ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

7 de abril de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2004/18/CE — Capacidades técnicas e/ou profissionais dos operadores económicos — Artigo 48.o, n.o 3 — Possibilidade de invocar as capacidades de outras entidades — Condições e modalidades — Natureza do vínculo entre os concorrentes e as outras entidades — Modificação da proposta — Anulação e repetição de um leilão eletrónico — Diretiva 2014/24/UE»

No processo C‑324/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Krajowa Izba Odwoławcza (Secção Nacional de Recurso, Polónia), por decisão de 18 de junho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de julho de 2014, no processo

Partner Apelski Dariusz

contra

Zarząd Oczyszczania Miasta

estando presentes:

Remondis sp. z o.o.,

MR Road Service sp. z o.o.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, F. Biltgen, E. Levits, M. Berger e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de maio de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Partner Apelski Dariusz, por T. Krześniak, adwokat,

em representação da Zarząd Oczyszczania Miasta, por K. Wąsik, radca prawny,

em representação da Remondis sp. z o.o. e da MR Road Service sp. z o.o., por K. Kamiński e K. Dajczer, radcowie prawni,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, M. Szwarc e D. Lutostańska, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

em representação do Governo letão, por I. Kalniņš e I. Ņesterova, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann e A. Tokár, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de setembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, 44.° e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Partner Apelski Dariusz (a seguir «Partner») e a Zarząd Oczyszczania Miasta (administração dos serviços de limpeza da cidade, a seguir «serviços de limpeza da cidade de Varsóvia») a respeito da sua exclusão do concurso para a celebração do contrato público relativo à limpeza mecânica polivalente da cidade de Varsóvia (Polónia) para os anos de 2014 a 2017.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/18

3

O considerando 46 da Diretiva 2004/18 tem a seguinte redação:

«A adjudicação de um contrato deve realizar‑se com base em critérios objetivos que assegurem o respeito dos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento e que garantam a apreciação das propostas em condições de concorrência efetiva. Por conseguinte, importa admitir unicamente a aplicação de dois critérios de adjudicação: o ‘preço mais baixo’ e a ‘proposta economicamente mais vantajosa’.

Para garantir a observância do princípio da igualdade de tratamento na adjudicação, convém prever a obrigação — consagrada na jurisprudência — de garantir a necessária transparência para permitir que todos os proponentes sejam razoavelmente informados dos critérios e das modalidades que serão aplicados para identificar a proposta economicamente mais vantajosa. […]»

4

O artigo 2.o desta diretiva, intitulado «Princípios de adjudicação dos contratos», prevê:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

5

O artigo 44.o desta diretiva, intitulado «Verificação da aptidão, seleção dos participantes e adjudicação dos contratos», dispõe:

«1.   Os contratos são adjudicados com base nos critérios estabelecidos nos artigos 53.° e 55.°, tendo em conta o artigo 24.o, após verificada a aptidão dos operadores económicos não excluídos ao abrigo dos artigos 45.° e 46.°, pelas entidades adjudicantes de acordo com os critérios relativos à capacidade económica e financeira, aos conhecimentos ou capacidades profissionais e técnicos referidos nos artigos 47.° a 52.° e, eventualmente, com as regras e critérios não discriminatórios referidos no n.o 3.

2.   As entidades adjudicantes poderão exigir níveis mínimos de capacidade[s] que os candidatos e proponentes devem satisfazer nos termos dos artigos 47.° e 48.°

O âmbito das informações referidas nos artigos 47.° e 48.°, bem como os níveis mínimos de capacidades exigidos para um determinado concurso, devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato.

Tais níveis mínimos serão indicados no anúncio do concurso.

[…]»

6

O artigo 47.o da Diretiva 2004/18, intitulado «Capacidade económica e financeira», enuncia no n.o 2:

«Um operador económico pode, se necessário e para um contrato determinado, recorrer às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas. Deverá nesse caso provar à entidade adjudicante que disporá efetivamente dos recursos necessários, por exemplo, através da apresentação do compromisso de tais entidades nesse sentido.»

7

O artigo 48.o da mesma diretiva, intitulado «Capacidade técnica e/ou profissional», prevê:

«1.   A capacidade técnica e/ou profissional dos operadores económicos será avaliada e verificada de acordo com os n.os 2 e 3.

2.   A capacidade técnica dos operadores económicos pode ser comprovada por um ou mais dos meios a seguir indicados, de acordo com a natureza, a quantidade ou a importância e a finalidade das obras, dos produtos ou dos serviços:

a)

[...]

ii)

Lista dos principais fornecimentos ou serviços efetuados durante os três últimos anos, com indicação dos montantes, datas e destinatários, públicos ou privados. [...]

[…]

[...]

3.   Um agente económico pode, se necessário e para um contrato determinado, recorrer às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas. Deverá nesse caso provar à entidade adjudicante que, para a realização do contrato, disporá dos meios necessários, por exemplo, através do compromisso de tais entidades de colocar os meios necessários à sua disposição.

[…]»

8

O artigo 51.o da Diretiva 2004/18, intitulado «Documentação e informações complementares», prevê:

«A entidade adjudicante pode convidar os operadores económicos a complementar ou a explicitar os certificados e documentos apresentados em aplicação dos artigos 45.° a 50.°»

9

O artigo 54.o desta diretiva, sob a epígrafe «Utilização de leilões eletrónicos», estabelece:

«1.   Os Estados‑Membros podem prever a possibilidade de as entidades adjudicantes recorrerem a leilões eletrónicos.

[…]

4.   Antes de procederem ao leilão eletrónico, as entidades adjudicantes efetuarão uma primeira avaliação completa das propostas em conformidade com o critério ou os critérios de adjudicação previamente definidos e a respetiva ponderação.

