ISSN 1725-2482

doi:10.3000/17252482.C_2011.018.por

Jornal Oficial

da União Europeia

C 18

European flag  

Edição em língua portuguesa

Comunicações e Informações

54.o ano
19 de Janeiro de 2011


Número de informação

Índice

Página

 

I   Resoluções, recomendações e pareceres

 

PARECERES

 

Comité Económico e Social Europeu

 

462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010

2011/C 018/01

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Reforçar o modelo agro-alimentar europeu (parecer exploratório)

1

2011/C 018/02

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Modelo agrícola comunitário – Qualidade de produção e informação ao consumidor como factores de competitividade (parecer exploratório)

5

2011/C 018/03

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel da sociedade civil nas relações entre a UE e o Montenegro

11

2011/C 018/04

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Educação para a inclusão – Instrumento de luta contra a pobreza e a exclusão social (parecer exploratório)

18

2011/C 018/05

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Acesso ao crédito para os consumidores e as famílias: Práticas abusivas (parecer de iniciativa)

24

2011/C 018/06

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Estatuto da Fundação Europeia (parecer de iniciativa)

30

2011/C 018/07

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A Indústria Europeia de Construção Naval face à Crise Actual

35

2011/C 018/08

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Novas tendências do trabalho independente: o caso específico do trabalho autónomo economicamente dependente (parecer de iniciativa)

44

 

III   Actos preparatórios

 

Comité Económico e Social Europeu

 

462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010

2011/C 018/09

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde – Reforma da política comum das pescas[COM(2009) 163 final]

53

2011/C 018/10

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho – Construir um futuro sustentável para a aquicultura – Um novo ímpeto para a estratégia de desenvolvimento sustentável da aquicultura europeia[COM(2009) 162 final]

59

2011/C 018/11

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu – O PIB e mais além – Medir o progresso num mundo em mudança[COM(2009) 433 final]

64

2011/C 018/12

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho Parceria União Europeia África – Ligar a África e a Europa: reforçar a cooperação no sector do transporte[COM(2009) 301 final]

69

2011/C 018/13

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Solidariedade na Saúde: Reduzir as desigualdades no domínio da saúde na UE[COM(2009) 567 final]

74

2011/C 018/14

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar de protecção internacional e relativas ao conteúdo da protecção concedida[COM(2009) 551 final/2 — 2009/0164 (COD)]

80

2011/C 018/15

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada de protecção internacional nos Estados Membros[COM(2009) 554 final — 2009/0165 (COD)]

85

2011/C 018/16

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Directivas 2004/39/CE e 2009/…/CE[COM(2009) 207 final — 2009/0064 (COD)]

90

2011/C 018/17

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o 25.o Relatório anual da Comissão sobre o Controlo da Aplicação do Direito Comunitário (2007)[COM(2008) 777 final]

95

2011/C 018/18

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a aplicação do acervo relativo à defesa do consumidor[COM(2009) 330 final]

100

2011/C 018/19

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu – Reforçar o controlo do respeito dos direitos de propriedade intelectual no mercado interno[COM(2009) 467 final]

105

2011/C 018/20

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à participação da Comunidade no Programa Conjunto de Investigação e Desenvolvimento do Mar Báltico (BONUS-169) empreendido por vários Estados-Membros[COM(2009) 610 final — 2009/0169 (COD)]

109

2011/C 018/21

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às contribuições financeiras da União Europeia para o Fundo Internacional para a Irlanda (2007-2010)[COM(2010) 12 — 2010/0004 (COD)]

114

PT

 


I Resoluções, recomendações e pareceres

PARECERES

Comité Económico e Social Europeu

462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010

19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Reforçar o modelo agro-alimentar europeu» (parecer exploratório)

2011/C 18/01

Relator: José María ESPUNY MOYANO

Co-relator: Carlos TRÍAS PINTO

Por carta da Presidência espanhola da UE de 23 de Julho de 2009 e nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, o Comité Económico e Social Europeu foi consultado sobre o tema:

Reforçar o modelo agro-alimentar europeu (parecer exploratório).

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 25 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 124 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   O modelo agro-alimentar da UE hoje

1.1   A Política Agrícola Comum (PAC) apresenta-se não só como a primeira política comum na verdadeira acepção do termo – a qual culminou com a recente ampliação de poderes conferida pelo Tratado de Lisboa – mas também como um modelo agro-alimentar único. Tem, por conseguinte, grande interesse estratégico para a Europa e deve assumir um papel activo de influência na cena internacional.

1.2   Embora mantendo os seus objectivos desde o início e após as sucessivas revisões dos tratados, a Política Agrícola Comum foi sendo adaptada ao longo de quase cinquenta anos às novas necessidades que foram surgindo: reforma dos instrumentos e dos sistemas de gestão, orçamentos, expectativas da sociedade e abertura aos mercados de países terceiros. Hoje temos um modelo agro-alimentar sustentável que assenta cada vez mais na conjunção de considerações económicas, ambientais e sociais.

1.3   Este modelo agro-alimentar europeu tem vindo a cumprir razoavelmente neste processo os seus objectivos essenciais de garantir aos cidadãos alimentos saudáveis e seguros, construir um sistema económico agro-alimentar sem paralelo no mundo e assegurar uma produção variada, de qualidade e apreciada pelos consumidores.

2.   Pontos fortes e pontos fracos

2.1   A sua avaliação geral continua, pois, a ser positiva, mas nem por isso é menos evidente a necessidade de reconsiderar em certos avanços e em certas melhorias do modelo, de que convém destacar:

A necessidade de dispor de instrumentos comuns capazes de fazer face à volatilidade dos preços que pode ressurgir nos próximos anos, evitando episódios semelhantes aos constatados em 2007 e 2008;

A melhoria dos sistemas de especificidade agro-alimentar – denominações de origem, indicações geográficas protegidas e especialidades tradicionais garantidas –, para simplificar e racionalizar as suas condições, elevar os seus requisitos técnicos e reforçar o modelo europeu, garantindo a sua defesa mais justa nos mercados externos;

A garantia de uma autêntica política de promoção dos produtos agro-alimentares da UE que traga valor acrescentado europeu à riqueza e à variedade dos nossos produtos e, sobretudo, que combine correctamente a promoção dos seus valores com o desenvolvimento comercial dos produtos;

Avanços numa visão estratégica de cadeia agro-alimentar – produção, transformação e comércio – encorajando a transparência do sistema e adoptando medidas para evitar abusos de posição dominante ou práticas desleais que perturbam o seu funcionamento;

Melhoria da informação ao consumidor através de um modelo comum de rotulagem e a concepção de um sistema que aproveite ao máximo as possibilidades das novas tecnologias de informação de modo a tornar a escolha do consumidor o mais informada possível.

3.   Enfrentar os desafios imediatos

3.1   A União Europeia está a entrar numa nova fase com instituições renovadas e um novo Tratado. É necessário enfrentar uma série de novos desafios e proceder a alterações profundas para consolidar a União na sua posição de liderança e, muito especialmente, encontrar uma saída para a actual crise económica e financeira.

3.2   Neste contexto, são específicas as necessidades do sistema agro-alimentar da UE as quais devem ser tidas em conta no actual processo de reflexão iniciado na perspectiva da nova Política Agrícola Comum que vigorará a partir de 2013. Algumas delas são tratadas neste documento e foram analisadas expressamente noutros pareceres do CESE (1).

3.3   No presente parecer, o CESE propõe-se definir mais detalhadamente a sua posição sobre os valores da sustentabilidade do modelo agro-alimentar da UE e ilustrar a sua importância. Sendo o único modelo válido a longo prazo, importa zelar pela sua aplicação uniforme no mercado da UE e evitar que seja apenas adoptado pelos operadores europeus, já que tudo indica que é essa a única forma para garantir a sua continuidade.

4.   Para um modelo seguro, equilibrado e justo

4.1   O modelo agro-alimentar europeu enquadra-se claramente num contexto de sustentabilidade tendo em conta as suas três vertentes: económica, ambiental e social.

4.2   Nos últimos anos, e especialmente na última reforma da Política Agrícola Comum, tem-se vindo a incluir as disposições legislativas de maior alcance em domínios tão relevantes como:

O reforço da segurança alimentar e da rastreabilidade;

A gestão da agricultura biológica, da produção integrada, práticas mais respeitadoras do ambiente e a protecção do ambiente em geral;

A aplicação de várias disposições em matéria de bem-estar animal, alargada a todas as suas produções;

A afirmação de normas sociais e de protecção dos trabalhadores.

4.3   Na opinião do CESE, este modelo é fundamental para a sobrevivência da Política Agrícola Comum no futuro e é a chave para manter a competitividade num mundo cada vez mais globalizado. Estes valores, traduzidos em regulamentação, e esforços para promover a investigação e a produção agro-alimentar permitirão à UE fazer face aos desafios de um mundo em que, segundo a FAO, até 2020 as necessidades de produção de alimentos duplicarão.

4.4   Mas a concretização deste modelo tem exigido e continua a exigir esforços consideráveis dos operadores comunitários, tanto em termos de produção como de transformação agrícola. Não parece, pois, lógico que na sua aplicação prática sejam detectadas lacunas de diversa índole que poderão vir a comprometer a sua própria existência.

4.5   A primeira destas lacunas diz respeito à segurança alimentar e ao cumprimento das normas comunitárias nas importações de géneros alimentícios e alimentos para animais, animais e plantas. A Europa aprendeu com a sua própria experiência que é necessário manter níveis elevados de protecção da saúde tanto dos consumidores como dos animais e das plantas. Esse ensinamento deu azo à imposição de novas normas após a entrada em vigor do Regulamento 178/2002 que estabelece os princípios e as normas gerais da legislação alimentar europeia. No entanto, o legislador preferiu impor obrigações aos operadores comunitários relegando para segundo plano os requisitos a aplicar aos produtos importados.

4.5.1   Actualmente e segundo os dados da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, mais de um terço dos alertas alimentares registados no mercado interno têm a sua origem fora da União Europeia. O CESE recorda que a União Europeia tem o dever de garantir a segurança e a saúde dos consumidores, bem como a observância das normas estabelecidas para todos os produtos colocados no mercado, também os importados.

4.6   O segundo problema enfrentado pelos produtores e industriais da UE é a falta de equilíbrio no mercado comunitário que acaba por enfraquecer a sua capacidade de concorrer com os produtos importados.

4.6.1   As exigências colocadas pelo modelo europeu elevam significativamente os custos de produção, algumas das quais não são cumpridas pelos produtos importados que, além disso, beneficiam em certos casos de um tratamento pautal mais favorável (2).

4.6.2   Deste modo e a crer no relatório 2008-071 da Universidade de Wageningen, a aplicação dos novos requisitos de bem-estar animal para o alojamento de galinhas poedeiras estabelecidos pela Directiva 99/74/CE implicam um aumento entre 8 e 10 % dos custos para o produtor comunitário médio forçado a concorrer com os produtos importados do Brasil e dos EUA que não só não cumprem esses requisitos de bem-estar animal mas dispõem de sistemas produtivos cujas normas são claramente menos severas do que as previstas pela legislação da UE (produção intensiva, menos restrições ao uso de medicamentos, não limitação do uso de OGM na alimentação animal, etc.).

4.6.3   Os custos regulamentares produzem um efeito semelhante. A indústria de alimentação animal europeia precisa de importar determinadas matérias-primas pelo facto de ser insuficiente a produção europeia, mas os limites rigorosos impostos pela legislação comunitária à utilização de OGM dificultam a importação de produtos essenciais para esse efeito, como cereais, soja ou sementes proteaginosas provenientes do Brasil ou da Argentina. Estas restrições afectam directamente a produção e a indústria de transformação de carne europeias que, ao arcar com custos mais elevados, vêem a sua competitividade enfraquecida tanto no mercado europeu como nas suas exportações para países terceiros. O CESE não se pronuncia sobre se é ou não adequado utilizar os OGM.

4.6.4   É neste sentido que a Comissão Europeia se pronuncia no seu relatório da DG AGRI sobre a aplicação da regulamentação OGM, indicando que a política de «tolerância zero» poderia implicar perdas de até 200.000 milhões de euros para o sector agro-alimentar europeu. Além disso, na prática, os consumidores europeus não têm o nível elevado de protecção que deveriam ter porque se continua a importar carne, leite e outros produtos derivados de animais que foram criados com alimentos contendo OGM. Por conseguinte, há que criar as condições necessárias ao desenvolvimento de uma fileira de produção atenta às expectativas dos consumidores.

4.6.5   Problemas semelhantes aos enunciados neste capítulo surgem noutros domínios onde os custos regulamentares são igualmente consideráveis, como os pesticidas (limites máximos de resíduos e outras restrições ambientais), a fitossanidade ou a identificação dos animais.

4.7   Por último, há considerações de carácter político que tornam a situação actual quase insustentável. Com efeito, não parece lógico que os operadores europeus sejam discriminados no seu mercado natural em relação aos países terceiros.

5.   A necessária busca de soluções

5.1   Na opinião do CESE, é preciso que a União Europeia encontre soluções para melhorar a aplicação do modelo comunitário no mercado interno, respeitando a livre concorrência e as normas internacionais.

5.2   Qualquer das soluções implicará actuar sobre vários domínios e, nalguns casos, poderá ser necessária uma aplicação gradual. Dentre as diversas medidas possíveis, o CESE apontaria as seguintes:

Melhorar as condições de acesso: o controlo das importações deverá assegurar que os animais e as plantas que entram na União – especialmente os que farão parte da cadeia alimentar – o façam de um modo seguro e no respeito das normas europeias. É, além disso, fundamental que este controlo tenha por base procedimentos harmonizados, para que todos os produtos, independentemente do local de entrada, ofereçam as mesmas garantias de segurança. É uma questão de reciprocidade para com os operadores europeus.

Melhorar a aceitação internacional do modelo europeu: é necessário que a União Europeia explique o modelo europeu, baseado em valores de sustentabilidade promovidos a nível mundial pelo sistema das Nações Unidas, e promova a sua aceitação internacional. Organismos como a OMC, a FAO e o CODEX Alimentarius Mundi, a OIE (Organização Mundial da Saúde Animal), a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a CNUCD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento) e outros deverão participar neste esforço de divulgação. Do mesmo modo, ter-se-á de procurar o máximo de harmonização das legislações a nível internacional para evitar tratamentos desiguais.

Reforçar o reconhecimento mútuo dos sistemas de protecção da saúde dos consumidores e do bem-estar animal com os países terceiros: a União Europeia deverá integrar nos seus acordos comerciais capítulos específicos para o reconhecimento mútuo dos sistemas em vigor nos âmbitos sanitário, fitossanitário e alimentar para conseguir, de mútuo acordo, os níveis adequados de protecção da saúde, dentro dos parâmetros estabelecidos pela OMC.

Melhorar a assistência técnica internacional, promovendo iniciativas como «Better Training for Safer Food» (melhor formação para alimentos mais seguros), que apoia a colaboração técnica com países em vias de desenvolvimento, exportadores ou potenciais exportadores para a Europa, graças à formação de técnicos, do estabelecimento de regras e normas, do intercâmbio de funcionários, etc.

Incentivos comerciais: a UE também poderia analisar a hipótese de melhorar o tratamento comercial, financeiro ou de cooperação para o desenvolvimento dos países em desenvolvimento que harmonizarem os seus sistemas com o modelo comunitário.

Legislar melhor: a Europa não deveria recorrer a medidas proteccionistas para limitar o acesso aos seus mercados, mas também não pode permitir que o seu modelo seja aplicado em detrimento dos operadores comunitários. A simplificação legislativa poderia ser, além disso, um instrumento de grande utilidade para reduzir as cargas administrativas supérfluas.

5.2.1   Uma parte do modelo europeu tem por base os «bens públicos» que o cidadão e o consumidor consideram necessários. Os mais relevantes são a qualidade com fundamento na origem e nos métodos de produção, na protecção dos animais, no princípio de precaução ou de protecção do ambiente.

5.2.2   A política europeia deveria dotar-se de instrumentos que impeçam a deslocalização do trabalho para outras regiões, para poder concorrer em igualdade de condições, incentivando à aplicação das normas sociais e do direito laboral (3) sobre trabalho digno que é defendido no mercado interno. É, além disso, essencial que a União Europeia se empenhe junto das instâncias internacionais relevantes (em particular, a OMC) pela inclusão das considerações não comerciais nas normas sociais e laborais fundamentais. Com efeito, apenas as trocas comerciais justas podem ser realmente livres.

5.2.3   O legislador deverá, portanto, dar prioridade ao indispensável reequilíbrio da situação actual adoptando medidas jurídicas apropriadas.

5.3   O CESE insta o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão a terem em conta o presente parecer e convida a Presidência espanhola a propor medidas neste sentido.

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  C 77 de 31.3.2009, p. 81.

(2)  O CESE lembra que a UE é o principal importador mundial de produtos agro-alimentares, uma posição forjada com base em regimes pautais preferenciais (SPG, SPG+, Tudo menos Armas) aplicados aos produtos dos países menos desenvolvidos e em vias de desenvolvimento.

(3)  Convenções da OIT n.os 87, 98, 105, 111, 135, 182; A Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT; Declaração tripartida da OIT sobre as empresas multinacionais e a política social da OIT; Declaração da OIT sobre o trabalho forçado; Declaração da OIT sobre a discriminação; Agenda da OIT sobre o trabalho digno; Declaração da OIT sobre o trabalho infantil; Princípios da OCDE sobre o governo das sociedades; Orientações da OCDE para as empresas multinacionais; Declaração do Milénio da ONU.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/5


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Modelo agrícola comunitário – Qualidade de produção e informação ao consumidor como factores de competitividade» (parecer exploratório)

2011/C 18/02

Relator: Carlos TRÍAS PINTO

Em 20 de Janeiro de 2010, o Conselho da União Europeia decidiu, em conformidade com o artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Modelo agrícola comunitário – Qualidade de produção e informação ao consumidor como factores de competitividade

(Parecer exploratório).

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente emitiu parecer em 25 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 116 votos a favor, 1 voto contra e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE recomenda que se reforce a política de qualidade e a informação ao consumidor como factores essenciais para favorecer a competitividade da indústria agro-alimentar europeia e melhorar a imagem de marca da agricultura. Nesta ordem de ideias é indispensável:

promover a valorização dos aspectos sociais, ambientais, sanitários e de bem-estar animal ligados à produção agrícola, recorrendo às novas tecnologias da informação e comunicação (TIC);

tornar mais pertinentes e coerentes os instrumentos de acreditação através de orientações sobre clarificação, harmonização e simplificação;

fomentar canais de diálogo entre produtores, industriais, comerciantes e consumidores e, bem assim, desenvolver estratégias eficazes de comunicação com o público em geral.

1.2   Concretamente, o CESE propõe a implementação de várias medidas que a seguir se enunciam.

1.2.1   Ferramentas

Utilização das TIC como ferramentas de comunicação. As TIC fazem parte do nosso quotidiano mas ainda não são utilizadas no processo de compra. Integradas nas prateleiras dos supermercados como ferramenta de informação, estas ferramentas possibilitariam a actualização permanente da informação (os produtos agrícolas estão sujeitos a uma grande rotação), a selecção dos produtos pelo consumidor e a sua obtenção a partir de qualquer lugar.

A rastreabilidade como meio de assegurar a credibilidade das afirmações. Ao longo da cadeia de produção intervêm uma diversidade de actores responsáveis pelos vários aspectos ambientais que vão integrar a qualidade final do produto. A rastreabilidade vai permitir conhecer não só quem participou na produção, mas também a forma como esta se processou e os indicadores associados a todas as operações.

1.2.2   Instrumentos

Aplicar critérios de qualidade integral a esquemas voluntários existentes, tal como o rótulo ecológico da UE, caso o seu âmbito se alargasse aos produtos agrícolas, ou as normas de qualidade existentes, como as denominações de origem protegidas e as indicações geográficas protegidas.

Criar um novo sistema voluntário de certificação de aspectos socioambientais para que o consumidor possa avaliar o produto do ponto de vista da qualidade integral com rapidez, facilidade e fiabilidade.

1.2.3   Estratégias

Promoção da qualidade europeia. O CESE propõe que se lancem campanhas de comunicação sobre os produtos agrícolas europeus, realçando o elevado grau de qualidade e diversidade.

Fomento e integração de medidas Os serviços competentes podem utilizar as ferramentas que têm ao seu dispor para promover os produtos agrícolas que satisfazem critérios sociais e ambientais: contratos públicos, tributação diferenciada, campanhas de informação, incentivos à produção.

2.   Introdução

2.1   A nossa sociedade é cada dia mais permeável e sensível aos desafios sociais e ambientais mercê da percepção dos efeitos das alterações climáticas, do progressivo esgotamento dos recursos naturais e do crescente desequilíbrio na repartição da riqueza.

2.2   Paradoxalmente, esta progressiva tomada de consciência mal se reflecte nas decisões de compra (actos a que se estabeleceu designar de consumo consciente e responsável), o que infelizmente vem mostrar o fosso entre a posição teórica (1) do consumidor e a sua prática quotidiana.

2.3   Mas não podemos perder de vista que, em períodos de grande incerteza económica, é muito difícil introduzir sistematicamente na tradicional equação preço-produto (2) variáveis como impacto social e ambiental, sobretudo se este parâmetro influi no preço a pagar pelo consumidor. Contudo, não podemos esquecer que a crise socioeconómica coincidiu com a crise socioambiental e que não se pode prestar atenção a uma sem atender à outra. Por outras palavras, como afirma Jacques Delors, a crise de valores consiste no facto de que vivemos num mundo em que tudo se pode comprar. Há, portanto, que revalorizar os valores.

2.4   Felizmente que a União Europeia tem um sistema de produção agro-alimentar assente na observância de normas sanitárias, ambientais, sociais e de bem-estar animal elevadas. Poderíamos definir este sistema como um sistema de qualidade integral que nos confere, sem dúvida alguma, um valor acrescentado em relação ao resto do planeta, mas que também acarreta riscos em termos de concorrência.

2.5   Muitos dos critérios que configuram a qualidade integral fazem parte do acervo legislativo ou das práticas da indústria agro-alimentar europeia e, por isso, estão a ser cumpridos por produtos e por produtores. Infelizmente isto não sucede com muitos dos produtos importados de países terceiros, o que leva, cada vez mais, a maior discrepância entre os preços dos produtos agrícolas da UE e os dos países terceiros, provocando assim perda de competitividade dos produtos europeus.

2.6   Esta focalização na qualidade, fruto de uma longa tradição e de um trabalho árduo orientado para a excelência, tem de deixar de ser uma ameaça competitiva, ao contrário do que hoje sucede, para se transformar numa maior oportunidade de desenvolvimento. Para tal é necessário considerar novas estratégias que valorizem os aspectos diferenciadores do nosso modelo de produção e levem o consumidor a dar preferência ao produto europeu, insistindo especialmente nas políticas de comunicação dirigidas ao consumidor, através de uma grande variedade de canais e, em especial, através das TIC (tecnologias da informação e da comunicação), que são instrumentos poderosos de formação e informação do consumidor (3).

2.7   Paralelamente, haverá que considerar apoios – técnicos e económicos – para continuar a avançar para o paradigma agrícola multifuncional, assegurando a viabilidade das explorações agrícolas europeias, com preços justos para os produtores e a manutenção de postos de trabalho estáveis e de qualidade, o que é fundamental para a sobrevivência do modelo.

2.8   Por isso mesmo, o CESE entende que a melhoria da competitividade através de políticas de qualidade e de comunicação aos consumidores deve ser acompanhada de medidas para reequilibrar a cadeia agro-alimentar, actualmente sujeita a distorções de preços em razão dos abusos de posição dominante por parte de alguns agentes (4).

3.   Consumidores, qualidade e aspectos socioambientais

3.1   O CESE teve o ensejo de manifestar, em diversas ocasiões, o seu compromisso com o desenvolvimento sustentável como via para o desenvolvimento ambiental, económico e social na União Europeia. Este compromisso pode fortalecer o modelo agrícola europeu, revendo o actual conceito de qualidade em que, basicamente, prevalecem os aspectos qualitativos clássicos intrínsecos do produto (sabor, aparência, tamanho, etc.) para englobar outros critérios relacionados com a produção, como sejam os aspectos sociais, ambientais, sanitários, de segurança e de bem-estar animal. Designá-la-emos por «qualidade integral», baseada em novos indicadores de excelência.

3.1.1   A título de exemplo, (sem carácter exaustivo ou restritivo) propomos à consideração diferentes critérios ou indicadores (5).

 

Impacto ambiental

Método de irrigação

Consumos energéticos associados ao produto

Distância do local de produção

Tipo de embalagem

Gestão de resíduos

 

Factores sociais

Cumprimento da legislação do país de origem

Relação entre preço de venda ao público e preço de compra no produtor

Tipo de contrato de trabalho (termo indeterminado/temporário)

Contratação de pessoas com deficiência

Equidade homens/mulheres

 

Bem-estar dos animais

Tipo de criação e de estábulos

Tipo de alimentação

Sistema de transporte

Método de abate

3.2   É neste novo quadro de qualidade que será possível fazer a diferença entre produtos europeus e produtos provenientes de outros países, uma vez que actualmente os primeiros já observam muitas das condições enunciadas porque as normas europeias e nacionais são muito mais severas do que as dos demais países produtores. O problema é que o consumidor desconhece a maior parte dos aspectos regulamentados, o que o leva a não os ter em conta na decisão que toma no acto de compra, especialmente se tem dúvidas acerca da veracidade dos argumentos. Por conseguinte, será necessário formar e informar o consumidor para promover o crescimento da procura de produtos que envolvem melhores práticas.

3.3   A segurança dos alimentos não foi mencionada por entendermos que não se trata de um simples critério de excelência mas, ao contrário, de um elemento indispensável da garantia do direito à saúde dos cidadãos europeus. O CESE expressa, uma vez mais, a sua perplexidade perante o laxismo com que se está a autorizar a importação de alimentos sem rastreabilidade completa (em virtude da leitura duvidosa que a Comissão e os Estados-Membros fazem da legislação relativa aos bens alimentares) ou tratados com produtos de síntese proibidos na UE. A sua comercialização constitui uma fraude para os consumidores e uma concorrência desleal em relação aos produtos europeus.

4.   A rastreabilidade como ferramenta de informação da qualidade

4.1   Actualmente, estão a surgir em todo o mundo iniciativas (6) para conhecer o rasto de um produto ao longo do seu ciclo de vida. Há já experiências de carácter obrigatório (porexemplo com a carne de bovino na UE) e facultativas (cadeias de distribuição ou iniciativas do tipo «pegada de carbono»).

4.2   O CESE aponta uma nova utilidade – em princípio com carácter voluntário – da ferramenta no âmbito da qualidade, integrando diferentes aspectos ou indicadores socioambientais associados ao produto para facilitar a leitura pelo consumidor. Por isso, propõe que se utilize esta ferramenta, potente e fiável, e acompanhada das certificações e verificações pertinentes, para que o consumidor possa decidir no acto de compra de forma consciente e com a garantia de dados exactos e reais.

4.3   Será necessário estabelecer os mecanismos necessários para poder tornar visíveis os indicadores associados, mecanismos que podem ir das clássicas informações nos rótulos – quer se trate de escala de valores (como o rótulo de eficiência energética), de logótipo (rótulo ecológico ou denominação da origem) ou de claim (produto reciclável) até à utilização das tecnologias da informação e comunicação.

5.   Potencialidades das tecnologias da informação e comunicação na informação ao consumidor sobre a qualidade dos produtos agrícolas

5.1   A principal fonte de informação do consumidor sobre o produto tem sido, até hoje, o rótulo. Embora este seja essencial para a transparência da informação, as indicações voluntárias ou obrigatórias que são apostas neste espaço tão reduzido são cada vez mais numerosas e podem acabar por dificultar a visibilidade e a compreensão das mensagens, não só por causa da quantidade mas também da complexidade de algumas delas (um caso evidente é o código dos ovos em que é possível encontrar impresso o método de criação, o país de origem e o número específico do produtor).

5.2   Além disso, há uma especificidade importante nos produtos agrícolas, isto é, a sua elevada rotação nas prateleiras, devido não só à sazonalidade dos produtos como à diversidade dos fornecedores ao longo do ano ou até mesmo dentro de uma mesma campanha agrícola.

5.3   Por outro lado, muitos cidadãos já estão familiarizadas com as tecnologias da informação e comunicação (TIC) e estas estão a evoluir bastante, tanto pela capacidade de armazenarem informação (por exemplo, códigos QR (7) como pelo facto de terem baixado de preço. Do ponto de vista da informação aos consumidores é preciso pensar nos dispositivos pessoais que estes têm ao seu dispor (por exemplo telefones móveis), tais como a utilização de dispositivos que estão no próprio estabelecimento comercial (ecrã táctil LCD) ou da Internet antes e depois do acto de compra.

5.4   Países como a Itália já estão a utilizar estas tecnologias para melhorar os sistemas de informação ao consumidor e de acreditação da qualidade dos produtos.

Os mercados de Campagna Amica demonstram que na franja de preços entre o produtor e o consumidor há uma margem muito grande que é possível recuperar para garantir preços razoáveis no consumidor e melhorar o rendimento dos agricultores.

«Tac salva mozzarella» é o primeiro sistema de análise que permite saber se uma mozzarella foi realmente produzida a partir de leite fresco ou se, pelo contrário, se utilizou coalho velho, congelado ou refrigerado. A nova tecnologia é um instrumento concreto para defender criadores de gado e consumidores contra a fraude no sector alimentar.

5.5   Tido em conta o atrás exposto, o CESE propõe o estudo das potencialidades das TIC para informar melhor o consumidor, especialmente as que possam ser úteis no acto de compra, já que a maior parte das vezes é em frente das prateleiras que o consumidor decide o que vai comprar.

6.   Rotulagem e novos indicadores de excelência

6.1   Alargar o âmbito do rótulo ecológico (flor europeia) aos bens alimentares

6.1.1   O rótulo europeu é um símbolo distintivo de qualidade do ambiente. O ponto de partida para estabelecer os critérios de qualidade ambiental que um produto ou serviço com rótulo ecológico da UE devem satisfazer assenta na análise do ciclo de vida, o que constitui a garantia de que o produto cumpre os requisitos ambientais ao longa da vida.

6.1.2   Depois de realizado o estudo previsto pela Comissão (8) (antes de 31 de Dezembro de 2011), o CESE pronunciar-se-á essencialmente sobre dois aspectos que considera importantes:

a aposição de mais um carimbo no rótulo (já em si bem cheio) dos produtos alimentares;

a possível confusão com o rótulo de produtos orgânicos (Regulamento (CE) n.o 834/2007 do Conselho, de 28 de Junho de 2007, sobre produção e rotulagem de produtos ecológicos).

6.1.3   Um aspecto positivo é o facto de o consumidor talvez já conhecer este símbolo por tê-lo visto noutros produtos ou que já saiba que há critérios mais amplos do que os que estão incluídos na produção ecológica.

6.1.4   O CESE propõe à Comissão que, no âmbito do estudo a realizar, se pondere a possibilidade de incluir, no caso dos bens alimentares, critérios socioeconómicos (bem-estar animal, igualdade de oportunidades, etc.) como experiência piloto para todo o sistema, sem sair do quadro estabelecido pelo Regulamento (CE) n.o 1980/2000 que rege o rótulo ecológico.

6.2   Integração de critérios ambientais e sociais nas actuais normas de qualidade

6.2.1   Como é sabido, e o CESE já teve ocasião de referir diversas vezes, há muitos regimes de qualidade dos produtos agrícolas na UE e uma multiplicidade de rótulos e certificações que têm em comum os seguintes objectivos, designadamente:

garantir ao consumidor final a segurança e a qualidade dos produtos;

dar maior valor acrescentado aos produtos de modo a aumentar a competitividade dos vários agentes do mercado (produtores, indústria transformadora e comerciantes).

6.2.2   Tida em conta esta grande diversidade de referentes, públicos ou privados, que hoje em dia encontramos no âmbito da acção da União Europeia, os objectivos mencionados ficam seriamente diluídos e podem dar resultados opostos aos inicialmente esperados, gerando:

confusão nos consumidores devido ao desconhecimento dos diferentes regimes;

desconfiança dos consumidores em relação aos rótulos e às certificações;

conflitos entre os produtores que participam e os que não participam nos sistemas de certificação ou etiquetagem ou até mesmo entre produtores que fazem parte de sistemas de certificação e de rotulagem diferentes;

falta de protecção dos produtos locais certificados (a nível europeu) face aos países terceiros.

6.2.3   Neste sentido, seria interessante que a União Europeia promovesse acções para simplificar e diminuir o número de regimes de qualidade dos produtos agrícolas da UE.

6.2.4   Aproveitando esta unificação de regimes ou critérios, o CESE propõe à Comissão que promova a inclusão de critérios ambientais e sociais nos regimes de certificação oficiais (ou os modifique): rótulo de agricultura ecológica, Denominação de Origem Protegida (DOP), Indicação Geográfica Protegida (IGP), Especialidade Tradicional Garantida (ETG), etc., integrando-os como requisitos mínimos a respeitar.

