, nesta fase do processo de licenciamento do projeto, se a sua natureza e as suas potenciais incidências sobre sítios protegidos forem suficientemente identificáveis, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

145

Em face do exposto, há que responder à oitava questão, alíneas a) a c), que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que medidas como as que estão em causa no processo principal, conjuntamente com as obras de modernização e de adequação às normas de segurança atuais, constituem um projeto sujeito a uma avaliação adequada das suas incidências sobre os sítios protegidos em causa. Estas medidas devem ser objeto dessa avaliação antes da sua adoção pelo legislador. A circunstância de a execução das referidas medidas implicar atos posteriores, como a emissão, para uma das centrais em causa, de uma nova autorização individual de produção de eletricidade para fins industriais, não é determinante a este respeito. As obras indissociavelmente ligadas a essas mesmas medidas devem também ser sujeitas a essa avaliação antes da adoção destas últimas se, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a sua natureza e as suas potenciais incidências sobre os sítios protegidos forem suficientemente identificáveis nesta fase.

2.   Quanto à oitava questão, alínea d)

146

Com a sua oitava questão, alínea d), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que o objetivo de garantir a segurança do abastecimento em eletricidade de um Estado‑Membro constitui uma razão imperativa de reconhecido interesse público na aceção desta disposição.

147

Enquanto disposição derrogatória do critério de autorização previsto no artigo 6.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva Habitats, o artigo 6.o, n.o 4, desta diretiva deve ser objeto de interpretação estrita e só se pode aplicar depois de terem sido analisadas as incidências de um plano ou de um projeto de acordo com as disposições do referido n.o 3 [Acórdão de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 189 e jurisprudência referida].

148

Com efeito, por força do artigo 6.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva Habitats, na hipótese de, apesar de a avaliação efetuada em conformidade com o artigo 6.o, n.o 3, primeira frase, desta diretiva ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, ser necessário realizar um plano ou projeto por razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000 [v., neste sentido, Acórdãos de 20 de setembro de 2007, Comissão/Itália, C‑304/05, EU:C:2007:532, n.o 81, e de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 190].

149

Além disso, no caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural ou uma espécie prioritária, o artigo 6.o, n.o 4, segundo parágrafo, da Diretiva Habitats prevê que apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde humana ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.

150

O conhecimento do impacto de um plano ou de um projeto, à luz dos objetivos de preservação relativos ao sítio em causa, constitui, por conseguinte, uma condição prévia indispensável à aplicação do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, porquanto, na falta destes elementos, nenhuma condição de aplicação desta disposição derrogatória pode ser apreciada. O exame de eventuais razões imperativas de reconhecido interesse público e da existência de alternativas menos prejudiciais exige, com efeito, uma ponderação no que se refere aos prejuízos causados ao sítio pelo plano ou projeto previsto. Além disso, para se determinar a natureza de eventuais medidas compensatórias, devem ser identificados, com precisão, os impactos negativos no referido sítio [Acórdãos de 20 de setembro de 2007, Comissão/Itália, C‑304/05, EU:C:2007:532, n.o 83, e de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 191 e jurisprudência referida].

151

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a oitava questão, alínea d), assenta na premissa de que os estudos e as audições realizados no âmbito do processo de adoção das medidas em causa no processo principal permitiram proceder a uma avaliação conforme com as exigências enunciadas no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

152

Todavia, além do facto de não resultar dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que esses estudos e audições tenham permitido realizar uma avaliação das incidências sobre o ambiente conforme com as exigências da Diretiva AEA, incumbe, em todo o caso, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se se pode considerar que essa avaliação cumpre também as exigências da Diretiva Habitats (v., por analogia, Acórdãos de 22 de setembro de 2011, Valčiukienė e o., C‑295/10, EU:C:2011:608, n.o 62, e de 10 de setembro de 2015, Dimos Kropias Attikis, C‑473/14, EU:C:2015:582, n.o 58).

153

Para que assim seja, importa, em especial, como recordado no n.o 120 do presente acórdão, que sejam identificados, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspetos do plano ou do projeto em causa que possam, por si só ou em conjugação com outros planos ou projetos, afetar os objetivos de conservação dos sítios protegidos em causa [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 113 e jurisprudência referida, e de 25 de julho de 2018, Grace e Sweetman, C‑164/17, EU:C:2018:593, n.o 40].