Todos os proponentes que tenham apresentado propostas admissíveis são convidados simultaneamente por meio eletrónico a apresentar novos preços e/ou novos valores; […]

[…]

8.   Uma vez encerrado o leilão eletrónico e em função dos seus resultados, as entidades adjudicantes adjudicarão o contrato nos termos do artigo 53.o

As entidades adjudicantes não podem recorrer a leilões eletrónicos de forma abusiva, ou de modo a impedir, restringir ou falsear a concorrência, ou de modo a alterar o objeto do contrato, tal como tiver sido aberto a concurso por publicação do anúncio de concurso e tal como definido no caderno de encargos.»

Diretiva 2014/24/UE

10

O considerando 2 da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, sobre contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18 (JO 2014, L 94, p. 65), tem a seguinte redação:

«[A]s regras de contratação pública, adotadas nos termos da Diretiva 2004/18/CE […] deverão ser revistas e modernizadas a fim de aumentar a eficiência da despesa pública, em particular facilitando a participação das pequenas e médias empresas (PME) na contratação pública […]. É igualmente necessário esclarecer noções e conceitos básicos para garantir a segurança jurídica e incorporar alguns aspetos da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia neste domínio.»

11

O artigo 63.o da Diretiva 2014/24, intitulado «Recurso às capacidades de outras entidades», estabelece o seguinte:

«1.   No que respeita aos critérios relativos à situação económica e financeira referidos no artigo 58.o, n.o 3, e aos critérios relativos à capacidade técnica e profissional referidos no artigo 58.o, n.o 4, um operador económico pode, se necessário e para um contrato determinado, recorrer às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas. Porém, no que respeita aos critérios relativos às habilitações literárias e qualificações profissionais referidos no anexo XII, parte II, alínea f), ou à experiência profissional relevante, os operadores económicos só podem recorrer às capacidades de outras entidades quando estas últimas assegurem a execução da empreitada de obras ou o fornecimento dos serviços para os quais são exigidas essas capacidades. Quando pretenda recorrer às capacidades de outras entidades, o operador económico deve provar à autoridade adjudicante que irá dispor dos recursos necessários, por exemplo através da apresentação de uma declaração de compromisso dessas entidades para o efeito.

[…]

2.   No caso dos contratos de empreitada de obras, dos contratos de serviços ou de operações de montagem ou instalação no quadro de um contrato de fornecimento, as autoridades adjudicantes possam exigir que determinadas tarefas críticas sejam executadas pelo próprio proponente […]»

12

Nos termos do artigo 90.o, n.o 1, desta diretiva:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 18 de abril de 2016 […].»

Direito polaco

13

A Diretiva 2004/18 foi transposta para a ordem jurídica polaca pela Lei sobre os contratos públicos (Dz. U. de 2013, posições 907, 984, 1047 e 1473, e Dz. U. de 2014, posição 423, a seguir «Lei sobre os contratos públicos»).

14

Nos termos do artigo 26.o, n.o 2b, da Lei sobre os contratos públicos:

«O operador económico pode recorrer à capacidade e experiência, à capacidade técnica operacional, ao pessoal competente para a execução do contrato ou à capacidade financeira de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas. Nesse caso, o operador económico deve provar à entidade adjudicante que dispõe dos meios necessários para a execução do contrato, apresentando, designadamente, um compromisso escrito dessas entidades de que colocarão à sua disposição os meios necessários durante a execução do contrato. […]»

15

O artigo 83.o, n.os 2 e 3, da Lei sobre os contratos públicos prevê:

«2.   A entidade adjudicante pode admitir a apresentação de propostas parciais, desde que o objeto do contrato possa ser dividido em lotes.

3.   No caso a que se refere o n.o 2, o operador económico pode apresentar propostas parciais para uma ou várias partes do contrato, a não ser que a entidade adjudicante tenha determinado o número máximo de lotes para as quais podem ser apresentadas propostas parciais por um operador económico.»

16

O artigo 91.ob, n.o 1, da Lei sobre os contratos públicos dispõe:

«A entidade adjudicante convida por via eletrónica todos os operadores económicos que tenham apresentado uma proposta não rejeitada a participar num leilão eletrónico.»

17

O artigo 93.o, n.o 1, ponto 7, da Lei sobre os contratos públicos dispõe:

«A entidade adjudicante declara o concurso inválido quando […] o mesmo padece de um vício irremediável que impede a celebração de um contrato válido que tenha por objeto a execução de um contrato público.»

18

O artigo 1.o, n.o 6, do Regulamento do Presidente do Conselho de Ministros de 19 de fevereiro de 2013 sobre o tipo de documentos exigíveis pela entidade adjudicante aos operadores económicos e sobre a forma de apresentação desses documentos (Dz. U. de 2013, posição 231) diz o seguinte:

«Se, para demonstrar que cumpre as condições referidas no artigo 22.o, n.o 1, da [Lei sobre os contratos públicos], o operador económico invocar meios de outras entidades ao abrigo das disposições do artigo 26.o, n.o 2b, da [Lei sobre os contratos públicos], a entidade adjudicante, para verificar se o operador dispõe dos meios das outras entidades na medida necessária para a boa execução do contrato ou se a ligação entre o operador económico e essas entidades garante efetivamente o acesso a esses meios, pode exigir:

1)

no respeitante às condições referidas no artigo 22.o, n.o 1, ponto 4, da [Lei sobre os contratos públicos], os documentos enumerados no n.o 1, pontos 9 a 11, e ainda outros documentos relativos à capacidade económica e financeira previstos no aviso de concurso ou no caderno de encargos;

2)

documentos relativos:

a)

aos meios de outra entidade a que pode ter acesso o operador económico,

b)

às modalidades de utilização de meios de outra entidade pelo operador económico para executar o contrato,

c)

à natureza da ligação entre o operador económico e a outra entidade, e

d)

ao âmbito e duração da participação de outra entidade na execução do contrato.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19

Resulta da decisão de reenvio que, no mês de dezembro de 2013, os serviços de limpeza da cidade de Varsóvia abriram um processo de concurso para adjudicar um contrato público de limpeza mecânica polivalente das ruas da cidade de Varsóvia durante o inverno e o verão dos anos de 2014 a 2017. A limpeza durante o inverno objeto deste contrato consiste essencialmente em prevenir e eliminar o gelo dos pavimentos através da utilização de sal e na utilização de um veículo de limpeza de neve nalgumas categorias de pavimentos urbanos, ao passo que a limpeza estival consiste em lavar e limpar os pavimentos com água.

