23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 318/80


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um instrumento de microfinanciamento europeu para o emprego e a inclusão social (instrumento de microfinanciamento «Progress»)

[COM(2009) 333 final — 2009/0096 (COD)]

2009/C 318/15

Relatora geral: Gabriele BISCHOFF

Em 17 de Julho de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 152.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um instrumento de microfinanciamento europeu para o emprego e a inclusão social (instrumento de microfinanciamento “Progress”)»

Em 14 de Julho de 2009, a Mesa do Comité incumbiu a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo de elaborar este parecer.

Na 456. reunião plenária de 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2009 (sessão de 1 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 20.o do Regimento, designar Gabriele BISCHOFF relatora-geral e adoptou, por 171 votos a favor, com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese das conclusões e recomendações do Comité

1.1   Instrumentos financeiros adequados para as empresas são uma condição essencial do crescimento económico. O mesmo se aplica às microempresas do sector da economia social. Por conseguinte, o Comité acolhe favoravelmente o desenvolvimento do microcrédito, dado que pode ser um novo meio de promover o empreendedorismo e de criar novos postos de trabalho nas microempresas (isto é, empresas com menos de 10 trabalhadores e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual é inferior a 2 milhões de euros). A iniciativa vem compensar a actual escassez de instrumentos de microfinanciamento na Europa.

1.2   A concessão de microcrédito a microempresas do sector da economia social e a grupos desfavorecidos é mais cara e onerosa do que a concessão de crédito convencional. Os encargos adicionais podem ser reduzidos, por um lado, através do desenvolvimento de serviços normalizados e automatizados, de melhor marketing e, de um modo geral, através da profissionalização dos serviços de microfinanciamento e, por outro lado, mediante garantias e co-financiamento. Uma das tarefas principais do instrumento de microfinanciamento será o desenvolvimento de ferramentas para os serviços de microfinanciamento, incluindo a cooperação com as instituições de crédito existentes. Trata-se de desenvolver estruturas organizacionais que permitam processar de forma normalizada um elevado número de pedidos. Será difícil de atingir o mais alto nível de profissionalismo sem programas informáticos adequados e a utilização de tecnologias baseadas na Internet.

1.2.1

Além disso, a experiência acumulada até ao presente com o microcrédito na Europa demonstrara que é necessário criar incentivos de mercado suplementares para garantir que o sector financeiro cumpre realmente a sua missão de conceder microcrédito aos dois grupos-alvo visados.

1.3   O acesso ao microfinanciamento para empresários oriundos dos grupos desfavorecidos não deveria restringir-se apenas à criação da nova empresa, mas prolongar-se durante os primeiros anos da existência desta.

1.4   Aproximadamente 1 % dos fundos do instrumento de microfinanciamento “Progress” destina-se a cobrir as despesas administrativas, não incluindo os fundos reservados aos bancos intermediários e instituições de microfinanciamento que concedem crédito aos grupos visados. O Comité faz questão de saber que parte dos fundos são destinados aos bancos intermediários e às instituições de microfinanciamento para que concedam estes créditos. Além disso, há que assegurar que os bancos repercutem as taxas de juro favoráveis nos grupos visados, através do acompanhamento a nível europeu e da publicação das condições de crédito no sítio web das autoridades de controlo competentes.

1.5   O impacto pretendido na política de emprego e social com a criação de um instrumento de microfinanciamento europeu deveria ser avaliado de forma diferenciada segundo os grupos-alvo. Os dois grupos visados – microempresas do sector da economia social e requerentes individuais (desempregados, jovens ou pessoas socialmente desfavorecidas) – requerem capacidades diferentes de aconselhamento e apoio. Este aspecto deve ser considerado em termos de organização, tendo em conta as interligações com outros programas pertinentes.

1.6   Por último, o CESE recomenda que se analisem outras fontes de financiamento disponíveis, além do PROGRESS, para o novo instrumento de microfinanciamento.

2.   Introdução e resumo da proposta da Comissão

2.1

Na comunicação da Comissão de 13 de Novembro de 2007, intitulada Uma iniciativa europeia para o desenvolvimento do microcrédito em prol do crescimento e do emprego (COM(2007) 708), a Comissão propõe, primeiro, que os Estados-Membros adaptem os seus quadros jurídicos e institucionais e, segundo, que se crie um novo serviço de apoio à criação e ao desenvolvimento de instituições de microfinança na Comunidade (1). Além disso, prevê recursos financeiros adicionais para as novas instituições de microfinança não bancárias (2). A comunicação da Comissão confere uma grande importância ao desenvolvimento de um serviço de microcrédito para a aplicação da Estratégia de Lisboa em prol do crescimento e do emprego (3).