154

Cabe igualmente, sendo caso disso, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os estudos e as audições realizados no âmbito do processo de adoção das medidas em causa no processo principal deram lugar a conclusões negativas, uma vez que, se assim não for, não há que aplicar o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva Habitats.

155

Quanto à questão de saber se o objetivo de garantir a segurança do abastecimento em eletricidade de um Estado‑Membro constitui uma razão imperativa de reconhecido interesse público, na aceção do artigo 6.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva Habitats, importa recordar que o interesse suscetível de justificar a realização de um plano ou projeto deve simultaneamente ser «público» e «reconhecido», o que implica que deve assumir uma importância tal que possa ser ponderado com o objetivo de conservação dos habitats naturais, da fauna, incluindo a fauna ornitológica, e da flora selvagens, prosseguido por esta diretiva (Acórdão de 11 de setembro de 2012, Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o., C‑43/10, EU:C:2012:560, n.o 121).

156

A este respeito, saliente‑se que o artigo 194.o, n.o 1, alínea b), TFUE identifica a segurança do abastecimento energético da União Europeia como um dos objetivos fundamentais da política da União no domínio da energia (Acórdão de 7 de setembro de 2016, ANODE, C‑121/15, EU:C:2016:637, n.o 48).

157

Além disso, e em todo o caso, o objetivo de assegurar, a todo o tempo, a segurança do abastecimento em eletricidade num Estado‑Membro preenche as condições recordadas no n.o 155 do presente acórdão.

158

No entanto, no caso de o sítio protegido suscetível de ser afetado por um projeto abrigar um tipo de habitat natural ou uma espécie prioritária, na aceção da Diretiva Habitats, só a necessidade de afastar uma ameaça real e grave de rutura do abastecimento em eletricidade do Estado‑Membro em causa pode constituir, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, uma razão de segurança pública suscetível, por força do artigo 6.o, n.o 4, segundo parágrafo, desta diretiva, de justificar a realização do projeto.

159

Consequentemente, há que responder à oitava questão, alínea d), que o artigo 6.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que o objetivo de assegurar, a todo o tempo, a segurança do abastecimento em eletricidade de um Estado‑Membro constitui uma razão imperativa de reconhecido interesse público na aceção desta disposição. O artigo 6.o, n.o 4, segundo parágrafo, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o sítio protegido suscetível de ser afetado por um projeto abrigar um tipo de habitat natural ou uma espécie prioritária, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, só a necessidade de afastar uma ameaça real e grave de rutura do abastecimento em eletricidade do Estado‑Membro em causa pode constituir, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, uma razão de segurança pública na aceção desta disposição.

C. Quanto à primeira a terceira questões, relativas à Convenção de Espoo

160

Com a sua primeira a terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Convenção de Espoo deve ser interpretada no sentido de que medidas como as que estão em causa no processo principal devem ser sujeitas à avaliação do impacto ambiental nela prevista.

161

Todavia, foi referido, no n.o 93 do presente acórdão, que medidas como as que estão em causa no processo principal fazem parte de um projeto suscetível de ter efeitos significativos no ambiente de outro Estado‑Membro e que devem ser submetidas a um processo de avaliação dos seus efeitos transfronteiriços em conformidade com o artigo 7.o da Diretiva AEA, a qual tem em conta, como indica o seu considerando 15, as exigências da Convenção de Espoo.

162

Neste contexto, não há assim que responder à primeira a terceira questões, relativas à Convenção de Espoo.

D. Quanto à quarta e quinta questões, relativas à Convenção de Aarhus

163

Com a sua quarta e quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o da Convenção de Aarhus deve ser interpretado no sentido de que as exigências de participação do público que prevê se aplicam a medidas como as que estão em causa no processo principal.

164

Resulta da decisão de reenvio que a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) submete estas questões devido às dúvidas que tem quanto à aplicabilidade da Diretiva AEA a essas medidas, a qual, como resulta, nomeadamente, dos seus considerandos 18 a 20, deve, no entanto, tomar em conta as disposições da Convenção de Aarhus.