20

Os serviços de limpeza da cidade de Varsóvia optaram por um processo de concurso que seria concluído por um leilão eletrónico. O objeto do referido contrato foi dividido em oito partes, correspondentes a vários bairros da cidade de Varsóvia, o que permitia aos proponentes apresentarem propostas para a totalidade do concurso ou fazerem uma proposta parcial.

21

Como previsto no caderno de encargos, para justificarem as suas capacidades técnicas, os proponentes apresentariam uma lista dos serviços de limpeza durante o inverno das ruas por tecnologia húmida prestados nos últimos três anos anteriores à data da expiração do prazo para apresentação de propostas. Esses serviços deviam ter um valor global mínimo de 1000000 de zlótis polacos (PLN) (cerca de 224442 euros) por cada uma das oito partes objeto do concurso em causa. Por conseguinte, para fazerem uma proposta pela totalidade do objeto do concurso, os proponentes tinham de provar ter prestado serviços com o valor mínimo de 8000000 PLN (cerca de 1795537 euros).

22

Na sequência da publicação do aviso de concurso no Jornal Oficial da União Europeia, a Partner apresentou a sua candidatura à totalidade do concurso, invocando que, nos últimos três anos, tinha assegurado a prestação de catorze serviços, doze imputáveis à sua experiência direta e dois imputáveis à experiência da PUM sp. z o.o. (a seguir «PUM»), estabelecida em Grudziądz (Polónia), uma cidade situada a cerca de 230 km de Varsóvia.

23

Além disso, juntou à sua proposta um compromisso da PUM nos termos do qual esta colocaria as suas capacidades à disposição da Partner, nomeadamente através de serviços de aconselhamento incluindo, entre outros, a formação dos empregados da Partner e ainda o auxílio na resolução dos problemas que pudessem surgir na execução do contrato em causa. A Partner sublinhou também que, para efeitos da execução desse contrato, essa colaboração estava regulada por um contrato celebrado entre as duas empresas.

24

Em 26 de fevereiro de 2014, os serviços de limpeza da cidade de Varsóvia convidaram a Partner a precisar melhor as atividades que a PUM exerceria e os efeitos que essas atividades poderiam ter na qualidade e eficácia dos serviços prestados na cidade de Varsóvia, tendo em conta a distância a que Grudziądz se encontra de Varsóvia.

25

Insatisfeita com a resposta da Partner e considerando que os conhecimentos e a experiência da PUM não poderiam ser disponibilizados sem a participação direta e efetiva dessa sociedade na realização do contrato em causa, os serviços de limpeza da cidade de Varsóvia, por ofício de 11 de março de 2014, pediram à Partner que completasse o seu processo quanto a este ponto.

26

Na sua resposta de 18 de março de 2014, contestando a posição dos serviços de limpeza da cidade de Varsóvia, a Partner requereu a consideração da sua proposta para efeitos de atribuição de todas as oito partes objeto do concurso, segundo determinada ordem de prioridade.

27

No entanto, os serviços de limpeza da cidade de Varsóvia rejeitaram integralmente a proposta da Partner e encerraram o processo de concurso do contrato em causa após a fase do leilão eletrónico.

28

A Partner interpôs então recurso para a Krajowa Izba Odwoławcza (Secção Nacional de Recurso) pedindo a anulação da decisão que a excluiu do processo de concurso em causa e outrossim da decisão que aceitou a proposta mais vantajosa relativa às diferentes partes do concurso. Pediu ainda o reexame das propostas apresentadas no quadro deste processo de concurso e a sua admissão no novo leilão eletrónico.

29

Neste contexto, a Krajowa Izba Odwoławcza (Secção Nacional de Recurso) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 48.o, n.o 3, conjugado com o artigo 2.o da Diretiva [2004/18], ser interpretado no sentido de que, quando dispõe que um operador económico pode ‘se necessário’ recorrer às capacidades de outras entidades, pretende designar todos os casos em que o respetivo operador económico não dispõe das qualificações exigidas pela entidade adjudicante e pretende recorrer às capacidades de outras entidades? Ou deve a indicação de que o operador económico só pode recorrer às capacidades de outras entidades ‘se necessário’ ser entendida como uma limitação, no sentido de que tal recurso só é admissível, a título excecional e não como regra geral, no quadro da apresentação da prova das qualificações do operador económico no concurso?

2)

Deve o artigo 48.o, n.o 3, conjugado com o artigo 2.o da Diretiva [2004/18], ser interpretado no sentido de que o recurso do operador económico às capacidades de outra entidade em termos do seu conhecimento e experiência ‘independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas’ e o facto de que ‘disporá dos meios necessários’ desta entidade significam que o operador económico, para a realização do contrato, pode não ter qualquer vínculo ou ter apenas um vínculo muito precário e indefinido com esta entidade, ou seja, que pode executar o contrato por si mesmo (sem a participação de outra entidade) ou que tal participação pode consistir, designadamente, em ‘aconselhamento’, ‘consulta’ ou ‘formação’? Ou deve o artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva [2004/18] ser interpretado no sentido de que a entidade a cujas capacidades o operador económico recorre tem de executar efetiva e pessoalmente a parte do contrato para a qual foram indicadas as suas capacidades?

3)

Deve o artigo 48.o, n.o 3, conjugado com o artigo 2.o da Diretiva [2004/18], ser interpretado no sentido de que o operador económico que, na realidade, dispõe de experiência própria, mas em menor medida do que pretende declarar à entidade adjudicante (por exemplo, não suficiente para poder apresentar uma proposta para a realização da totalidade do contrato), pode recorrer adicionalmente às capacidades de outras entidades para melhorar as suas perspetivas no concurso?