6.2.5   Também seria conveniente incluir estes indicadores de excelência nalguns casos de normas de comercialização, especialmente quando eles já estão parcialmente incluídos (como as possíveis indicações facultativas de produtos «de montanha» ou de «baixas emissões de carbono» (9).

6.2.6   No âmbito das certificações privadas, seria conveniente que a UE estabelecesse níveis mínimos para todas as normas, incluindo também indicadores ambientais e sociais, e promovesse a harmonização e unificação dos diferentes tipos de certificação. Poderia servir de exemplo o COSMOS-standard (http://www.cosmos-standard.org), ao qual aderiram várias entidades europeias de certificação para criar um referente único de certificação de cosméticos naturais e ecológicos, baseado em regras simples que têm que ver com o princípio de prevenção e de segurança a todos os níveis de produção, desde a obtenção da matéria-prima até ao produto final. Esta certificação está operacional desde Abril de 2010.

6.3   Criação de um novo sistema facultativo de certificação de aspectos socioambientais

6.3.1   Trata-se de fomentar um novo sistema de certificação de excelência que considere os aspectos sociais e ambientais e garanta, ao mesmo, a minimização dos impactos ambientais do produtos agrícolas durante todo o ciclo de vida e o cumprimento de requisitos sociais, tais como os princípios de igualdade, retribuição justa e equilíbrio da cadeia de valor.

6.3.2   Este sistema consistiria em aditar mais informação ao rótulo dos produtos, mas distinguiria os produtos (ou produtores) com comportamentos sociais e ambientais exemplares e os restantes produtos. A criação destes sistemas está a ser estudada por vários organismos públicos e privados.

6.3.3   O desenvolvimento do novo sistema deveria satisfazer os requisitos estabelecidos pelas normas ISO 1402X, em particular os que se referem à exactidão, verificabilidade, pertinência e veracidade. Na fase de criação do esquema será necessário considerar os vários aspectos, a saber:

se tem que ser qualitativo (logótipo ou outro sistema de valor) ou quantitativo (relação entre indicadores e valores);

se pode ser uma declaração ou se deve haver um processo de certificação;

se os indicadores são obrigatórios, (SIM/NÃO), pontuáveis ou mistos;

como assegurar a transparência do sistema.

7.   Promoção de produtos europeus (qualidade europeia)

7.1   Se bem que o Comité já se tenha pronunciado sobre a utilização da marca «requisitos da UE» (NAT/413 (10), é necessário promover os valores de qualidade (alargado aos aspectos ambientais) dos produtos agrícolas europeus para melhorar a sua posição em relação aos produzidos em países terceiros.

7.2   O CESE solicita à Comissão que incremente ferramentas e instrumentos de comunicação específicos para o sector agro-alimentar que realcem os valores de qualidade dos produtos europeus, com o consenso das partes interessadas. Neste aspecto, e com as devidas proporções, já há elementos de identificação noutro sectores que ajudam a identificar produtos de qualidade, tais como o rótulo de eficiência ecológica (marcação e classificação dos produtos em função da eficiência energética), o que se traduziu num claro movimento dos produtores para produtos mais eficientes ou na marcação CE (observância de normas de segurança para a venda de um produto na Europa que impõe às importações de países terceiros o cumprimento das normas europeias).

7.3   É também necessário avançar na informação desta qualidade (que na maior parte dos casos deve ser obrigatória), através de campanhas de informação que recorra a uma frase emblemática ou slogan acompanhados de algumas das principais características da qualidade do produto. Estas campanhas podem ser de âmbito geral (por exemplo campanhas dos produtos biológicos/ecológicos) ou específicas para um produto ou grupo de produtos.

8.   Para a integração de medidas (Integrated Product Policy)

8.1   Já no Livro Verde sobre a política de produtos integrada, de 7 de Fevereiro de 2001, se fala da integração de medidas para a valorização de produtos respeitadores do ambiente, utilizando todas as ferramentas que as entidades competentes têm ao seu dispor, desde a compra à informação, passando pela tributação diferenciada. A Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre o Plano de Acção para um Consumo e Produção Sustentáveis e uma Política Industrial Sustentável aborda outra vez o mesmo assunto, mas focaliza-se especialmente nos produtos industriais, sem praticamente se referir aos de origem agrícola.

8.2   Seria necessário aprofundar vários aspectos, designadamente as potencialidades dos contratos públicos (presentemente centram-se unicamente nos conceitos de agricultura biológica ou integrada e no bem-estar animal), os incentivos à produção responsável (subvencionando produtos que respeitam critérios sociais e ambientais) ou a informação ao consumidor. A este propósito, é muito importante realçar a necessidade de incluir indicadores de excelência como referência dos produtos de qualidade. Hoje em dia, a maior parte dos consumidores ainda associa o conceito de qualidade à boa apresentação dos produtos ou a outras das suas características intrínsecas. Há também consumidores que associam os produtos provenientes da agricultura biológica a produtos excelentes do ponto de vista social e ambiental, o que nem sempre é exacto.

8.3   Só com a interacção destes elementos em que convergem oferta e procura será possível acabar com a dicotomia entre posicionamento ético e comportamento real, quer dos consumidores quer de produtores e distribuidores.

8.4   Por último, o CESE propõe que se faça uma análise de impacto para conhecer os pontos positivos e negativos da eventual introdução das medidas propostas no modelo agrícola da União Europeia.

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  O inquérito do Eurobarómetro, publicada em Julho de 2009, revela que quatro em cinco europeus declaram que têm em conta o impacto no ambiente dos produtos que compram e, a maior parte deles, são partidários da aplicação de medidas para melhorar o comportamento ambiental dos produtos.

(2)  A decisão do acto de compra também é condicionada por elementos intrínsecos ao produto: aparência, prestígio, propriedades nutricionais, etc., e aos próprios consumidores – disponibilidade de tempo, proximidade, etc.

(3)  Entendido numa acepção lata, ou seja que abarque os potenciais consumidores, devendo pois chegar à população escolar, alargando a este âmbito o uso das ferramentas de educação do consumidor.

(4)  Comunicação COM(2009) 591 «Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa».

(5)  Relação meramente a título de exemplo, que permite ilustrar vários tipos de indicadores para diferentes aspectos da qualidade integral. Será necessário estabelecer indicadores específicos em função do tipo de produto e do seu grau de manipulação.

(6)  www.tracefood.org ou www.foodtraceability.eu.

(7)  O código QR (Quick reference) é um código de barras ou matriz gráfica que armazena dados e permite, através de um dispositivo móvel com câmara ou uma webcam, ler o código e mostrar os dados que lá estão.

(8)  Tal como consta do artigo 6.o do projecto de proposta de revisão do regulamento da UE sobre o rótulo ecológico (Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 2 de Abril de 2009, sobre uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um sistema comunitário de rótulo ecológico (COM(2008)0401 – C6-0279/2008 – 2008/0152(COD)).

(9)  Comunicação sobre a política de qualidade dos produtos agrícolas (COM(2009) 234.

(10)  JO C 218 de 11.9.2009.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/11


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O papel da sociedade civil nas relações entre a UE e o Montenegro»

2011/C 18/03

Relatora: Vladimíra DRBALOVÁ

Por carta de 14 de Julho de 2009, a Comissária Margot Wallström e o Comissário Olli Rehn solicitaram ao Comité Económico e Social Europeu a elaboração de um parecer exploratório sobre:

O papel da sociedade civil nas relações entre a UE e o Montenegro.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas que emitiu parecer em 12 de Abril de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 101 votos a favor, com 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações para reforçar a validade do presente parecer, tanto para o Montenegro como para as instituições europeias:

Ao Parlamento do Montenegro:

1.1

O procedimento para designar representantes de ONG para o Conselho Nacional para a Integração na UE (1) devia ser determinado por decreto parlamentar e basear-se em critérios claros como a credibilidade e a legitimidade das ONG com provas dadas em assuntos da UE.

1.2

A Lei sobre o Voluntariado, que ainda não foi aprovada, devia incluir os pontos de vista das ONG.

Ao Governo do Montenegro:

1.3

Intensificar a luta contra a corrupção, em conformidade com a recomendação do relatório de progresso da Comissão Europeia. A corrupção continua a prevalecer em muitas áreas e a ser um problema especialmente grave.

1.4

A execução da estratégia nacional aprovada para a cooperação entre o Governo do Montenegro e organizações não governamentais deve ser intensificada. Há que estabelecer mecanismos claros que proporcionem uma representação genuína das ONG no seio de diversos organismos, tal como previsto no espírito da legislação existente, e especialmente no âmbito do planeado Conselho para a Cooperação com as ONG, não devendo os representantes das ONG ser eleitos pelo Governo mas apenas designados com base em critérios de elegibilidade.

1.5

O actual Gabinete para a Cooperação com as ONG dispõe de recursos humanos e técnicos muito limitados para apoiar devidamente as ONG e assegurar a continuação do desenvolvimento das ONG no Montenegro. O projecto de criação de um Conselho Governamental para as ONG, com verdadeiros representantes de ONG, deve ter a máxima prioridade.

1.6

Deve ser claramente especificada a legislação fiscal aplicável às ONG, e serem introduzidas leis de acompanhamento se for caso disso. As ONG deviam também ser integradas com maior eficácia nos debates públicos sobre projectos de lei, de modo a contribuírem para o processo de harmonização da legislação do Montenegro com os padrões e as melhores práticas da UE, e o mesmo se aplica às actualizações do Plano Nacional de Integração e à programação do IPA (Instrumento de Assistência de Pré-Adesão).

1.7

O registo das ONG devia ser actualizado e publicado no sítio Web do organismo competente, de forma a proporcionar pormenores exactos sobre o número de ONG e impedir deste modo a manipulação em torno desta questão. Todas as ONG deviam publicar com regularidade os seus relatórios financeiros e descritivos, de forma a contribuírem para o processo global de transparência na sociedade e aumentarem a sua própria credibilidade. Importa adoptar uma base jurídica adequada, nomeadamente legislação sobre actividades empresariais no sector da agricultura, da pesca e em outras profissões liberais, devendo qualquer pessoa, e não apenas os trabalhadores, ter o direito de se sindicalizar.

1.8

O projecto-lei sobre a representatividade sindical ainda pendente deve criar um quadro legislativo que estabeleça critérios transparentes e não discriminatórios para a representatividade das organizações sindicais e facilite o pluralismo sindical neste país. (Os critérios aplicáveis à representatividade das associações patronais devem também encontrar-se fixados na lei, tal como sucede com os sindicatos).

1.9

Gerar uma consciencialização para o potencial do Conselho Social e usar este órgão como um instrumento eficaz de consulta e informação dos parceiros sociais, de forma a analisar todas as preocupações económicas e sociais relevantes.

1.10

Permitir o acesso de representantes dos parceiros sociais à Comissão para a Integração na UE criada pelo Governo e envolvê-los plenamente no processo de integração do país na UE.

À Comissão Europeia:

1.11

Aplicar novos indicadores no processo de monitorização – um relativo ao desenvolvimento da sociedade civil e outro ao diálogo social – para ajudar a garantir um melhor e mais eficaz envolvimento da sociedade civil no processo de pré-adesão.

1.12

Continuar a apoiar as parcerias e o desenvolvimento da capacidade da sociedade civil, bem como incluir a sociedade civil na programação do IPA e promover a criação de um Comité Consultivo Misto UE-Montenegro, logo que tiver sido concedido ao Montenegro o estatuto de país candidato.

Ao CESE:

1.13

Continuar a cooperar com a sociedade civil organizada do Montenegro, apoiá-la no processo de pré-adesão e tomar medidas concretas para a criação do Comité Consultivo Misto UE-Montenegro.

2.   Factos e números sobre o Montenegro

2.1

A dissolução da Federação Jugoslava depois de 1989 deixou o Montenegro numa situação precária. Entre 1991 e 1992 a Eslovénia, a Croácia, a Bósnia-Herzegovina e a antiga República Jugoslava da Macedónia abandonaram a Jugoslávia. Em 27 de Abril de 1992 a Sérvia e o Montenegro associaram-se aprovando em Belgrado a Constituição da República Federal da Jugoslávia. Embora o Montenegro tivesse reafirmado a sua ligação política à Sérvia, um sentimento de identidade específica dos montenegrinos continuou a desenvolver-se e, em 4 de Fevereiro de 2003, a Carta Constitucional da União Estatal da Sérvia e Montenegro foi adoptada.

2.2

A República do Montenegro realizou um referendo bem-sucedido sobre a independência em 21 de Maio de 2006 e declarou a sua independência a 3 de Junho.

2.3

É o país mais pequeno dos Balcãs Ocidentais, com uma dimensão de 13 812 quilómetros quadrados e 620 145 habitantes, facto que também influencia o seu posicionamento no contexto geoestratégico e político mais amplo da região.

2.4

A composição multiétnica da sociedade sempre foi considerada uma das suas principais vantagens. Os montenegrinos são maioritários (43,16 %), seguindo-se os sérvios (31,99 %), os bósnios (7,77 %), os albaneses (5,03 %), os muçulmanos (2) (3,97 %) e os croatas (1,10 %).

2.5

Em 2008 (3), o PIB per capita era de 4 908 euros (43 % do PIB médio da UE) e a taxa de desemprego de 16,8 %. O salário líquido médio era de 416 euros (4), mas 12,2 % dos habitantes viviam com menos de 116 euros por mês e 4,7 % encontravam-se em situação de pobreza extrema. A inflação nos preços de venda a retalho foi de 9 % em 2008. Em 2009, a dívida pública elevava-se a 1 071,1 milhões de euros, ou 34,7 % do PIB (5), sendo a dívida interna de 426 milhões de euros (13,8 %) e a dívida externa de 645,2 milhões de euros (20,9 %). A taxa de literacia adulta era de 97,5 %.

3.   As relações entre a UE e o Montenegro

3.1

O desafio fulcral com que o Montenegro se confronta hoje em dia é a construção do Estado e das instituições, o cumprimento dos padrões e critérios estabelecidos pela UE e, por conseguinte, a instituição de um primado funcional do sistema legislativo com plena inclusão de todos os grupos da sociedade. Estes desafios fazem todos parte do mesmo processo e influenciam-se fortemente entre si, e por isso devem ser entendidos no quadro dessa interacção.

3.2

As relações entre a UE e o Montenegro assentam no Acordo de Estabilização e Associação (AEA) entre as Comunidades Europeias e seus Estados-Membros e o Montenegro e no Acordo Provisório sobre o Comércio e Matérias Conexas assinado em Outubro de 2007. O Montenegro está a fazer progressos na implementação da Parceria Europeia.

3.3

Desde 2007 que o país recebe assistência financeira de pré-adesão no quadro do Instrumento de Assistência de Pré-adesão (IPA), que está a ser gerida pela nova delegação da UE em Podgorica. Nas componentes I e II do IPA o Montenegro recebeu os seguintes montantes: 31,4 milhões de euros em 2007, 32,6 milhões de euros em 2008 e 33,3 milhões de euros em 2009.

3.4

A cooperação regional e as boas relações de vizinhança constituem uma parte essencial do processo de aproximação à União Europeia. O Montenegro participa nos trabalhos de iniciativas regionais, incluindo o Processo de Cooperação da Europa do Sudeste (PCESE), de que irá assumir a presidência em 2010-2011, e o Conselho de Cooperação Regional (CCR), que substituiu o Pacto de Estabilidade para a Europa do Sudeste e visa alcançar um quadro de maior capacitação regional. O Montenegro ocupou a presidência do Acordo Centro-Europeu de Comércio Livre (CEFTA) em 2009 e participa também no Tratado da Comunidade da Energia e no Acordo sobre o Espaço de Aviação Comum Europeu (AEACE).

3.5

O Montenegro tem continuado a promover boas relações bilaterais com países limítrofes e Estados-Membros da UE. A cooperação com os países limítrofes tem sido especialmente intensificada no domínio da cooperação transfronteiriça (quatro programas de cooperação transfronteiriça com a Bósnia-Herzegovina, Albânia, Sérvia e Croácia), ciência e tecnologia (Albânia), protecção de minorias (Croácia) e dupla cidadania (antiga República Jugoslava da Macedónia). As relações com a Sérvia continuam a ser afectadas pela decisão do Montenegro de reconhecer a independência do Kosovo (6). As relações com a Turquia têm sido boas e foram assinados acordos de comércio livre e cooperação bilateral na defesa. Foram ainda aprofundadas as relações com a Itália, principal parceiro comercial do Montenegro entre os Estados-Membros da UE. O principal parceiro comercial do Montenegro na região continua a ser a Sérvia, com um terço do comércio total do país.

3.6

Em termos de posicionamento internacional, o Montenegro está a registar progressos constantes, tendo-se tornado membro das Nações Unidas, da OSCE, do FMI, do CdE e de várias outras organizações regionais e internacionais. O Governo proclama que o objectivo final é a adesão à UE e há um apoio esmagador da opinião pública neste sentido (7).

3.7

O relatório de progresso do Montenegro de 2009  (8) descreve as relações entre o Montenegro e a União Europeia, analisa os progressos registados pelo Montenegro no cumprimento dos critérios políticos de Copenhaga, examina a situação económica no Montenegro e avalia a sua capacidade para aplicar padrões europeus, ou seja, aproximar gradualmente a sua legislação e políticas do acervo comunitário. Abrange ainda todas as medidas tomadas pelo país para enfrentar a crise económica e financeira.

3.8

Embora o relatório registe progressos significativos em muitas áreas, a administração pública, os serviços judiciais e as políticas de luta contra a corrupção no Montenegro irão continuar a ser um enorme desafio no futuro.

3.9

O Governo continuou a adaptar-se aos requisitos decorrentes da independência do país e racionalizou também as actividades de integração europeia, mantendo um ritmo especialmente vivo na adopção de nova legislação. É, contudo, necessário traçar uma distinção clara entre a elaboração e adopção de nova legislação, feita sobretudo dentro de um calendário razoável e que é, em muitos casos, de boa qualidade, e a sua execução, onde se verifica frequentemente uma falta de recursos ou vontade política.

3.10

A liberalização dos vistos foi a questão fulcral que marcou 2009: a UE propôs em 15 de Julho a liberalização do sistema se o Montenegro cumprisse as condições estipuladas no Roteiro. A 30 de Novembro de 2009, os ministros da Administração Interna da União Europeia concordaram formalmente em eliminar a obrigatoriedade de vistos para os cidadãos da antiga República Jugoslava da Macedónia, Sérvia e Montenegro que entrassem na zona Schengen a partir de 19 de Dezembro de 2009.

3.11

No que se refere aos critérios económicos, foi mantido o consenso interno sobre aspectos essenciais da política económica. O funcionamento do mecanismo de mercado foi desafiado pela magnitude dos ajustamentos ocorridos na balança externa e no sector financeiro. As finanças públicas viram-se sujeitas a uma pressão acrescida em 2009 e a política macroeconómica tem sido em grande medida impulsionada pela crise financeira. Tem havido um enfoque na aplicação de uma política fiscal mais prudente e na aceleração das reformas estruturais.

4.   A sociedade civil  (9) do Montenegro num novo contexto socioeconómico

4.1   Observações preliminares

4.1.1

A sociedade civil do Montenegro em geral não possui fortes laços ou tradições de cariz histórico  (10). A primeira associação de voluntários surgiu apenas em meados do séc. XIX e centrou-se principalmente em actividades caritativas. Os primeiros sindicatos e associações de trabalhadores foram fundados no início do séc. XX. Com o início do regime comunista, em 1945, as organizações civis independentes deixaram de poder funcionar e o trabalho das organizações sem intuitos lucrativos foi fortemente restringido.

4.1.2

As organizações da sociedade civil e as não governamentais são, no contexto do Montenegro, sinónimos As ONG constituem uma parte da sociedade civil, que segundo a metodologia desenvolvida pela CIVICUS (11) contém outras 19 componentes. Mesmo que tentemos usar categorias mais abrangentes temos, ainda assim, de reconhecer que a sociedade civil é também representada pelas comunidades religiosas, sindicatos, meios de comunicação social, associações profissionais, fundações, movimentos sociais, etc. Os cidadãos do Montenegro têm, contudo, a percepção de que as ONG se identificam com a sociedade civil, correspondendo tal percepção ao contributo real das ONG para a aplicação de princípios de uma sociedade civil aberta e um saudável equilíbrio de poderes, mas denotando também níveis preocupantemente reduzidos de activismo, potencialidades e iniciativas de cariz social em outras categorias da sociedade civil.

4.2   Vários grupos de interesse no Montenegro

4.2.1

O quadro jurídico para o funcionamento das ONG é sólido – A criação das ONG está assente no direito constitucional de reunião (12) e é determinado com maior detalhe na lei sobre as ONG (13) assim como em vários outros actos legislativos. Ainda assim, determinados aspectos do trabalho das ONG não estão claramente definidos, especialmente no que se refere ao sistema fiscal, e existe ainda espaço para aperfeiçoamentos. Além disto, o novo projecto de lei sobre voluntariado aprovado pelo Governo em 14 de Janeiro de 2010 não reconheceu a posição dos representantes das ONG, vindo deste modo questionar todo o espírito desta lei.

4.2.2

Registo de ONG – O processo é fácil, o que em determinados momentos levou a que se registasse um grande número de ONG. Até 2006 o registo era habitualmente conservado no Ministério da Justiça, tendo sido nesse ano, e na sequência de uma mudança de mandatos no Governo, transferido para o Ministério do Interior e da Administração Pública. O número frequentemente referido em público de aproximadamente 4 500 ONG registadas não é fidedigno porque o registo não é devidamente conservado, o que implica que sejam inscritas novas organizações mas não se eliminem do número geral referido as que deixaram de existir. O Governo anunciou que irá em breve lançar aplicações informáticas que resolverão estas controversas questões. Acresce que organizações profissionais como as associações de agricultores e pescadores são também registadas como ONG à falta de uma outra base ou forma jurídica aplicável às suas actividades.

4.2.3

Financiamento público – Os esforços desenvolvidos ao longo de muitos anos pelas ONG para obter financiamentos públicos levaram a que um montante bastante considerável de verbas fosse formalmente disponibilizado às ONG a nível local (no âmbito dos orçamentos da administração local e no valor aproximado de 883 900 euros (14)) e nacional (através da comissão parlamentar para a atribuição de verbas a ONG, num montante estimado de 200 000 euros (15), e através da comissão para a atribuição de uma parte das receitas de sorteios, dotada com um fundo de 3 440 000 euros (16)). Determinados ministérios dispõem também de verbas especiais para organizações que operam em domínios específicos (17). Na sua totalidade, estas verbas podiam ajudar em maior medida o desenvolvimento da sociedade civil. No entanto, e em virtude de um número limitado dos âmbitos de actividade das ONG receber a maioria das verbas, especialmente através do maior fundo que recolhe as receitas de sorteios (18), e devido à falta geral de transparência no trabalho da Comissão e de graves deficiências na atribuição das verbas (19), estes montantes não chegam na realidade à maioria das ONG reais em actividade nem apoiam os programas que visam democratizar a sociedade. O regulamento relativo à atribuição destes recursos foi redigido por um grupo de trabalho composto por funcionários governamentais e representantes de ONG, tendo sido aprovado pelo Governo em 2008 e formando um quadro sólido, mas a sua aplicação continua sujeita a uma generalizada manipulação e suscita grande preocupação (20). Será formado em 2010 um novo grupo intersectorial para trabalhar nos novos regulamentos e tentar resolver estas questões.

4.2.4

Verbas provenientes de fontes internacionais – A comunidade de ONG no Montenegro tem estado principalmente a funcionar com o apoio de doadores internacionais. Este financiamento tornou-se ultimamente problemático pelo facto de muitos doadores bilaterais se terem retirado consoante as suas próprias prioridades e a ajuda dos Estados Unidos ter sofrido uma enorme redução, deixando o sector das ONG dependente das verbas da UE, que possuem procedimentos relativamente complicados. Tal está já a levar a uma situação em que só as maiores organizações irão sobreviver e desenvolver-se, ao passo que as outras verão limitada a sua actuação e crescimento.

4.2.5

Reforço da capacidade das ONG – Existe uma elevada taxa de rotatividade no pessoal das ONG e não se encontram disponíveis subsídios institucionais, factores que condicionam mesmo as ONG desenvolvidas. O CRNVO (21) costumava ter uma diversidade de programas para reforço da capacidade, mas a retirada dos doadores que apoiavam estas actividades afectou seriamente a sua oferta em termos de quantidade. Está a ser organizada uma nova assistência técnica às organizações da sociedade civil (CSO) dos Balcãs Ocidentais (22) financiada pela UE. Em geral, são necessários continuamente programas para reforço da capacidade e desenvolvimento de conhecimentos e aptidões específicas em vários domínios, bem como para subsídios institucionais destinados a fomentar o reforço da capacidade individual. Além disso, as ONG deviam actuar mais em questões subordinadas a temas através de plataformas e redes ad hoc ou de longo prazo, de forma a tornarem as suas intervenções eficientes e lhes conferirem uma maior influência sobre as partes interessadas.

4.2.6

Auto-regulação das ONG – No âmbito da coligação de ONG Through Cooperation to the Aim (Atingir o Objectivo Através da Cooperação), que é a maior do seu género e reúne cerca de 200 ONG do Montenegro (23), foi criado um organismo de auto-regulação e elaborado e aprovado um código de conduta pela maioria das principais ONG, bem como por diversas outras, que tornaram públicos os seus registos narrativos e financeiros em conformidade com esse código de conduta. Tal é crucial para melhorar a transparência das ONG e, consequentemente, a confiança do público.

4.2.7

Representação nos conselhos que abrangem diferentes interesses da sociedade – Em conformidade com a aprovação de nova legislação requerendo a participação de todas as partes interessadas, foram atribuídas às ONG posições legalmente garantidas no Conselho da RTCG (24), no Conselho para o Controlo Civil da Polícia (25), no Conselho Nacional para a Integração na UE (26), na Comissão Nacional para a Luta Contra a Corrupção e o Crime Organizado, no Conselho para os Cuidados aos Portadores de Deficiências, no Conselho para os Cuidados Infantis, etc., bem como em determinados organismos a nível local. Registaram-se melhorias após muitos anos de persistentes esforços das ONG na maioria destes casos, mas o Conselho Nacional para a Integração na UE continua a suscitar sérias preocupações quanto à legitimidade e legalidade dos representantes das ONG.

4.2.8

Sustentabilidade do sector das ONG no Montenegro – o sector das ONG no Montenegro tem pouca tradição e o seu futuro é incerto (27) devido a uma cultura política e dos direitos humanos pouco desenvolvida na generalidade. Trata-se de um sector fortemente dependente da ajuda externa e dos seus próprios líderes fulcrais, facto que o fragiliza em caso de mudança de personalidades ou de retirada dos doadores. Foram dados alguns passos no seio da maior organização em termos de reorganização interna e de planeamento estratégico, além da introdução de serviços que contribuem para o orçamento, mas tal ainda não proporciona garantias sólidas de sustentabilidade geral do sector.

4.3   Diálogo social e organizações dos parceiros sociais

4.3.1

A Lei do Trabalho aprovada em 2008 (28) estabelece as disposições que devem constar dos acordos colectivos, o procedimento para alterar as relações entre as partes na negociação colectiva e outras questões importantes para os empregadores e os trabalhadores. Deverá ser concluído um acordo colectivo geral pela autoridade competente do sindicato relevante, a associação de empregadores e o Governo.

4.3.2

A Lei do Trabalho inclui ainda disposições que regem as organizações patronais e de trabalhadores. Os trabalhadores e os empregadores são livres de optarem por criar as suas organizações e tornarem-se membros das mesmas, sem aprovação prévia e segundo as condições estipuladas nos estatutos e regras dessas organizações.

4.3.3

Liberdade de organização de um sindicato. Aos trabalhadores é garantida a liberdade para organizarem um sindicato e se dedicarem a actividades sindicais sem que seja necessária aprovação prévia. As organizações sindicais constam do registo de organizações sindicais mantido pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Nos termos da lei, entende-se como organização sindical representativa aquela que tiver o maior número de filiados e estiver registada enquanto tal no Ministério. Tal significa, com efeito, que apenas uma organização sindical pode ser considerada representativa a nível nacional, independentemente do número e da verdadeira representatividade de outras organizações sindicais. Da agenda do Conselho Social consta uma proposta de lei sobre a representatividade sindical.

4.3.4

Os sindicatos são representados pela Confederação dos Sindicatos do Montenegro (CTUM) e pela União dos Sindicatos Livres do Montenegro (UFTUM). A CTUM é membro da ITUC (29) e está a decorrer o processo de filiação na ETUC (30) como observadora. A UFTUM é uma organização recentemente criada, que se separou da CTUM, tendo sido instituída em Novembro de 2008. Por conseguinte, a UFTUM ainda não faz parte das plataformas sindicais da ITUC (a nível internacional) e da ETUC (a nível europeu), embora mantenha contactos com as duas organizações. Apesar de ter sido concedido à CTUM o estatuto de parceiro social, na prática, não foram encetadas providências jurídicas para reconhecer as organizações sindicais como representantes nos termos da nova Lei do Trabalho.

4.3.5

Associação de Empregadores. Nos termos desta lei, uma associação de empregadores é considerada representativa se os seus filiados empregarem um mínimo de 25 % dos trabalhadores na economia do Montenegro e contribuírem com um mínimo de 25 % para o PIB do país. A associação de empregadores fica obrigada a registar-se no Ministério do Trabalho e da Segurança Social para se manterem actualizados os dados. O ministério estabelece a forma como os registos relativos às associações de empregadores devem ser mantidos, bem como critérios mais detalhados para determinar o grau de representatividade das associações de empregadores.

4.3.6

O patronato do Montenegro é representado pela Federação Montenegrina de Empregadores (MEF), sedeada em Podgorica. A MEF é um membro muito activo da Organização Internacional dos Empregadores (OIE), sedeada em Genebra, e participa em muitos projectos, além de ter também o estatuto de observadora na BUSINESSEUROPE  (31).

4.3.7

O Montenegro possui ainda uma Câmara do Comércio, uma organização obrigatória criada em 1928 e que a nível europeu possui o estatuto de observadora na Eurochambers e na Eurocommerce. A Câmara de Comércio não tem o estatuto de parceiro social. A nível social, é membro do Conselho Nacional para a Eliminação das Barreiras Comerciais e a Melhoria da Competitividade, assim como da Comissão Nacional para a Integração na UE.

4.3.8

O Conselho Social é o mais alto organismo tripartido e foi criado em Junho de 2008 com base na lei aprovada em 2007 (a Lei sobre o Conselho Social). O Conselho possui 11 representantes do Governo, 11 representantes das organizações sindicais autorizadas e 11 representantes da associação de empregadores. Sob a cúpula do Conselho Social agrupam-se vários comités de trabalho que se ocupam de diferentes questões económicas e sociais.

4.3.9

O Memorando sobre a Parceria Social no contexto da crise económica global foi assinado em Abril de 2009 e os parceiros sociais estão abertos, não deixando de aproveitar diversas oportunidades para consultas de tipo formal e informal no actual contexto da crise económica global.

4.3.10

Apesar de alguns progressos no diálogo tripartido, o diálogo social bilateral é ainda muito ténue, centrando-se principalmente na negociação de acordos colectivos sectoriais. Embora a nível nacional o objectivo seja produzir um Acordo Colectivo Geral (ACG) assinado pelos sindicatos, empregadores e Governo, está a ser discutida a possibilidade de introduzir dois ACG, um para a economia e outro para a função pública. Qualquer decisão a este respeito deve basear-se em análises mais aprofundadas. O estabelecimento de um centro bipartido de recursos para o diálogo social poderia ter grande importância no diálogo social geral e nas análises conjuntas dos parceiros sociais.

5.   Observações na especialidade

5.1

O quarto relatório de progresso da CE sobre o Montenegro não refere restrições à liberdade de reunião e associação. Foram feitos alguns progressos sobre o papel das organizações da sociedade civil e várias ONG continuam a ter um papel destacado a nível público e político. A nível nacional existe uma estratégia governamental para a cooperação com as ONG mas a respectiva execução está atrasada e o impacto real das ONG na elaboração de políticas é muito limitado, apesar dos conhecimentos acumulados e dos recursos disponíveis no sector das ONG. As ONG são bem acolhidas pelo Governo quando são politicamente aceitáveis, ou quando prestam diversos serviços, mas os problemas neste domínio ocorrem em programas de supervisão e acompanhamento, bem como na realização efectiva de consultas e na sua inclusão em processos de definição de políticas e tomada de decisões.

5.2

O papel do actual Gabinete para a Cooperação com ONG, que funciona como parte do Secretariado-Geral do Governo do Montenegro, deverá ser apoiar as ONG e garantir o seu sólido desenvolvimento neste país. Mas a realidade é que as recentes capacidades e equipamento deste gabinete são muito limitados e, apesar do esforço do seu pessoal, a sua actividade não é visível junto dos representantes de ONG. A criação do Conselho Governamental para a Cooperação com ONG encontra-se na fase preparatória e o gabinete deverá desempenhar o papel de secretariado do Conselho, o que poderá constituir um bom passo para melhorar a situação.