165

Todavia, resulta das respostas dadas à sexta e sétima questões que medidas como as que estão em causa no processo principal, conjuntamente com as obras que lhes estão indissociavelmente ligadas, constituem um projeto que deve ser submetido, previamente à sua adoção, a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente, por força da Diretiva AEA.

166

Por conseguinte, não há que responder à quarta e quinta questões.

E. Quanto à nona questão, relativa à manutenção dos efeitos da lei em causa no processo principal

167

Com a sua nona questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União permite a um órgão jurisdicional nacional manter os efeitos de medidas como as que estão em causa no processo principal durante o tempo necessário para sanar a sua eventual ilegalidade à luz das Diretivas AEA e Habitats.

168

A este respeito, importa declarar que, embora a Diretiva AEA imponha, no seu artigo 2.o, n.o 1, uma obrigação de avaliação prévia dos projetos referidos nesta disposição, a Diretiva Habitats prevê igualmente, no que respeita aos projetos sujeitos a avaliação nos termos do seu artigo 6.o, n.o 3, que os Estados‑Membros só autorizarão esses projetos depois de se terem assegurado, neste âmbito, de que não afetarão a integridade do sítio em causa.

169

Assim sendo, nem a Diretiva AEA nem a Diretiva Habitats precisam as consequências a retirar de uma violação das obrigações que estabelecem.

170

Não obstante, por força do princípio da cooperação leal, previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, os Estados‑Membros são obrigados a eliminar as consequências ilícitas dessa violação do direito da União. Assim, as autoridades nacionais competentes são obrigadas a adotar, no âmbito das suas competências, todas as medidas necessárias para sanar a omissão da avaliação dos efeitos no ambiente, por exemplo através da revogação ou da suspensão de uma autorização já dada, para que essa avaliação seja efetuada (v., neste sentido, Acórdão de 26 de julho de 2017, Comune di Corridonia e o., C‑196/16 e C‑197/16, EU:C:2017:589, n.o 35 e jurisprudência referida).

171

Tal obrigação incumbe igualmente aos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer de recursos contra um ato nacional que comporte essa autorização. A este respeito, importa recordar que as regras processuais aplicáveis a esses recursos fazem parte da ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, na condição, porém, de não serem menos favoráveis do que as que regem situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e de não tornarem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne, C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 45 e jurisprudência referida).

172

Por conseguinte, os órgãos jurisdicionais chamados a pronunciarem‑se a este respeito devem adotar, com base no seu direito nacional, medidas com vista à suspensão ou à anulação da autorização de um projeto adotada em violação da obrigação de proceder a uma avaliação ambiental (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne, C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 46 e jurisprudência referida).

173

É verdade que o Tribunal de Justiça também declarou que o direito da União não se opõe a que as regras nacionais permitam, em certos casos, regularizar operações ou atos irregulares na perspetiva do direito da União (Acórdão de 26 de julho de 2017, Comune di Corridonia e o., C‑196/16 e C‑197/16, EU:C:2017:589, n.o 37 e jurisprudência referida).

174

Todavia, esta possibilidade de regularização deve ser subordinada à condição de não oferecer aos interessados a oportunidade de contornarem as regras do direito da União ou de não as aplicarem, e de permanecer excecional (Acórdão de 26 de julho de 2017, Comune di Corridonia e o., C‑196/16 e C‑197/16, EU:C:2017:589, n.o 38 e jurisprudência referida).

175

Assim, em caso de omissão de uma avaliação dos efeitos de um projeto no ambiente exigida pela Diretiva AEA, embora incumba aos Estados‑Membros eliminar as suas consequências ilícitas, o direito da União não se opõe a que tal avaliação seja efetuada a título de regularização, durante a realização do projeto ou mesmo após a sua conclusão, na dupla condição de que, por um lado, as regras nacionais que permitem essa regularização não proporcionem aos interessados a oportunidade de contornarem as regras de direito da União ou de não as aplicarem e, por outro, a avaliação efetuada a título de regularização não se limite aos efeitos futuros desse projeto no ambiente, mas tome em conta todos os efeitos ambientais verificados desde a realização do referido projeto (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de julho de 2017, Comune di Corridonia e o., C‑196/16 e C‑197/16, EU:C:2017:589, n.o 43, e de 28 de fevereiro de 2018, Comune di Castelbellino, C‑117/17, EU:C:2018:129, n.o 30).