4)

Deve o artigo 48.o, n.o 3, conjugado com o artigo 2.o da Diretiva [2004/18], ser interpretado no sentido de que a entidade adjudicante pode (ou mesmo deve) indicar no anúncio do concurso ou no caderno de encargos os princípios segundo os quais o operador económico pode recorrer às capacidades de outras entidades, por exemplo, o modo como a outra entidade deverá participar na realização do contrato, o modo como podem articular‑se as capacidades do operador económico e as da outra entidade, e se a outra entidade é corresponsável com o operador económico pela regular realização da parte do contrato para a qual o operador económico recorreu às capacidades da outra entidade?

5)

Permite princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos, consagrado no artigo 2.o da Diretiva [2004/18], recorrer às capacidades de outras entidades, nos termos do artigo 48.o, n.o 3, da [mesma] diretiva, adicionando as capacidades de duas ou mais entidades que, em matéria de qualificações técnica e experiência, não dispõem das capacidades exigidas pela entidade adjudicante?

6)

Permite assim o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos, consagrado no artigo 2.o da Diretiva [2004/18], uma interpretação do artigo 44.o e do artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva [2004/18] no sentido de que as condições estabelecidas pela entidade adjudicante para a participação num concurso público só formalmente precisam de estar reunidas para efeitos de participação no concurso, independentemente das qualificações efetivas do operador económico?

7)

Permite o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos, consagrado no artigo 2.o da Diretiva [2004/18], que, no caso de ser permitida a apresentação de propostas para uma parte do contrato, o operador económico indique, após a apresentação da proposta, por exemplo, no momento [de um] aditamento ou explicação dos documentos da proposta, a que parte do contrato se referem as capacidades indicadas para provar que estavam preenchidas as condições de participação no concurso?

8)

Permitem os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos e da transparência, consagrados no artigo 2.o da Diretiva [2004/18], que um leilão [já realizado] seja anulado e se repita um leilão eletrónico quando o mesmo tenha sido realizado no essencial de modo irregular, por exemplo, quando nem todos os operadores económicos que apresentaram propostas válidas foram convidados a participar?

9)

Permitem os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos e da transparência, consagrados no artigo 2.o da Diretiva [2004/18], que o contrato seja atribuído a um operador económico cuja proposta foi selecionada nesse leilão irregular, sem o referido leilão ter sido repetido, quando não é possível concluir se a participação dos operadores económicos que não foram considerados teria modificado o resultado do leilão?

10)

Pode tomar‑se como orientação para a interpretação das disposições da Diretiva [2004/18] o teor das disposições e dos considerandos da Diretiva [2014/24,] apesar de ainda não ter terminado o prazo para a sua transposição, na medida em que [esta] diretiva esclarece determinados pressupostos e intenções do legislador da União e não é contrária às disposições da Diretiva [2004/18]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira a terceira, quinta e sexta questões

30

Como a primeira a terceira, quinta e sexta questões, que serão analisadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, que sejam identificadas as condições que devem ser cumpridas para que um operador económico possa invocar as capacidades de outras entidades no sentido do artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 e que sejam clarificadas as modalidades segundo as quais deve ser concretizada a disponibilização dos meios necessários por parte dessas entidades e, portanto, da sua eventual participação na execução do contrato em causa.

31

Para responder a estas questões, importa, a título liminar, recordar que, nos termos do artigo 44.o, n.o 1, da Diretiva 2004/18, incumbe à entidade adjudicante verificar a aptidão dos candidatos ou proponentes de acordo com os critérios referidos nos artigos 47.° a 52.° da mesma diretiva.

32

Além disso, nos termos do artigo 44.o, n.o 2, da referida diretiva, a entidade adjudicante pode exigir que os candidatos ou os proponentes cumpram níveis mínimos de capacidade económica e financeira assim como de capacidade técnica e profissional, em conformidade com o disposto nos artigos 47.° e 48.° da mesma diretiva.

33

Segundo jurisprudência constante, os artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18 reconhecem o direito de qualquer operador económico recorrer, para um contrato determinado, às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas, desde que prove à entidade adjudicante que o candidato ou o proponente disporá efetivamente dos meios necessários para a execução desse contrato (v., neste sentido, acórdão de 10 de outubro de 2013, Swm Costruzioni 2 e Mannocchi Luigino, C‑94/12, EU:C:2013:646, n.os 29 e 33).

34

Esta interpretação é conforme com o objetivo de abertura dos concursos públicos à mais ampla concorrência possível prosseguido pelas diretivas nesta matéria, em benefício não apenas dos operadores económicos mas também das entidades adjudicantes. Além disso, é igualmente suscetível de facilitar o acesso das pequenas e médias empresas aos concursos públicos, objetivo igualmente prosseguido pela Diretiva 2004/18, como revela o seu considerando 32 (acórdão de 10 de outubro de 2013, Swm Costruzioni 2 e Mannocchi Luigino, C‑94/12, EU:C:2013:646, n.o 34 e jurisprudência referida).

35

Daqui decorre que, tendo em conta a importância que assume no quadro da regulamentação da União em matéria de contratos públicos, o direito consagrado nos artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, desta diretiva constitui uma regra geral que as entidades adjudicantes devem ter em conta ao exercerem as suas competências de verificação da aptidão do proponente para executar determinado contrato.

36

Nestas condições, o facto de, nos termos do artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18, o operador económico poder invocar as capacidades de outras entidades «se necessário» não pode ser interpretado, como parece sugerir o tribunal de reenvio, no sentido de que só excecionalmente esse operador pode recorrer às capacidades de terceiros.

37

Dito isto, importa precisar, em primeiro lugar, que, embora tenha a liberdade de estabelecer vínculos com as entidades cujas capacidades invoca e de escolher a natureza jurídica desses vínculos, o proponente tem de fazer prova de que dispõe efetivamente dos meios dessas entidades, os quais não lhe pertencem diretamente e são necessários para a execução de um contrato determinado (v., neste sentido, acórdão de 2 de dezembro de 1999, Holst Italia, C‑176/98, EU:C:1999:593, n.o 29 e jurisprudência referida).