2.2

Segundo as definições que constam da Recomendação 2003/361/CE da Comissão, de 6 de Maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas (4), microcrédito designa um empréstimo de montante inferior a 25 000 euros, e microempresa, uma empresa que emprega menos de 10 pessoas – incluindo trabalhadores independentes – e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.

2.3

O relatório do grupo de peritos sobre a regulamentação do microcrédito na Europa clarifica as grandes diferenças existentes entre os Estados-Membros em matéria de acesso ao microcrédito e enquadramento jurídico.

2.4

Na comunicação de 3 de Junho de 2009, a Comissão anunciou um novo instrumento europeu de microfinanciamento em prol do emprego (5) (instrumento de microfinanciamento “Progress”).

2.5

A proposta da Comissão, de 2 de Julho de 2009, que estabelece um instrumento de microfinanciamento europeu para o emprego e a inclusão social (6), tem por objectivo, face à crise económica e financeira e ao seu impacto nos níveis de emprego e na disponibilidade de crédito, criar um novo instrumento de microfinanciamento europeu, para ajudar os desempregados e os grupos desfavorecidos a criar, eventualmente, a sua própria microempresa, inclusive em regime de auto-emprego, proporcionando-lhes um microcrédito até 25 000 euros, garantias, instrumentos de capital próprio, títulos de dívida e outras medidas, designadamente actividades de comunicação, acompanhamento, controlo, auditoria e avaliação. As microempresas do sector da economia social, que empregam pessoas que perderam o emprego ou pessoas desfavorecidas, também podem beneficiar do programa. O objectivo é abrir as portas do empreendedorismo a desempregados e outros grupos mais desfavorecidos. A afectação ao “Progress” de 100 milhões de euros do orçamento do actual programa PROGRESS, que poderá levar à mobilização de mais de 500 milhões de euros, deverá beneficiar cerca de 45 000 pessoas e empresas durante um período de quatro anos, de 2010 a 2013, com um montante médio por crédito estimado em 11 000 euros. A Comissão gere o instrumento em colaboração com instituições financeiras internacionais, designadamente o Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Fundo Europeu de Investimento (FEI). Não haverá nenhuma função administrativa suplementar para os Estados-Membros.

3.   Observações na generalidade

3.1   O Comité acolhe favoravelmente o facto de a Comissão, com as suas propostas de criação de um instrumento de microfinanciamento, vir confirmar o seu empenho na criação de emprego e na promoção do empreendedorismo entre os grupos desfavorecidos. Deve também referir-se que há comparativamente pouca experiência na Europa com a aplicação de instrumentos de microfinanciamento, o que implica esforços de organização extraordinários para assegurar a gestão administrativa do microcrédito e a utilização sustentável deste instrumento. Tendo em conta o êxito impressionante conseguido com o serviço de microfinanciamento no domínio da cooperação para o desenvolvimento (e a obtenção do Prémio Nobel da Paz pelo Banco Grameen e para o seu fundador, Muhammad Yunus), há que destacar as oportunidades, mas também os desafios, na transferência destas experiências para o contexto europeu. Este facto não é de menor importância, porque se perdem na transferência vantagens essenciais do conceito original (nomeadamente, a integração numa comunidade local, profissional ou étnica e a confiança daí resultante que leva à diminuição dos custos de acompanhamento e do número de créditos não reembolsados). Por isso, a possibilidade de transpor estas experiências para países mais desenvolvidos é alvo de controvérsia.

3.2   A Europa também sofre de uma penúria considerável de micofinanciamento; apenas metade das pequenas empresas considera positivo o papel dos bancos no acesso ao crédito (7). O programa JEREMIE (Joint European Resources for Micro to Medium Enterprises – Recursos Europeus Comuns para as Micro e as Médias Empresas), que é financiado sobretudo pelos Fundos Estruturais, é uma iniciativa conjunta da DG Regio e do Grupo BEI para ajudar e melhorar o financiamento das microempresas e das PME (8).