176

Por analogia, há que considerar que o direito da União também não se opõe, sob reserva das mesmas condições, a que essa regularização seja efetuada em caso de omissão da avaliação prévia das incidências do projeto em causa sobre um sítio protegido, exigida no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

177

Importa acrescentar que apenas o Tribunal de Justiça pode, a título excecional e com base em considerações imperiosas de segurança jurídica, conceder uma suspensão provisória do efeito de exclusão exercido por uma regra de direito da União relativamente ao direito nacional a ela contrário. Com efeito, se os órgãos jurisdicionais nacionais pudessem, ainda que a título provisório, dar primazia sobre o direito da União a disposições nacionais a ele contrárias, ficaria comprometida a aplicação uniforme do direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten, C‑409/06, EU:C:2010:503, n.os 66 e 67, e de 28 de julho de 2016, Association France Nature Environnement, C‑379/15, EU:C:2016:603, n.o 33).

178

Todavia, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 58 do seu Acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103), que um órgão jurisdicional nacional pode, tendo em conta a existência de uma consideração imperiosa ligada, como era o caso no processo que deu origem a esse acórdão, à proteção do ambiente, e desde que sejam respeitadas as condições que esse acórdão especifica, ser excecionalmente autorizado a fazer uso da disposição nacional que lhe permite manter certos efeitos de um ato nacional anulado. Decorre assim do referido acórdão que o Tribunal de Justiça pretendeu, casuisticamente e, a título excecional, reconhecer a um órgão jurisdicional nacional a faculdade de ajustar os efeitos da anulação de uma disposição nacional considerada incompatível com o direito da União, no respeito das condições estabelecidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, Association France Nature Environnement, C‑379/15, EU:C:2016:603, n.o 34).

179

No caso em apreço, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 177 do presente acórdão, cabe exclusivamente ao Tribunal de Justiça determinar as condições em que pode ser justificado, a título excecional, manter os efeitos de medidas como as que estão em causa no processo principal em razão de considerações imperiosas relacionadas com a segurança do abastecimento em eletricidade do Estado‑Membro em causa. A este respeito, tais considerações só podem justificar a manutenção dos efeitos de medidas nacionais adotadas em violação das obrigações decorrentes das Diretivas AEA e Habitats se, em caso de anulação ou de suspensão dos efeitos dessas medidas, existir uma ameaça real e grave de rutura do abastecimento em eletricidade do Estado‑Membro em causa, à qual não se pode fazer face por outros meios e alternativas, nomeadamente no âmbito do mercado interno.

180

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, tendo em conta os outros meios e alternativas de que o Estado‑Membro em causa dispõe para assegurar o abastecimento em eletricidade no seu território, a manutenção excecional dos efeitos das medidas contestadas nesse órgão jurisdicional é, assim, justificada pela necessidade de fazer face a essa ameaça.

181

Em todo o caso, essa manutenção só pode abranger o período de tempo estritamente necessário para sanar a ilegalidade.

182

Tendo em conta o que precede, há que responder à nona questão que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional pode, se o direito interno o permitir, excecionalmente manter os efeitos de medidas, como as que estão em causa no processo principal, que foram adotadas em violação das obrigações estabelecidas pelas Diretivas AEA e Habitats, se essa manutenção for justificada por considerações imperiosas ligadas à necessidade de afastar uma ameaça real e grave de rutura do abastecimento em eletricidade do Estado‑Membro em causa, à qual não se pode fazer face por outros meios e alternativas, nomeadamente no âmbito do mercado interno. A referida manutenção só pode abranger o período de tempo estritamente necessário para sanar essa ilegalidade.