38

Assim, nos termos dos artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18, o proponente não pode invocar as capacidades de outras entidades para satisfazer de modo puramente formal as condições exigidas pela entidade adjudicante.

39

Em segundo lugar, como já declarado pelo Tribunal de Justiça, as disposições da Diretiva 2004/18 não se opõem a que o exercício do direito consagrado nos artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, desta diretiva seja limitado em circunstâncias excecionais (v., neste sentido, acórdão de 10 de outubro de 2013, Swm Costruzioni 2 e Mannocchi Luigino, C‑94/12, EU:C:2013:646, n.o 36).

40

Da mesma forma não se pode excluir que algumas obras tenham particularidades que exigem uma determinada capacidade que não pode ser obtida através da soma de capacidades inferiores de vários operadores. Nessa hipótese, a entidade adjudicante pode exigir que o nível mínimo da capacidade em causa seja alcançado por um único operador económico ou, eventualmente, pelo recurso a um número limitado de operadores económicos, nos termos do artigo 44.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18, desde que esta exigência tenha uma ligação e seja proporcional ao objeto do contrato em causa (acórdão de 10 de outubro de 2013, Swm Costruzioni 2 e Mannocchi Luigino, C‑94/12, EU:C:2013:646, n.o 35).

41

Também não se pode excluir que, em circunstâncias especiais, tendo em conta a natureza e os objetivos de um contrato determinado, as capacidades de que dispõe um terceiro, necessárias para a execução de um contrato determinado, não sejam suscetíveis de transmissão ao proponente. Por conseguinte, nessas circunstâncias, o proponente só pode invocar as referidas capacidades se essa entidade terceira participar direta e pessoalmente na execução do contrato em questão.

42

No caso em apreço, o tribunal de reenvio suscita dúvidas sobre a questão de saber se as capacidades da PUM podem ser validamente transmitidas para a Partner, no sentido de que são suscetíveis de dar lugar à disponibilização dos meios necessários para a execução do contrato em causa no processo principal, nos termos do artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18, tendo em conta o facto de essa disponibilização se concretizar pelo simples exercício de atividades de consulta e formação, sem a participação direta da PUM na execução desse contrato.

43

A este respeito, há que salientar que o contrato público em causa no processo principal, descrito no n.o 19 do presente acórdão, tem por objeto a limpeza mecânica polivalente das ruas da cidade de Varsóvia, de inverno e de verão, durante quatro anos consecutivos.

44

No tocante, mais especificamente, à limpeza durante o inverno, resulta da decisão de reenvio que essa prestação requer competências específicas e o conhecimento profundo da topografia da cidade de Varsóvia e exige sobretudo uma capacidade de reação imediata para atingir, num lapso de tempo preciso, um certo nível de manutenção dos pavimentos.

45

Além disso, a referida prestação assenta na utilização de uma tecnologia particular que exige um nível de experiência e uma capacidade elevada de utilização dessa tecnologia que é a única forma de executar de maneira adequada o contrato em causa no processo principal, evitando consequências perigosas para o tráfego rodoviário.

46

Nestas condições, a realização concreta desse concurso exige a presença de pessoal experiente que, através de observações diretas dos pavimentos e de recolhas de amostras no local, permita antecipar ou, em qualquer caso, responder de forma adequada às necessidades específicas desse concurso.

47

Ora, tendo em conta o objeto do concurso em causa no processo principal e as suas finalidades, não será de excluir que a participação prevista da PUM, que consiste no simples exercício de atividades de consulta e de formação, não possa ser considerada suficiente para garantir à Partner a colocação à disposição efetiva dos meios necessários para a execução do referido concurso, no sentido da jurisprudência recordada no n.o 33 do presente acórdão. Isso é ainda mais justificado pelo facto de, como resulta da decisão de reenvio, a sede da PUM estar situada na cidade de Grudziądz, ou seja, a cerca de 230 km de Varsóvia.

48

Nestas circunstâncias, cabe ao tribunal de reenvio, tendo em conta as circunstâncias concretas do concurso em causa no processo principal, determinar se essa disponibilização é possível de ser efetuada de forma a satisfazer às exigências feitas pela referida jurisprudência.

49

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira a terceira, quinta e sexta questões que os artigos 47.°, n.o 2, e 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18, lidos em conjugação com o artigo 44.o, n.o 2, da mesma diretiva, devem ser interpretados no sentido de que:

reconhecem o direito de todo e qualquer operador económico a invocar, relativamente a um contrato determinado, as capacidades de outras entidades, qualquer que seja a natureza do vínculo que o ligue a essas entidades, desde que se prove à autoridade adjudicante que o candidato ou o proponente virá a dispor efetivamente dos meios das referidas entidades que sejam necessários para a execução desse contrato; e

não se exclui que o exercício do referido direito possa ser limitado, em circunstâncias especiais, tendo em conta o objeto do contrato e as finalidades do mesmo. É esse o caso quando as capacidades de que dispõe a entidade terceira, necessárias para a execução desse contrato, não possam ser transmitidas ao candidato ou proponente, de forma que este não possa invocar essas capacidades a não ser que essa entidade terceira participe direta e pessoalmente na execução do referido contrato.

Quanto à quarta questão

50

Com a quarta questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 48.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que a entidade adjudicante tem a possibilidade de indicar expressamente, no aviso de concurso ou no caderno de encargos, regras precisas segundo as quais o operador económico pode invocar capacidades de outras entidades.

51

A fim de responder a esta questão, importa recordar que, como salientado nos n.os 33 e 49 do presente acórdão, os artigos 47.°, n.o 2, e 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 reconhecem o direito de todo o operador económico invocar as capacidades de outras entidades, desde que se prove à entidade adjudicante que o candidato ou proponente disporá efetivamente dos meios dessas entidades que sejam necessários para a execução do contrato em causa.