5.3

A sociedade civil dispõe também de dois representantes no Conselho Nacional para a Integração na UE. Contudo, a legalidade e legitimidade da designação dos actuais membros foi seriamente questionada por ONG credíveis, e devem ser definidos critérios claros por decreto parlamentar, concebidos para garantir a transparência, representatividade e qualidade dos respectivos delegados. O Conselho Nacional para a Integração na UE poderá ser uma prometedora ferramenta para uma participação mais aprofundada e eficaz da sociedade civil no processo de integração na UE, devendo ser desbloqueadas as suas potencialidades.

5.4

Apesar da declaração do Governo e dos ministérios relevantes sobre consultas da sociedade civil no âmbito do processo de criação de um quadro legislativo, a participação de organizações da sociedade civil é ainda insatisfatória.

5.5

As condições (especialmente financeiras) para que as organizações da sociedade civil funcionem devidamente devem ser melhoradas e a sua capacidade aumentada através da diversificação e sustentabilidade das suas fontes financeiras.

5.6

A participação de organizações da sociedade civil nos preparativos de adesão à UE é também limitada. Foram já criadas as estruturas e mecanismos adequados, mas a sua utilização é ainda insuficiente. O contributo activo da sociedade civil pode ajudar a suavizar o processo de negociação com a UE e estabelecer uma verdadeira ponte entre a sociedade civil e as instituições da UE.

5.7

O diálogo tripartido com o Conselho Social está em curso mas o papel e potencialidades das organizações dos parceiros sociais estão ainda subestimados. O Conselho Social poderia ser um órgão muito poderoso no processo de adesão à UE, ajudando a superar as consequências económicas e sociais.

5.8

As disposições da actual Lei do Trabalho que definem as condições para o reconhecimento da representatividade das organizações sindicais a nível nacional são discriminatórias em relação às organizações de menor dimensão e impedem um adequado desenvolvimento do pluralismo sindical. Embora a UFTUM participe no grupo de trabalho do Governo que está a negociar a nova proposta legislativa sobre a representatividade dos sindicatos, não conseguiu influenciar o seu trabalho. O Governo decidiu unilateralmente efectuar um recenseamento de 20 %, o que significa que 20 % de todos os trabalhadores do Montenegro devem estar organizados em sindicatos para serem preenchidos os critérios de representatividade a nível nacional. No entanto, os critérios deviam também reflectir outras componentes, como a estrutura e repartição territorial, ou a capacidade para defender com eficácia os direitos dos trabalhadores.

5.9

Os parceiros sociais não participaram tanto quanto deviam na questão do questionário da UE. Só a Federação de Empregadores do Montenegro e a Câmara do Comércio cooperaram no âmbito dos organismos de trabalho governamentais de que fazem parte quando se tratou de responder ao questionário. Segundo as instruções da UE, todos os parceiros sociais deviam ter sido consultados na parte relevante do questionário.

5.10

O Conselho Nacional para a Integração na UE, agindo sob a égide do Ministério para a Integração Europeia, está a coordenar a administração pública no processo de integração do país na UE. Só a Câmara de Comércio está representada neste organismo e os parceiros sociais não participam.

5.11

A capacidade dos parceiros sociais carece de um maior desenvolvimento. Todas as formas de assistência a qualquer nível são bem-vindas e, a este respeito, o CESE aprecia o papel da IOE e da ITUC a nível internacional, assim como da BUSINESSEUROPE e da ETUC a nível europeu. Estão a ser lançados muitos programas e projectos integrados para reforçar a capacidade das organizações dos parceiros sociais e aprofundar o diálogo social.

5.12

O CESE congratula-se também com a assistência financeira e técnica prestada pela Comissão Europeia no quadro da sua estratégia de alargamento e dos recursos disponíveis. Uma participação acrescida das organizações da sociedade civil reforça a qualidade da democracia e ajuda a reconciliação. Ao pôr em execução o instrumento da sociedade civil no contexto do Instrumento de Assistência de Pré-adesão (IPA), a CE financiou a criação de gabinetes de apoio técnico em cada Estado beneficiário, bem como um número crescente de visitas de curto prazo a instituições da UE, e financiou também a participação de cerca de 800 pessoas em seminários nos Balcãs Ocidentais e na Turquia.

6.   O papel do Comité Económico e Social Europeu

6.1

O alargamento da UE e os progressos feitos pelos países dos Balcãs Ocidentais no caminho da adesão à União Europeia são uma das prioridades do CESE em matéria de relações externas. A Secção de Relações Externas tem vindo a desenvolver instrumentos eficientes para alcançar os seus principais objectivos, nomeadamente, prestar apoio à sociedade civil nos Balcãs Ocidentais e reforçar a sua capacidade para se tornar um parceiro no processo de adesão à UE.

6.2

O Grupo de Contacto dos Balcãs Ocidentais iniciou os seus trabalhos em Outubro de 2004. Geograficamente abarca a Albânia, a Bósnia-Herzegovina, a Croácia, a antiga República Jugoslava da Macedónia, o Montenegro, a Sérvia e o Kosovo, nos termos da Resolução n.o 1244 (1999) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e é o órgão permanente e específico do CESE para lidar com esta região em especial.

6.3

Dois Fóruns da Sociedade Civil dos Balcãs Ocidentais realizaram-se em Bruxelas (2006) e em Liubliana (2008), tendo os parceiros sociais mostrado disponibilidade para se reunirem, num contexto transfronteiriço, e debater conjuntamente vias para um futuro melhor. O Terceiro Fórum da Sociedade Civil dos Balcãs Ocidentais terá lugar, em Bruxelas, em 18 e 19 de Maio de 2010.

6.4

As outras ferramentas mais importantes para lançar a ponte entre a sociedade civil da UE e a sociedade civil dos países dos Balcãs Ocidentais são os comités consultivos mistos (CCM). No parecer exploratório de 2006 sobre a situação da sociedade civil nos Balcãs Ocidentais  (32) foi salientada a posição do CESE, o seu substancial saber-fazer e os recursos humanos consideráveis de que dispõe, tendo sido ainda destacado o papel dos CCM em todo o processo de alargamento.

6.5

Por esta razão, o CESE recomenda a criação de um Comité Consultivo Misto UE-Montenegro, assim que tenha sido concedido ao Montenegro o estatuto de país candidato. Este CCM poderá permitir que as organizações da sociedade civil de ambas as partes prossigam um diálogo mais aprofundado e acompanhem os progressos do país em direcção à UE.

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  O Conselho Nacional para a Integração na UE trabalha junto do Parlamento e integra, para além de deputados, representantes judiciários, de ONG, da Universidade de Montenegro, da Academia de Ciências do Montenegro, do Conselho Social e do Gabinete do Presidente.

(2)  Dados oficiais de recenseamento. Os muçulmanos são tratados, no Montenegro, como um grupo étnico, à semelhança do que se fazia na ex-Jugoslávia.

(3)  Eurostat 2009.

(4)  Monstat, http://monstat.org/Mjesecna%20saopstenja.htm

(5)  Programa Económico e Fiscal 2009-12, 21 de Janeiro de 2010

(6)  Nos termos da Resolução n.o 1244 (1999) do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

(7)  Segundo sondagens conduzidas nos últimos anos, entre 75 % e quase 80 % dos cidadãos montenegrinos são favoráveis à adesão à UE.

(8)  O relatório de progresso do Montenegro de 2009 (SEC(2009) 1336) acompanha a comunicação COM(2009) 533 da Comissão Europeia intitulada Estratégia de Alargamento e Principais Desafios para 2008-2009.

(9)  O conceito de «sociedade civil» é aqui entendido num sentido geral, referindo-se a organizações não governamentais, incluindo organizações profissionais, organizações de parceiros sociais, consumidores, agricultores, artesãos, comunidades religiosas, fundações, movimentos sociais, meios de comunicação social, etc.

(10)  TRIALOG, Sociedade Civil do Montenegro, Maša Lekič.

(11)  CIVICUS – Aliança Mundial para a Participação dos Cidadãos, www.civicus.org.

(12)  A Constituição foi aprovada em Outubro de 2006, mas este aspecto já figurava em linhas gerais na anterior Constituição.

(13)  Aprovada em 1999 e alterada em 2002 e 2007.

(14)  Dados da investigação efectuada pela CRNVO em 2008 e onde se referia que tinham sido previstos 883 900 euros e distribuídos na realidade 860 764,66 euros.

(15)  Dados de 2009.

(16)  De acordo com o regulamento para atribuição de uma parte das receitas de sorteios 75 % deste montante devia ser atribuído a ONG e o restante a outras organizações e instituições. Os honorários dos membros da comissão e os custos gerais do processo administrativo são financiados pelo mesmo orçamento.

(17)  Ministério do Turismo, Ministério da Cultura, Meios de Comunicação Social e Desportos e Ministério dos Direitos Humanos e das Minorias.

(18)  Estão abrangidas as seguintes áreas: 1) bem-estar social e actividades humanitárias, 2) necessidades das pessoas portadoras de deficiência, 3) desenvolvimento dos desportos, 4) cultura e cultura técnica, 5) ensino não-institucional e 6) luta contra os estupefacientes e todas as formas de dependência.

(19)  Relatório de acompanhamento do Centro para a Educação Cívica sobre a atribuição de verbas pela Comissão destinadas à atribuição de uma parte das receitas de sorteios em 2009.

(20)  Relatório de acompanhamento do Centro para a Educação Cívica sobre a atribuição de verbas pela Comissão destinadas à atribuição de uma parte das receitas de sorteios em 2009.

(21)  CRNVO – Centro para o Desenvolvimento das ONG do Montenegro.

(22)  Programa do instrumento para a sociedade civil.

(23)  Mais informações em: www.saradnjomdocilja.me

(24)  Lei sobre os Serviços Públicos de Radiodifusão RTCG, aprovada em 2002, bem como a Lei sobre os Serviços Públicos de Radiodifusão do Montenegro, aprovada em 2008 (e que substituiu a primeira).

(25)  Lei sobre a polícia, aprovada em 2005.

(26)  Decisão sobre a criação do Conselho Nacional para a Integração Europeia, aprovada em 2008.

(27)  Avaliação da CIVICUS sobre a sociedade civil montenegrina intitulada «Pouca tradição, futuro incerto», 2006, ed. S. Muk, D. Uljarevic e S. Brajovic.

(28)  Lei do Trabalho, Jornal Oficial do Montenegro n.o 49/08.

(29)  ITUC – Confederação Sindical Internacional.

(30)  ETUC – Confederação Europeia de Sindicatos.

(31)  BUSINESSEUROPE – Confederação das Empresas Europeias.

(32)  JO C 195 de 18.5.2006, p. 88.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/18


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Educação para a inclusão – Instrumento de luta contra a pobreza e a exclusão social» (parecer exploratório)

2011/C 18/04

Relatora: María Candelas SÁNCHEZ MIGUEL

Por carta de 23 de Julho de 2009, Diego Lopez Garrido, secretário de Estado para a União Europeia do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Espanhol, solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, em nome da futura Presidência espanhola e em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, que elaborasse um parecer exploratório sobre a

Educação para a inclusão – Instrumento de luta contra a pobreza e a exclusão social.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 23 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 103 votos a favor, 13 votos contra e 10 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE congratula-se com a decisão de dedicar o ano 2010 ao aumento dos esforços para eliminar a exclusão e a pobreza e sublinha a importância de utilizar a educação e a formação como instrumentos eficazes para atingir estes objectivos. A educação é reconhecida como um instrumento de grande importância para a inclusão na sociedade de quem vive na pobreza.

1.2

Dado que o reforço da educação como meio para combater as desigualdades e a pobreza faz parte das prioridades da «Estratégia da UE para 2020», e que o trio das presidências rotativas da UE, composto pela Espanha, Bélgica e Hungria, conta entre os seus objectivos o da «educação para todos», é possível propor uma série de acções destinadas a fazer da educação e da formação instrumentos eficazes de luta contra a pobreza e a exclusão social.

1.3

A educação é reconhecida como direito humano fundamental desde o início da UE, e foram realizados esforços positivos consideráveis para fazer deste direito um bem público ao alcance de todos. O CESE contribuiu para estes esforços com um elevado número de pareceres sobre a matéria. Em todos se reconhece que o objectivo central da educação é a formação de cidadãos livres, dotados de espírito crítico, autónomos e capazes de contribuir para o desenvolvimento da sociedade em que vivem, com um elevado nível de competências necessárias para fazer face aos novos desafios, em particular no mundo do trabalho, mas também conscientes de partilhar valores e uma cultura e da necessidade de preservar o mundo em que habitam para as gerações futuras.

1.4

O CESE preconiza que a partir do conceito de educação para a inclusão a UE e os Estados-Membros se obriguem a rever as políticas educativas, os conteúdos, as estratégias e as estruturas da educação, bem como a afectação de verbas, mas que se faça igualmente a revisão e/ou actualização das políticas relativas ao emprego, aos serviços públicos de qualidade, à atenção das especificidades (crianças, pessoas com necessidades especiais, migrantes, etc.), e que em tais políticas se inclua a perspectiva de género. A educação inclusiva pode desenvolver-se em múltiplos contextos, formais e não formais, nas famílias, na comunidade, para que todo o peso da educação não recaia só na escola. Longe de ser uma questão marginal ou centrada unicamente nos pobres, deve estar aberta a todos os grupos sociais que necessitem dela. As razões por que optamos por uma educação inclusiva são:

educativas, porque é necessário um sistema educativo de qualidade acessível a todos desde muito cedo;

sociais, porque a educação deve contribuir para a mudança de mentalidades, criando uma sociedade sem exclusões, preconceitos e discriminação;

económicas, porque contribui para aumentar a competitividade perante os novos desafios económicos e as novas exigências do mercado do trabalho.

1.5

Há vários anos que se tem debatido na UE sobre o reconhecimento dos resultados da educação não formal, ou seja, uma educação que se realiza à margem das estruturas educativas tradicionais mas que complementa a educação formal ao facultar conhecimentos práticos, competências genéricas e padrões de comportamento apropriado e ao encorajar a cidadania activa. Se bem que esse debate ainda não tenha permitido acordos consensuais a nível da UE, a educação não formal é cada vez mais reconhecida como um trampolim para o acesso ao mercado do trabalho. O CESE considera que a UE deve analisar esta questão à luz da importância da educação para a integração social e neste sentido recomenda:

reunir informação sobre as disposições institucionais e técnicas existentes, propor a criação de indicadores para medir os benefícios potenciais do reconhecimento da educação não formal e recolher dados empíricos sobre as pessoas que beneficiam da mesma;

rever os modelos de reconhecimento dos resultados da educação não formal, a fim de identificar os mais equitativos, eficazes e vantajosos, em particular para as pessoas socialmente excluídas, e garantir a qualidade da educação prestada;

promover o intercâmbio das experiências bem sucedidas entre os Estados-Membros;

envolver neste processo os parceiros sociais, as organizações da sociedade civil implicadas e representantes das instituições da educação formal e não formal.

1.6

O CESE assinalou em pareceres anteriores que o ensino público de qualidade para todos é um instrumento promotor de igualdade e de inclusão social. Neste sentido, é essencial que todos os que vivem em situação de exclusão tenham acesso a uma educação maioritariamente pública (1), de qualidade, que lhes abra as portas do mercado de trabalho e lhes permita desempenhar trabalhos dignos e bem remunerados.

1.7

Por fim, o CESE recomenda que as possíveis actividades a desenvolver, sem perder de vista a coerência com as prioridades políticas já definidas, sejam catalisadoras de compromissos mais audaciosos e ambiciosos nesta matéria, e que alcancem as instituições e os mais diversos actores sociais.

1.8

A conferência organizada pelo CESE de 20 a 22 de Maio de 2010 em Florença sobre A educação para combater a exclusão inscreve-se perfeitamente nesta óptica. Basear-se-á, com efeito, numa abordagem transversal e reunirá um grande número de agentes implicados neste domínio.

2.   Introdução

2.1

O direito à educação como direito humano fundamental foi reconhecido e inscrito em todos os instrumentos de que se dotou a União Europeia desde o seu nascimento. A Europa realizou enormes esforços positivos para fazer deste direito um bem público ao alcance de todos (2). Contudo, existem franjas da população que permanecem excluídas dos seus benefícios, o que agrava as situações de pobreza ainda não erradicada. Os Estados-Membros, a Comissão e o Parlamento Europeu propuseram e aprovaram importantes medidas de luta contra a pobreza, utilizando como instrumento para a inclusão a educação pública de qualidade e acessível a todos. Ainda neste sentido, a UE decidiu que 2010 seria o Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza (3).

2.2

Além disso, a inclusão social e a luta contra a pobreza fazem parte dos objectivos da União Europeia em matéria de crescimento e emprego. A coordenação das políticas nacionais sobre a protecção e a inclusão social realiza-se através de um processo de intercâmbio e aprendizagem, designado «Método Aberto de Coordenação» (MAC), que se aplica a domínios que são da competência dos Estados-Membros, no intuito de alcançar a convergência entre as políticas nacionais e atingir objectivos comuns. O MAC contribui para a coordenação das políticas sociais, em especial no âmbito da Estratégia de Lisboa renovada.

2.3

Por outro lado, a formação e a educação são factores essenciais para a melhoria do desenvolvimento económico e da coesão social das nossas sociedades. O fracasso em alcançar os objectivos de redução dos níveis de pobreza e as consequências, em termos de exclusão, da actual crise económica e do aumento do desemprego reforçam o interesse em procurar instrumentos que permitam avançar na via da inclusão activa.

2.4

Entre as prioridades da UE para a Estratégia 2020 (4), a primeira consiste em «criar valor, baseando o crescimento no conhecimento». Reconhece-se, assim, que o conhecimento é o motor de um crescimento duradouro, e que são a educação, a investigação, a inovação e a criatividade que fazem a diferença. As conclusões da Cimeira sobre o Trabalho, realizada em Praga, em Maio de 2009, apontam no mesmo sentido. Consequentemente, e perante a actual crise económica que produziu um grande impacto nos trabalhadores e nas empresas, em especial nas PME, e tendo em conta que o desemprego atingiu níveis históricos, com valores próximos de 20,2 %, com grandes diferenças entre os países da UE, é necessário intensificar todas as acções que contribuam para a criação de emprego e que, por sua vez, reforcem a igualdade entre os europeus, em especial no domínio da política educativa.

2.5

O ensino público, que é um dos principais instrumentos promotores de igualdade, enfrenta hoje novos e numerosos desafios num mundo cada vez mais globalizado e também mais desigual, dividido e assimétrico. A integração escolar e social de todos os estudantes é uma prioridade para as autoridades públicas e para as organizações internacionais ou regionais. A educação para a inclusão é uma abordagem relativa à satisfação das necessidades de aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos, e, em particular, dos sectores mais afectados pela discriminação, marginalização, pobreza ou exclusão social.

2.6

A educação e a formação podem ser instrumentos eficazes de luta contra a pobreza e a exclusão social. Os jovens com menos oportunidades na sociedade são confrontados com dificuldades específicas, associadas ao facto de serem procedentes de ambientes desfavorecidos no plano educativo, socioeconómico e geográfico, ou porque vivem com alguma deficiência.

2.7

Segundo os princípios orientadores da UNESCO para a educação inclusiva, esta é considerada como um processo que se destina a ter em conta a diversidade das necessidades de todos os estudantes e a responder a estas necessidades através de uma participação crescente na aprendizagem, na cultura e nos valores da comunidade, de forma a reduzir a exclusão social e a pobreza. A educação inclusiva requer a transformação dos conteúdos, das abordagens, das estruturas e das estratégias educativas, a consequente evolução dos sistemas de formação de docentes, a disponibilidade de maiores recursos, com uma visão que englobe todos os estudantes e a convicção de que é responsabilidade do sistema educativo geral educar todas as pessoas. A educação inclusiva tem por objecto dar respostas adequadas às diferentes necessidades de aprendizagem dos diversos grupos sociais e pode ser levada a cabo no âmbito da educação formal e não formal.

2.8

Longe de ser uma questão marginal, isto é, apenas relativa à forma como integrar certos estudantes no ensino geral, ou relativa aos mais pobres, a estratégia da educação inclusiva consiste em fazer evoluir os sistemas educativos e os outros quadros de aprendizagem para os adaptar à diversidade dos estudantes, transformando-os num potente instrumento de luta contra a pobreza. Deve permitir que tanto os professores como os estudantes se sintam à vontade com a diversidade e vejam nela um desafio e uma possibilidade de enriquecimento para o ambiente de aprendizagem e não um problema.

2.9

O aparecimento do desemprego massivo faz surgir situações inéditas de pobreza. Actualmente (5), a crise económica global não é mais do que uma confirmação dolorosa desta situação. A pobreza actual não se caracteriza unicamente por rendimentos insuficientes; pode manifestar-se através de acessos limitados ou inexistentes à saúde ou à educação, por um ambiente perigoso, discriminações ou preconceitos, ou ainda pela exclusão social. Um emprego, se não é um emprego de qualidade, já não constitui em si mesmo uma protecção suficiente contra a pobreza. E a pobreza extrema verifica-se mais nas mulheres do que nos homens: na União Europeia, o risco de pobreza extrema é consideravelmente mais elevado para as mulheres em 17 Estados-Membros. As famílias monoparentais cujo chefe de família é uma mulher correm maior risco de cair na pobreza. Num mundo onde 60 % da população vive apenas com 6 % dos rendimentos mundiais, onde 50 % vive só com 2 dólares por dia e onde mais de mil milhões de pessoas têm um rendimento inferior a 1 dólar por dia, a Europa não pode transformar-se numa fortaleza que ignora o contexto em que vive.

2.10

Os fenómenos crescentes de pobreza urbana, o êxodo da população rural para as zonas industriais e a imigração massiva constituem um desafio para as políticas sociais da região. Segundo dados do EUROSTAT 2009, 16 % da população europeia vive abaixo dos níveis de pobreza, e um em cada dez europeus vive num agregado familiar em que nenhum membro da família trabalha. Em vários Estados-Membros, as crianças estão mais expostas à pobreza do que o resto da população. Estima-se que 19 % (ou seja, 19 milhões de crianças) estão ameaçadas. É imprescindível contribuir para quebrar a engrenagem que leva tantas pessoas à pobreza, criando um ambiente educativo estável e seguro, capaz de garantir a todos os estudantes o pleno exercício dos seus direitos fundamentais, o desenvolvimento das suas capacidades e de oportunidades futuras.

3.   Observações na generalidade

3.1

A luta contra a pobreza constitui um elemento fundamental das políticas de inserção e de emprego da UE, assim como dos Estados-Membros. Outrora considerada uma política de assistência, a luta contra a pobreza transformou-se numa luta contra a exclusão. Não se trata apenas de preservar a sociedade das temidas consequências da pobreza, mas de garantir os direitos humanos dos indivíduos afectados por este fenómeno. Em 2007, no momento de decidir que o objectivo do ano 2010 seria «a luta contra a pobreza e a exclusão social», o Parlamento Europeu e o Conselho declararam que «existe actualmente cerca de 78 milhões de pessoas expostas ao risco de pobreza na UE e este número não cessa de aumentar. Esta situação está em flagrante contradição com os principais valores comuns da União, há que tomar medidas que associem ao mesmo tempo a UE e os seus Estados-Membros».

3.2

Além disso, os Estados-Membros das Nações Unidas adoptaram em 2000 os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), destinados especialmente a reduzir para metade a pobreza extrema. Tais objectivos - concretamente oito - devem ser atingidos antes de 2015. No entanto, na actual situação económica, será muito difícil conseguir que todos os objectivos sejam alcançados nos prazos previstos. A UE decidiu precisamente dedicar o ano 2010 à luta contra a pobreza e a exclusão social, com a intenção de redobrar os esforços para atingir estes objectivos.

3.3

De forma reiterada, o CESE considerou a sociedade do conhecimento como um dos instrumentos essenciais para alcançar a plena integração de todos os cidadãos – e não apenas de uma elite – e, de forma muito especial, como um dos meios para atingir os objectivos estabelecidos na Cimeira de Lisboa.

3.4

O CESE considerou recentemente (6) que as pessoas de nível educativo mais baixo correm maior risco de exclusão e que o direito à educação deve proporcionar-lhes oportunidades de melhorar a sua qualidade de vida e o acesso ao mercado do trabalho. Além disso, é necessário ter em conta que as mudanças económicas, sociais e tecnológicas exigem um ajustamento do conteúdo da formação, sobretudo se se pretende responder às necessidades do mercado do trabalho. Neste sentido, o CESE preconiza a introdução de mudanças nos estudos, tanto escolares como universitários, de forma que possam ser completados, em caso de abandono, com formação profissional que facilite a integração no mercado do trabalho (7). Trata-se de prevenir e reparar os danos causados pela exclusão social.

3.5

Nesta perspectiva, o CESE (8) adoptou um parecer em que acolhia favoravelmente a Comunicação da Comissão sobre as «Novas Competências para Novos Empregos». Entre as conclusões, há que destacar a seguinte: «Melhorar as qualificações a todos os níveis é a condição fundamental para revitalizar a economia a curto prazo. A longo prazo, é uma condição fundamental do desenvolvimento, da melhoria da produtividade, da competitividade, do emprego, da garantia de igualdade de oportunidades e da coesão social».

3.6

Em todo caso, há uma questão incontornável, que é a definição inicial do conceito de educação para a inclusão de que se parte, dado que, para além de uma estratégia, trata-se de um processo que obriga a rever não só as políticas educativas, mas também as políticas relativas ao emprego, à oferta de serviços públicos de qualidade e à tomada em conta da diversidade do universo a educar – onde se encontram homens e mulheres, crianças, jovens e pessoas idosas, migrantes, desempregados, pessoas deficientes ou que vivem com HIV/SIDA, etc. A educação para a inclusão tem por objectivo final a eliminação de todo o tipo de exclusão, originada por atitudes negativas ou pela ausência de valorização da diversidade. A educação para a inclusão pode desenvolver-se em múltiplos contextos, formais e não formais, nas famílias e na comunidade, para que todo o peso da educação não recaia só na escola.

3.7

A educação não formal baseia-se muitas vezes numa abordagem pedagógica e em métodos de trabalho não hierarquizados e participativos, e está estreitamente associada a organizações da sociedade civil, por vezes responsáveis pela sua gestão. Pela sua natureza e pela sua estrutura da base para o topo, a educação não formal tem ajudado a combater com eficácia a pobreza e a exclusão social, e o CESE entende que pode dar um contributo valioso para a concretização da Estratégia UE 2020.

3.8

O êxito da aprendizagem ao longo da vida reforça-se com a educação não formal que complementa e apoia a educação formal. Esta interrelação pode contribuir bastante, por exemplo, para tornar a aprendizagem mais atraente para os jovens e combater o abandono escolar, através da introdução de novos métodos, da facilitação da transição entre a educação formal e a não formal e do reconhecimento das aptidões (9) .

3.9

A OCDE deu especial atenção à educação informal através de várias investigações e projectos (10). Não há ainda consensos sobre até onde e como devem ser reconhecidos os conhecimentos adquiridos através da educação não formal, e ainda menos no que diz respeito à «educação informal». Tal pressupõe, entre outros aspectos, reconhecer a outros grupos e pessoas como as organizações da sociedade civil a capacidade de ensinar («new stakeholders») fora do sistema educativo formal e estabelecer padrões de avaliação dos conhecimentos adquiridos por esta via. O reconhecimento das competências e aptidões assim adquiridas tem-se desenvolvido através de estratégias de educação ao longo da vida em diversos Estados-Membros. Em alguns, estão a analisar-se procedimentos para o reconhecimento legal destas competências e qualificações no âmbito do actual quadro nacional de qualificações, para permitir o acesso ao mercado do trabalho. O CESE considera oportuno que a UE analise este tema a nível nacional e recomenda o intercâmbio de experiências e exemplos frutuosos entre os Estados-Membros.

3.10

Um risco importante a evitar é que as estratégias educativas para a inclusão estejam apenas disponíveis para os pobres, os imigrantes e os que abandonaram o sistema escolar por qualquer motivo. Isto isolaria os participantes em vez de os integrar. Uma possível alternativa consiste em deixar a porta destes sistemas aberta a outros grupos que poderiam usufruir deles (11). Por outro lado, a educação não formal não substitui a formal. Através do reconhecimento do valor dos conhecimentos adquiridos por esta via, a educação não formal complementa a outra, dado que os beneficiários destas medidas ficam habilitados a se reintegrar no percurso educativo formal, se o desejarem ou necessitarem.

3.11

O CESE considera fundamental que todos os excluídos tenham acesso a uma educação maioritariamente pública (12), de qualidade, que lhes abra as portas do mercado de trabalho e lhes permita desempenhar trabalhos dignos e bem remunerados. Não é menos importante que esta educação transmita valores fundamentais de cidadania, de igualdade efectiva entre homens e mulheres e de participação democrática activa. O CESE aposta numa educação que contribua para a formação pessoal e social e que não seja vista apenas como uma mera transmissão de qualificações e competências (concepção utilitária da educação), uma educação que forme seres humanos abertos, dotados de espírito crítico e capazes de participar activamente em sociedades cada vez mais justas a nível social e mais maduras a nível político.

3.12

O CESE considera que promover a inclusão na educação significa desenvolver a capacidade de análise crítica e contribuir para a melhoria dos quadros educativo e social dos educandos, no intuito de fazer face às novas necessidades do mercado de trabalho e da sociedade. Em suma, vincular a educação à inclusão social pressupõe relacioná-la com os objectivos de desenvolvimento da sociedade e dos espaços territoriais em que se efectua. Deste modo, a educação servirá de instrumento para a eliminação progressiva da pobreza.

3.13

Em resumo, as razões por que se deve optar por uma educação inclusiva são:

educativas: a exigência de um sistema educativo acessível a todos («Objectivo de educação para todos em 2015») pressupõe que este sistema se abra à diversidade do universo a educar;

sociais: a educação pode e deve contribuir para a mudança de mentalidades, ajudando na construção de sociedades sem discriminação nem preconceitos, onde todos os habitantes podem exercer os seus direitos fundamentais;

económicas: uma educação inclusiva contribuirá para aumentar a competitividade efectiva das sociedades perante os novos desafios económicos. Uma competitividade baseada no saber-fazer e não na concorrência desleal. A inclusão e a qualidade reforçam-se mutuamente.

4.   Objectivos específicos

4.1

O Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza tem quatro objectivos específicos:

—   reconhecimento: trata-se de reconhecer o direito das pessoas em situação de pobreza e exclusão social a viver com dignidade e a participar activamente na sociedade;

—   adesão: o ano tem igualmente por objectivo reforçar a adesão do público às políticas e acções de inclusão social, sublinhando a responsabilidade de cada um na luta contra a pobreza e a marginalização;

—   coesão: visa promover uma sociedade mais coesa através da sensibilização para os benefícios, para todos, de uma sociedade em que a pobreza seja erradicada e ninguém esteja condenado a viver à margem.

—   empenho: por último, o ano tem ainda como meta reiterar o forte empenho político da UE no combate à pobreza e à exclusão social e promover esse empenho em todos os níveis de governação.

4.2

Os temas privilegiados para o ano europeu são os seguintes:

a)

a pobreza infantil e a transmissão intergeracional da pobreza;

b)

um mercado de trabalho inclusivo;

c)

a falta de acesso à educação e à formação;

d)

a dimensão do género na pobreza;

e)

o acesso aos serviços básicos;

f)

vencer a discriminação, promover a integração dos imigrantes e a inserção das minorias étnicas na sociedade e no mercado de trabalho;

g)

responder às necessidades das pessoas com deficiência e outros grupos vulneráveis.

4.3

O ano 2010 na Europa é, por conseguinte, uma ocasião única de sensibilizar e mobilizar um público muito vasto e diversificado para a luta contra a pobreza e para o papel que a educação pode desempenhar na erradicação da mesma. Tal ambição só pode ser conseguida se a mensagem transmitida for forte e clara e não múltipla e difusa. Para tal, o CESE recomenda que as actividades se articulem em torno de um eixo central: «A educação para a inclusão - Um potente instrumento de luta contra a pobreza. Por uma Europa sem exclusão social».

4.4

O Governo espanhol assumiu a Presidência da União Europeia no primeiro semestre de 2010. A Espanha mostrou nos últimos anos um interesse particular pela temática da luta contra a pobreza, a eliminação da exclusão social e a educação inclusiva. O seu turno na presidência abre o ano europeu dedicado a este assunto. A abertura teve lugar em Madrid em 21 de Janeiro de 2010 e no fim de Junho realizar-se-á o Conselho Europeu habitual em que a Espanha passará a presidência rotativa à Bélgica. O interesse e o compromisso assumido pela Espanha em matéria de educação para todos parece uma excelente oportunidade para desenvolver uma série de actividades destinadas a que este ano deixe marcas tangíveis, decisões políticas que nos aproximem do objectivo ambicionado - a erradicação da pobreza e da exclusão social.

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver as «Orientações da UNESCO sobre as políticas de inclusão na educação», Paris 2009.

(2)  Carta Europeia dos Direitos Fundamentais (2000). Convém, no entanto, mencionar a ratificação pelos países europeus de todos os tratados internacionais relacionados com os Direitos do Homem, em particular a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989) e os Pactos Internacionais de Direitos Económicos, Sociais e Culturais e de Direitos Civis e Políticos (1966).

(3)  JO C 224 de 30.8.2008, p. 106.

(4)  COM(209) 647 final de 24.11.2009. Documento de trabalho da Comissão – Consulta sobre a futura Estratégia «UE 2020».