IV. Quanto às despesas

183

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, o artigo 2.o, n.o 1, e o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, devem ser interpretados no sentido de que a reativação, por um período de cerca de dez anos, da produção industrial de eletricidade de uma central nuclear encerrada, com o efeito de adiar por dez anos a data inicialmente fixada pelo legislador nacional para a sua desativação e o fim da sua atividade, e o adiamento, também por dez anos, do prazo inicialmente previsto por esse mesmo legislador para a desativação e o encerramento da produção industrial de eletricidade de uma central em atividade, medidas que implicam obras de modernização das centrais em causa suscetíveis de afetar a realidade física dos sítios, constituem um «projeto», na aceção desta diretiva, que deve, em princípio, e sob reserva das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, ser submetido a uma avaliação dos efeitos no ambiente, previamente à adoção dessas medidas. A circunstância de a execução destas últimas implicar atos posteriores, como a emissão, para uma das centrais em causa, de uma nova autorização individual de produção de eletricidade para fins industriais, não é determinante a este respeito. As obras indissociavelmente ligadas às referidas medidas devem igualmente ser submetidas a tal avaliação antes da adoção dessas mesmas medidas, se, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a sua natureza e os seus potenciais efeitos no ambiente forem suficientemente identificáveis nessa fase.

 

2)

O artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva 2011/92 deve ser interpretado no sentido de que só autoriza um Estado‑Membro a isentar um projeto como o que está em causa no processo principal de uma avaliação dos efeitos no ambiente com vista a garantir a segurança do seu abastecimento em eletricidade no caso de esse Estado‑Membro demonstrar que o risco para a segurança desse abastecimento é razoavelmente provável e que o projeto em causa apresenta um caráter de urgência suscetível de justificar a falta dessa avaliação, desde que as obrigações previstas no artigo 2.o, n.o 4, segundo parágrafo, alíneas a) a c), desta diretiva sejam respeitadas. No entanto, tal possibilidade de isenção não prejudica as obrigações impostas ao Estado‑Membro em causa por força do artigo 7.o da referida diretiva.

 

3)

O artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva 2011/92 deve ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não constitui um ato legislativo nacional específico, na aceção desta disposição, excluído, por força desta, do âmbito de aplicação desta diretiva.

 

4)

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, deve ser interpretado no sentido de que medidas como as que estão em causa no processo principal, conjuntamente com as obras de modernização e de adequação às normas de segurança atuais, constituem um projeto sujeito a uma avaliação adequada das suas incidências sobre os sítios protegidos em causa. Estas medidas devem ser objeto dessa avaliação antes da sua adoção pelo legislador. A circunstância de a execução das referidas medidas implicar atos posteriores, como a emissão, para uma das centrais em causa, de uma nova autorização individual de produção de eletricidade para fins industriais, não é determinante a este respeito. As obras indissociavelmente ligadas a essas mesmas medidas devem também ser sujeitas a essa avaliação antes da adoção destas últimas se, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a sua natureza e as suas potenciais incidências sobre os sítios protegidos forem suficientemente identificáveis nesta fase.

 

5)

O artigo 6.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 92/43 deve ser interpretado no sentido de que o objetivo de assegurar, a todo o tempo, a segurança do abastecimento em eletricidade de um Estado‑Membro constitui uma razão imperativa de reconhecido interesse público na aceção desta disposição. O artigo 6.o, n.o 4, segundo parágrafo, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o sítio protegido suscetível de ser afetado por um projeto abrigar um tipo de habitat natural ou uma espécie prioritária, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, só a necessidade de afastar uma ameaça real e grave de rutura do abastecimento em eletricidade do Estado‑Membro em causa pode constituir, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, uma razão de segurança pública na aceção desta disposição.

 

6)

O direito da União deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional pode, se o direito interno o permitir, excecionalmente manter os efeitos de medidas, como as que estão em causa no processo principal, que foram adotadas em violação das obrigações estabelecidas pelas Diretivas 2011/92 e 92/43, se essa manutenção for justificada por considerações imperiosas ligadas à necessidade de afastar uma ameaça real e grave de rutura do abastecimento em eletricidade do Estado‑Membro em causa, à qual não se pode fazer face por outros meios e alternativas, nomeadamente no âmbito do mercado interno. A referida manutenção só pode abranger o período de tempo estritamente necessário para sanar essa ilegalidade.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.