52

Para este efeito, embora o proponente tenha de provar que dispõe efetivamente dos meios dessas entidades, que lhe não pertencem a título pessoal e que são necessários para a execução de um contrato determinado, ele é livre de escolher, por um lado, a natureza jurídica dos vínculos que pretende estabelecer com as outras entidades cujas capacidades invoca para a execução do contrato e, por outro lado, o modo de prova da existência desses vínculos (acórdão de 14 de janeiro de 2016, Ostas celtnieks, C‑234/14, EU:C:2016:6, n.o 28).

53

A entidade adjudicante não pode por esta razão impor condições expressas suscetíveis de entravar o exercício do direito dos operadores económicos de invocarem as capacidades de outras entidades, designadamente invocando antecipadamente as modalidades concretas segundo as quais as capacidades das outras entidades podem ser invocadas. Esta conclusão impõe‑se tanto mais quanto na prática, como referiu acertadamente a Comissão Europeia, é difícil, ou mesmo impossível, ao operador económico prever, a priori, todos os cenários possíveis de utilização das capacidades de outras entidades.

54

Dito isto, como foi reconhecido na resposta à primeira a terceira, quinta e sexta questões, tendo em conta o objeto do contrato em causa e as suas finalidades, o exercício desse direito pode ser limitado em circunstâncias especiais como as referidas nos n.os 39 a 41 do presente acórdão.

55

Ora, nessas circunstâncias, não poderia à partida excluir‑se que a entidade adjudicante pudesse, para efeitos da correta execução do contrato em causa, indicar expressamente, no aviso de concurso ou no caderno de encargos, regras precisas que permitam ao operador económico invocar as capacidades de outras entidades.

56

Todavia, quando a entidade adjudicante decida utilizar essa faculdade, incumbe‑lhe assegurar‑se de que as regras estabelecidas tenham ligação e sejam proporcionadas ao objeto e às finalidades desse contrato.

57

Esta exigência, aliás, permite garantir o respeito do princípio da transparência no tocante às regras fixadas pela entidade adjudicante, deixando aos operadores económicos a faculdade de proporem à entidade adjudicante modalidades alternativas de recurso às capacidades de outras entidades que garantam que a disponibilização das mesmas será efetiva.

58

Por conseguinte, há que responder à quarta questão que o artigo 48.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que, tendo em conta o objeto e as finalidades de um contrato determinado, a entidade adjudicante pode, em circunstâncias especiais, para efeitos da correta execução desse contrato, indicar expressamente, no aviso do concurso ou no caderno de encargos, regras precisas segundo as quais os operadores económicos podem invocar as capacidades de outras entidades, desde que essas regras tenham ligação e sejam proporcionadas ao objeto e aos fins desse contrato.

Quanto à sétima questão

59

Com a sétima questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos enunciados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma entidade adjudicante, após a abertura das propostas apresentadas no quadro de um processo concurso de um contrato público, aceite o pedido de um operador económico, que apresentou uma proposta para a totalidade de contrato em questão, no sentido de considerar a sua proposta para a atribuição apenas de algumas partes desse contrato.

60

Para responder a esta questão, importa recordar que, em conformidade com o considerando 46 e o artigo 2.o da Diretiva 2004/18, as entidades adjudicantes são obrigadas a tratar os operadores económicos em pé de igualdade, de forma não discriminatória e transparente.

61

Com efeito, por um lado, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação impõem que os proponentes disponham das mesmas oportunidades na formulação dos termos das suas propostas e implicam portanto que estas propostas estejam sujeitas às mesmas condições para todos os proponentes. Por outro lado, o dever de transparência tem por finalidade garantir a inexistência de risco de favoritismo e de arbitrariedade por parte da entidade adjudicante. Esta obrigação implica que todas as condições e modalidades do processo de adjudicação sejam formuladas de forma clara, precisa e unívoca, no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, de modo, em primeiro lugar, a permitir a todos os proponentes razoavelmente informados e normalmente diligentes compreenderem o seu alcance exato e interpretá‑las da mesma maneira e, em segundo lugar, a possibilitar à entidade adjudicante verificar efetivamente se as propostas dos proponentes correspondem aos critérios por que se rege o concurso em causa (v., neste sentido, acórdão de 6 de novembro de 2014, Cartiera dell’Adda, C‑42/13, EU:C:2014:2345, n.o 44 e jurisprudência referida).

62

Além disso, como o Tribunal de Justiça já declarou, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como o dever de transparência, opõem‑se a qualquer negociação entre a entidade adjudicante e um proponente no âmbito de um procedimento de adjudicação de contratos públicos, o que implica que, em princípio, uma proposta não pode ser alterada após ser apresentada, seja por iniciativa da entidade adjudicante ou do proponente. Daqui resulta que a entidade adjudicante não pode pedir esclarecimentos a um proponente cuja proposta considera imprecisa ou não conforme com as especificações técnicas do caderno de encargos (acórdão de 10 de outubro de 2013, Manova, C‑336/12, EU:C:2013:647, n.o 31 e jurisprudência referida).

63

O Tribunal de Justiça especificou, porém, que o artigo 2.o da Diretiva 2004/18 não se opõe a que os dados relativos à proposta possam ser corrigidos ou completados pontualmente, nomeadamente porque, como é óbvio, necessitam de uma simples clarificação, ou para pôr termo a erros materiais manifestos (acórdão de 10 de outubro de 2013, Manova, C‑336/12, EU:C:2013:647, n.o 32 e jurisprudência referida).

64

Para este efeito, incumbe à entidade adjudicante certificar‑se de que o pedido de esclarecimento de uma proposta não leve à apresentação pelo proponente daquilo que seria na realidade uma nova proposta (v., neste sentido, acórdão de 10 de outubro de 2013, Manova, C‑336/12, EU:C:2013:647, n.o 36).