(5)  Key Data on Education in Europe, (Relatório de 2009 da Comissão Europeia sobre a educação na Europa), http://eacea.ec.europa.eu/education/eurydice/documents/key_data_series/105EN.pdf

(6)  JO C 128 de 18.5.2010, p. 10.

(7)  JO C 256 de 27.10.2007, p. 93.

(8)  JO C 128 de 18.5.2010, p. 74.

(9)  JO C 151 de 17.6.2008, p. 45 e JO C 318 de 23.12.2009, p. 113.

(10)  Por exemplo, «Recognition of non-formal and informal learning in OECD countries: A very good idea in jeopardy?»Lifelong Learning in Europe, Patrick Werquin, Paris, 2008.

(11)  OCDE, Beyond Rethoric: Adult learning policies and practices. Paris, 2003 e Promoting Adult learning, Paris, 2005.

(12)  Ver as «Orientações da UNESCO sobre as políticas de inclusão na educação», Paris 2009.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes propostas de alteração, que obtiveram pelo menos um quarto dos votos expressos, foram rejeitadas:

Ponto 1.5

«»

Resultado da votação

Votos a favor

:

44

Votos contra

:

61

Abstenções

:

14

Ponto 3.7

« A educação não formal baseia-se muitas vezes numa abordagem pedagógica e em métodos de trabalho não hierarquizados e participativos, e está estreitamente associada a organizações da sociedade civil, por vezes responsáveis pela sua gestão. Pela sua natureza e pela sua estrutura da base para o topo, a educação não formal tem ajudado a combater com eficácia a pobreza e a exclusão social, e o CESE entende que pode dar um contributo valioso para a concretização da Estratégia UE 2020.»

Resultado da votação

Votos a favor

:

37

Votos contra

:

73

Abstenções

:

10


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/24


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Acesso ao crédito para os consumidores e as famílias: Práticas abusivas» (parecer de iniciativa)

2011/C 18/05

Relator: Mario CAMPLI

Em 16 de Julho de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, um parecer de iniciativa sobre o

Acesso ao crédito para os consumidores e as famílias: Práticas abusivas.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 30 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 75 votos a favor, 1 voto contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE reputa estratégica a criação de um quadro regulamentar único, transparente e integral em matéria de acesso ao crédito.

1.2   O CESE insta a Comissão Europeia a estudar a melhor forma de colmatar as lacunas do actual quadro regulamentar, dedicando especial atenção aos produtos de crédito oferecidos, às práticas de publicidade enganosa, à transparência das condições oferecidas, aos intermediários de crédito, às assimetrias de informação e à alfabetização financeira das partes envolvidas.

1.3   O CESE convida os Estados-Membros a instituírem um órgão de fiscalização das práticas comerciais desleais com competências específicas no domínio do crédito.

1.4   O Comité recomenda o alargamento do sistema de alerta rápido europeu (RAPEX) à comercialização de produtos financeiros e de créditos tóxicos no mercado financeiro e de crédito europeu.

1.5   O CESE exorta a Comissão Europeia e os Estados-Membros a analisarem em maior profundidade os fenómenos das práticas ilegais e/ou criminosas no domínio do crédito, com especial destaque para as práticas predatórias e usurárias e as iniciativas específicas no Espaço Europeu de Justiça.

1.6   O CESE preconiza o estabelecimento de uma regulamentação europeia específica e abrangente para os vários tipos de intermediários de crédito, que contenha definições, requisitos e obrigações de comportamento, independentemente do produto comercializado e da natureza principal ou secundária da actividade de crédito em causa.

1.7   O CESE recomenda o estabelecimento de uma regulamentação específica para a supervisão de actividades, práticas e comportamentos dos profissionais do sector que combinam o exercício da actividade de intermediação com outras actividades de natureza diversa, como é o caso dos agentes comerciais.

1.8   O CESE solicita que os requisitos de registo dos vários intermediários financeiros e de crédito numa rede europeia de registos nacionais sejam definidos com base em normas operacionais europeias de profissionalismo, prudência e ética, incluindo disposições comunitárias de exclusão daqueles cuja conduta seja danosa para o consumidor em consequência de práticas abusivas ou ilegais.

1.9   O CESE reputa importante estudar a possibilidade de alargar, com as alterações e adequações que se revelarem necessárias, aos produtos financeiros e de crédito o quadro comunitário em matéria de responsabilidade, conforme prevê a Directiva 85/374/CEE e suas sucessivas alterações.

1.10   O CESE recomenda a introdução de gamas apropriadas de produtos de crédito «certificados» ou «normalizados» no mercado europeu, em complemento da oferta já existente, a fim de promover uma maior transparência e uma concorrência leal na oferta de crédito ao consumo, tanto ao nível das práticas como dos produtos.

1.11   O CESE considera indispensável lançar uma campanha europeia de informação e formação dos consumidores, das associações de consumidores e dos profissionais que lhes prestam assistência, sobre os direitos dos consumidores em matéria de crédito e de serviços financeiros, bem como desenvolver as redes europeias relativas aos mecanismos judiciais e extrajudiciais de resolução de litígios (ADR – Alternative Dispute Resolution: modos alternativos de resolução de litígios) (1).

1.12   O CESE reputa essencial criar e promover, em concertação com os poderes públicos, redes da sociedade civil incumbidas de estudar as situações de exclusão social e de pobreza associadas ao crédito e ao sobreendividamento e de fornecer assistência e acompanhamento nestes casos.

1.13   O CESE recomenda, em particular, a introdução de procedimentos comuns, a nível europeu, para o tratamento das situações de sobreendividamento, que deverão também servir de base a acções públicas de assistência e/ou socorro às pessoas afectadas.

1.14   O CESE recomenda a elaboração de um estudo oficial pela Comissão para averiguar a possibilidade e as modalidades de introdução de disposições europeias abrangentes sobre a usura e para aprofundar os princípios e os elementos de base comuns com utilidade para a fixação de uma escala de taxas a aplicar ao nível europeu com base no qual seria possível definir uma situação de usura.

1.15   O CESE propõe a introdução de procedimentos comuns para promover sistemas nacionais de combate à usura, coordenados com base num quadro regulamentar europeu.

1.16   O CESE solicita que a emissão de cartões de crédito fique sujeita a regras severas para evitar comportamentos predadores e estimuladores do sobreendividamento, tornando obrigatória a conclusão de acordos entre titulares e emissores de cartões de crédito sobre os limites à atribuição de crédito.

1.17   A regulamentação comunitária deve assegurar a protecção completa e transparente, em toda a UE, do uso dos dados fornecidos pelo cliente, em especial, nas relações através da Internet.

1.18   No atinente à informação e à educação dos consumidores, também através de formas e práticas pedagógicas desde a escolarização de base, o CESE recomenda a promoção e o apoio de iniciativas da sociedade civil propícias a uma informação transparente e compreensível.

1.19   O CESE recomenda, por último, a antecipação da data de avaliação da eficácia da Directiva 2008/48/CE (cuja primeira revisão está prevista para 12 de Junho de 2013) e o encurtamento dos períodos de avaliação de cinco para três anos.

2.   Introdução

2.1   Face à crise financeira mundial, a atenção centrou-se, num primeiro momento, em restituir a estabilidade e a liquidez dos mercados financeiros e, em seguida, no reforço da estabilidade e na renovação da arquitectura regulamentar do sector, a fim de evitar futuramente novas falhas no mercado.

2.2   Embora esta acção deva prosseguir e ser até intensificada, o CESE está convicto da necessidade actual de canalizar todas as energias no sentido de restaurar a confiança dos cidadãos europeus no sistema financeiro e de crédito e de os tranquilizar em relação às várias formas de acesso ao crédito.

2.3   Com efeito, a crise financeira gerou inevitavelmente uma crise económica, que está a causar perdas avultadas de emprego e uma redução da actividade económica e das receitas individuais e familiares.

2.4   Neste contexto, observa-se um aumento da exclusão social e financeira e da pobreza  (2).

2.5   O crédito é um instrumento importante para os consumidores e para as famílias porque lhes permite fazer frente às despesas indispensáveis a uma existência normal e ordenada. Neste sentido, o acesso ao crédito, a preços acessíveis, é um instrumento fundamental para a inclusão social.

2.6   Contudo, o crédito não deveria ser considerado nem promovido como um substituto ou um complemento dos rendimentos dos consumidores e das famílias.

2.7   O maior desafio da política económica, fiscal e social é assegurar o acesso responsável ao crédito sem criar uma situação de dependência.

2.8   A consecução de tal objectivo requer um quadro legislativo destinado a evitar actividades irresponsáveis de concessão e contracção de empréstimos, e combater todas as formas de informação assimétrica entre mutuantes e consumidores.

3.   Objecto do parecer

3.1   O presente parecer versa sobre situações de abuso na concessão de crédito, bem como sobre situações ilegais que se apresentam aos consumidores e contribuem para a escalada de situações de exclusão social e de pobreza. Não aborda questões específicas que foram objecto de outros pareceres do CESE.

3.2   O parecer tem por objectivo examinar o actual quadro regulamentar para identificar as lacunas existentes que conduzem a situações de abuso e propor soluções possíveis aos poderes públicos europeus e nacionais. Além disso, também não se quer furtar a um primeiro exame das práticas ilegais que, escapando ao âmbito do quadro regulamentar, são pouco conhecidas e de difícil resolução, estão estreitamente relacionadas com as práticas abusivas e são amiúde uma consequência das mesmas. Por último, o parecer pretende apontar os possíveis papéis da sociedade civil na resolução dos problemas identificados.

3.3   Recentemente, numa audição pública (3), a Comissão afirmou: «A crise financeira mostrou os danos que as práticas irresponsáveis de concessão e contracção de empréstimos podem infligir nos consumidores e nas instituições de crédito, no sistema financeiro e na economia em geral. Estamos determinados a aprender com os eventuais erros para garantir que as actividades de concessão e contracção de empréstimos se processam de forma responsável.» (Charlie McCreevy, Comissário da UE para o Mercado Interno). Na mesma ocasião, a Comissão afirmou ainda: «É nosso dever manter os olhos bem abertos em relação aos mecanismos viciosos que geraram as actividades irresponsáveis de concessão e contracção de empréstimos que estão a prejudicar financeiramente um grande número dos nossos cidadãos» (Meglena Kuneva, Comissária da UE para a Protecção dos Consumidores).

3.4   O objectivo último do parecer é também, assim, dar um contributo para melhorar o funcionamento do mercado único, avaliando que soluções será pertinente propor a nível comunitário e ao nível dos Estados-Membros, ainda que sempre no âmbito de um quadro regulamentar comum. O CESE entende que, face a problemas de dimensão supranacional, as respostas correspondentes deverão ser dadas ao mesmo nível, a fim de evitar fragmentações no mercado único.

4.   O quadro regulamentar actual: lacunas e perspectivas de acção

4.1   Relativamente aos contratos de crédito ao consumo, a principal legislação a nível europeu é a Directiva 2008/48/CE (CCD). A Directiva CCD é uma regulamentação de harmonização máxima. Por outras palavras, os Estados-Membros não podem manter ou introduzir regulamentações nacionais divergentes, mesmo que estas protejam melhor os seus consumidores. A directiva estabelece o quadro geral dos direitos dos consumidores em matéria de concessão de crédito ao consumo, não sendo, no entanto, aplicável ao crédito hipotecário.

4.2   Em complemento a tal quadro, a Directiva 2005/29/CE, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, estabelece um quadro geral de definição e sanção das práticas comerciais desleais. No tocante aos «serviços financeiros», ela constitui uma regulamentação de harmonização mínima, que permite aos Estados-Membros introduzir normas mais restritivas ou mais rigorosas de defesa dos consumidores.

4.3   No que diz respeito ao crédito hipotecário, não existe uma regulamentação europeia, sendo que as normas nacionais variam em função das diferentes culturas e dos diferentes mercados internos. Existe, no entanto, um código europeu de boas práticas sobre as informações pré-contratuais a fornecer aos consumidores e uma Ficha Europeia de Informação Normalizada (FEIN). Este código é um instrumento voluntário e de aplicação muito limitada.

4.4   O CESE reconhece que as normas actuais proporcionam uma gama de soluções possíveis para fazer frente a condutas abusivas na concessão de crédito. Subsistem, contudo, lacunas importantes que terão de ser colmatadas ao nível europeu, para além de haver ainda muito por fazer por parte dos poderes nacionais e europeus, inclusivamente ao nível da aplicação e dos regimes de sanção.

4.5   O CESE sublinha, por outro lado, que, se a crise financeira atingiu tamanhas proporções, tal se deveu também às pressões comerciais a que os profissionais do sector financeiro e do crédito estiveram sujeitos. A consecução de objectivos de venda cada vez mais elevados, independentemente da adequação dos produtos ao perfil do consumidor, conduziu à disseminação dos produtos tóxicos nas carteiras das empresas, dos consumidores e, em alguns casos, das administrações municipais.

4.6   O CESE entende que este fenómeno se deveu igualmente aos sistemas de incentivo e de bónus para os quadros superiores, cujas gratificações assumiram, por vezes, proporções absolutamente desmesuradas. Com efeito, chegou-se ao ponto de a diferença entre o rendimento anual de um trabalhador e do presidente do conselho de administração de uma das grandes instituições financeiras ser de 1 para 400. Apesar de todos os compromissos e das declarações solenes dos chefes de Estado e de Governo da UE, o CESE constata que ainda não foram tomadas medidas eficazes e concretas neste domínio.

4.7   Antes de mais, no actual quadro regulamentar, não há nos contratos de crédito qualquer obrigação de adequar a oferta às necessidades dos consumidores. A Directiva 2008/48/CE (art. 8.o) impõe, oportunamente, a obrigação de avaliar a solvabilidade do consumidor. O artigo 5.o, n.o 6, estabelece apenas que os mutuantes devem fornecer explicações adequadas ao consumidor de modo a colocá-lo numa posição que lhe permita avaliar se o contrato de crédito proposto se adapta às suas necessidades e situação financeira, eventualmente fornecendo as informações pré-contratuais, explicando as características essenciais dos produtos propostos e os efeitos específicos que possam ter para o consumidor, dando aos Estados-Membros uma certa margem na sua aplicação prática, mas não contém regras sobre a adequação do produto às necessidades.

4.8   Esta ausência de regras deu azo a situações de abuso em que os produtos oferecidos aos consumidores estão, por vezes, desajustados das suas necessidades. Esse é o caso quando lhes é oferecido um só tipo de crédito ou lhe são oferecidos indiscriminadamente cartões de crédito/débito para adquirirem produtos em certos grandes armazéns (agentes comerciais).

4.9   A este propósito, o CESE sublinha a necessidade de separar de modo inequívoco a oferta de cartões de crédito da oferta relativa aos produtos comerciais ou às práticas de promoção a eles associados.

4.10   No atinente às informações publicitárias, salienta-se que, enquanto a regulamentação actual contém obrigações relativas às informações básicas necessárias para a celebração de contratos de crédito (Directiva 2008/48/CE, art. 4.o e seguintes), não inclui obrigações específicas relativas a práticas enganosas ou agressivas ou, pelo menos, passíveis de gerar endividamento (4).

4.11   O CESE está ciente de que, numa economia de mercado, caberia ao mercado encontrar um equilíbrio quantitativo e qualitativo entre a oferta e a procura. Porém, quando o mercado não consegue encontrar soluções apropriadas, devem intervir os poderes públicos, que têm a responsabilidade de fornecer respostas adequadas às necessidades sociais.

4.12   O CESE considera que uma resposta possível poderia ser a introdução no mercado europeu de uma gama apropriada de produtos de crédito «certificados» ou «normalizados». Tais produtos completariam a oferta existente. Deste modo, os consumidores teriam a possibilidade de identificar melhor um produto mais conveniente e adaptado às suas necessidades (5).

4.13   O CESE reputa, por isso, necessário que a Comissão aprofunde as bases jurídicas e processuais para uma maior transparência no mercado europeu com produtos de crédito «certificados» ou «normalizados» e para a criação de um sistema de alerta rápido europeu, com o objectivo de monitorizar a emissão de produtos financeiros e de créditos tóxicos no mercado financeiro e de crédito europeu.

4.14   De um outro ponto de vista, seria fundamental aumentar a responsabilidade dos fornecedores de crédito, de modo a limitar a presença de produtos inadequados às necessidades dos consumidores. Para tal, entende-se necessária a introdução, a nível europeu, de procedimentos comuns para o tratamento das situações de sobreendividamento, na sequência das quais se devem organizar igualmente acções de assistência e/ou de socorro às vítimas de sobreendividamento em consequência de práticas abusivas dos mutuantes.

4.15   Uma outra situação que não é abrangida pela legislação europeia é a usura. Em alguns Estados-Membros (Espanha, França, Itália, Portugal), a usura é objecto de regulamentação. Este não é, todavia, o caso em todos os países.

4.16   Além disso, estudos recentes (6) revelam que a regulamentação da usura pode ter efeitos positivos na luta contra a exclusão social e a pobreza, bem como no combate às práticas abusivas.

4.17   O CESE considera que a Comissão deveria elaborar um estudo oficial para averiguar a possibilidade e as modalidades de introdução de disposições europeias abrangentes sobre a usura. Em particular, o CESE reputa conveniente aprofundar os princípios e os elementos de base comuns com utilidade para a fixação de uma escala de taxas a aplicar ao nível europeu com base no qual seria possível definir uma situação de usura

4.18   A fim de reforçar e valorizar experiências plurianuais realizadas em alguns Estados-Membros, o CESE considera útil estabelecer um quadro jurídico europeu para a promoção de sistemas nacionais de luta contra a usura e de assistência às vítimas de usura.

4.19   O CESE salienta que a maior parte das situações de abuso no domínio do crédito se verifica nas relações entre intermediários (de crédito) e consumidores.

4.20   A este propósito, o Parlamento Europeu apelou (7) à criação de um quadro comunitário para clarificar e harmonizar as responsabilidades e as obrigações dos intermediários de crédito, com base no princípio «mesma actividade, mesmos riscos, mesmas regras», visando garantir a protecção dos consumidores e evitar práticas de venda pouco transparentes e formas de publicidade incorrectas, que prejudicam, em particular, as faixas dos consumidores mais vulneráveis e menos informadas. O CESE subscreve esta perspectiva e entende que ela contribuiria para renovar o mercado da oferta e combater mais vigorosamente os abusos, a corretagem monetária irresponsável e a intermediação de natureza criminosa dos usurários («loan sharks»).

4.21   O CESE está convicto de que a instituição do registo dos intermediários de crédito – com critérios vinculativos para a inscrição, a atribuição da fiscalização a organismos constituídos por associações profissionais dos bancos, dos intermediários/mediadores financeiros e das associações de consumidores sob a supervisão dos órgãos de fiscalização, e a indicação das causas de suspensão, cancelamento, exclusão e de responsabilidade partilhada em caso de prejuízos constatados em processo penal – pode assegurar a transparência, a fiabilidade e o profissionalismo.

4.22   Fenómenos como o crédito directo aos jovens via SMS, os créditos «fáceis» por telefone, os créditos de antecipação sobre rendimentos ou a oferta indiscriminada de cartões de crédito/débito são o cenário de fundo para as práticas abusivas. Há que combatê-los com todos os meios possíveis. Para tais situações, a Directiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais propõe várias soluções possíveis para os problemas associados à oferta irresponsável de crédito, as quais também poderiam ser adaptadas e adoptadas na regulamentação relativa aos contratos de crédito para os consumidores.

4.22.1   O CESE insta a que as instituições financeiras que emitem cartões de crédito fiquem sujeitas a regras severas (promoções, máximos de endividamento global, idade do titular potencial, transparência nos extractos de conta), para evitar comportamentos predadores e estimuladores do sobreendividamento.

4.22.2   Importa, sobretudo, fixar os limites de crédito dos cartões de crédito, em acordo com o seu titular. Todo e qualquer aumento futuro desses limites apenas deveria ser possível após acordo explícito entre titular e emissor do cartão de crédito.

4.23   Contudo, para ser eficaz, a legislação tem de ser aplicada de modo mais convincente (8). Face à nova situação gerada pela crise financeira mundial, o CESE recomenda a antecipação da data de avaliação da eficácia da Directiva 2008/48/CE (a primeira avaliação está prevista para 12 de Junho de 2013) e o encurtamento dos períodos de avaliação de cinco para três anos. No tocante às práticas comerciais desleais na oferta de crédito, em particular, o CESE reputa importante a instituição, ao nível dos Estados-Membros, de entidades de fiscalização do mercado, dotadas de competências e de recursos técnicos adequados e específicos no domínio do crédito.

4.23.1   O CESE reclama, em particular, um quadro regulamentar reforçado para garantir a protecção completa e transparente na utilização dos dados fornecidos pelo cliente, especialmente dos activados via Internet e correio electrónico.

4.24   O CESE entende oportuno considerar a opção, para o crédito hipotecário, de alargar aos intermediários do crédito hipotecário o âmbito de aplicação obrigatória da FEIN (Ficha Europeia de Informação Normalizada) e das indicações sobre as taxas de juro, como na directiva sobre o crédito ao consumo – não deixando de ter em conta as reservas expressas nos anteriores pareceres sobre esta matéria (9). Esta medida visaria uma maior integração do mercado do crédito hipotecário europeu e uma protecção global dos consumidores e das famílias.

4.25   No tocante aos serviços de consultoria em matéria de crédito ao consumo, o CESE defende o apoio das organizações da sociedade civil, especialmente as associações de consumidores, no exercício de actividades de consultoria, as quais permitiriam àqueles que acedem ao crédito ter uma opinião objectiva, transparente e profissional sobre a adequação dos produtos oferecidos às suas exigências específicas.

4.26   O CESE sublinha que a actividade de consultor de crédito deveria ser regulamentada para garantir, acima de tudo, um alto nível de transparência e de independência em relação aos mutuantes e aos intermediários.

4.27   Para fazer frente a todos estes problemas, o CESE entende necessário um quadro regulamentar único, coerente e homogéneo, ao nível da União Europeia, cujos princípios e disposições seriam aplicáveis a todos os produtos de crédito.

5.   Práticas abusivas e/ou ilegais no domínio do crédito

5.1   O CESE entende que é necessário enfrentar os problemas do vasto mundo que se oculta sob a fachada de sociedades fictícias de mediação e de serviços financeiros, dedicado a práticas predatórias e usurárias associadas a práticas criminosas materializadas em taxas de juro e várias formas de extorsão. Sem pretender uma enumeração exaustiva, merecem destaque:

os empréstimos irregulares a consumidores e famílias em dificuldades que ultrapassaram um limite tolerável de endividamento;

os empréstimos, como a usura, destinados a explorar o cliente, próprios de organizações criminosas.

5.2   O recurso ao crédito irregular pode revestir várias formas:

adiantamentos de dinheiro ou outros serviços «não registados», explorando ao máximo as possibilidades de liquidez dos particulares e prolongando o mais possível a duração de tais adiantamentos;

financiamentos realizados de forma irregular, em que as condições de rentabilidade do mutuante assentam no desrespeito dos códigos deontológicos, na aplicação de cláusulas abusivas, na falta de transparência das condições, no desencadear de uma escalada negocial e no exercício de pressão em relação às garantias exigidas;

empréstimos que, tipicamente, assumem a forma de exercícios abusivos de actividade parabancária;

empréstimos com manifesto carácter de usura nas suas várias modalidades criminosas e em contextos particulares.

5.3   O CESE é de opinião que o potencial de crescimento das situações de crédito irregular se baseia no facto de muitas famílias e consumidores se encontrarem excluídos do mercado de crédito regular, em parte também em virtude da concessão de crédito irresponsável que os conduziu a situações de dependência e de extrema vulnerabilidade.

5.4   O CESE reconhece que os problemas associados aos baixos rendimentos das famílias e às diversas formas de estímulo ao consumo – que, entre outros factores, estão na base da fragilidade que impele consumidores e famílias para práticas de empréstimo ilegais e para mercados monetários paralelos – não se podem resolver apenas através de uma regulamentação no âmbito do crédito.

5.5   Por outro lado, as práticas ilegais no domínio do crédito revestem-se amiúde de um carácter penal e deveriam, por isso, ser regulamentadas por iniciativas específicas em matéria penal do Espaço Europeu da Justiça e aplicadas pelas autoridades policiais. A plena aplicabilidade, em toda a União Europeia, de sentenças nacionais relativas à apreensão de bens de origem usurária e resultantes de extorsão criminosa poderia contribuir significativamente para a luta contra tais fenómenos (10).

5.6   O CESE salienta que não há dados suficientes sobre esta matéria relativamente a todos os territórios da UE, que permitam conhecer o fenómeno a nível europeu em todos os seus aspectos quantitativos/qualitativos. Sugere, por isso, à Comissão que, juntamente com os Estados-Membros, analise tais situações em pormenor e com base em dados comparáveis.

6.   Papel da sociedade civil

6.1   A sociedade civil, particularmente as associações de consumidores e também as organizações caritativas, tem um papel importante a desempenhar na identificação, no estudo e na vigilância dos problemas ligados às práticas abusivas e/ou ilegais de concessão de crédito a consumidores e famílias.

6.2   O CESE considera, portanto, essencial criar e promover, em concertação com os poderes públicos, redes da sociedade civil para estudar as situações de exclusão social e de pobreza associadas ao crédito e ao sobreendividamento e fornecer assistência e acompanhamento nestes casos. Tais redes desempenham um papel essencial no intercâmbio de informações e de boas práticas, também quando integradas no âmbito de um sistema harmonizado de tratamento das queixas.

6.3   O CESE faz notar que há já boas práticas nesta matéria, como o «crédito social acompanhado» ou a Rede Europeia de Inclusão Financeira (EFIN), e que elas devem ser estimuladas e reproduzidas em toda a União.

6.4   O CESE considera a informação e a educação dos consumidores, incluindo formas e práticas pedagógicas desde a escolarização de base, uma área de excelência para as iniciativas dos Estados-Membros e da sociedade civil (11). Estas são acções fundamentais para desenvolver a alfabetização financeira ao nível europeu em toda a União.

6.5   O CESE reputa essencial estimular e desenvolver estas actividades, mas sublinha que a informação sobre os produtos é um dever dos mutuantes e a educação um dever dos poderes públicos. Além disso, o CESE considera que as iniciativas da sociedade civil em matéria de informação, que deve ser transparente e compreensível, e de educação serão eficazes se surgirem em complemento de um quadro regulamentar único e abrangente.

6.6   Na audição pública organizada em Bruxelas pelo CESE em 28 de Janeiro de 2010, com a presença de representantes qualificados da sociedade civil a nível nacional e europeu, realçou-se a necessidade de colocar o fenómeno das práticas abusivas e/ou ilegais sob o controlo europeu tanto a nível regulamentar e de assistência às vítimas como das políticas de educação, formação e informação de todas as partes envolvidas.

6.7   A fim de estimular uma economia social de mercado no domínio do crédito, o CESE considera importante a criação e o desenvolvimento das empresas de economia social, como as cooperativas (12) Também cabe aos poderes públicos a responsabilidade de apoiar e promover a criação e o funcionamento deste tipo de empresa (13).

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Sistema FIN-NET (Financial Dispute Resolution Network) [Rede de sistemas de reclamação tendentes à resolução extrajudicial de litígios transfronteiriços no sector dos serviços financeiros].

(2)  Ver Segunda avaliação conjunta do Comité da Protecção Social e da Comissão Europeia do impacto social da crise económica e das respostas políticas – SPC/2009/11/13 FINAL; Inquérito Eurobarómetro sobre a pobreza e a exclusão social – Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social (2010). Comunicação da Comissão - Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão Social 2010 – http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=757&langId=en.

(3)  Audição pública sobre Concessão e contracção responsável de empréstimos. Bruxelas, 3 de Setembro de 2009.

(4)  Ao invés, a Directiva 2005/29/CE, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno, contém uma boa definição de «acções enganosas» (art. 6.o) ou «práticas comerciais agressivas» (art. 8.o).

(5)  A este propósito, ver: ISSO 22222 (Planeamento financeiro pessoal – 2005); UNI-ISSO (Planificação financeira, económica e patrimonial pessoal – 2008); AENOR – UNE 165001 (Etica. Requisitos de los productos financieros socialmente responsables – 2009); ver também ECO/266 – Produtos financeiros socialmente responsáveis). Requisitos de los productos financieros socialmente responsables – 2009); Ver também ECO/266 – Produtos financeiros socialmente responsáveis).

(6)  UsuraRapporto finale dell'Osservatorio socioeconomico sulla criminalità (Relatório final do Observatório Socioeconómico sobre a Criminalidade). CNEL: Roma, 2008.

(7)  Resolução PE 5.6.2008 - Inquérito relativo ao sector da banca a retalho.

(8)  Os Estados-Membros têm de se ater à regulamentação comunitária anterior a 12 de Junho de 2010.

(9)  JO C 27 de 3.2.2009, p. 18 e JO C 65 de 17.3.2006, p. 13.

(10)  «Face a fenómenos entretanto globais, os governos e as instituições podem até continuar a fazer de conta de que não os vêem ou a pensar em soluções circunscritas ao plano nacional. Mas se ao menos se apercebessem do ímpeto que o mandado de captura europeu deu à investigação dos fugitivos, procurar-se-ia estabelecer, com coerência e rapidez, um quadro comum de instrumentos jurídicos e de investigação e um direito penal mínimo partilhado por todos os Estados-Membros, a partir da indemnização do delito de associação mafiosa» (ver F. Forgione, Mafia export, 2009, Milão).

(11)  UNI (Proposta de regulamento para a Educação Financeira do Cidadão – Requisitos do serviço), Janeiro de 2010.

(12)  Ver Resilience of the Cooperative Business Model in Times of Crisis (Resistência do modelo de empresa cooperativa em tempos de crise), OIT, 2009.

(13)  Ver JO C 318 de 23.12.2009, p. 22.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/30


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Estatuto da Fundação Europeia» (parecer de iniciativa)

2011/C 18/06

Relatora: Mall HELLAM

Em 16 de Julho de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o

Estatuto da Fundação Europeia.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 30 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 134 votos a favor, 2 votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Recomendações gerais e conclusões

1.1   O presente parecer de iniciativa contém algumas reflexões e propostas sobre a elaboração de um Estatuto Europeu adaptado às fundações e propõe orientações destinadas a nortear o referido Estatuto.

1.2   A análise das necessidades e oportunidades confirma ser necessário um projecto europeu de legislação empresarial para as fundações, que lhes proporcione um instrumento adaptado, susceptível de facilitar as suas actividades no mercado interno. Um estudo recente (1) e os agentes do sector (2) indicaram que o número de fundações e de fundadores que desejam desenvolver as operações e a cooperação transnacionais aumentou significativamente na última década. Indicaram igualmente que as fundações que desenvolvem actividades transfronteiriças se vêem confrontadas com várias barreiras, nomeadamente barreiras jurídicas, que conduzem a um aumento dos custos de transacção, o que se traduz numa redução do montante global dos fundos de que podem dispor a favor do bem público.

1.3   O sector das fundações e as organizações e redes que as representam a nível da UE (3) há muito que vêm pedindo um Estatuto da Fundação Europeia, como solução mais eficaz em termos de custos para superar as barreiras transfronteiriças e, assim, incentivar as actividades das fundações em toda a Europa.

1.4   Neste contexto, o CESE insta a Comissão a apresentar uma proposta de regulamento relativo a um Estatuto da Fundação Europeia para apoiar as actividades de benefício público para posterior adopção pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu.

1.5   O CESE crê que o Estatuto da Fundação Europeia (EFE) é um instrumento essencial para colocar os cidadãos no cerne do mercado interno e para aproximar a Europa dos seus cidadãos.

1.6   O CESE considera que o EFE se pode tornar um novo mecanismo de apoio a acções europeias de benefício público e dos cidadãos e ajudar a superar graves preocupações socioeconómicas europeias e necessidades prementes em domínios como os do conhecimento e inovação, investigação médica, serviços de cuidados de saúde e sociais, ambiente e desenvolvimento regional, emprego e formação profissional, conservação do património natural e cultural, promoção das artes e da diversidade cultural, cooperação e desenvolvimento internacionais.

1.7   Para ser eficaz e atraente, o novo estatuto terá de estabelecer regras claras e abrangentes em matéria de constituição, operações e supervisão e possuir uma dimensão verdadeiramente europeia. Deverá facilitar as operações, donativos e cooperação transfronteiriços, proporcionando uma ferramenta de gestão eficiente para o benefício público e oferecendo simultaneamente uma «etiqueta» europeia reconhecida.

2.   Observações na generalidade

2.1   Âmbito e contexto institucional

2.1.1

A finalidade do presente parecer de iniciativa é examinar a possível elaboração de um Estatuto da Fundação Europeia (EFE) susceptível de ajudar as fundações e os seus financiadores - que têm vindo a estender progressivamente as suas actividades além-fronteiras -, a superar os obstáculos da legislação civil e fiscal e conferir à partida às novas fundações uma dimensão europeia.

2.1.2

Em Novembro de 2009, a Direcção-Geral do Mercado Interno e dos Serviços da Comissão Europeia divulgou os resultados de uma consulta pública (4) sobre um Estatuto da Fundação Europeia (EFE) que gerou um elevado número de respostas, especialmente por parte do sector sem fins lucrativos, e revelou um forte apoio deste sector ao EFE.