3.2.1

A Comissão Europeia lançou iniciativas importantes para a melhoria da posição do capital das micro, pequenas e médias empresas com o Programa-quadro para a Inovação e Competitividade (PIC) (9) e a iniciativa-piloto JASMINE (Joint Action to Support Microfinance Institutions in Europe – Acção Comum para apoiar as Instituições de Microfinanças na Europa), que devem fomentar a consolidação e desenvolvimento de instituições não bancárias de microfinanciamento (10). O Comité recomenda uma melhor coordenação destas diferentes medidas. No parecer (11) sobre o JEREMIE, o Comité sublinhou claramente apoiar sempre as iniciativas da Comissão que visam facilitar o acesso das PME a fontes de financiamento e instou que os parceiros sociais fossem devidamente envolvidos.

3.2.2

O Comité afirmou ainda que os fundos do BEI, onde foram utilizados, provaram ser um instrumento útil para facilitar o acesso das micro e pequenas empresas ao financiamento.

3.2.3

O Comité indicou ainda no parecer que o acesso ao microcrédito deveria ser facilitado em especial às PME e que era de importância fundamental atingir determinados grupos, designadamente jovens empresários, mulheres empresárias, grupos desfavorecidos e minorias étnicas.

3.3   As oportunidades abertas pelo recurso ao microcrédito resultam da importância central de formas de financiamento o mais informais e rápidas possível, designadamente para a criação de empresas. A maior parte dos fundos necessários à criação de uma empresa provém do fundador ou de familiares, amigos e vizinhos (12). Esta situação mostra as limitações do crédito bancário, pois o número de rejeições aumenta com a diminuição do montante pedido, dado que uma análise cuidada destes pedidos se revela demasiado onerosa. O microfinanciamento pode constituir um patamar intermédio entre as vias informais de financiamento (cuja eficiência é bastante limitada) e o financiamento através dos bancos. Se se conseguir aprovar a concessão de microcrédito e outras formas de microfinanciamento de forma tão rápida, simples e flexível como nas vias informais, então o microcrédito pode desempenhar um papel fundamental para uma economia dinâmica e para o empreendedorismo.

3.4   O acesso ao microfinanciamento para empresários dos grupos visados não deveria restringir-se apenas à criação da nova empresa, mas prolongar-se durante os primeiros anos da sua existência, pois estas estão significativamente dependentes de montantes mais pequenos para financiar projectos.

3.5   Independentemente da crise económica e financeira actual, a obtenção de microcrédito é mais cara e onerosa do que a obtenção de crédito convencional, porque o montante do empréstimo é relativamente baixo, de forma geral não existem as garantias bancárias normais e os custos de processamento são elevados. Um número importante de pedidos, uma estrutura organizacional e tecnologias adequadas e, de modo geral, um elevado nível de profissionalismo são vitais para o êxito das iniciativas de microfinanciamento. Conviria ter em conta previamente a experiência com iniciativas e programas semelhantes (PIC, JEREMIE, piloto BEI e JASMINE), caso esses dados já estejam disponíveis.

3.6   Dado o grau de profissionalismo requerido, é necessário, em primeiro lugar, gerir o microcrédito como um negócio de massas tão normalizado quanto possível para beneficiar de economias de escala e das vantagens de repartir os riscos. Um tal número de pedidos é um objectivo ambicioso, como mostram as experiências britânicas e canadianas (13). Isto mostra a importância de um elevado grau de visibilidade (por exemplo, através de campanhas publicitárias como as “Semanas do Microcrédito”, organizadas pela associação francesa Pro-Direito à Iniciativa Económica – ADIE) e a necessidade de um acesso fácil (por exemplo, através da Internet). Deve ser especificado se e como estes objectivos podem ser alcançados e que papel podem desempenhar outros programas como o Fundo Social Europeu (apoio técnico). Além disso, importa clarificar as interligações com esses programas e iniciativas para assegurar a coerência.

3.7   Em segundo, lugar, na organização dos processos de funcionamento, há que assegurar as condições necessárias para este negócio de massas, a fim de poder tratar os pedidos de forma rápida e flexível, tendo em atenção a necessidade de formas adequadas de garantia, e para poder aplicar sanções normalizadas e formas de repartição dos riscos em caso de violação de contrato (atraso no pagamento). A esse respeito, e como no caso dos empréstimos para o consumo, coloca-se a questão de como avaliar a solvência dos clientes da forma mais simples, rápida e fiável possível.

3.8   Em terceiro lugar, uma condição técnica para uma tal actividade de massas é um sistema informático adequado para a preparação, a execução e o seguimento dos contratos. Assim, seria possível um serviço a meio caminho entre negócio de massas estandardizado e o tratamento individual dos pedidos, o que contribuiria para uma exploração mais ampla do segmento de mercado do microfinanciamento.