65

Além disso, no exercício do poder de apreciação que dispõe a entidade adjudicante no que diz respeito à faculdade de pedir aos candidatos que clarifiquem a sua proposta, a entidade adjudicante deve tratar os candidatos de forma igual e leal, de modo a que o pedido de clarificação não possa ser visto, no termo do processo de seleção das propostas e em face do seu resultado, como tendo indevidamente favorecido ou desfavorecido o candidato ou candidatos a quem o mesmo tenha sido dirigido (acórdão de 10 de outubro de 2013, Manova, C‑336/12, EU:C:2013:647, n.o 37).

66

No caso em apreço, e como resulta da decisão de reenvio, os serviços de limpeza da cidade de Varsóvia, tendo dúvidas sobre a questão de saber se a Partner dispunha dos meios necessários para executar o contrato em causa no processo principal, convidou‑a, após a apresentação da proposta, a especificar a natureza da participação da PUM na execução desse contrato.

67

Em resposta a este pedido de clarificação, a Partner pediu aos serviços de limpeza da cidade de Varsóvia que, no caso de considerar insuficiente a experiência indicada, atribuísse os meios indicados para as oito partes do contrato em causa no processo principal, segundo uma certa ordem de prioridades, por forma que a eventual rejeição pudesse incidir não sobre a totalidade desse contrato, mas apenas sobre os lotes para os quais não reunia as condições exigidas.

68

Ora, é ponto assente que essa comunicação, pela qual um operador económico indica à entidade adjudicante, após a abertura das propostas, a ordem de prioridade das partes do contrato em causa a partir da qual a proposta devia ser avaliada, em vez de representar uma simples clarificação pontual ou uma correção de erros materiais manifestos, no sentido da jurisprudência recordada no n.o 63 do presente acórdão, constitui na realidade uma alteração substancial que se assemelha mais à apresentação de uma nova proposta.

69

Daqui decorre que a entidade adjudicante não pode permitir a um operador económico que precise a sua proposta inicial desta forma, sob pena de violar os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos, bem como o dever de transparência que deles deriva, e aos quais estão submetidas as entidades adjudicantes nos termos do artigo 2.o da Diretiva 2004/18 (v., neste sentido, acórdão de 6 de novembro de 2014, Cartiera dell’Adda, C‑42/13, EU:C:2014:2345, n.o 43).

70

Resulta do exposto que há que responder à sétima questão que os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos, enunciados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18, devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, se opõem a que uma entidade adjudicante, após a abertura das propostas apresentadas no quadro de um processo de concurso de um contrato público, aceite o pedido de um operador económico, que apresentou uma proposta para a totalidade do contrato em questão, no sentido de considerar a sua proposta para a atribuição apenas de algumas partes desse contrato.

Quanto à oitava e nona questões

71

Com a oitava e nona questões, que importa analisar conjuntamente, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos, enunciados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18, devem ser interpretados no sentido de que exigem a anulação e a repetição de um leilão eletrónico para o qual não foi convidado um operador económico que apresentou uma proposta admissível, mesmo que não possa concluir‑se que a participação do operador excluído teria alterado o resultado do leilão.

72

Nos termos do considerando 14 e do artigo 1.o, n.o 7, da Diretiva 2004/18, o recurso ao leilão eletrónico permite às entidades adjudicantes, após uma primeira avaliação completa das propostas, pedirem aos proponentes que apresentem novos preços, revistos em baixa, e, quando o contrato é adjudicado à proposta economicamente mais vantajosa, que melhorem igualmente elementos da proposta diferentes do preço.

73

No quadro deste procedimento, como enunciado nesse considerando, a Diretiva 2004/18 exige expressamente que os leilões eletrónicos decorram com respeito integral pelos princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação e da transparência.

74

Para este efeito, por um lado, o artigo 54.o, n.o 4, da Diretiva 2004/18 prevê que os proponentes que apresentem uma proposta admissível têm o direito de ser convidados a participar no leilão eletrónico a fim de apresentarem novos preços e/ou novos valores.

75

Por outro lado, o artigo 54.o, n.o 8, segundo parágrafo, da mesma diretiva impõe expressamente às entidades adjudicantes, quando decidam organizar um leilão eletrónico, que não os utilizem de forma abusiva, ou de maneira a impedir, restringir ou falsear a concorrência, nem de forma a alterar o objeto do contrato, tal como posto a concurso com a publicação do anúncio e tal como definido no caderno de encargos.

76

Daqui resulta que, quando um proponente apresenta uma proposta admissível e cumpre os critérios enunciados no aviso de concurso, incumbe à entidade adjudicante, nos termos do artigo 54.o, n.o 4, da Diretiva 2004/18, garantir o exercício do direito do proponente de participar no leilão eletrónico.

77

Por conseguinte, quando o proponente não é convidado a participar no referido leilão, como salientou o advogado‑geral no n.o 52 das suas conclusões, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, enunciados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18, obrigam a entidade adjudicante a anular e a repetir esse leilão.

78

A este respeito, importa precisar que esta conclusão se impõe independentemente da questão de saber se a participação do operador excluído teria ou não modificado o resultado do leilão em causa.

79

Com efeito, o exercício do direito do proponente de participar no leilão eletrónico não pode ser subordinado ao resultado preconizado do leilão nem pode ser excluído à partida por considerações hipotéticas da entidade adjudicante.

80

Noutros termos, como salientado igualmente pela Krajowa Izba Odwoławcza (Secção Nacional de Recurso) na sua decisão de reenvio, não se pode admitir a priori que os operadores económicos que não foram admitidos ao leilão eletrónico não pudessem apresentar a proposta mais vantajosa, o que significa que o erro da entidade adjudicante implica necessariamente a anulação e a repetição do leilão.

81

Há, assim, que responder à oitava e nona questões que os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos, enunciados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18, devem ser interpretados no sentido de que impõem a anulação e a repetição de um leilão eletrónico para o qual não foi convidado um operador económico que apresentou uma proposta admissível, mesmo que não possa concluir‑se que a participação do operador excluído teria alterado o resultado do leilão.