2.1.3

Em Fevereiro de 2009, a Comissão Europeia publicou um estudo de viabilidade sobre o Estatuto da Fundação Europeia (5). O estudo descreve os benefícios potenciais de um EFE, como meio de reduzir ou eliminar custos financeiros e encargos administrativos desnecessários, permitindo desse modo que as fundações desenvolvam mais facilmente as suas actividades em diversos Estados-Membros da UE.

2.1.4

Existem também duas recomendações relativas ao Estatuto da Fundação Europeia:

uma proposta de regulamento sobre um estatuto europeu para as fundações, apresentada em 2005 pelo Centro Europeu de Fundações (6);

um projecto de investigação, de 2006, intitulado The European Foundation – a New Legal Approach, da autoria de peritos em matéria de legislação relativa às fundações e legislação fiscal (7).

2.1.5

Em 4 de Julho de 2006, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre as perspectivas do direito das sociedades (8), que insta a Comissão a continuar a preparar a legislação comunitária que cria novas formas jurídicas de organização empresarial, tais como a fundação europeia.

2.1.6

Num parecer de 2009 sobre a diversidade de formas de empresas (9), o CESE congratula-se com o início dos trabalhos sobre um estatuto europeu das fundações e convida a Comissão a concluir a avaliação de impacto no início de 2010 através da apresentação de uma proposta de regulamento que permitirá às fundações de âmbito europeu operar em condições equitativas no mercado interno.

2.1.7

Em 2006, o Tribunal de Justiça Europeu estipulou (10) que o diferente tratamento fiscal entre fundações de utilidade pública residentes e não residentes constitui uma violação injustificada da livre circulação de capitais, mas apenas nos casos em que o Estado-Membro em causa reconheça o estatuto de utilidade pública da fundação em conformidade com a sua legislação.

2.1.8

Num processo relativo a donativos transfronteiriços (11), o Tribunal estipulou que as leis fiscais que são discriminatórias em relação aos donativos a organizações de utilidade pública com sede noutros Estados-Membros da UE são contrárias ao Tratado CE, desde que as organizações beneficiárias com sede noutros Estados-Membros sejam consideradas «equivalentes» às organizações de utilidade pública residentes.

2.2   Observações: o sector das fundações na UE

2.2.1

O sector europeu das fundações representa uma importante força económica (12) com activos que se situam entre 350 mil milhões de euros e aproximadamente um bilião de euros, e despesas anuais que oscilam entre 83 mil milhões e 150 mil milhões de euros. Além disso, prevê-se um crescimento progressivo das fundações num número considerável de países europeus.

2.2.2

As fundações desempenham um papel importante no mercado de trabalho. As 110 000 fundações identificadas pelo estudo de viabilidade para o EFE asseguram directamente entre 750 000 e 1 milhão de empregos a tempo inteiro na UE (13). Ao concederem subsídios ou apoio financeiro a organizações e indivíduos, também apoiam o emprego e o trabalho de voluntariado.

2.2.3

A grande maioria das fundações da UE tem por base os seus activos e norteia-se pelo princípio da utilidade pública. De um modo geral, não têm membros nem accionistas e são entidades constituídas separadamente que não distribuem lucros. Têm uma fonte de rendimento estabelecida e fiável, irrevogavelmente dedicada a fins de utilidade pública. O seu rendimento pode provir de fundos de dotação, de um montante de capital doado por um indivíduo, uma família, uma empresa ou outra organização. Pode assumir a forma de bens «móveis», tais como dinheiro, acções, obrigações, obras de arte, direitos de autor e licenças de investigação, ou de bens «imóveis», tais como terras e bens imobiliários como, por exemplo, museus e centros de assistência. As suas receitas podem ainda provir de outras fontes, tais como legados e doações, apelos à generosidade do público, receitas geradas pela própria fundação, contratos e receitas da lotaria.

2.2.4

As fundações que existem na UE dedicam-se a questões e projectos que beneficiam directamente as pessoas e são fundamentais para desenvolver a Europa dos cidadãos em domínios que vão desde o conhecimento, a investigação e inovação, os serviços sociais e a saúde, investigação médica, ambiente, desenvolvimento regional, emprego e formação profissional, conservação do património natural e cultural até à promoção da arte e da cultura, cooperação internacional e desenvolvimento.

2.2.5

O número de fundações e financiadores que desenvolvem actividades transfronteiriças tem vindo a aumentar. No entanto, deparam com barreiras administrativas e barreiras jurídicas, ao nível do direito civil e fiscal, que foram identificadas no estudo de viabilidade, e entre as quais se incluem as seguintes:

ter de lidar com diferentes legislações nacionais, havendo casos em que novas iniciativas europeias sofrem atrasos ou são abandonadas devido à falta de instrumentos jurídicos adequados;

dificuldade em reconhecer a personalidade jurídica das fundações estrangeiras;

insegurança jurídica no que respeita ao reconhecimento, a nível nacional, do carácter de «interesse geral» do trabalho transfronteiriço das fundações residentes e do seu estatuto de utilidade pública;

encargos administrativos e custos de estabelecer filiais noutros países;

impossibilidade de transferir a sede para outro Estado-Membro;

barreiras fiscais decorrentes do facto de as entidades não residentes serem alvo de discriminação fiscal.

2.3   Necessidade de criar uma ferramenta adequada para as fundações

2.3.1

Seria irrealista esperar que se procedesse a uma harmonização do enorme número de leis que regem as fundações nos Estados-Membros (14), especialmente atendendo às diferenças que existem entre elas no que respeita à finalidade, requisitos de estabelecimento, governação e prestação de contas (15).

2.3.2

Nenhum dos instrumentos jurídicos europeus (16) existentes que foram criados para apoiar o crescimento das actividades das empresas privadas e organismos públicos - ou a cooperação entre os mesmos – a nível transfronteiriço, dentro da UE, se adequa às necessidades e características especiais das fundações como entidades privadas sem fins lucrativos, que têm como objectivo o interesse público e não têm accionistas nem membros que as controlem.

2.3.3

Tornou-se necessário considerar a possibilidade de elaborar um Estatuto da Fundação Europeia que seja acessível e se adapte às necessidades das fundações, com vista a facilitar as suas operações e actividades de colaboração dentro de mercado único, de modo a permitir a utilização em comum de recursos de diferentes países e a conferir desde o início uma dimensão europeia à criação de novas fundações europeias de apoio às actividades de benefício público.

3.   Para um Estatuto da Fundação Europeia: objectivos fundamentais e estrutura

3.1   Objectivos e benefícios

3.1.1

O Estatuto da Fundação Europeia (EFE) constitui uma boa opção política como meio de promover o trabalho das fundações de utilidade pública em toda a UE, porque permitirá:

reforçar o quadro jurídico europeu para as fundações;

reduzir os obstáculos jurídicos e administrativos;

incentivar a criação de novas actividades;

facilitar o trabalho transfronteiriço, promovendo as parcerias no seio do mercado único;

reforçar a transparência;

criar uma ferramenta de gestão eficaz para apoiar as actividades de utilidade pública;

facilitar os processos de doação a actividades transfronteiriças tanto por pessoas singulares como colectivas;

contribuir para o processo de integração económica e consolidar a sociedade civil europeia no actual contexto de globalização, em que os desafios e ameaças comuns exigem uma abordagem europeia clara e sem entraves.

3.1.2

Um EFE trará múltiplas vantagens, nomeadamente:

Eficiência e simplificação: o Estatuto permitirá que uma fundação europeia (FE) criada e registada num Estado-Membro também seja reconhecida nos restantes 26 Estados-Membros. Essa fundação poderá desenvolver a sua actividade em toda a UE regendo-se por um único conjunto de normas e um sistema de gestão e prestação de informação coerente. O Estatuto ajudará a superar obstáculos existentes e facilitará a cooperação e o trabalho transfronteiriços.

Responsabilização: o EFE esclarecerá o conceito de fundação ao introduzir uma definição comum de «fundações de utilidade pública» em toda a UE, já que actualmente o termo «fundação» é utilizado com muito pouco rigor para designar entidades muito diversas. O Estatuto poderá ter efeitos positivos na gestão geral das fundações ao proporcionar critérios de referência.

Benefícios económicos: para além de reduzir os custos das actividades transfronteiriças, as fundações que aderirem ao Estatuto serão reconhecidas pelas administrações públicas e pelo público em geral, por terem uma «etiqueta» europeia fidedigna. O EFE facilitará a utilização em comum de recursos em actividades em prol do bem público e poderá atrair o investimento estrangeiro. Poderá igualmente ter efeitos benéficos ao nível do comportamento dos doadores e dos donativos.

Benefícios políticos e para os cidadãos: o desenvolvimento da actividade e cooperação transnacionais incentivará a integração europeia em domínios de interesse directo para os residentes na UE. O EFE pode constituir também uma ferramenta de gestão robusta e flexível, apoiando acções de utilidade pública e outras por parte dos cidadãos a nível da UE, destinadas a ir ao encontro de necessidades prementes e de questões políticas globais.

3.2   Características fundamentais

3.2.1

Um EFE eficaz deve obedecer a uma série de princípios e apresentar certas características fundamentais. Constituirá uma ferramenta adicional e facultativa de utilidade pública, regida principalmente pelo direito europeu e por leis nacionais e regionais complementares.

3.2.2

Um EFE pode ser concebido nos moldes a seguir apresentados, devendo os pormenores ser definidos em cooperação com as partes interessadas. Um EFE deve:

3.2.2.1

ser um instrumento suplementar facultativo que os financiadores e as fundações com actividades em mais de um Estado-Membro da UE podem utilizar em vez de estabelecerem várias fundações em conformidade com a legislação nacional de diferentes Estados-Membros. O EFE não substituirá as leis dos Estados-Membros que regem as fundações;

3.2.2.2

ser simples e abrangente no que respeita à maioria dos aspectos da legislação em matéria de fundações, apenas se reportando à legislação nacional no menor número possível de domínios jurídicos. Isto permitirá que os fundadores poupem custos de aplicação utilizando apenas um instrumento jurídico e criando uma estrutura de gestão comparável em todos os Estados-Membros;

3.2.2.3

ser facilmente acessível. Uma fundação europeia (FE) pode ter duração ilimitada ou limitada e ser criada mediante testamento, por qualquer pessoa singular residente na UE, e mediante escritura notarial, por pessoas singulares e colectivas residentes na UE; pode resultar da transformação em fundação europeia de uma fundação de utilidade pública existente legalmente constituída num Estado-Membro da UE ou da fusão de várias fundações de utilidade pública legalmente constituídas num ou em vários Estados-Membros da UE. Uma informação sobre a constituição da fundação europeia deve ser publicada no Jornal Oficial.

3.2.2.4

propor-se objectivos exclusivamente de utilidade pública. A definição de «utilidade pública» poderá incluir uma lista de objectivos de utilidade pública a fim de permitir uma certa flexibilidade (17). Uma FE será considerada uma entidade de utilidade pública se:

(1)

servir os interesses do público em geral a nível europeu/internacional, quer através da execução dos seus próprios programas ou dando apoio a indivíduos, associações, instituições ou outras entidades; e

(2)

a finalidade para a qual foi constituída incluir a promoção do interesse público em um ou mais domínios definidos como sendo de utilidade pública;

3.2.2.5

preconizar uma dimensão europeia. O EFE deve orientar-se para actividades com um carácter europeu, em sentido lato, ou seja, actividades que envolvam mais de um Estado-Membro;

3.2.2.6

estabelecer um montante mínimo de capital. Isto poderá ser um sinal da seriedade do objectivo e das actividades da FE, aumentando a protecção dos credores, mas não deve impedir o funcionamento de entidades de pequena dimensão.

3.2.2.7

prever um tipo qualquer de estrutura participativa, mas sem um carácter «formal», estrutura essa que não poderá substituir os direitos e obrigações da estrutura de governação;

3.2.2.8

no âmbito do objectivo de utilidade pública da FE, permitir a realização de actividades económicas directamente ou através de outra entidade jurídica, desde que eventuais receitas ou excedentes sejam utilizados para o efeito dos seus objectivos de utilidade pública;

3.2.2.9

prever o direito de deter bens móveis e imóveis, receber e deter donativos ou subsídios de qualquer natureza, incluindo acções e outros instrumentos negociáveis de qualquer origem legítima;

3.2.2.10

estabelecer que a sede social da fundação se situe dentro da UE. A sede deve poder ser transferida para outro Estado-Membro sem a necessidade de dissolução nem de criação de uma nova entidade jurídica;

3.2.2.11

estabelecer normas claras em matéria de transparência e prestação de contas. Uma FE deve manter registos de todas as suas operações financeiras, utilizar canais financeiros formais e apresentar contas anuais e relatórios de actividades à autoridade competente. No caso de organizações de grande dimensão, as contas devem ser submetidas a auditoria;

3.2.2.12

prever normas claras em matéria de gestão e responsabilidades da FE, devendo porém os fundadores/conselho de administração beneficiar de flexibilidade suficiente para definir os assuntos internos nos estatutos da FE. Seria útil o EFE propor um modelo de estatutos a título de exemplo, em que se preveja a necessidade de evitar conflitos de interesses.

4.   Legislação aplicável

4.1.1

A proposta de EFE deverá indicar as várias fontes do direito aplicável: os regulamentos da UE relativos ao EFE, estatutos da FE em causa e outra legislação europeia ou nacional.

4.1.2

Embora a legislação relativa ao EFE deva ser exaustiva, deve também ser clara e simples, por razões óbvias: a clareza ajudará as fundações europeias a respeitarem a lei e as entidades responsáveis pela sua supervisão a aplicá-la.

4.1.3

A proposta relativa ao EFE deve definir o quadro em que as fundações europeias devem ser estabelecidas, funcionar e prestar contas. Nos domínios que rege (por exemplo, constituição, registo, objecto, capital, sede social, personalidade jurídica, capacidade jurídica, responsabilidade dos administradores, requisitos de transparência e prestação de contas), a legislação deve ser exaustiva e não remeter para as leis nacionais. Isto assegurará a unidade, clareza e segurança que o Estatuto deve proporcionar a terceiros, parceiros e doadores.

4.1.4

No que respeita à supervisão, o controlo das FE poderia ser delegada em autoridades competentes designadas nos Estados-Membros, com base nos critérios estabelecidos, de comum acordo, no EFE referentes às condições de registo, prestação de informação e supervisão.

4.1.5

No que respeita a assuntos não previstos na legislação relativa ao EFE, aplicar-se-ão disposições de outra legislação comunitária ou dos Estados-Membros.

4.1.6

No que respeita aos impostos, a competência para determinar o tratamento fiscal das FE recairá sobre a autoridade fiscal do Estado-Membro em que a FE for tributada.

4.1.7

Os Estados-Membros da UE prevêem um tratamento fiscal especial para as fundações de utilidade pública (18). Considera-se que uma diferença de tratamento fiscal entre as entidades de utilidade pública nacionais e estrangeiras está possivelmente em conflito com o Tratado CE, especialmente no que respeita às doações, tributação de heranças ou donativos, e receitas de origem externa das fundações. Por conseguinte, as FE devem também poder usufruir dos benefícios fiscais que os legisladores nacionais concedem às fundações residentes, incluindo isenção do imposto sobre o rendimento, do imposto sobre donativos e heranças, e dos impostos sobre o valor/as transferências dos seus activos (19).

4.1.8

No tocante ao tratamento fiscal dos fundadores/doadores da FE, qualquer fundador/doador que contribua para uma FE nacional ou transfronteiriça deve beneficiar da mesma redução fiscal ou crédito fiscal como se o donativo tivesse sido para uma organização considerada de utilidade pública no Estado-Membro do próprio doador.

4.1.9

Relativamente aos impostos indirectos, num parecer sobre a Diversidade de formas de empresas  (20), o CESE insta a Comissão a encorajar os Estados-Membros a estudarem a possibilidade de atribuírem medidas compensatórias às empresas que dêem provas da sua utilidade social ou do seu contributo para o desenvolvimento regional.

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Feasibility Study on a European Foundation Statute (estudo de viabilidade para um Estatuto da Fundação Europeia), 2009.

(2)  O Centro Europeu de Fundações (EFC), a principal organização que congrega fundações de utilidade pública a nível da UE, já fez referência a esta tendência. Dois terços dos seus membros desenvolvem actividades fora do seu país de origem.

(3)  Centro Europeu de Fundações (EFC), Redes de Doadores e de Fundações na Europa (DAFNE), Rede de Fundações Europeias (NEF).

(4)  http://ec.europa.eu/internal_market/company/eufoundation/index_en.htm

(5)  http://ec.europa.eu/internal_market/company/eufoundation/index_en.htm.

(6)  http://www.efc.be/SiteCollectionDocuments/EuropeanStatuteUpdated.pdf.

(7)  http://www.bertelsmann-stiftung.de/bst/en/media/xcms_bst_dms_15347__2.pdf.

(8)  P6_TA(2006)0295.

(9)  JO C 318 de 23.12.2009, p. 22.

(10)  Processo Stauffer, C-386/04.

(11)  Processo Persche, C-318/07.

(12)  Feasibility Study, «Executive summary», Ad1.

(13)  Ver nota 12.

(14)  EFC, perfis jurídicos e fiscais das fundações da UE. http://www.efc.be/Legal/Pages/FoundationsLegalandFiscalCountryProfiles.aspx.

(15)  EFC, Destaques comparativos da legislação relativa às fundações http://www.efc.be/Legal/Pages/Legalandfiscalcomparativecharts.aspx.

(16)  O Agrupamento Europeu de Interesse Económico, a Sociedade Europeia, a Cooperativa Europeia, o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial.

(17)  A proposta de EFE apresentada pelo EFC em 2005 prevê uma lista aberta.

(18)  Veja-se uma síntese da legislação fiscal aplicável às fundações em «Comparative Highlights of Foundation Laws», EFC 2009 http://www.efc.be/Legal/Pages/Legalandfiscalcomparativecharts.aspx.

(19)  Veja-se The European Foundation – A New Legal Approach, em http://www.bertelsmann-stiftung.de/bst/en/media/xcms_bst_dms_15347__2.pdf.

(20)  Ver nota 9.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/35


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A Indústria Europeia de Construção Naval face à Crise Actual»

2011/C 18/07

Relator: Marian KRZAKLEWSKI

Co-relator: Enrique CALVET CHAMBON

Em 16 de Julho de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do seu Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

A Indústria Europeia de Construção Naval face à Crise Actual.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Comissão Consultiva das Mutações Industriais que emitiu parecer em 9 de Abril de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 168 votos a favor e 14 votos contra, com 12 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   É com grande inquietação que o Comité Económico e Social Europeu verifica que a indústria de construção naval na UE se encontra mergulhada numa profunda crise, caracterizada pela total ausência de novas encomendas, graves problemas de financiamento das encomendas em carteira, excesso de capacidade de construção de navios mercantes, perdas irremediáveis de postos de trabalho com mais despedimentos anunciados e um número crescente de falências e de encerramentos de estaleiros navais e das empresas deles tributárias.

1.2   Perante esta grave situação, o Comité está convicto de que é necessária uma estratégia europeia comum para assegurar o futuro da indústria de construção naval na UE, assim como a coordenação das iniciativas dos Estados-Membros a este respeito. Os primeiros elementos desta estratégia devem ser definidos e aplicados, o mais tardar, até meados de 2010 e centrar-se nas seguintes necessidades urgentes:

estímulo da procura (ver pontos 4.1 e 4.1.1),

financiamento (designadamente, a prorrogação para além de 2011 das medidas ao abrigo do Enquadramento dos Auxílios Estatais à Construção Naval),

medidas de apoio ao emprego (incluindo ajudas quando do encerramento dos estaleiros),

combate à falta de condições de concorrência equitativas.

Estas medidas deverão evitar incentivos negativos susceptíveis de comprometer a competitividade.

1.3   Tendo em conta a ausência de regras comerciais vinculativas aplicáveis ao sector da construção naval em todo o mundo, o Comité considera que se deve exigir da Comissão esforços mais enérgicos e firmes na defesa deste sector estratégico. Dada a falta de um acordo internacional a nível da OCDE, a UE deve agir de forma directa e decisiva para proteger o sector europeu de construção naval da concorrência desleal.

1.4   Os responsáveis políticos nacionais e europeus, as empresas do sector e os parceiros sociais devem tomar medidas urgentes para realizar um projecto comum (1), cuja fundamentação política é:

a manutenção de uma base industrial competitiva e forte para este sector de alta tecnologia na Europa, susceptível de assegurar um elevado nível de emprego sustentável no futuro;

evitar os despedimentos intempestivos durante as fases de recessão económica, manter os postos de trabalho e – o que é extremamente importante – conservar uma mão-de-obra altamente qualificada neste sector estratégico;

dar atenção particular aos argumentos ecológicos e de poupança de energia do transporte marítimo. A indústria europeia de construção naval, em especial o subsector do equipamento marítimo, tem um elevado potencial para melhorar a situação nestes dois domínios;

assegurar a coesão das regiões costeiras mais vulneráveis, onde está actualmente implantada a indústria de construção naval;

não permitir a redução da capacidade de produção dos estaleiros abaixo da massa crítica, pois, caso contrário, a UE deixará de estar em condições de produzir navios no futuro;

salvaguardar o saber-fazer [know-how] europeu no domínio do financiamento da construção naval (2);

preservar as competências marítimas europeias (incluindo no domínio científico e universitário);

fazer com que o sector tenha um potencial significativo de crescimento, inovação e expansão no domínio da I&D;

a convicção de que os custos reais das medidas a aplicar no sector são inferiores aos custos da inércia (ver o exemplo dos EUA) (3).

1.5   O Comité apela ao Conselho, à Comissão e ao Parlamento para que considerem como objectivo estratégico e prioritário da UE a manutenção da necessária massa crítica no domínio da construção e reparação navais na Europa. Tal é indispensável para:

acompanhar os progressos ecológicos e energéticos no domínio dos transportes e aumentar a sua eficiência energética;

não perder um importante contributo tecnológico para a indústria europeia, o qual influencia outros sectores (economias externas), tendo em conta que um estaleiro que encerre as suas portas dificilmente as volta a abrir;

explorar o potencial de crescimento futuro (por exemplo através da utilização de energia eólica), do qual a Europa só pode beneficiar se explorar as suas capacidades no domínio da construção naval;

conservar uma capacidade de reacção suficiente em qualquer circunstância histórica (em situação de crise cada embarcação torna-se num elemento estratégico de luta; tal aplica-se igualmente aos navios mercantes);

conservar uma mão-de-obra qualificada e um nível suficiente de investigação científica de ponta na indústria naval, a qual, caso contrário, ficará totalmente nas mãos de terceiros (não europeus) em domínios como os transportes, o crescimento sustentado, a protecção do ambiente e a excelência na inovação tecnológica.

1.6   O Comité adverte de que a perda da massa crítica necessária no sector da construção naval levará ao desaparecimento e encerramento de instituições que formam engenheiros e técnicos especializados, assim como de escolas profissionais para trabalhadores especializados. Tal significa que a União Europeia corre o risco de perder massa crítica intelectual em benefício dos seus rivais comerciais e políticos.

1.7   O Comité considera que, tal como noutros sectores de actividade (por exemplo, o sector automóvel), os Estados-Membros deveriam envidar esforços comuns para agirem de forma concertada no nível europeu e permitirem a este sector sobreviver à crise graças à aplicação, a curto prazo, de medidas urgentes que tenham em conta as especificidades do sector.

1.7.1   Estas medidas devem:

levar a um afluxo de novas encomendas o mais rapidamente possível;

em tempo de crise, dar a possibilidade aos estaleiros navais, às empresas que cooperam entre si e aos trabalhadores com competências indispensáveis de preservarem a sua ligação de modo que, em razão de uma crise passageira, o capital de conhecimento não seja perdido para sempre.

1.8   Quanto à política de emprego no sector, o Comité considera que convém recorrer a todos os meios possíveis de modo a travar os despedimentos. Há que retardar a saída dos trabalhadores qualificados e competentes, cuja falta já se tem feito sentir nos últimos anos. Em tempo de crise no sector, os poderes públicos têm de criar um enquadramento comum europeu referente ao tempo de trabalho com horário reduzido, com vista a assegurar condições de equidade na Europa e proteger os trabalhadores. Esta medida deve ser acessível a todos os trabalhadores em risco.

1.8.1   Este enquadramento tem de garantir a manutenção dos postos de trabalho e do poder de compra, sempre que possível, assim como o direito de acesso à formação e reconversão para todos os trabalhadores. Os programas de formação e reconversão dos trabalhadores dos estaleiros navais são indispensáveis para melhorar as suas competências pessoais e aumentar o nível global de qualificações nos estaleiros.

Recomendações e propostas específicas do Comité

1.9   As medidas à escala europeia deveriam ser aceleradas para facilitar a renovação urgente da frota por razões ambientais. Para o efeito, há que tirar partido das possibilidades decorrentes das orientações em matéria de auxílios estatais à protecção do ambiente de 2008. As questões ecológicas, dado o seu nível prioritário, deveriam ser tratadas numa escala global pela Organização Marítima Internacional. Este processo já está em curso.

1.10   Os Estados-Membros e a UE deveriam debruçar-se sobre o problema do financiamento a longo prazo do sector da construção naval. Convém, por isso, criar, em conjunto com o BEI, um instrumento europeu de financiamento dos estaleiros navais. O sector, os responsáveis políticos e o BEI deverão analisar as possibilidades de fundos do BEI serem postos à disposição do sector da construção naval para promover tecnologias ecológicas e transportes não poluentes.

1.11   Há que acompanhar de perto as práticas comerciais dos armadores para que estes não utilizem as subvenções europeias e nacionais na compra de embarcações provenientes de estaleiros situados fora da UE.

1.12   Há que apoiar e promover o desmantelamento e a modernização (retrofitting) de embarcações vetustas, que sejam efectuados nos estaleiros navais que se dedicam a este tipo de actividade, tendo em conta os aspectos ecológico e económico e o respeito pelas exigências europeias em matéria de qualidade.

1.13   O Comité apoia a iniciativa LeaderSHIP 2015, que considera ser um bom enquadramento para todas as partes interessadas elaborarem, em conjunto, a política a aplicar neste sector. Este enquadramento deveria igualmente ser alargado a outros sectores de actividade.

1.13.1   A iniciativa LeaderSHIP 2015 deve também elaborar um plano de acção dinâmico e ousado centrado no reforço da indústria europeia de construção naval, na manutenção de postos de trabalho altamente qualificados e numa resposta adequada aos desafios de protecção do ambiente com que este sector é confrontado. É fundamental que todas as partes interessadas, em particular as instituições europeias e os Estados-Membros, ponham em prática as propostas elaboradas no âmbito desta iniciativa.

1.14   O Comité recomenda aos parceiros sociais que, em tempo de crise, explorem as possibilidades oferecidas pelo diálogo social, em particular, com vista à elaboração de estratégias comuns para o futuro. O diálogo social é uma plataforma para a concepção e aplicação de soluções concertadas para os desafios actuais e futuros que o sector da construção naval enfrenta. Neste contexto, há que chegar a acordo quanto às normas sociais aplicáveis aos trabalhadores da indústria europeia de construção naval e pô-las em prática.

1.14.1   O Comité considera que a aplicação neste sector do princípio da responsabilidade social das empresas contribuirá para o seu desenvolvimento sustentável.

1.14.2   O Comité insta à aplicação de medidas concretas com vista à manutenção dos laços entre o trabalhador e a empresa durante os longos períodos em que não há encomendas (centros de recrutamento de mão-de-obra [labour pools], subsídios à formação, etc.).

1.14.3   Há que investigar a possibilidade de transferência temporária para o sector da construção naval de uma determinada parte das ajudas «sociais» (FSE (4), FEDER, Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização).

1.15   O Comité apoia a rápida criação de um conselho sectorial para o emprego e as competências na indústria de construção naval, em conformidade com a nova estratégia da Comissão que prevê a criação deste tipo de órgãos.

1.16   Tendo em conta que a construção de navios não poluentes e eficientes em termos de energia é importante para a sobrevivência do sector, há que envidar esforços para que os estaleiros, as escolas e os poderes públicos assegurem programas de formação e de reconversão que promovam e desenvolvam um conjunto adequado de capacidades e competências que permitam uma transição eficaz para embarcações hipocarbónicas e eficientes em termos de energia. O Comité apoia a ideia de «qualificações ecológicas» para todos os trabalhadores do sector.

1.16.1   O sector da construção naval deveria recorrer a todos os instrumentos disponíveis, como o Sistema Europeu de Transferência de Créditos para o Ensino e Formação Profissionais (ECVET), o Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade (QREGQ) e o Quadro Europeu de Qualificações (QEQ), para facilitar a mobilidade e aumentar a competitividade e a produtividade.

1.17   A indústria de construção naval deve ser instada a alargar os seus objectivos e as suas actividades (ambiente marinho, aquicultura, produção de energia ao largo da costa [off-shore], dimensão árctica, etc.).

1.18   Os esforços tecnológicos devem ser orientados também para novos domínios (e logo para a investigação científica), devendo reforçar-se o papel das plataformas tecnológicas (por exemplo, a plataforma Waterborne), assim como a colaboração entre si.

1.19   Há que instar a Comissão a dar maior apoio e a lançar acções urgentes no domínio do transporte marítimo de curta distância, das auto-estradas marítimas e das embarcações adequadas para as utilizar, que cumpram os requisitos europeus em termos ecológicos e energéticos.

1.20   O Comité considera que, ao procurarem-se soluções para os estaleiros navais europeus, não se pode deixar de fazer uma avaliação dos produtores de equipamentos marítimos que lhes estão directamente associados. A situação deste sector é consideravelmente melhor do que a dos estaleiros navais, nomeadamente porque é mais fácil para estas empresas procederem à transferência da sua actividade. Vale a pena examinar as razões por trás destas situações antagónicas a fim de tirar ilações que possam ser tidas em conta na fase de procura de soluções adequadas aos estaleiros navais europeus.

O Comité tenciona elaborar um relatório sobre este sector e respectivo impacto no sector da construção naval.

2.   Introdução – Fundamentação e objectivos do parecer

2.1   A indústria europeia de construção naval (5) foi particularmente atingida pela crise devido aos seguintes factores:

necessidades de financiamento específicas maiores do que noutros sectores;

sensibilidade extrema a alterações no comércio mundial, o qual apresenta actualmente uma tendência em forte queda da procura no domínio da construção naval, resultado, em grande medida, de um aumento recorde do número de navios mercantes no mundo, cujo número excessivo ultrapassa claramente o crescimento das necessidades no domínio do transporte marítimo;

concorrência proveniente sobretudo de países que aplicam uma política de intervencionismo no domínio da indústria de construção naval e que reconhecem a importância estratégica deste sector;

aparecimento da crise num momento em que se observa um forte excesso de capacidades físicas, consideravelmente superiores às necessidades;

eclosão da crise num momento em que muitos estaleiros navais europeus se encontram numa fase avançada de profunda reestruturação, modernização e desenvolvimento técnico, o que, não raras vezes, se processa penosamente, como o mostra o exemplo dos estaleiros polacos;

especificidades do sector (investimentos colossais, ciclo de produção longo, construção de protótipos e não de unidades em série, etc.), associadas a determinadas restrições inevitáveis que, em caso de crises profundas, obrigam à tomada de decisões drásticas como o encerramento da actividade.

2.2   O risco de perda da massa crítica (6) necessária à manutenção das capacidades de produção dos estaleiros na Europa é real e há que tê-lo em conta e avaliar os potenciais danos de tal perda para as perspectivas económicas, sociais, tecnológicas e estratégicas futuras da Europa.

2.3   Pelas razões acima expostas, o Comité apresenta o presente parecer centrado nas consequências específicas da crise para a indústria de construção naval. O parecer procura examinar estas questões do ponto de vista económico, social (emprego, qualidade dos postos de trabalho e impacto regional), tecnológico e estratégico.

2.4   O Comité efectua igualmente no presente parecer uma revisão e avaliação intercalares da aplicação da iniciativa LeaderSHIP 2015 e procura dar resposta às seguintes questões: como assegurar o êxito da iniciativa e evitar o seu malogro e como adaptar esta iniciativa aos novos factores decorrentes da crise económica.

3.   Consequências específicas da crise para a indústria de construção naval

3.1   Tendo em conta o carácter excepcional do sector da construção naval, há que realçar que o acumular de problemas financeiros neste sector, resultante de problemas crónicos de financiamento (7) e de fases desfavoráveis do ciclo económico, assim como da retirada pelos investidores dos financiamentos destinados a encomendas em carteira [mas também de cada vez mais casos de comércio de embarcações «em segunda mão» (8)], coloca um sério risco, especialmente porque este ramo industrial sempre teve maiores problemas de investimento do que outros sectores.

3.1.1   Na UE, o sector da construção naval, em particular o subsector da construção de embarcações de média e grande dimensão, sofre também com a falta de condições de concorrência equitativas e com a concorrência desleal de outras regiões do globo. Esta situação ocorre desde há décadas. Além disso, o sector não dispõe de um sistema de regras comerciais vinculativas aplicáveis em todo o mundo. Também não se pode negligenciar o facto de que a crise pôs a nu o excesso de capacidades de produção nos países que procuram implacável e incessantemente obter financiamento público para a sua produção nacional.