3.9   As microempresas do sector da economia social, assim como as pessoas de Estados-Membros e regiões em que instituições especiais de microfinança já estão estabelecidas, podem aceder mais fácil e rapidamente aos fundos do que outros requerentes em países ou regiões onde estas não existem ou estão em fase de implementação. O Comité recomenda que se garantam condições de acesso equitativas no âmbito do programa.

3.10   Existe ainda uma questão fundamental: saber se na concessão de crédito se deve recorrer às instituições de crédito habituais ou a instituições de microfinança especiais, eventualmente a criar, que na sua maioria não têm fins lucrativos e são muito pequenas. Por um lado, a rede de microfinanciamento tem vindo a crescer na Europa desde há alguns anos, com a ajuda da Comissão. Todavia, apenas um quinto destes serviços (menos de 20) concede mais de 400 microcréditos por ano (14). Por outro, a expansão do microfinanciamento só poderá ser realizada com êxito graças a uma gestão altamente profissionalizada e orientada para o lucro – e neste domínio, os bancos (que já concedem agora uma grande parte do microcrédito) dispõem de vantagens consideráveis. Parece não fazer sentido distribuir os fundos exclusivamente através de serviços pequenos de microfinanciamento orientados para o bem-estar comum, que se concentram em pessoas sem rendimento fixo, mulheres, jovens, idosos e migrantes. Com efeito, esta espécie de “sistema bancário de nicho” conduzirá à marginalização dos referidos grupos em mais um domínio. Para garantir, então, que o sector bancário se interesse pelo microcrédito, apesar das margens de lucro pequenas, é necessário prever estímulos económicos complementares ou instrumentos de incentivo para a criação da infra-estrutura correspondente.

3.11   Dado que os objectivos desta iniciativa são expressamente de ordem socioeconómica e de emprego, a eficácia dos programas deve absolutamente ser avaliada também nestes domínios, de forma diferenciada segundo os dois grupos visados (microempresas do sector da economia social e pessoas desfavorecidas). Visto que até agora só são tidos em conta o volume de crédito e o número de beneficiários, o Comité recomenda que também se considere a primeira inserção no mercado de trabalho, o rendimento obtido e os efeitos indirectos suplementares no trabalho dos diferentes grupos mencionados na comunicação da Comissão. Só então se poderá provar o êxito da iniciativa nestes dois domínios (15).

3.12   Há que destacar que, no n.o 1 do artigo 4.o, a proposta da Comissão também prevê medidas de apoio, nomeadamente actividades de comunicação, acompanhamento, controlo, auditoria e avaliação. Contudo, não está claro se se trata de aconselhamento para os fundadores de empresas ou para as instituições de microfinança sobre a forma como estas se devem organizar e como os fundos disponíveis devem ser repartidos entre garantias, instrumentos de capital próprio, títulos de dívida e medidas de apoio.

3.13   Há que garantir que as condições dos juros bonificados sejam transmitidas aos clientes. Simultaneamente, há que especificar que parte dos fundos é destinada aos bancos intermediários e/ou às instituições de microfinança como pagamento pela execução dos contratos.

3.14   Como mencionado no parecer INT/495, o Comité apoia a iniciativa de criar um novo instrumento de microfinanciamento para os grupos visados, mas tem dúvidas quanto à pertinência de financiar um novo instrumento de microfinanciamento através da redução de meios do PROGRESS. O CESE recomenda que se analisem outras fontes de financiamento disponíveis, além do PROGRESS, para o novo instrumento.

Bruxelas, 1 de Outubro de 2009.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2007) 708 p. 2.

(2)  Idem, p. 11.

(3)  Idem, p. 2.

(4)  JO L 124 de 20.5.2003, p. 36.

(5)  COM(2009) 257 de 3.6.2009.

(6)  COM(2009) 333.

(7)  Eurobarómetro (2005): “O acesso das PME ao financiamento”, Eurobarómetro Flash n.o 174.

(8)  COM(2006) 349 p. 9.

(9)  COM(2005) 121 p. 6.

(10)  COM(2007) 708 p. 3.

(11)  JO C110 de 9.5.2006.

(12)  Ver http://www.gemconsortium.org/download.asp?fid=608.

(13)  Ver http://ssrn.com/abstract=976211.

(14)  Sobre o tema do microfinanciamento na UE, ver: www.nantiklum.org/Overview_final_web.pdf e www.european-microfinance.org/data/file/Librairy/ISSUE%20PAPER.pdf.

(15)  Para um tal método: ftp://repec.iza.org/RePEc/Discussionpaper/dp3220.pdf.