Quanto à décima questão

82

Com a décima questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da Diretiva 2004/18 podem ser interpretadas à luz das da Diretiva 2014/24, mesmo que o prazo de transposição desta ainda não tenha expirado e na medida em que as suas disposições não sejam contrárias às da Diretiva 2004/18.

83

A fim de responder a esta questão, importa recordar, a título liminar, que a diretiva aplicável, em conformidade com jurisprudência constante, é, em princípio, a que está em vigor no momento em que a entidade adjudicante escolhe o tipo de procedimento que vai adotar e dirime definitivamente a questão de saber se há ou não a obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação de um contrato público. Em contrapartida, são inaplicáveis as disposições de uma diretiva cujo prazo de transposição expirou após esse momento (acórdão de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti, C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 31 e jurisprudência referida).

84

No processo principal, o processo de concurso do contrato em questão foi publicado em 24 de dezembro de 2013, ao passo que a Diretiva 2014/24 apenas foi adotada em 26 de fevereiro de 2014 e, de qualquer modo, o seu prazo de transposição expirará, nos termos do seu artigo 90.o, em 18 de abril de 2016.

85

Nestas condições, a Diretiva 2014/24 não é aplicável ratione temporis ao processo principal.

86

Por outro lado, aplicar a Diretiva 2014/24, que, como resulta do seu próprio título, revoga a Diretiva 2004/18, antes da expiração do seu prazo de transposição impediria os Estados‑Membros, como as entidades adjudicantes e os operadores económicos, de beneficiar de um prazo suficiente para se adaptarem às novas disposições que a mesma introduz.

87

Dito isto, há que salientar que, como resulta da decisão de reenvio, com a sua questão o tribunal de reenvio pretende essencialmente saber se o artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18, que reconhece aos operadores económicos o direito de invocarem, para um contrato determinado, as capacidades de outras entidades, deve ser interpretado tendo em consideração o conteúdo do artigo 63.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24, que constitui a disposição correspondente ao referido artigo 48.o

88

A este respeito, há que observar, à semelhança do tribunal de reenvio, que o artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 está formulado em termos genéricos e não indica expressamente as modalidades segundo as quais os operadores económicos podem invocar as capacidades de outras entidades no quadro de um processo de concurso de um contrato público.

89

Em contrapartida, o artigo 63.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 passa a prever que os operadores económicos só podem recorrer às capacidades de outras entidades «quando estas últimas assegurem a execução da empreitada de obras ou o fornecimento dos serviços para os quais são exigidas essas capacidades».

90

Ora, sendo embora verdade que, como enuncia o seu considerando 2, a Diretiva 2014/24 visa esclarecer determinados conceitos e noções fundamentais a fim de garantir a segurança jurídica e de ter em conta alguns aspetos da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça nesta matéria, não é menos certo que o artigo 63.o desta diretiva introduz modificações substanciais no respeitante ao direito dos operadores económicos recorrerem às capacidades de outras entidades no quadro de um concurso público.

91

Com efeito, longe de se inscrever na continuidade do artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 e de esclarecer o seu alcance, o artigo 63.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 introduz condições novas que não estavam previstas no regime jurídico anterior.

92

Nestas condições, a referida disposição da Diretiva 2014/24 não pode ser utilizada como critério de interpretação do artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18, uma vez que não está em causa, no caso em apreço, resolver uma dúvida interpretativa relativa ao conteúdo desta última disposição.

93

Uma abordagem diferente faria correr o risco de antecipar erradamente a aplicação de um regime jurídico novo distinto do previsto na Diretiva 2004/18, e seria manifestamente contrária ao princípio da segurança jurídica dos operadores económicos, princípio que a Diretiva 2014/24, como resulta do seu considerando 2, pretende expressamente assegurar.

94

Em face do exposto, há que responder à décima questão que, em circunstâncias como as do processo principal, as disposições do artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 não podem ser interpretadas à luz das do artigo 63.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24.

Quanto às despesas

95

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

Os artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, devem ser interpretados no sentido de que:

reconhecem o direito de todo e qualquer operador económico a invocar, relativamente a um contrato determinado, as capacidades de outras entidades, qualquer que seja a natureza do vínculo que o ligue a essas entidades, desde que se prove à autoridade adjudicante que o candidato ou o proponente virá a dispor efetivamente dos meios das referidas entidades que sejam necessários para a execução desse contrato; e

não se exclui que o exercício do referido direito possa ser limitado, em circunstâncias especiais, tendo em conta o objeto do contrato e as finalidades do mesmo. É esse o caso quando as capacidades de que dispõe a entidade terceira, necessárias para a execução desse contrato, não possam ser transmitidas ao candidato ou proponente, de forma que este não possa invocar essas capacidades a não ser que essa entidade terceira participe direta e pessoalmente na execução do referido contrato.

 

2)

O artigo 48.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que, tendo em conta o objeto e as finalidades de um contrato determinado, a entidade adjudicante pode, em circunstâncias especiais, para efeitos da correta execução desse contrato, indicar expressamente, no aviso do concurso ou no caderno de encargos, regras precisas segundo as quais os operadores económicos podem invocar as capacidades de outras entidades, desde que essas regras tenham ligação e sejam proporcionadas ao objeto e aos fins desse contrato.

 

3)

Os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos, enunciados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18, devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, se opõem a que uma entidade adjudicante, após a abertura das propostas apresentadas no quadro de um processo de concurso de um contrato público, aceite o pedido de um operador económico, que apresentou uma proposta para a totalidade do contrato em questão, no sentido de considerar a sua proposta para a atribuição apenas de algumas partes desse contrato.

 

4)

Os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos, enunciados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18, devem ser interpretados no sentido de que impõem a anulação e a repetição de um leilão eletrónico para o qual não foi convidado um operador económico que apresentou uma proposta admissível, mesmo que não possa concluir‑se que a participação do operador excluído teria alterado o resultado do leilão.

 

5)

Em circunstâncias como as do processo principal, as disposições do artigo 48.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 não podem ser interpretadas à luz das do artigo 63.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, sobre contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.