3.1.2   Tendo em conta a sobreposição sem precedentes de muitas das circunstâncias desfavoráveis acima enumeradas, o problema actualmente enfrentado por este sector não pode ser tratado simplesmente como «uma repetição da história», mas sim como um novo e dramático desafio. Assinala-se, portanto, que estas dificuldades são de natureza financeira e não de ordem industrial ou estrutural.

3.1.3   No entanto, a presente crise constitui também uma oportunidade para tomar medidas que conduzam à manutenção e salvaguarda da massa crítica necessária à conservação de um elevado nível tecnológico neste sector em risco de declínio, mas fundamental para o transporte marítimo. Infelizmente, existe ao mesmo tempo o risco de os estaleiros navais europeus perderem esta massa crítica.

3.2   A indústria de construção naval caracteriza-se por uma tendência de reacção retardada à retoma económica. Em razão deste mecanismo pouco favorável, o sector tem de ser apoiado, sob pena de ser ferido de morte, um risco em que o sector já incorre, caso as medidas temporárias de ajuda existentes sejam retiradas prematuramente.

3.2.1   O sector da construção naval caracteriza-se pelo facto de que a um período de alta se segue sempre um período de baixa. Trata-se de um fenómeno da construção naval conhecido desde há muitas décadas, devendo a UE antecipar os efeitos resultantes deste ciclo económico nas suas políticas sectoriais.

3.3   Ao debaterem-se as causas e consequências desta difícil situação do sector, há que fazer menção às circunstâncias específicas de países como, por exemplo, a Polónia e a Roménia.

A dramática situação vivida na Polónia, reflectida no colapso da produção nos dois principais estaleiros de construção naval em Gdynia e Szczecin, resulta da combinação de várias circunstâncias desastrosas que não foram antecipadas vários anos antes, nomeadamente o entrave aos processos de reforma e reestruturação do sector, resultante sobretudo de decisões políticas tomadas no período entre 2002 e 2003, e o desperdiçar da boa conjuntura económica vivida nos mercados europeu e mundial entre 2003 e 2008.

3.4   A construção naval é uma indústria estratégica em si mesma, mas também em relação a outros sectores e do ponto de vista do emprego. Em tempo de crise, tal é particularmente evidente e vale a pena sublinhá-lo. A Comissão partilha deste ponto de vista, tal como, espera-se, a actual Presidência da UE. Por conseguinte, aguarda-se e solicita-se a ambas que lancem uma acção política neste sentido. Infelizmente, falta até à data apoio claro por parte da maioria dos Estados-Membros onde existe uma indústria de construção naval activa.

3.5   O impacto social da crise sentida na indústria de construção naval é particularmente forte no nível regional. Nas regiões com estaleiros navais, o aumento do desemprego e a perda de uma parte considerável do PIB regional podem ser bem mais dramáticos do que noutros sectores da indústria que abrangem todo o território nacional e cujas medidas de apoio são levadas a cabo em todo o país.

3.6   Quando um estaleiro naval encerra as suas portas, tal acontece, regra geral, para sempre. Assim, todo o saber-fazer (know-how) e as tecnologias de ponta ficam irremediavelmente perdidos. Praticamente todos os produtos navais são projectos-piloto ou protótipos que englobam diferentes componentes de I&D. Caso a Europa perca estes conhecimentos, o futuro ecológico e hipocarbónico dos transportes, assegurado por navios não poluentes, ficará noutras mãos, pouco seguras. Além disso, a perda de massa crítica coloca o risco de limitar o acesso à energia e às matérias-primas dos oceanos e aos minerais extraídos ao largo da costa.

3.7   O subsector da reparação não está em crise, mas pode começar a sentir os efeitos da concorrência de estaleiros de construção naval que reconvertam as suas actividades para se dedicarem à reparação de navios. Por outro lado, têm ocorrido, recentemente, casos de compra (ou locação) de equipamentos da infra-estrutura de produção dos estaleiros de construção naval por estaleiros de reparação, os quais também têm empregado grupos de trabalhadores qualificados provenientes dos estaleiros encerrados.

3.8   A construção e a reparação naval, assim como as tecnologias de ponta e os materiais utilizados para o efeito têm também uma importância fundamental para a defesa europeia, o aumento da protecção e da segurança, a melhoria do ambiente e a transferência de tecnologias para outros sectores industriais, o que constitui um argumento de peso para procurar soluções de saída da actual crise vivida no sector.

3.9   Ao caracterizar-se a situação do sector da construção naval e, em particular, dos estaleiros, não se pode deixar de fazer uma avaliação da indústria de produção de equipamentos marítimos que lhe está directamente associada. Na Europa, este sector emprega quase duas vezes mais trabalhadores do que o sector da construção naval (excluindo o emprego no sector da construção de iates e de embarcações de recreio, em que o número de trabalhadores é uma vez e meia superior ao do sector da construção naval tradicional). Quanto à participação do sector de equipamento marítimo da União Europeia na produção mundial de tecnologia de ponta, esta é consideravelmente superior à dos estaleiros navais, atingindo 36 % (contra 50 % da Ásia, cujos produtos são de gama inferior). A situação dos fornecedores de equipamento marítimo é, por isso, incomparavelmente melhor do que a dos estaleiros navais.

3.10   Por esta razão, vale a pena examinar as razões por trás destas situações antagónicas a fim de tirar ilações que possam ser tidas em conta no processo de procura de soluções adequadas aos estaleiros navais europeus. As soluções aplicadas neste sector e as suas ligações naturais com os estaleiros navais podem criar sinergias inestimáveis que valerá a pena aplicar a todo o sector da construção naval. Simultaneamente, há que não menosprezar as previsões que apontam para uma deterioração considerável da situação do sector europeu do equipamento, caso o sector da construção naval europeia perca massa crítica.

4.   Acções e soluções propostas face à actual situação de crise no sector

4.1   É indispensável e urgente aumentar a procura de produtos e serviços provenientes de todo o sector (incluindo a reparação). O Comité considera que, para o efeito, há que caminhar para a modernização ecológica (retrofitting) de navios velhos ou pouco seguros, bem como de embarcações poluentes através de medidas legislativas e incentivos económicos.

4.1.1   A fim de superar o problema da má situação do mercado neste sector, a UE e os Estados-Membros deveriam, designadamente, apoiar/financiar a melhoria da frota comercial europeia em termos ecológicos e de eficiência energética, incluindo mediante recurso a subempreiteiros de equipamento industrial e marítimo.

4.1.2   Os estaleiros europeus deveriam centrar as atenções na construção de navios com vantagem comparativa, isto é, navios especializados de alta qualidade e alta tecnologia (9).

4.2   Há que ponderar medidas especiais no âmbito da chamada flexigurança «interna» que acautelem o binómio trabalhadores-saber-fazer [know-how] durante a fase descendente do ciclo (10). Há que apoiar estas medidas através de negociações no âmbito do diálogo social e da constituição de medidas de auxílio público para este efeito.

4.2.1   Algumas medidas de apoio regional e estrutural poderiam ser revistas e centradas no sector. O FEDER (11) poderia ser uma fonte de financiamento para alguns instrumentos deste tipo.

4.3   A luta em prol de um nível equitativo de concorrência no mercado da construção e reparação navais não foi, até à data, muito séria nem aberta. Há que assegurar a livre concorrência na Europa, mas um sector que tem de enfrentar a concorrência do resto do mundo tem de ter o mesmo nível de protecção que os seus concorrentes de fora da UE.

4.3.1   Para que o sector da construção naval seja reconhecido como estratégico, há que tratar a questão da concorrência extra-europeia do mesmo modo como se trata, por exemplo, o sector automóvel. Contudo, o mais recente acordo com a Coreia não exige sequer a este país que cumpra as suas mais recentes obrigações nem as anteriores, o que não é uma abordagem séria.

4.3.2   A Coreia tem de respeitar o seu compromisso de aplicar «preços normais de mercado» e renunciar à concessão de subvenções aos seus estaleiros navais. Esta deveria ser uma recomendação de acção a propor pela Comissão na reunião da OCDE que será dedicada à negociação do novo acordo sobre a construção naval.

4.4   A construção naval relacionada com o sector da defesa terá também uma importância significativa para o futuro do sector. Neste contexto, há que chamar a atenção para as medidas envidadas pela Agência Europeia de Defesa, que devem ser encaradas como prospectivas. Convém também aqui recordar as oportunidades criadas pelas tecnologias de dupla utilização para este sector.

4.5   No âmbito do 7.o Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento, há que desenvolver as possibilidades e o potencial da plataforma tecnológica conhecida como «Waterborne» relativa ao sector naval, assim como a cooperação entre esta e outras plataformas tecnológicas, para assim manter o desenvolvimento de uma importante arma para os estaleiros, a saber as medidas no domínio da investigação e desenvolvimento e da inovação (I&D&I).

4.6   A manutenção de massa crítica nesta indústria na Europa é indispensável, caso se pretenda dispor de embarcações seguras, não poluentes e de baixo consumo de energia, que terão impacto decisivo no futuro da protecção do ambiente marinho, nos custos de todos os transportes e na protecção e manutenção do transporte europeu relacionado com o aprovisionamento de energia (embarcações costeiras, plataformas, instalações «hoteleiras» nas plataformas de perfuração, parques eólicos, etc.). A isto se associa também a ideia de organizar um transporte respeitador do ambiente (transporte de curta distância, auto-estradas marítimas, etc.).

4.6.1   No Enquadramento comunitário dos auxílios estatais a favor do ambiente (2008/C82/01) faz-se explicitamente referência à aquisição de navios não poluentes. Estas orientações têm de ser aplicadas de forma eficiente e sem burocracias inúteis.

4.7   À luz dos actuais desafios, há que adaptar às necessidades do sector o sistema geral de ajuda providenciado por programas-quadro referentes aos sectores de produção em série, de modo que estes possam ser aplicados à produção naval que recorre a tecnologias de ponta, que, regra geral, diz respeito a protótipos ou pequenas séries.

4.8   Quanto ao quadro financeiro europeu para o sector, existente desde 2003 (Enquadramento dos Auxílios Estatais à Construção Naval) (12), elaborado pela Comissão Europeia, considera-se que este é útil, pelo que as suas medidas devem ser prolongadas para além de 2011, de modo a assegurar condições estáveis para a inovação. Os princípios revistos deveriam responder melhor às necessidades específicas e mais recentes do sector e assegurar-lhes maior estabilidade.

5.   Iniciativa LeaderSHIP 2015 – Como ajudar o sector na actual situação de crise e evitar o seu malogro?

5.1   Em 2002-2003, quando, com o apoio dos responsáveis políticos da UE, a indústria concebeu a iniciativa LeaderSHIP 2015 (LS 2015), as perspectivas da indústria de construção naval da União Europeia eram pouco animadoras. O grande aumento de capacidade dos estaleiros asiáticos levara não só à redução do número de novas encomendas como também à descida continuada dos preços de construção de navios novos.

5.1.1   Actualmente, a iniciativa LS 2015 vai a meio da sua aplicação, mas a situação no sector é semelhante, se não mesmo pior tendo em conta a crise global, à vivida no momento do lançamento desta iniciativa.

5.1.2   A iniciativa LeaderSHIP 2015 foi a materialização, há seis anos, da crença na capacidade e no potencial inovador das indústrias marítimas europeias, aliada à determinação de lutar pela sua sobrevivência. Trata-se de uma abordagem, ao que parece, ainda actual, mas a iniciativa terá de ser rectificada e adaptada às exigências presentes, em função, principalmente, das ilações do período decorrido desde o seu lançamento e execução.

5.2   A avaliação da LS 2015 do ponto de vista dos parceiros sociais do sector da construção naval é a seguinte:

a)

principais realizações:

mudança de mentalidade no sector,

alteração da percepção dos decisores e da sociedade em relação ao sector,

abordagem política coesa,

iniciativa de carácter europeu,

progressos concretos no domínio de elementos específicos de acção (inovação, diálogo social, direitos de propriedade intelectual, princípios técnicos do processo de produção);

b)

principais deficiências:

não realização de algumas recomendações concretas (LPF (13), financiamento),

consideração insuficiente de determinadas questões (estrutura da indústria).

5.2.1   Em suma, os parceiros sociais consideram que a abordagem a longo prazo deve ser rectificada através de acções que respondam à crise.

5.3   No documento de avaliação da execução da LS 2015, dois anos após o seu lançamento, a Comissão apresenta a seguinte opinião final: «a iniciativa LeaderSHIP 2005 continua a facultar um quadro adequado para as suas políticas no sector da construção naval. Deve prosseguir e fomentar-se sempre que possível, sobretudo no que diz respeito à questão do financiamento da construção naval. Contudo, note-se que em muitos domínios tudo dependerá da iniciativa da própria indústria (i.e. da estrutura industrial) ou dos Estados-Membros.» A Comissão declara que mantém o seu empenho na iniciativa LeaderSHIP 2015 e continuará a envidar os esforços necessários para garantir a concepção e a aplicação, a nível da UE, da combinação de políticas mais adequada para enfrentar os desafios que se perfilam no horizonte.

5.4   Não obstante o conteúdo e as intenções da avaliação acima exposta, afirma-se com toda a convicção que, decorridos dois anos da sua formulação (e em grande medida devido às alterações ocorridas no sector provocadas pela crise), urge actualizar e propor instrumentos revistos no âmbito da iniciativa, apesar de as orientações gerais das principais medidas relacionadas com o sector ainda serem pertinentes.

5.4.1   Ao que parece, o principal problema para o êxito da iniciativa LS 2015 reside na baixa eficácia da aplicação dos projectos programados e no seu impacto limitado em alguns Estados-Membros, especialmente nos que aderiram à UE mais recentemente.

5.5   Quanto ao impacto da LS 2015 sobre o emprego na indústria de construção naval, as apreciações de alguns círculos são assaz cépticas (14), criticando a falta de uma aplicação concreta da iniciativa e frisando que com a aplicação da LS 2015 as únicas alterações conseguidas prendem-se essencialmente com a qualidade das novas capacidades dos trabalhadores.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  O plano de resposta à crise já foi apresentado na reunião dos representantes de alto nível, realizada em Bremerhaven no âmbito da iniciativa LeaderSHIP.

(2)  Até à data, a Europa tem dominado os mercados do crédito à construção naval. Para salvaguardar e aprofundar este conhecimento especializado, há que criar um sistema europeu de garantia que permita aos estaleiros navais conseguir financiamento para as encomendas presentes e futuras. A Europa tem de manter e aprofundar o seu papel enquanto centro de financiamento da construção naval.

(3)  O impacto comercial da perda de massa crítica nos EUA saldou-se por um aumento de 300 % do custo de fabrico de novas unidades, uma vez ultrapassada a crise no sector.

(4)  Fundo Social Europeu.

(5)  Uma definição deste termo pode ser encontrada no glossário incluído no final do parecer.

(6)  Nível mínimo de produção agregada dos estaleiros dos países da UE necessário à manutenção do funcionamento do sector da construção naval no território da UE.

(7)  Segundo a Associação dos Estaleiros Europeus de Construção e Reparação Naval (CESA), os problemas crescentes de financiamento resultam das baixas margens de lucro.

(8)  O número de embarcações em excesso ultrapassa claramente o crescimento das necessidades no domínio do transporte marítimo. Se colocássemos todos os navios novos uns após os outros, estes fariam uma fila de 60 milhas náuticas de comprimento (segundo Bloomberg e Clarkson Research Services).

(9)  Sem pretendermos ser exaustivos, podemos referir navios de passageiros e cruzeiros, iates, embarcações de recreio, navios de serviço, navios de transporte de veículos e de produtos químicos, navios-tanque de GNL e navios offshore, quebra-gelos médios, navios-hotéis, navios de protecção de pesca, embarcações de reboque e abastecimento, plataformas de perfuração ou sondagem, campos de eólicas offshore, vasos para fins militares, navios equipados com tecnologia de uso dual, cargueiros modernos para múltiplos fins, rebocadores e navios para a investigação.

(10)  Período, durante o qual os efeitos da crise se fazem sentir ao mesmo tempo que o pico descendente do ciclo económico (número ínfimo de encomendas).

(11)  Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

(12)  JO C 317 de 30.12.2003, p. 11.

(13)  Financiamento da Plataforma Leadership.

(14)  Apresentação Ocena wpływu programu LeaderSHIP 2015 na zatrudnienie w przemyśle okrętowym [Avaliação do impacto da iniciativa LeaderSHIP sobre o emprego na indústria naval], Jerzy Bieliński, Renata Płoska, Universidade de Gdansk, Polónia.


ANEXO 1

Glossário de termos

—   Indústria de construção naval (incluindo a reparação e a transformação navais): está direccionada para os navios de grandes dimensões (principalmente os reservados à navegação marítima) destinados a actividades mercantis/comerciais, mas também para os navios militares. Diz respeito igualmente aos produtos e serviços relacionados com a construção, transformação e manutenção desses mesmos navios (marítimos e fluviais) (1). No âmbito da indústria de construção naval, pode-se distinguir dois subsectores principais (2):

construção naval e

equipamento marítimo.

—   Construção naval: diz respeito à construção, reparação (e transformação) navais e está direccionada para os navios mercantes de grandes dimensões. Inclui igualmente o subsector dos mega-iates.

—   Equipamento marítimo: diz respeito aos produtos e serviços relacionados com a construção, transformação e manutenção dos navios (marítimos e fluviais) e de outras estruturas navais. Incluem-se aqui os serviços técnicos no domínio da engenharia, da instalação e da entrada em serviço, assim como de manutenção dos navios (incluindo a reparação) (3).

Factos e números

Estaleiros navais:

Na Europa, há cerca de 150 grandes estaleiros navais, dos quais perto de 40 operam no mercado mundial de produção de grandes navios marítimos comerciais. Na UE, os estaleiros (civis e militares incumbidos da construção e reparação de navios) empregam directamente cerca de 120 mil pessoas. Com quase 15 % de partes do mercado, a Europa compete com países da Ásia Oriental pela posição de líder mundial em termos do valor dos navios civis construídos (15 mil milhões de euros em 2007) (4).

Equipamento marítimo:

Estima-se que são mais de 287 mil as pessoas directamente empregadas no sector do equipamento marítimo. Este sector assegura ainda, indirectamente, emprego a cerca de 436 mil pessoas. Segundo estimativas, o volume de negócios anual do sector, em 2008, foi de cerca de 42 mil milhões de euros (5). Praticamente 46 % do equipamento produzido destina-se à exportação. O sector do equipamento marítimo é o terceiro maior sector marítimo, a seguir ao transporte marítimo e das pescas (6).


(1)  http://ec.europa.eu/enterprise/sectors/maritime/index_pt.htm.

(2)  ECORYS, Study on Competitiveness of the European shipbuilding Industry [Estudo sobre a competitividade da indústria europeia de construção naval], Roterdão, Outubro de 2009.

(3)  http://www.emec.eu/marine_equipment/index.asp.

(4)  http://ec.europa.eu/enterprise/sectors/maritime/index_pt.htm.

(5)  Os membros do Conselho Europeu de Equipamento Marítimo (European Maritime Equipment Council – EMEC) são os seguintes: Croácia, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Polónia, Suécia, Países Baixos, Noruega, Turquia e Reino Unido.

(6)  http://www.emec.eu/marine_equipment/index.asp.


ANEXO 2

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

A seguinte proposta de alteração, que obteve pelo menos um quarto dos votos expressos, foi rejeitada:

Ponto 1.11

Eliminar.

«

»

Resultado da votação

Votos a favor

:

65

Votos contra

:

108

Abstenções

:

18


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/44


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Novas tendências do trabalho independente: o caso específico do trabalho autónomo economicamente dependente» (parecer de iniciativa)

2011/C 18/08

Relator: José Maria ZUFIAUR NARVAIZA

Em 26 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre:

Novas tendências do trabalho independente: o caso específico do trabalho autónomo economicamente dependente.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 23 de Fevereiro de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 137 votos a favor, 52 votos contra e 11 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Resumo, conclusões e recomendações

O presente parecer trata das definições dadas por diversos organismos europeus às várias formas de trabalho independente, mas, mais especificamente, analisa de forma praticamente monográfica as tendências mais recentes que afectam o trabalho «parasubordinado», também designado «trabalho autónomo economicamente dependente». As reflexões sobre o trabalho autónomo economicamente dependente nascem de um desejo de compreender melhor as evoluções do trabalho independente que, sob o efeito das profundas mudanças tanto económicas como sociais, evoluiu para além das formas tradicionais de trabalho autónomo desde há muito reconhecidas nos Estados-Membros da União Europeia. Apenas alguns países europeus reconhecem juridicamente uma nova categoria de trabalhadores intermédia entre os trabalhadores por conta de outrem e os trabalhadores por conta própria. O objectivo geral das legislações nacionais em vigor é contribuir para uma melhor protecção de determinadas categorias de trabalhadores sem equipará-los a assalariados. Nos países que reconheceram a existência de uma categoria intermédia entre os estatutos de trabalhador por conta de outrem e de trabalhador por conta própria, constata-se que a situação de dependência económica coexiste com o reconhecimento de uma série de direitos de que não gozam as outras categorias de trabalhadores independentes, ainda que esses direitos sejam inferiores àqueles gozados pelos trabalhadores por conta de outrem. Nesta hipótese, a amplitude da protecção concedida aos trabalhadores varia significativamente de país para país. Assim, os direitos do trabalhador autónomo economicamente dependente podem ter a ver com a protecção social e inspirar-se nas garantias oferecidas pelo direito laboral aos assalariados. Nessa medida, podem aplicar-se às relações individuais entre o trabalhador e o seu cliente (salário mínimo, duração do trabalho, etc.), mas também levar a que sejam reconhecidos aos trabalhadores autónomos economicamente dependentes o direito de se organizarem colectivamente para defender e promover os seus direitos profissionais.

Os desafios associados ao reconhecimento do trabalho autónomo economicamente dependente podem, para além das diferenças que caracterizam as realidades económicas e sociais dos vários países, explicar a diversidade das regulamentações nacionais. A existência de tais estatutos intermédios pode, de facto, suscitar legítimas reticências. Receia-se que mesmo que sejam clarificadas as categorias jurídicas em questão, o reconhecimento do trabalho autónomo economicamente dependente não faça, na prática, com que pessoas que eram trabalhadores por conta de outrem passem a ser trabalhadores autónomos economicamente dependentes, na sequência, por exemplo, das estratégias de externalização de emprego adoptadas pelas empresas. É verdade que as reflexões sobre o reconhecimento do trabalho autónomo economicamente dependente não podem dissociar-se completamente das relativas ao «falso trabalho por conta própria». Este último constitui uma realidade conhecida em vários Estados-Membros da União, nomeadamente em sectores como o da construção onde essa prática ilegal é muito difundida a ponto de justificar que os parceiros sociais europeus do sector tenham recentemente adoptado uma posição comum. Não há dúvida de que há trabalhadores que formalmente (especialmente no que diz respeito à denominação que as partes atribuem às suas relações) são independentes mas exercem a sua actividade em condições iguais às dos trabalhadores por conta de outrem. Muitas vezes, são situações em que o empregador recorre à qualificação de trabalho independente para escapar à aplicação do direito do trabalho e/ou do direito da segurança social. De facto, em muitos casos, a passagem para o estatuto de trabalhador economicamente dependente não é uma escolha voluntária, mas forçada, determinada por factores externos, como a externalização da produção ou a reconversão de uma empresa e a decorrente cessação de contratos de trabalho.

Apesar dos riscos que representa, o reconhecimento de um estatuto de trabalhador autónomo economicamente dependente é, em todos os Estados que o adoptaram, o meio de conferir maior protecção jurídica aos trabalhadores que não são assalariados, mas claramente independentes, e se vêem numa situação em que não podem beneficiar da protecção económica que lhes daria a possibilidade de trabalhar para uma multiplicidade de comitentes. Assim, o reconhecimento do trabalho autónomo economicamente dependente, para além de poder proporcionar protecção em termos de segurança social e de estatuto profissional, pode igualmente ser um meio para reforçar o espírito e a liberdade empresariais. Acresce que reconhecer o trabalho autónomo economicamente dependente para equilibrar a relação contratual existente entre o trabalhador e o seu comitente é de natureza a reduzir a pressão económica a que o trabalhador está sujeito e a promover a prestação de um serviço de melhor qualidade ao consumidor final.

A diversidade de legislações nesta matéria é uma questão que toda a União Europeia terá de abordar no contexto do desenvolvimento das prestações de serviços transfronteiriços. A harmonização comunitária dos estatutos profissionais na União Europeia, a começar pela formulação de uma definição de trabalho autónomo economicamente dependente, não é tarefa fácil. Qualquer reflexão sobre este assunto não pode deixar de ter em conta a diversidade das regulamentações e das práticas nacionais: segundo a legislação social europeia, as definições de trabalhador e de empresário são realizadas ao nível nacional.

Todavia, não se pode ignorar a necessidade imperiosa de compreender melhor as evoluções do trabalho independente. Caso contrário, nos países em que os trabalhadores autónomos economicamente dependentes não são definidos como assalariados, uma parte cada vez mais significativa de trabalhadores europeus corre o risco de ficar sem protecção.

1.1   Desenvolver meios para levar a cabo uma verdadeira avaliação estatística do trabalho autónomo economicamente dependente na União Europeia

1.2   Promover a realização de estudos que permitam avaliar com precisão as experiências nacionais no que diz respeito ao trabalho autónomo economicamente dependente.

1.3   Integrar explicitamente nas orientações integradas para o crescimento e o emprego a questão do trabalho autónomo economicamente dependente segundo modalidades a definir

1.4   Encorajar os parceiros sociais europeus a incluírem o trabalho autónomo economicamente dependente nos seus programas de trabalho, quer ao nível interprofissional, quer sectorial. A análise conjunta dos parceiros sociais europeus (1), publicada em Outubro de 2007, ilustra bem a importância que a questão dos estatutos profissionais assume para os intervenientes no diálogo social europeu. Neste contexto, poderiam ser avaliadas as oportunidades de desenvolver as ligações entre os parceiros sociais europeus e as organizações, nomeadamente nacionais, que representam os trabalhadores independentes.

1.5   Identificar, com base nas informações recolhidas e nas análises efectuadas na sequência das recomendações atrás referidas, os elementos comuns aos diversos Estados-Membros da União Europeia para definir o trabalhador por conta de outrem. Tal contribuiria não só para assegurar a aplicação correcta das directivas europeias em matéria de direito laboral, como também para compreender melhor o aumento do emprego transfronteiriço na Europa. Poder-se-ia dispor, ainda, das informações necessárias a uma melhor compreensão do trabalho autónomo economicamente dependente. Qualquer tentativa para compreender melhor o trabalho independente mas economicamente dependente pressupõe, de facto, a existência de elementos de definição do trabalhador por conta de outrem o mais claros e precisos possível.

2.   Introdução

Literalmente, o profissional que trabalha de forma independente distingue-se do trabalhador que exerce a sua actividade por conta de outrem. Mas esta simplicidade é só aparente porque o trabalho independente abarca diversas situações, tanto ao nível social como ao nível económico, que não podem ser todas tratadas do mesmo modo. Esta fragmentação do trabalho independente constata-se em todos os Estados-Membros da União Europeia. Os contratantes dependentes constituem o objecto central do presente parecer. Interessa-nos saber como estas novas formas de trabalho independente se reflectem na prática para perceber a partir de que momento podem pôr em causa a independência económica do trabalhador autónomo. Por conseguinte, o presente parecer não aborda a questão do trabalho não declarado, nem a do «falso trabalho por conta própria», ainda que estes dois fenómenos possam, em alguns casos, ter aparente ou realmente uma ligação com os trabalhadores autónomos economicamente dependentes.

O trabalho autónomo economicamente dependente é, acima de tudo, uma problemática actual na União Europeia (1). É também objecto de um reconhecimento jurídico em alguns países europeus, o que se traduz na criação de definições e de protecções jurídicas (2). Por último, é necessário circunscrever os desafios colocados pela questão do trabalho autónomo economicamente dependente (3).

3.   O trabalho autónomo economicamente dependente: Um tema da actualidade na União Europeia

3.1   Novos trabalhadores independentes para novas realidades económicas e sociais

3.1.1

São vários os factores que podem estar na origem do surgimento de «novos» trabalhadores independentes, ou seja, os trabalhadores que exercem actividades que a priori não se inscrevem no quadro tradicional das profissões independentes, como os agricultores ou a profissões liberais (2). Vejam-se os seguintes fenómenos:

As estratégias das empresas e, em particular, determinadas formas de externalização do trabalho;

A emergência de novas necessidades sociais a serem satisfeitas, associadas à evolução demográfica e ao envelhecimento da população;

As alterações que afectam a mão-de-obra, como o aumento do nível de formação da população;

Uma maior participação das mulheres nos mercados de trabalho;

A necessidade de uma inserção profissional dos grupos vulneráveis excluídos do mercado de trabalho. Para estas pessoas, o trabalho independente pode constituir, em alguns casos, uma alternativa ao desemprego;

O desejo de alguns trabalhadores de conciliar melhor a actividade profissional e a vida familiar;

A expansão dos serviços e as novas oportunidades criadas pelas tecnologias da informação e da comunicação.

3.1.2

Face a estas evoluções, a literatura académica, baseada em estudos empíricos, tem procurado identificar as diferentes categorias de trabalhadores independentes. As mais frequentes são as seguintes (3):

Os empresários que dirigem a sua empresa recorrendo à contratação e, portanto, à ajuda de assalariados;

Os profissionais liberais «tradicionais» (4) que, para exercerem a sua profissão, estão obrigados a cumprir as exigências específicas impostas por regulamentações nacionais (certificação das suas competências, respeito pelos códigos deontológicos das respectivas profissões). Embora possam empregar trabalhadores, exercem, regra geral, a sua actividade sozinhos ou em conjunto com outras pessoas. Desta categoria fazem parte, por exemplo, os advogados e os médicos;

Os artesãos, comerciantes e agricultores que formam o núcleo das formas tradicionais de trabalho independente e que podem ser auxiliados por membros da sua família e/ou por um número restrito de empregados permanentes ou não;

Os «novos independentes» que exercem uma actividade qualificada, mas cuja profissão não se encontra regulada em todos os países, ao contrário do que sucede com as profissões liberais supramencionadas;

Os trabalhadores independentes que exercem uma actividade muito ou pouco qualificada, sem recorrer à contratação de assalariados, cuja existência resulta das estratégias das empresas e, em particular, do desenvolvimento da externalização de determinadas fases do processo produtivo.

3.1.3

Paralelamente a estas definições, o Inquérito à Força de Trabalho realizado pelo EUROSTAT [EUROSTAT Labour Force Survey] estabelece uma delimitação estatística do trabalho independente, distinguindo as seguintes categorias de trabalhadores independentes:

Os empregadores, definidos como as pessoas que exploram a sua própria actividade (empresa, profissão liberal, actividade agrícola), no intuito de obter um benefício, e que empregam pelo menos uma pessoa;

Os own account workers (trabalhadores por conta própria), definidos como as pessoas que exploram a sua própria actividade (empresa, profissão liberal, actividade agrícola) no intuito de obter ganhos sem, no entanto, recorrer à contratação de assalariados. Em 2008, esta categoria de trabalhadores representava mais de 36 milhões de pessoas na UE-27, o equivalente a cerca de 16 % da população empregada;

Os family workers (trabalhadores familiares), definidos como as pessoas que auxiliam um membro da sua família no exercício de uma actividade económica (comercial ou agrícola), ou seja, todos os que não possam ser qualificados de trabalhadores por conta de outrem.

3.1.4

É de facto muito difícil quantificar o fenómeno do trabalho economicamente dependente. Apenas nos países que reconheceram juridicamente esta categoria de trabalhadores existe uma delimitação mais precisa da população de trabalhadores que, embora sendo autónomos, trabalham numa situação de dependência económica. Todavia, é indubitável que pelo menos uma parte dos trabalhadores considerados estatisticamente como independentes exerce a sua actividade numa situação de dependência económica de um cliente e/ou comitente.

3.1.5

Assim, com base nos dados europeus disponíveis sobre a amplitude do trabalho independente (5), é possível concluir que, em 2007, em cada Estado-Membro, a percentagem de trabalhadores independentes que não empregavam nenhum assalariado perfazia, no mínimo, 50 % do total dos trabalhadores independentes. Em alguns Estados-Membros, essa percentagem era mesmo mais elevada (70 % ou mais). É este o caso da República Checa, da Lituânia, de Portugal, da Eslováquia e do Reino Unido. Se tivermos em conta as mudanças económicas e sociais responsáveis pelo surgimento de novas formas de trabalho independente e a experiência dos países que regulamentaram estas novas formas de trabalho, chega-se à conclusão de que uma parte significativa desta importante população de own account workers trabalha numa situação de dependência económica.

3.1.6

Os fenómenos a que se tem assistido nas últimas décadas revelam que, na Europa, cada vez mais trabalhadores autónomos recorrem a contratos de trabalho e que, por outro lado, o aumento das formas de trabalho dependente se processa através de formas jurídicas fora do mercado de trabalho. Daí a necessidade de identificar critérios para a definição desta dependência económica e estabelecer mecanismos estatísticos para se saber quantas pessoas trabalham em regime de prestação de serviços.

3.2   O trabalho autónomo economicamente dependente, uma questão que se coloca ao nível europeu

3.2.1

Desde há vários anos que a questão da protecção dos trabalhadores independentes constitui uma preocupação da União Europeia. Refira-se, a este respeito, a Recomendação 2003/134/CE do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003 (6), sobre a melhoria da protecção da saúde e da segurança no trabalho dos trabalhadores independentes. Os desafios relacionados com os trabalhadores independentes estão também patentes nos debates em curso sobre a proposta de uma nova directiva relativa à aplicação do princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma actividade independente.

3.2.2

Acresce que a distinção estabelecida entre trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores por conta própria está no centro dos actuais debates sobre a alteração da Directiva 2002/15/CE relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário.

3.2.3

A questão do trabalho autónomo economicamente dependente já foi por diversas vezes explicitamente tratada ao nível da União Europeia. O relatório de Alain SUPIOT, apresentado à Comissão Europeia em 2000 (7), reconhecia a existência de trabalhadores que apesar de não poderem ser classificados como «trabalhadores por conta de outrem» se encontram numa situação de dependência económica do seu comitente, e argumentava que lhes fossem reconhecidos os «direitos sociais» justificados por essa dependência.

3.2.4

No seu Livro Verde sobre a modernização do direito do trabalho, publicado em 2006 (8), a Comissão Europeia afirmava que «o trabalho por conta própria também constitui um meio para responder às necessidades de reestruturação, reduzir os custos directos ou indirectos da mão-de-obra e gerir os recursos de forma mais flexível em situações económicas imprevistas. Traduz ainda a preferência por um modelo empresarial orientado para a prestação de serviços, que realizam projectos completos para os seus clientes. Em muitos casos, reflecte uma escolha livre de trabalhar por conta própria, embora o nível de protecção social seja menor, em troca de um controlo mais directo sobre as condições de emprego e de remuneração». Nesta base, a «Comissão indicava igualmente que o conceito de “trabalho autónomo economicamente dependente” abrange situações que se situam entre as duas noções já consagradas de emprego por conta de outrem e emprego por conta própria. Esta categoria de trabalhadores não possui um contrato de trabalho. Não podem ser abrangidos pelo direito do trabalho, pois fazem parte da “zona cinzenta” entre o direito do trabalho e o direito comercial. Embora formalmente sejam “trabalhadores por conta própria”, continuam a ser economicamente dependentes de um só comitente ou cliente/empregador quanto à origem dos seus rendimentos. Este fenómeno deveria ser distinguido claramente da utilização deliberadamente falsa da qualificação de trabalho por conta própria».

3.2.5

O parecer do CESE sobre o Livro Verde (9) aborda igualmente esta questão.

4.   O trabalho autónomo economicamente dependente: Uma realidade jurídica em alguns Estados-Membros da União Europeia

4.1   Existência de categorias jurídicas intermédias entre trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria

4.1.1

A noção jurídica de trabalho autónomo economicamente dependente pode levar a que esta última seja considerada uma categoria intermédia entre a do trabalhador por conta de outrem e a do trabalhador por conta própria.

4.1.2

Até ao presente, apenas uma minoria de Estados-Membros reconheceu o conceito de trabalhador autónomo economicamente dependente como tal, embora com diferentes formas, tendo-se esforçado por encontrar uma definição para o mesmo. Esta categoria intermédia de trabalhador, que se situa na fronteira entre trabalhador por conta própria e trabalhador por conta de outrem, acaba por criar novas formas de emprego, cuja amplitude e conteúdo variam de país para país. É o caso, nomeadamente, da Alemanha, da Áustria, da Espanha, da Itália, de Portugal e do Reino Unido. Em Itália, a noção de «parasubordinação» é também aplicada aos trabalhadores recrutados com um «contrato de colaboração coordenada ou contínua» e às partes num «contrato de colaboração de projecto». No Reino Unido, existe a categoria de worker que é diferente da de employee. O worker distingue-se do trabalhador por conta de outrem (employee) na medida em que executa a sua actividade sem estar sob a autoridade do empregador. Na Áustria, há formas contratuais específicas, reconhecidas na legislação, que deixam transparecer sinais de uma concepção geral de trabalho autónomo economicamente dependente. Esse é, em particular, o caso dos freie Dienstverträge (contratos livres de serviços). Os trabalhadores recrutados com um contrato deste tipo distinguem-se dos trabalhadores por conta de outrem pelo facto de que, mesmo prestando trabalho a uma única pessoa e de acordo com um calendário determinado, não se encontram em situação de subordinação. Na Alemanha, existe a noção de arbeitnehmerähnliche Person (pessoa equiparada a um trabalhador). Esta categoria de trabalhadores, considerada pela legislação do trabalho como distinta da dos trabalhadores por conta de outrem, designa todos aqueles que, no quadro de um contrato comercial ou de prestação de serviços, exercem a sua actividade pessoalmente sem recorrer ao emprego de assalariados e em que mais de metade dos seus rendimentos de trabalho provém de um único cliente. O exemplo mais recente, e mais próximo da realidade, de definição do trabalho economicamente dependente é o da Espanha. O estatuto dos trabalhadores por conta própria, adoptado em 2007, define o trabalhador economicamente dependente em função de vários critérios. Trata-se dos que exercem uma actividade económica ou profissional a título lucrativo e de forma habitual, pessoal, directa e predominantemente para uma pessoa física ou jurídica, denominada cliente, de quem dependem economicamente por obterem dela no mínimo 75 % dos seus rendimentos de trabalho. Este estatuto é incompatível com uma sociedade comercial ou de direito civil (10).

4.1.3

Observando os sistemas jurídicos nacionais que admitiram a existência de uma nova categoria jurídica, várias constatações se impõem. Primeiro, trata-se efectivamente em todos os casos de estabelecer uma categoria nova, distinta da do trabalhador por conta de outrem e da do trabalhador por conta própria e, a fortiori, da do verdadeiro empresário. O objectivo perseguido por estes vários países não é o de transformar os trabalhadores por conta própria mas economicamente dependentes em trabalhadores por conta de outrem, mas antes o de lhes conferir um estatuto próprio, permitindo-lhes gozar de protecção específica, o que se justifica pela circunstância de haver dependência económica. É esta a razão pela qual, em qualquer dos casos atrás referidos, a condição do trabalhador autónomo economicamente dependente exclui a existência de uma relação jurídica de subordinação. Na grande maioria dos Estados-Membros da União Europeia, este último facto constitui um elemento-chave na definição jurídica de trabalhador por conta de outrem. Um trabalhador por conta de outrem é uma pessoa que trabalha sob a direcção de outra, qualificada de empregador, uma situação que pode ser identificada através de um conjunto de indícios: obrigação de prestar pessoalmente um trabalho; trabalhar para uma única pessoa durante um período de tempo determinado; ausência de responsabilidade do assalariado em relação aos riscos financeiros da empresa; trabalho executado em benefício de outra pessoa, etc. Segundo este critério, todo o trabalhador por conta de outrem é economicamente dependente, mas nem todo o trabalhador economicamente dependente é necessariamente um trabalhador por conta de outrem.

4.1.4

Não é menos verdade que importa definir critérios que permitam caracterizar a dependência económica. É uma tarefa complexa, mas não impossível, como o ilustram as diversas regulamentações nacionais na matéria. Os critérios susceptíveis podem estar, em primeiro lugar, relacionados com a pessoa do trabalhador: o trabalhador autónomo economicamente dependente pode ser definido como a pessoa que executa pessoalmente, e sem recurso à contratação de assalariados, o trabalho que lhe foi encomendado (este é, por exemplo, o caso da Espanha). Outros critérios, que se vêm juntar aos anteriores, referem-se à circunstância de dependência económica propriamente dita. Podem ter a ver com a parte do rendimento de trabalho proveniente de um único cliente (a questão é, pois, a de determinar o limite exacto dos rendimentos de trabalho a partir do qual há dependência económica) ou com a duração da relação entre o trabalhador e o seu cliente (quanto mais longa for a relação maior é a probabilidade de haver dependência económica em relação ao cliente). Este último critério é utilizado em Itália para reconhecer a existência de uma «colaboração coordenada e contínua». Há ainda um critério adicional por vezes proposto pelos peritos que estudam estes assuntos. O Professor Adalberto PERULLI (11) considera que há dependência económica do trabalhador quando a organização produtiva deste último depende da actividade do seu cliente. Dito por outras palavras, trata-se de situações em que o trabalhador não pode aceder ao mercado devido ao facto de a sua organização produtiva (que inclui os materiais e as tecnologias utilizados) estar completamente orientada para a satisfação das necessidades de um único cliente.

4.2   Protecção dos trabalhadores autónomos economicamente dependentes

4.2.1

Nos países que reconheceram a existência de uma categoria intermédia entre os estatutos de trabalhador por conta de outrem e de trabalhador por conta própria, constata-se que a situação de dependência económica coexiste com o reconhecimento de uma série de direitos de que não gozam as outras categorias de trabalhadores independentes, ainda que esses direitos sejam inferiores àqueles gozados pelos trabalhadores por conta de outrem. Assim, os direitos do trabalhador autónomo economicamente dependente podem ter a ver com a protecção social e inspirar-se nas garantias oferecidas pelo direito laboral aos assalariados. Nessa medida, podem aplicar-se às relações individuais entre o trabalhador e o seu cliente (salário mínimo, duração do trabalho, etc.), mas também levar a que sejam reconhecidos aos trabalhadores autónomos economicamente dependentes o direito de se organizarem colectivamente para defender e promover os seus direitos profissionais. Isto ilustra a ideia de que a dependência em relação a um terceiro, mesmo que seja económica e não jurídica, justifica uma protecção específica.

4.2.2

Em matéria de protecção social, nos Estados-Membros em questão, pode existir um nível intermédio de protecção social mais elevado do que aquele de que beneficiam os «simples trabalhadores independentes». É o caso, em Itália, dos trabalhadores com um «contrato de colaboração de projecto» que beneficiam de garantias em caso de maternidade, doença, acidente de trabalho e pensão, cada vez mais semelhantes às das concedidas aos assalariados. Este é também o caso do Reino Unido onde os workers têm direito a uma indemnização legal em caso de doença.

4.2.3

Em termos das regras pelas quais se rege o exercício da sua actividade, o trabalhador autónomo economicamente dependente, mesmo não sendo assalariado, beneficia, regra geral, de uma parte da protecção concedida aos assalariados.

4.2.4

Evidentemente que, para além desta observação genérica, a amplitude da protecção concedida ao «trabalhador autónomo economicamente dependente» varia significativamente de país para país. No Reino Unido, os workers beneficiam de protecção em matéria de salário mínimo, de duração do trabalho e de licenças. Em Espanha, numa perspectiva muito mais ambiciosa, o Estatuto de 2007 reconhece ao trabalhador economicamente dependente:

direitos inerentes ao exercício da sua actividade profissional: direito ao descanso, direito a férias;

direitos relativos à resolução do contrato que o liga ao comitente: de modo exemplar, a exigência imposta ao cliente de não poder rescindir o contrato, salvo motivo justificado. Na ausência de motivo justificado, a denúncia do contrato obriga o cliente a indemnizar o trabalhador.

4.2.5

Para além das protecções conferidas aos trabalhadores autónomos economicamente dependentes, conviria assegurar a todos os trabalhadores independentes da UE um nível mínimo de protecção social – por exemplo, em matéria de segurança social, de formação profissional ou de acesso à prevenção de riscos profissionais –, como estabelecido na Recomendação do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, a fim de garantir um nível básico de protecção social a todos os trabalhadores em geral, independentemente da forma jurídica sob a qual exercem a sua actividade.

5.   Desafios associados ao reconhecimento do trabalho autónomo economicamente dependente

5.1   Trabalho assalariado e trabalho autónomo economicamente dependente: competem entre si ou complementam-se?

5.1.1

Como já atrás se viu, apenas uma minoria dos Estados-Membros da UE reconhece na sua legislação interna a categoria de trabalhador autónomo economicamente dependente. Este facto não é só o reflexo da diversidade de realidades económicas e sociais, variáveis de país para país, mas também das legítimas reticências suscitadas pela existência destes estatutos intermédios. Receia-se que, na prática, mesmo que sejam clarificadas as categorias jurídicas em questão, o reconhecimento do trabalho autónomo economicamente dependente faça com que pessoas que eram trabalhadores por conta de outrem passem a ser trabalhadores autónomos economicamente dependentes, na sequência, por exemplo, das estratégias de externalização de emprego adoptadas pelas empresas. Em certa medida, este risco é confirmado pela experiência italiana. Com efeito, a intenção do Governo italiano ao criar, em 2003, os contratos de colaboração de projecto era a de fazer com que «falsos trabalhadores por conta própria» passassem a ser trabalhadores assalariados. Ora, entre 2003 e 2005 assistiu-se a um aumento significativo do número de trabalhadores parasubordinados. Estas preocupações explicam, sem dúvida, o facto de, em vários Estados-Membros da União Europeia, os governos ou os parceiros sociais se oporem veementemente à criação de estatutos intermédios entre o de trabalhador por conta de outrem e o de trabalhador por conta própria. Por exemplo, a Confederação de Sindicatos britânica adoptou no seu congresso em 2009 uma moção em que recomendava que o número de estatutos de trabalho no Reino Unido se limitasse a dois: o de trabalhador por conta de outrem e o de trabalhador por conta própria.

5.1.2

É verdade que as reflexões sobre o reconhecimento do trabalho autónomo economicamente dependente não podem dissociar-se completamente das relativas ao «falso trabalho por conta própria». Este último constitui uma realidade conhecida em vários Estados-Membros da União, nomeadamente em sectores como o da construção onde essa prática ilegal é muito difundida a ponto de justificar que os parceiros sociais europeus do sector tenham recentemente adoptado uma posição comum. Não há dúvida de que há trabalhadores que formalmente (especialmente no que diz respeito à denominação que as partes atribuem às suas relações) são independentes mas exercem a sua actividade em condições iguais às dos trabalhadores por conta de outrem. Muitas vezes, são situações em que o empregador recorre à qualificação de trabalho independente para escapar à aplicação do direito do trabalho e/ou do direito da segurança social. Face a esta realidade, a Recomendação n.o 198 da OIT (12) insta os governos a adoptarem nas respectivas legislações critérios claros que permitam qualificar a relação de trabalho assalariado para combater o falso trabalho por conta própria. Trata-se aqui, sem dúvida, de uma questão fundamental. Contudo, ela é diferente da do trabalho autónomo economicamente dependente. De um ponto de vista jurídico, esta última é de facto bem diferente da do trabalhador assalariado, incluindo nos países que reconhecem esta forma de emprego. Dito de outra forma, a existência de um estatuto de trabalho autónomo economicamente dependente só é concebível se a definição deste último for bem distinta da do trabalho por conta de outrem. O critério da subordinação jurídica tem certamente um papel essencial a desempenhar a este respeito. Uma pessoa que trabalhe em condições que fazem dela um assalariado, não deve poder ser considerada economicamente dependente. Obviamente que isto pressupõe, como recomendado pela OIT, que a definição de assalariado nas legislações nacionais seja o mais clara e precisa possível. Por outras palavras, deve ser possível distinguir o trabalho autónomo economicamente dependente do trabalho por conta de outrem, e para isso é necessário que cada um dos conceitos seja claramente definido. Isto implica, também, que haja meios eficazes para controlar o cumprimento da lei. Só nestas condições o reconhecimento do estatuto de trabalhador autónomo economicamente dependente pode permitir uma melhor protecção não dos falsos, mas dos verdadeiros independentes, e ser complementar do estatuto de trabalhador por conta de outrem.

5.1.3

Além disso, a partir do momento em que o trabalho autónomo economicamente dependente é reconhecido, há motivos para recear que a relação comercial entre um cliente e um trabalhador autónomo economicamente dependente se prolongue no tempo de tal forma que, na prática, o trabalhador autónomo economicamente dependente acaba por ocupar um emprego permanente por conta do seu cliente. Ainda que, no início, a relação comercial seja verdadeiramente real, a sua manutenção durante um período mais ou menos longo leva-nos obrigatoriamente à questão de saber quais as condições e os meios que permitem ao trabalhador autónomo economicamente dependente aceder ao estatuto de assalariado do seu antigo cliente, que passa a ser o seu empregador.

5.2   Oportunidades criadas pelo reconhecimento do trabalho autónomo economicamente dependente

5.2.1

O reconhecimento de um estatuto de trabalhador autónomo economicamente dependente é, em todos os Estados que o adoptaram, o meio de conferir maior protecção jurídica aos trabalhadores que não são assalariados, mas claramente independentes, e se vêem numa situação em que não podem beneficiar da protecção económica que lhes daria a possibilidade de trabalhar para uma multiplicidade de comitentes. Assim, o reconhecimento do trabalho autónomo economicamente dependente, para além de poder proporcionar protecção em termos de segurança social e de estatuto profissional, pode igualmente ser um meio para reforçar o espírito e a liberdade empresariais. É também possível imaginar que o trabalhador autónomo economicamente dependente possa beneficiar de um acompanhamento específico na condução da sua actividade (aconselhamento, ajuda financeira) que lhe permita desenvolver a sua própria empresa e sair finalmente de uma situação de dependência económica.

5.2.2

Por último, a reflexão sobre o trabalho autónomo economicamente dependente não pode ser alheia aos interesses dos consumidores. Com efeito, a prestação de serviços aos consumidores envolve frequentemente cadeias de subcontratação que incluem trabalhadores por conta própria e trabalhadores por conta própria mas economicamente dependentes. Assim, quando um consumidor contacta uma grande empresa para fazer um pedido de instalação (de gás, de electricidade, de telefone ou de televisão digital) ou de controlo ou reparação de um aparelho, normalmente é um trabalhador por conta própria que se desloca a sua casa em nome dessa empresa, assumindo a inteira responsabilidade pela correcta prestação do serviço. A posição dominante que as grandes empresas detêm nos mercados, num contexto oligopolista, permite-lhes impor condições muito duras relativamente ao preço pago ao subcontratante, diminuindo assim consideravelmente a margem de rentabilidade habitual do serviço em questão. Perante este cenário, o trabalhador por conta própria oscila entre duas possibilidades: obter o necessário limiar de rentabilidade ou prestar um serviço de boa qualidade. Neste contexto, reconhecer o trabalho autónomo economicamente dependente para equilibrar a relação contratual existente entre o trabalhador e o seu comitente é de natureza a reduzir a pressão económica a que o trabalhador está sujeito e a promover a prestação de um serviço de melhor qualidade ao consumidor final.

5.3   O trabalho autónomo economicamente dependente, um desafio europeu

5.3.1

A diversidade dos estatutos profissionais existentes nos vários Estados-Membros da União Europeia afecta necessariamente o funcionamento do mercado europeu, nomeadamente no que diz respeito à prestação de serviços transfronteiriços. Tal é, em particular, o caso em que uma prestação de serviços é realizada num Estado destinatário por um trabalhador por conta própria de outro Estado, pois este último, pelo facto de não ser assalariado, verá serem-lhe aplicadas as regras do seu Estado de origem (13). Esta situação coloca uma verdadeira questão de âmbito europeu.

5.3.2

De modo mais global, a análise conjunta dos parceiros sociais europeus (14), publicada em Outubro de 2007, confirma que há uma tendência para o emprego se concentrar no sector dos serviços, concentração essa que resulta das mudanças que afectam as organizações produtivas. Esta análise leva a pensar que as formas modernas de organização do trabalho e da produção obrigam a reconsiderar a própria noção de subordinação no trabalho, indo além da mera subordinação dita jurídica.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Desafios centrais dos mercados de trabalho europeus: Análise conjunta dos parceiros sociais europeus.

(2)  Ver o relatório do EIRO (Observatório Europeu das Relações Laborais), Self-employed workers: industrial relations and working conditions [Os trabalhadores independentes: Relações laborais e condições de trabalho], 2009.

(3)  Ver nota de rodapé 2.

(4)  A Directiva 2005/36/CE, de 7 de Setembro de 2005, propõe no considerando 43, uma definição de profissões liberais.

(5)  Tendo em conta as diferentes definições deste conceito utilizadas pelo EUROSTAT.

(6)  Alguns pontos desta recomendação são muito esclarecedores em relação ao tema do presente parecer. Ora veja-se:

A recomendação reconhece a coexistência de trabalhadores independentes e de outras pessoas que trabalham no mesmo local de trabalho (considerandos 4 e 5);

Nela se afirma que, regra geral, os trabalhadores que exercem a sua actividade profissional fora de uma relação de trabalho com um empregador não estão cobertos pela legislação em matéria de protecção (considerando 5);

Salienta-se que os trabalhadores independentes podem estar sujeitos a riscos para a saúde semelhantes aos incorridos pelos trabalhadores por conta de outrem (considerando 6);

As recomendações finais fazem menção à necessidade de adoptar medidas destinadas a sensibilizar esta categoria de trabalhadores através das suas organizações representativas.

(7)  Transformation of labour and future of labour law in Europe [Transformação do trabalho e futuro do direito laboral na Europa], Comissão Europeia, 1999.

(8)  Livro Verde «Modernizar o direito do trabalho para enfrentar os desafios do século XXI», COM(2006) 708 final.

(9)  Parecer do CESE, de 30 de Maio de 2007, sobre o Livro Verde «Modernizar o direito do trabalho para enfrentar os desafios do século XXI», relator: Retureau (JO C 175 de 27.7.2007, p. 65), ponto 3.1.4.

(10)  Ver artigo 11.o da lei espanhola de 11 de Julho de 2007, sobre o estatuto do trabalho independente.

(11)  A. Perulli, Travail économiquement dépendant / parasubordination: les aspects juridiques, sociaux et économiques [Trabalho economicamente dependente / parasubordinação: Aspectos jurídicos, sociais e económicos], relatório elaborado a pedido da Comissão Europeia, 2003.

(12)  OIT, Recomendação n.o 198 sobre a relação de trabalho, 2006.

(13)  Ver, a este respeito, o considerando 87 da Directiva 2006/123/CE relativa aos serviços no mercado interno.

(14)  Desafios centrais dos mercados de trabalho europeus: análise conjunta dos parceiros sociais europeus.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

Os excertos seguintes foram suprimidos na sequência de propostas de alteração adoptadas na reunião da plenária, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos.

Ponto 1.2

1.2

«Promover a realização de estudos que permitam avaliar com precisão as experiências nacionais no que diz respeito ao trabalho economicamente dependente. Tais avaliações permitiriam identificar as prioridades respeitantes à protecção dos trabalhadores qualificados economicamente dependentes, bem como os riscos associados ao reconhecimento desta nova categoria jurídica e as modalidades de representação colectiva dos trabalhadores economicamente dependentes.».

Resultado da votação

Votos a favor

:

101

Votos contra

:

93

Abstenções

:

5

Ponto 1.6

1.6

«Considerar a possibilidade de estabelecer ao nível europeu um corpus comum de direitos para todos os trabalhadores, sejam eles assalariados ou independentes. Nesta base, seria possível clarificar a existência de definições diferentes dos níveis de dependência em que se possa encontrar um trabalhador, desde a verdadeira independência económica, passando pelo trabalho juridicamente independente, até ao trabalho economicamente dependente, e estabelecer as protecções correspondentes. Parece ser isto o que têm em mente os Estados-Membros que decidiram reconhecer uma categoria intermédia de trabalhadores. Uma comunicação da Comissão Europeia poderia ser útil para abordar esta questão.».

Resultado da votação

Votos a favor

:

108

Votos contra

:

88

Abstenções

:

7

Ponto 2 (Introdução)

«Literalmente, o profissional que trabalha de forma independente distingue-se do trabalhador que exerce a sua actividade por conta de outrem. Mas esta simplicidade é só aparente porque o trabalho independente abarca diversas situações, tanto ao nível social como ao nível económico, que não podem ser todas tratadas do mesmo modo. Esta fragmentação do trabalho independente constata-se em todos os Estados-Membros da União Europeia. Acontece, no entanto, que para além das profissões tradicionalmente consideradas independentes, desde há muito existentes e reconhecidas na União Europeia, surgiram mais recentemente novas formas de trabalho autónomo como resultado da evolução das economias e dos mercados de trabalho nacionais. É nestas últimas que o presente parecer se centra. Entre estas novas formas ou tendências de trabalho autónomo há uma que se distingue claramente das restantes, nomeadamente a que se refere aos trabalhadores que, sem estarem juridicamente subordinados, exercem a sua actividade numa situação de dependência económica de um cliente e/ou comitente. Estas realidades remetem para aquilo a que se convencionou chamar de Os trabalho economicamente contratantes dependentes, e que constituem i o objecto central do presente parecer. Interessa-nos saber como estas novas formas de trabalho independente se reflectem na prática para perceber a partir de que momento podem pôr em causa a independência económica do trabalhador autónomo. Por conseguinte, o presente parecer não aborda a questão do trabalho não declarado, nem a do “falso trabalho por conta própria”, ainda que estes dois fenómenos possam, em alguns casos, ter aparente ou realmente uma ligação com os trabalhadores autónomos economicamente dependentes.».

Resultado da votação

Votos a favor

:

105

Votos contra

:

92

Abstenções

:

10

Ponto 5.1.3

5.1.3

«Além disso, a partir do momento em que o trabalho economicamente dependente é reconhecido, há motivos para recear que a relação comercial entre um cliente e um trabalhador economicamente dependente se prolongue no tempo de tal forma que, na prática, o trabalhador economicamente dependente acaba por ocupar um emprego permanente por conta do seu cliente. Ainda que, no início, a relação comercial seja verdadeiramente real, a sua manutenção durante um período mais ou menos longo leva-nos obrigatoriamente à questão de saber quais as condições e os meios que permitem ao trabalhador economicamente dependente aceder ao estatuto de assalariado do seu antigo cliente, que passa a ser o seu empregador. É possível imaginar, por exemplo, que a sucessão de contratos comerciais com um mesmo cliente ao longo de um determinado período de tempo pode acabar por requalificar a relação entre as partes numa relação de trabalho assalariado. Trata-se de uma necessidade que decorre, muitas vezes, do facto de a passagem para o estatuto de trabalhador economicamente dependente não ser uma escolha voluntária, mas forçada, determinada por factores externos, como a externalização da produção ou a reconversão de uma empresa e a decorrente cessação de contratos de trabalho.».

Resultado da votação

Votos a favor

:

105

Votos contra

:

92

Abstenções

:

5

Ponto 5.2.2

5.2.2

«Acresce que o reconhecimento do trabalho economicamente dependente pode constituir uma oportunidade para o desenvolvimento de formas de organização e representação colectiva dos novos trabalhadores independentes. Estes últimos, muitas vezes isolados, nem sempre vêem os seus interesses profissionais defendidos pelas organizações profissionais existentes nos Estados-Membros.».

Resultado da votação

Votos a favor

:

106

Votos contra

:

91

Abstenções

:

5


III Actos preparatórios

Comité Económico e Social Europeu

462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010

19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde – Reforma da política comum das pescas»

[COM(2009) 163 final]

2011/C 18/09

Relatora: María Candelas SÁNCHEZ MIGUEL

Em 22 de Abril de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

«Livro Verde – Reforma da política comum das pescas»

COM(2009) 163 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 25 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 141 votos a favor, 1 voto contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

A principal conclusão que se pode extrair do Livro Verde da Comissão sobre a reforma da política comum das pescas é que a actual PCP não resolveu os problemas detectados na anterior reforma de 2002. As mudanças introduzidas produziram efeitos visíveis em aspectos tão problemáticos como a sobrecapacidade da frota ou a sobrepesca e o declínio dos volumes das capturas A nova proposta de reforma pretende corrigir, segundo afirma a Comissão, o carácter fragmentado e paulatino das anteriores.

1.2

O CESE espera que as medidas a adoptar estejam à altura de salvaguardar o emprego e a coesão territorial e que os objectivos estratégicos preservem o equilíbrio entre os pilares económico, social e ambiental, garantindo e favorecendo o comportamento responsável e sustentável de todos os elos da cadeia de pesca.

1.3

Entre os temas em que convém insistir mais na futura reforma da PCP, enunciados nas observações na especialidade, estariam:

o estabelecimento de um regime diferenciado para as frotas da pequena pesca;

a introdução de um capítulo social que harmonize as condições de trabalho dos pescadores;

a melhoria das condições de mercado e das práticas comerciais;

a complementaridade com a política ambiental marinha que deverá, além disso, promover e intensificar a investigação aplicável á política das pescas;

a plena inserção da PCP no âmbito das organizações internacionais (ONU, FAO).

2.   Contexto legislativo

2.1

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea d) do Tratado de FUE, «a União dispõe de competência exclusiva […] na conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas.». No momento de definir as políticas resultantes da consulta realizada através do Livro Verde, e para vincular todos os envolvidos ao cumprimento das normas estabelecidas, convém ter em conta as opiniões dos governos e das partes interessadas.

2.2

Desde a entrada em vigor do Regulamento (CE) n.o 2371/2002, a Comissão tem vindo a melhorar alguns aspectos relativos à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos com a aprovação de planos de gestão e de recuperação e dos regulamentos de controlo e execução. Também apresentou comunicações de grande relevância, como a COM(2007) 73 relativa aos instrumentos de gestão baseados nos direitos de pesca que se propunha analisar os sistemas nacionais em vigor e a possibilidade de melhorar a sua eficácia graças à utilização das boas práticas.

3.   Análise e elementos de resposta às questões levantadas pelo Livro Verde

3.1   Responder aos desafios estruturais colocados à PCP

3.1.1   Sobrecapacidade da frota: conseguir o equilíbrio entre rentabilidade e emprego sustentável

3.1.1.1

O CESE partilha até certo ponto o diagnóstico da Comissão e reconhece que a sobrecapacidade das frotas pesqueiras na UE (sobretudo tendo em conta os progressos tecnológicos) continua a ser uma tendência muito forte que, até à data, tem sido impossível inverter completamente. No entanto, não convém generalizar. É preciso relativizar o balanço demasiado negativo da Comissão, já que alguns Estados-Membros reduziram entretanto, em maior ou menor medida, a capacidade das suas frotas. De qualquer modo, haverá que voltar a actualizar os dados disponíveis sobre a situação actual das frotas dos Estados-Membros.

3.1.1.2

O CESE é favorável à redução das capacidades por via legislativa, insistindo na necessidade de tornar as medidas de gestão e de controlo coercivas através de planos de adaptação co-financiados pelos Estados-Membros e pela UE. Urge dar prioridade à eliminação de capacidades para conseguir o equilíbrio entre as possibilidades pesqueiras e os critérios ambientais e sociais. Para tal, haverá que dar prioridade às adaptações ambientais e sociais, por exemplo, no caso das embarcações que utilizam artes de pesca não selectivas ou que causam danos ao ambiente, que consomem grande quantidade de energia ou que criam poucos empregos em relação com a quantidade de pescado capturado. Além disso, é preciso considerar com precaução a ideia de um fundo de demolição ad hoc. O desmantelamento de embarcações representa um custo social que é preciso ter em conta. A demolição de navios de pesca salda-se frequentemente em perdas de emprego sem oferecer uma alternativa aos pescadores assalariados. O CESE não se opõe ao fundo de demolição ad hoc proposto pela Comissão e pensa que é apropriado sempre que beneficie não só os proprietários das embarcações como também os pescadores assalariados que vêem os seus empregos ameaçados. O fundo comunitário deveria prever, com efeito, medidas sociais tais como ajudas à formação e à reconversão profissional com o fito de evitar perdas de emprego, sem mais. Face ao exposto, o CESE é de opinião que o sector deve garantir a prazo a sua viabilidade económica e sair de uma situação de dependência das ajudas públicas que devem ser consideradas provisórias enquanto não forem resolvidas as dificuldades estruturais que o sector atravessa.

3.1.1.3

O CESE reconhece que a utilização de instrumentos de mercado, como os direitos de pesca transmissíveis, pode ser útil para atenuar a sobrecapacidade das frotas. Embora admita que este tipo de gestão contribui, por vezes, para reduzir a capacidade em certos países e que funciona em certos tipos de pesca, o CESE considera que a Comissão terá de demonstrar que esta medida tem fundamento e explicitar melhor as medidas de protecção e de manutenção que tenciona adoptar para evitar consequências indesejáveis para o emprego e o ordenamento do território, com o risco de uma concentração de direitos de pesca nas mãos de um pequeno número de grandes empresas vir a prejudicar as comunidades de pesca de dimensões mais modestas.

3.1.2   Precisar os objectivos estratégicos

3.1.2.1

O CESE adverte para o perigo de se estabelecer uma hierarquia entre os objectivos estratégicos de desenvolvimento sustentável da pesca, preconizando, em vez disso, uma abordagem equilibrada que confira igual importância, a longo prazo, aos pilares económico, social e ambiental. O CESE vê por bem salientar que o Livro Verde, tal como aconteceu com a revisão de 2002, não presta a devida atenção à dimensão social da futura PCP, já que esta não aparece explicitamente entre os objectivos estratégicos fundamentais.

3.1.2.2

A melhoria constante dos recursos naturais e a sua estabilização em níveis de exploração sustentáveis devem ser acompanhadas por estudos de impacto socioeconómico para promover medidas de apoio financeiro ao sector que, por sua vez, se destinem ao emprego e permitam às empresas investir na inovação e no desenvolvimento, bem como à formação profissional. É, além disso, necessário garantir rendimentos condignos aos pescadores durante os períodos de defeso.

3.1.3   Reorientar o quadro do processo de decisão

3.1.3.1

O CESE apoia plenamente a ideia de rever o processo de decisão para facilitar a compreensão da política, aumentar a eficácia e reduzir os custos. Seria conveniente poder distinguir entre, por um lado, os princípios e os objectivos fundamentais sobre os quais terão de decidir o Conselho em conjunto com o Parlamento Europeu e, por outro lado, a sua aplicação delegada aos Estados-Membros, à Comissão ou, eventualmente, aos novos órgãos de decisão descentralizados que representem todas as partes interessadas a nível local. Graças à descentralização da tomada de decisões em questões técnicas (microgestão), a participação dos órgãos de poder local e regional parece apontar na boa direcção. Ciente de que as unidades populacionais de peixes e os ecossistemas partilhados abarcam zonas geográficas muito extensas, o CESE acolhe favoravelmente a ideia de incumbir os Estados-Membros da gestão dos princípios e das normas essenciais da PCP mediante uma colaboração estreita entre as regiões marinhas.

3.1.3.2

Por último, o processo de decisão deverá tirar o máximo partido possível dos pareceres emitidos por órgãos consultivos que realizam um trabalho complementar, como o Comité Consultivo da Pesca e da Aquicultura (CCPA) e os Conselhos Consultivos Regionais (CCR). Haverá que ter igualmente em conta as iniciativas e os pareceres do Comité Paritário para os Problemas Sociais na Pesca Marítima.

3.1.4   Aumentar a responsabilização do sector

3.1.4.1

O CESE saúda a ideia de responsabilizar mais os operadores do sector, o que poderia seguramente traduzir-se na aplicação de um regime de gestão dos recursos naturais baseado em direitos de pesca transmissíveis, individuais ou colectivos, em função da situação local, mantendo de qualquer modo o que ficou dito no ponto 3.1.1.3.

3.1.5   Reforçar a cultura do cumprimento das regras estabelecidas

3.1.5.1

O CESE considera que é preciso continuar a desenvolver e a apoiar economicamente os sistemas de recolha de dados sobre a observância da regulamentação. O subsector das capturas poderia passar a desempenhar um papel preponderante neste sistema (ver o anterior ponto 3.1.4). Além disso, por uma questão de eficácia, a aplicação de mecanismos de controlo deveria ser partilhada pelos Estados-Membros, a Comissão e a Agência Comunitária de Controlo das Pescas, implicando dentro do possível as partes interessadas. Por outro lado, o CESE é favorável à criação de um regime que obrigue ao efectivo exercício das responsabilidades no controlo ao acesso ao financiamento comunitário, tal como referiu no seu parecer (1).

3.2   Melhorar ainda mais a gestão das pescas na UE

3.2.1

O CESE toma nota das pistas de reflexão enunciadas no Livro Verde com vista a melhorar ainda mais a gestão das pescas na UE, sobre as quais gostaria de formular as seguintes observações gerais:

3.2.1.1

Para tirar maior partido dos recursos haliêuticos, o CESE concorda que, até 2015, é preciso tornar a sua gestão compatível com os objectivos MSY, mas definindo desde logo um objectivo de gestão mais preservadora em que seja minimizado o risco de colapso das unidades populacionais de peixes e assegurada uma pesca mais rentável. Isso é igualmente válido para as pescarias mistas graças a medidas mais flexíveis que evitem danos económicos e sociais. De resto, o CESE é favorável à eliminação total e progressiva das devoluções.

3.2.1.2

O CESE quer evitar que se volte a questionar de forma precipitada o modo de gestão dos recursos haliêuticos baseado no sistema dos TAC (totais admissíveis de capturas) e das quotas. Não obstante as suas imperfeições, este sistema não é fácil de substituir. Não se pode pensar em alternativas que consistam em privilegiar uma gestão baseada no controlo do esforço de pesca ou ainda em introduzir direitos de pesca sem realizar previamente um estudo de impacto socioeconómico rigoroso que prove o fundamento de uma eventual alteração das bases da gestão dos recursos haliêuticos.

3.2.1.3

Além disso, se a redução do esforço de pesca se tiver de traduzir em restrições no número de dias dedicados às actividades pesqueiras, o CESE recorda que um tal sistema apresenta uma série de inconvenientes inaceitáveis, visto expor os trabalhadores a períodos pontuais de trabalho excessivo propícios à fadiga e, por conseguinte, ao risco de acidentes.

3.2.1.4

Por outro lado, o CESE manifesta reservas quanto à aquisição de direitos de pesca no caso de serem exercidos para fins comerciais, uma vez que os recursos naturais são sobretudo propriedade da sociedade no seu todo. Poder-se-ia defender a sua transmissibilidade numa base anual ou plurianual, desde que não se volte a pôr em causa o princípio de gestão das quotas pelos poderes públicos. Consoante a situação local, poder-se-ia decidir o acesso aos recursos utilizando critérios sociais e ambientais. Em todo o caso, a transmissão dos direitos de pesca transmissíveis, individuais ou colectivos, não deveria ter carácter permanente nem ser objecto de comércio especulativo.

3.2.1.5

Deste modo, as capturas de peixe que excederem as quotas poderiam ser deduzidas das quotas do ano seguinte, revertendo o produto da venda destes produtos a favor de outros operadores do sector dispostos a ceder parte das suas quotas para terem em conta a sobrepesca.

3.2.1.6

O CESE considera que a estabilidade relativa deve continuar a ser uma das pedras angulares da PCP. Observa, contudo, que é necessário actualizar novamente este princípio para ter em conta as alterações havidas desde a sua criação em 1983. Todas as adaptações deste sistema deveriam ser, de qualquer modo, negociadas entre os Estados-Membros. Poder-se-ia dar acesso preferencial às comunidades regionais e locais com base em critérios sociais e ambientais.

3.2.1.7

Importa igualmente promover a integração da PCP na Política Marítima Integrada (PMI). O CESE propõe que se reconheça juridicamente aos sectores de captura e de aquacultura o direito de serem consultados sobre o ordenamento do espaço marítimo e que a PCP crie mecanismos de compensação para as empresas pesqueiras em risco de perder oportunidades de pesca e para o seu pessoal. Trata-se especialmente de estimular proactivamente a formação profissional (por exemplo, a criação de vias de formação integradas) e o conhecimento exaustivo do meio marinho, fomentando deste modo a criação de empregos estáveis e a reconversão profissional dentro dos clusters marítimos.

3.2.1.8

É indispensável aumentar a afectação de meios financeiros à investigação destinada a melhorar o conhecimento do meio marinho e dar mais valor aos conhecimentos dos pescadores.

3.2.1.9

O CESE assinala que os objectivos da PCP em matéria de apoio financeiro não foram alcançados. Haverá que continuar a perseguir o objectivo de sustentabilidade económica, na condição de se rever a fundo a organização do mercado do sector. Além disso, convém utilizar as ajudas públicas para apoiar a transição da pesca e da indústria transformadora da UE para uma pesca sustentável, para fazer face às consequências socioeconómicas do processo de reestruturação. Por último, o CESE defende que se estabeleça uma ligação entre a concessão de financiamento comunitário e a consecução dos objectivos estratégicos por parte dos Estados-Membros.

4.   Observações na especialidade

4.1   Um regime de pesca diferenciado para proteger as frotas costeiras da pequena pesca?

4.1.1

As pequenas frotas costeiras geram grande número de postos de trabalho, tanto directa como indirectamente, e têm um papel activo na estrutura e na revitalização do tecido socioeconómico das zonas costeiras. Em condições favoráveis, podem ajudar as comunidades que dependem da pesca a atenuar as consequências económicas e sociais da crise estrutural. Por este motivo, e conquanto não haja distorções na concorrência e se tenha em conta as suas especificidades, o CESE apoia a ideia de aplicar uma abordagem diferenciada ao sector. Importa defender aqui adequadamente o acesso, a reserva das doze milhas e os outros direitos das pescarias costeiras de pequena escala, por exemplo, mediante uma concessão exclusiva de quotas nacionais. O CESE observa, contudo, que haverá que chegar a um consenso sobre os critérios (por exemplo, a dimensão, o tempo passado no alto mar, a distância da costa, as ligações com as comunidades locais, etc.) a aplicar na definição deste tipo de pesca altamente diversificada, no nível mais adequado – local, regional ou nacional. Uma definição deste conceito a nível nacional ou local seria, segundo o CESE, mais apropriada do que a imposição de uma definição uniforme a nível comunitário.

4.2   A renovação da PCP requer a adopção de um autêntico capítulo social

4.2.1

O CESE considera que, em geral, o Livro Verde não atende devidamente aos aspectos sociais da PCP. A Comissão contenta-se em exprimir a sua profunda convicção de que é inevitável o declínio do emprego, sobretudo nas capturas. Convém recordar que, nos últimos dez anos, o emprego sofreu neste sector uma redução de 30 % e, sabendo-se que qualquer perda de postos de trabalho tem inevitavelmente um impacto negativo nos empregos em terra (em todos os sectores de transformação e em todas as actividades conexas da cadeia de produção), o balanço social não pode ser mais preocupante.

4.2.2

Na opinião do CESE, uma PCP renovada deveria desenvolver uma estratégia coerente a longo prazo capaz de garantir a sustentabilidade do sector, para integrar as questões sociais horizontalmente nas várias dimensões dessa política. O CESE evocaria neste contexto algumas pistas de reflexão para procurar resolver os problemas enfrentados pelo sector.

Hoje em dia não há um reconhecimento sistemático das qualificações profissionais entre os países da UE. A Comissão poderia, por conseguinte, reflectir sobre a criação de uma base comum para as qualificações e o reconhecimento de títulos, o que poderia estimular a mobilidade dos trabalhadores e contribuir para reforçar a prevenção dos riscos laborais.

Por outro lado, a pesca figura entre as actividades profissionais mais perigosas do mundo. Para desenvolver uma autêntica cultura de prevenção de acidentes, o CESE preconiza a compilação de dados estatísticos harmonizados sobre os acidentes e as suas causas, ainda não existente a nível comunitário. Esta base de dados serviria de base a um dispositivo regulamentar apropriado, em particular para as embarcações de menos de quinze metros que, actualmente, não se regem pela regulamentação em vigor. Além disso, o CESE lamenta que os Estados-Membros se sintam pouco empenhados na ratificação da Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos dos Navios de Pesca (STCW-F) e do Protocolo à Convenção de Torremolinos sobre a segurança dos navios de pesca.

No atinente às condições de trabalho, o CESE gostaria de insistir especialmente na necessidade de revalorizar o sector, garantindo dentro do possível níveis de remuneração dignos. O sistema de remuneração «à percentagem» (participação directa dos trabalhadores nos resultados da exploração) tem sido eficaz nos países da UE onde já existe e está, por outro lado, arreigado na cultura das comunidades de pescadores. No entanto, este sistema não oferece garantias sobre a regularidade de rendimentos condignos. Além disso, nalguns países da UE os pescadores são considerados trabalhadores autónomos pelo facto de parte do seu salário ser variável, o que os exclui dos regimes de segurança social. O CESE solicita, por isso, à Comissão que lance os primeiros alicerces de um quadro comunitário de harmonização sobre o direito dos pescadores a uma remuneração digna e regular e a uma protecção social eficaz.

4.3   A necessária melhoria das condições de mercado e das práticas comerciais

4.3.1

Tal como salienta o Livro Verde, o subsector de capturas recebe apenas uma pequena parte do preço que o consumidor paga pelo peixe. Como a actual organização de mercado não é satisfatória, a rentabilidade do sector é baixa. O CESE considera que urge resolver a situação, em virtude da fragmentação do sector de venda num número demasiado elevado de operadores, por um lado, e de uma forte concentração de centrais de compra, por outro, que impõem aos produtores a fixação dos preços. Às deficiências atrás mencionadas acresce um voluntarismo político demasiado tímido em matéria de transparência e de rastreabilidade no comércio dos produtos do mar. O CESE destaca a importância do cumprimento das regras e da vigilância da correcta identificação de todos os produtos da pesca e da aquacultura, tanto comunitários como importados, evitando confundir os consumidores e proporcionando-lhes toda a informação de que necessitam para poderem comprar com conhecimento de causa. Por último, o CESE insta à disponibilização de mais recursos para controlar os produtos congelados importados por via terrestre, marítima ou aérea, bem como à observância das normas de rotulagem (de acordo com o Regulamento na matéria).

4.4   Ambiente e investigação

4.4.1

A PCP depende de outras políticas que têm implicações consideráveis no sector pesqueiro e que também não estão a surtir os resultados almejados. É de salientar neste contexto a estratégia marinha que foi objecto da Directiva 2008/56/CE, cuja principal finalidade era estabelecer um quadro de acção comunitária no domínio da política europeia para o meio marinho, não só devido às desastrosas «marés negras» provocadas pelo Erika e pelo Prestige, mas também às descargas urbanas e à construção cada vez mais intensa no litoral e ainda a outras modificações da costa.

4.4.2

As alterações climáticas têm igualmente consequências para o meio marinho em termos de aquecimento, poluição e modificações nas correntes marítimas, factores que influem na recuperação das unidades populacionais de peixes e impedem que os períodos de defeso tenham a esperada eficácia.

4.4.3

Importa, portanto, integrar na PCP a política ambiental, enquanto política horizontal no âmbito da UE. O CESE tem vindo a reiterar a necessidade de integrar todas as políticas europeias e, neste sentido, é evidente o papel a desempenhar pela PCP na aplicação de uma abordagem integrada para a protecção do ambiente marinho.

4.4.4

Parece adequado estabelecer indicadores para avaliar os resultados da protecção do meio marinho (2). O seu acompanhamento deveria ser feito à escala internacional, graças à cooperação no âmbito da Agência Europeia do Ambiente (AEA) e do Conselho Internacional de Exploração do Mar (CIEM).

4.4.5

Sendo a informação um instrumento elementar para concretizar a protecção do ambiente marinho, são essenciais as análises dos dados coligidos a nível nacional. O CESE reconhece que é preciso intensificar a investigação neste âmbito e aposta na criação dos instrumentos necessários para intensificar as relações entre os cientistas e o sector pesqueiro, as administrações responsáveis e a UE. Considera igualmente relevante a comunicação da Comissão sobre «Uma Estratégia Europeia para a Investigação Marinha» (3) e indispensável uma dotação financeira para a sua aplicação na prática, já que seria insuficiente recorrer apenas aos fundos do Programa-Quadro de Investigação.

4.4.6

O CESE não tem dúvidas quanto à necessidade de uma dotação orçamental para a investigação marinha e marítima, mas considera igualmente fundamental motivar os jovens investigadores a trabalhar nesta área e estabelecer um mecanismo que centralize as boas práticas e sirva de fio condutor às autoridades competentes e, mais particularmente, às organizações regionais de gestão das pescas (ORGP), de modo a ser possível adoptar as práticas mais vantajosas em cada região marítima. Actualmente, há Estados-Membros que estão a envidar esforços notáveis para reforçar as práticas de pesca sustentáveis e os processos de recuperação do meio marinho.

4.5   Por uma dimensão internacional responsável da PCP

4.5.1

Incumbe a uma PCP renovada promover uma pesca responsável e sustentável, e isso também fora das águas territoriais comunitárias. A UE tem aqui um papel importante a desempenhar, participando activamente nas decisões tomadas em instâncias internacionais (ONU, FAO) e nas ORGP e, mais concretamente, zelando pela eficácia do controlo das operações no alto-mar e da luta contra a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN).

4.5.2

No âmbito das ORGP, o CESE considera que a PCP deveria promover a gestão sustentável das actividades pesqueiras no seu conjunto, concentrando-se em aspectos fundamentais como o cumprimento das regras, a gestão da capacidade com os recursos disponíveis, o reforço da governação através da definição de planos de gestão a longo prazo e estratégias de conservação dos ecossistemas.

4.5.3

No atinente aos acordos de parceria no domínio da pesca (APP), o CESE espera que as ajudas financeiras e o apoio técnico concedido contribuam para consolidar a capacidade dos países associados na concepção de uma política de pesca sustentável, reforçando simultaneamente a vigilância e o controlo das águas das regiões afectadas. Neste sentido, as autoridades dos países terceiros associados devem responsabilizar-se pela utilização correcta do dinheiro dos contribuintes europeus através do controlo eficaz dos objectivos estabelecidos pelos APP. Tendo em vista uma gestão mais correcta das ajudas, o CESE propõe que elas sejam afectadas a finalidades específicas, de modo a assegurar que os fundos concedidos sejam canalizados para o fim a que se destinavam. Tal servirá para melhorar as condições sociais e de emprego nos países associados.

4.5.4

O CESE solicita que se faça uma distinção entre os custos de acesso suportados pela frota de longa distância da UE, cobertos pelos armadores e representando uma percentagem justa do valor das capturas, e a contrapartida financeira dos APP destinada ao apoio ao desenvolvimento. Este apoio deverá reconhecer o importante contributo do sector pesqueiro para a redução da pobreza.

4.5.5

O CESE defende uma nova arquitectura para os APP que tenha devidamente em conta a dimensão social. Trata-se, particularmente, de conseguir a longo prazo a abolição da discriminação entre os trabalhadores comunitários e os oriundos de países terceiros em termos de condições de trabalho, de remuneração e de acesso à formação. Além disso, o CESE desejaria que, no recrutamento de pescadores não comunitários interviessem as práticas do diálogo social e da negociação colectiva, a fim de assegurar às tripulações condições de vida e de trabalho equitativas a bordo das embarcações europeias. Este desiderato é sobretudo importante para o CESE face à não observância das normas mínimas específicas para os pescadores ao nível de salários definidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

4.5.6

O CESE assinala que a cláusula social negociada pelos parceiros sociais europeus e adoptada pelos APP constitui um progresso no reconhecimento dos direitos dos trabalhadores locais e do valor real do seu trabalho, mas a sua eficácia deixa muito a desejar. É igualmente necessário avaliar a sua aplicação. Face ao exposto, o CESE preconiza a definição mais adequada dessa cláusula e o reforço do seu valor jurídico.

4.6   Desenvolver uma aquacultura sustentável

4.6.1

O CESE considera que a aquacultura deveria fazer parte da PCP renovada como um dos seus pilares de pleno direito, com vista a acabar com a actual estagnação da produção ao nível europeu. Devem ser tomadas medidas para promover a sua competitividade, de forma a torná-la novamente rentável, criadora de empregos de qualidade e respeitadora das normas de protecção do ambiente marinho em matéria de qualidade das águas locais, de fuga de espécies exóticas e de sustentabilidade da pesca para produção de farinha e óleo de peixe, etc. Convém, além disso, prestar especial atenção à qualidade da sua produção que deveria reger-se pelas normas de vigilância do mercado. De qualquer modo, convém ter em conta o parecer que o CESE está a elaborar sobre esta matéria (NAT/445).

4.6.2

O CESE considera que a imagem da aquacultura e da pesca, assim como a dos seus produtos transformados, deve ser melhorada, pelo que recomenda a realização de campanhas de informação, formação e comunicação dirigidas em primeiro lugar ao consumidor europeu.

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 277 de 17.11.2009, p. 56.

(2)  JO C 85 de 8.4.2003, p. 87-97.

(3)  COM(2008) 534 final.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho – Construir um futuro sustentável para a aquicultura – Um novo ímpeto para a estratégia de desenvolvimento sustentável da aquicultura europeia»

[COM(2009) 162 final]

2011/C 18/10

Relator: José María ESPUNY MOYANO

Em 8 de Abril de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho – Construir um futuro sustentável para a aquicultura – Um novo ímpeto para a estratégia de desenvolvimento sustentável da aquicultura europeia

COM(2009) 162 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 25 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 150 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o presente parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE reitera a preocupação já expressa no parecer sobre a estratégia para 2003 (1) relativamente à quebra de competitividade da aquicultura na UE em virtude de um quadro regulamentar inadequado. A sua sujeição desnecessária a regulamentações de vária ordem cria dificuldades adicionais ao desenvolvimento do sector.

1.2   Por esse motivo, o CESE acolhe favoravelmente a comunicação da Comissão e considera que a sua publicação neste momento é adequada e oportuna.

1.3   A aquicultura europeia deve retomar uma trajectória de crescimento sustentável que lhe permita dar resposta à procura de produtos aquícolas nutritivos, saudáveis e seguros. Se desenvolvida adequadamente, contribuirá para promover o crescimento socioeconómico das suas áreas de implantação, gerar mais emprego estável e de qualidade e contribuir para a fixação da população no território.

1.4   O CESE reitera a sua convicção de que o mercado único é um dos principais trunfos da UE. Manifesta-se, por isso, apreensivo com a falta de homogeneidade e de coerência legislativa entre os Estados-Membros em matéria de rotulagem dos produtos aquícolas ou de interpretação da legislação ambiental europeia relativa, por exemplo, à rede Natura 2000 ou à Directiva-Quadro Água, entre outros aspectos.

1.5   Face à crescente ocupação das zonas costeiras, há que fomentar a criação de sinergias entre actividades compatíveis, incluindo a protecção do ambiente. A escassez de espaços destinados à aquicultura é um dos principais motivos da actual estagnação da aquicultura na UE. O CESE recomenda que os procedimentos relativos à emissão de autorizações e concessões para explorações aquícolas sejam melhorados e aligeirados e que os processos de tramitação sejam simplificados e agilizados, a fim de encurtar os tempos de adjudicação.

1.6   O CESE manifesta-se preocupado com o facto de a actual rotulagem dos produtos aquícolas nos pontos de venda ser insuficiente e impedir os consumidores de efectuarem compras responsáveis e informadas. Esta situação reflecte-se, por exemplo, na dificuldade enfrentada pelo consumidor para distinguir os produtos aquícolas provenientes da UE dos produtos importados, bem como os produtos aquícolas frescos dos descongelados.

1.7   O CESE exprime preocupação pelo facto de os produtos aquícolas importados não cumprirem as normas sanitárias exigidas na UE. A diferença de critérios em matéria de rastreabilidade – elemento-chave da segurança alimentar – é particularmente inquietante. As condições sociolaborais, incluindo o trabalho infantil ou em regime de semi-escravidão, são igualmente objecto de apreensão.

1.8   A aquicultura produz alimentos de qualidade em meio aquático e é incompatível com um meio ambiente degradado ou contaminado. A boa qualidade das águas da UE deverá, por isso, ser assegurada.

1.8.1   A protecção do meio ambiente é uma das prioridades da UE. Não deve, no entanto, impedir a realização de actividades que possam ser compatíveis com ela. A Comissão Europeia deve fazer um esforço para explicar as principais normas de protecção ambiental, particularmente a rede Natura 2000, na sua interrelação e compatibilidade com a aquicultura.

1.8.2   O CESE recomenda a promoção da rotulagem ecológica dos produtos da aquicultura. Deverá ter como objectivo distinguir e promover a excelência ambiental dos produtos da aquicultura provenientes de explorações aquícolas bem geridas e orientadas para o desenvolvimento sustentável.

1.9   Dado o carácter inovador da aquicultura europeia, o CESE destaca a necessidade de incentivar a investigação e o desenvolvimento tecnológico neste sector. A recém-criada Plataforma de Tecnologia e Inovação para a Aquicultura Europeia poderá vir a desempenhar um papel determinante nesse sentido.

1.10   Em matéria de saúde animal, o CESE manifesta-se preocupado com a escassez de medicamentos veterinários autorizados ao dispor da aquicultura.

2.   Síntese da proposta da Comissão

2.1   A comunicação em apreço tem por objectivo diagnosticar as causas da estagnação registada na aquicultura da UE e dar um novo ímpeto ao seu desenvolvimento. Para tal, a Comissão elaborou uma proposta assente em três eixos: fomentar a competitividade, lançar as bases para um crescimento sustentável e melhorar a imagem e a governação do sector.

2.2   A Comissão propõe fomentar a competitividade da produção aquícola na UE mediante o desenvolvimento de um sector aquícola competitivo, diversificado e baseado na inovação.

2.2.1   O desenvolvimento sustentável da aquicultura deve apoiar-se na . Para o efeito, a Comissão promoverá iniciativas de investigação, desenvolvimento e inovação (I+D+i), fomentará o desenvolvimento de infra-estruturas de investigação e afectará os recursos adequados.

2.2.2   A Comissão propõe envidar esforços no sentido de assegurar a paridade de condições de concorrência no da aquicultura face a outras actividades e de estabelecer sinergias entre diferentes sectores.

2.2.3   O sector aquícola comunitário deve ser capaz de satisfazer , adaptar-se à evolução das exigências do mercado e interagir em condições de igualdade com os outros intervenientes da cadeia de comercialização. Para tal, a Comissão atenderá às necessidades do sector no atinente às organizações de produtores, às organizações interprofissionais, à informação do consumidor e aos instrumentos de comercialização.

2.2.4   A da aquicultura deve proporcionar possibilidades de expansão e de exportação aos sectores associados. Para tal, a Comissão promoverá o desenvolvimento de uma aquicultura sustentável em países terceiros.

2.3   A Comissão pretende lançar as bases para um crescimento sustentável da aquicultura, assegurando um elevado nível de protecção do meio ambiente. Os produtos alimentares de origem aquática provenientes da UE ou de importação devem observar normas rigorosas de protecção da saúde e da segurança dos consumidores. A Comunidade Europeia promoverá um alto nível de protecção da saúde e do bem-estar dos animais.

2.3.1   Há que garantir a Para tal, a Comissão continuará a insistir no desenvolvimento de uma aquicultura sustentável em termos ambientais.

2.3.2   Em contrapartida, a aquicultura deve poder dispor de e de água da melhor qualidade, para garantir a saúde dos animais e a segurança dos produtos, particularmente no caso dos moluscos.

2.3.3   Para optimizar a produção e o crescimento, é necessário moldar um dotado de excelentes condições zootécnicas. A Comissão velará por que a Directiva 2006/88/CE (2) relativa à saúde dos animais aquáticos seja aplicada na íntegra.

2.3.4   O preocupa consumidores, decisores e produtores. A Comissão solicitará pareceres sobre o bem-estar dos peixes e promoverá a necessidade de aplicar uma abordagem por espécie.

2.3.5   Um dos principais problemas enfrentados pelo sector é a autorizados. A Comissão incentivará, por isso, a aplicação das recomendações formuladas pelo Grupo de Trabalho sobre a disponibilidade de medicamentos veterinários no seu relatório de 2007.

2.3.6   A continuam a ser fundamentais para o desenvolvimento da aquicultura. A Comissão aumentará a disponibilidade dos aditivos necessários para os alimentos para peixes e propõe-se rever o regulamento sobre subprodutos.

2.3.7   A Comissão deve assegurar a e reconhecer os . Continuará a velar por que os produtos alimentares de origem aquática produzidos dentro e fora da Comunidade sejam seguros para o consumidor. Para tal, continuará a basear a sua actuação em conhecimentos científicos e no princípio de precaução. Procurará, igualmente, ter em conta os benefícios do consumo de alimentos de origem aquática para a saúde.

2.4   É necessário melhorar a imagem do sector e o quadro da governação, criando condições de concorrência equitativas ao nível europeu.

2.4.1   Uma melhor colocaria os operadores económicos em condições de igualdade perante decisões que afectam o desenvolvimento da aquicultura. Para tal, a Comissão clarificará a aplicação da sua política ambiental, particularmente a rede Natura 2000, e velará pela correcta aplicação da legislação europeia em matéria de saúde animal e de defesa do consumidor. Em relação aos países terceiros, assegurará ainda que estes cumpram requisitos equivalentes aos estabelecidos na legislação comunitária.

2.4.2   Para fomentar o desenvolvimento da aquicultura, é essencial reduzir os , especialmente no que toca às pequenas e médias empresas. Para tal, a Comissão envidará esforços no sentido de simplificar o quadro jurídico e reduzir os encargos administrativos a nível comunitário.

2.4.3   A Comissão fomentará uma e uma correcta informação do público, mediante amplas consultas e informação transparente. Deste modo contribuirá para melhorar a regulamentação e a governação, bem como a imagem da aquicultura.

2.4.4   A Comissão esforçar-se-á por garantir uma , uma vez que, de momento, as estatísticas oficiais da UE relativas à aquicultura têm um âmbito relativamente limitado. Alargará também a sua base de informações sobre preços, para estabelecer um sistema de monitorização ao longo da cadeia de comercialização.

3.   Observações na generalidade

3.1   Actualmente, a aquicultura produz 47 % dos produtos de origem aquática consumidos pela população mundial. Além disso, o seu potencial de crescimento é ainda considerável, pelo que a aquicultura pode ser um elemento-chave no âmbito de uma política estratégica de aprovisionamento alimentar destinada a satisfazer futuras necessidades alimentares.

3.2   Nos últimos dez anos, a população mundial aumentou 12 %, ao passo que o consumo de peixe aumentou 27 %. Este aumento deveu-se, entre outras razões, aos efeitos benéficos para a saúde dos ácidos Ómega 3, de que o peixe é uma excelente fonte. A UE é o principal mercado mundial de produtos de origem aquática. Consome mais de 12 milhões de toneladas por ano e denota uma clara tendência de crescimento. O nível de auto-suficiência é apenas de 35 %. 65 % dos produtos de origem aquática consumidos são importados, sendo esta uma tendência em aumento.

3.3   A aquicultura europeia integra-se no âmbito da Política Comum das Pescas (PCP), cujo objectivo é a exploração sustentável dos recursos aquáticos vivos através de uma gestão equilibrada dos vectores ambiental, social e económico. A PCP reformada deve levar em conta as características específicas da aquicultura e dispor de meios de apoio sectoriais e de instrumentos de mercado eficazes. Propõe-se que a PCP passe a ser designada Política Comum das Pescas e da Aquicultura (PCPA).

3.4   A aquicultura é actualmente uma actividade económica importante em determinadas regiões costeiras e continentais da UE, abrangendo tanto a produção de moluscos como de peixes marinhos e de águas doces.

3.5   De actividade artesanal e de pequena dimensão, a aquicultura na UE converteu-se, a partir dos anos 70 do século passado, numa indústria moderna, dinâmica, inovadora e tecnológica, com empresas não raras vezes verticalmente integradas.

3.6   A aquicultura na UE gera postos de trabalho em regiões costeiras e fluviais remotas, geralmente desfavorecidas e em que as alternativas laborais são escassas. Tanto em empresas familiares como em pequenas e médias empresas, os empregos no sector aquícola são especializados, estáveis e requerem qualificações técnicas.

3.7   Em 2002, a Comissão apresentou, na comunicação COM(2002) 511, uma estratégia para o desenvolvimento sustentável da aquicultura europeia, cujos objectivos eram:

a)

Criar emprego seguro a longo prazo, nomeadamente em zonas particularmente dependentes da pesca.

b)

Assegurar a disponibilidade de produtos da pesca saudáveis e seguros nas quantidades exigidas pelo mercado.

c)

Fomentar uma aquicultura compatível com o ambiente.

3.8   A Comissão reconheceu que a produção aquícola da UE não evoluiu como previsto desde 2002, tendo, inclusivamente, registado uma estagnação tanto ao nível dos moluscos como dos peixes (a aquicultura de crustáceos e de algas é praticamente inexistente na Europa), que contrasta de modo flagrante com o resto do mundo, onde se registam fortes taxas de crescimento. Por esse motivo, reputou oportuno rever a sua estratégia e fazer um balanço da situação actual da aquicultura europeia.

4.   Observações na especialidade

4.1   A aquicultura na UE não está a desenvolver todo o seu potencial gerador de riqueza e de emprego. Os valores globais de produção estão estagnados desde 2002 e não chegam para compensar a diminuição das capturas da frota de pesca, com a consequente deterioração do saldo de comércio externo, apesar de a Europa dispor de condições físicas e ambientais adequadas, de tecnologia de ponta e de empresas dispostas a investir. Por outro lado, o sector demonstrou possuir conhecimentos e meios para ser uma actividade sustentável do ponto de vista ambiental, capaz de oferecer produtos saudáveis, seguros e de qualidade.

4.2   O complexo quadro legislativo da UE, a lentidão dos procedimentos administrativos, as limitações no acesso aos espaços de domínio público e os encargos administrativos excessivos desencorajam os investidores e refreiam a competitividade da produção na aquicultura europeia.

4.3   Muitos dos importantes problemas que limitam o desenvolvimento da aquicultura da UE prendem-se directamente com as políticas e as acções empreendidas ao nível nacional ou regional. Por conseguinte, os poderes públicos nacionais e regionais devem tomar consciência da situação e estabelecer um quadro legislativo adequado. Há Estados-Membros onde não foram concedidas novas licenças para a aquicultura nos últimos quinze anos. Por vezes, é a interpretação da legislação europeia por parte das administrações nacionais e regionais que provoca distorções, como no caso da rede Natura 2000, da qual algumas administrações excluem, injustificadamente, a aquicultura. Por outro lado, tanto os Estados-Membros como as regiões com competências legislativas devem coordenar as suas legislações para não criarem barreiras artificiais ao mercado livre dentro da UE.

4.4   A organização comum de mercado dos produtos da pesca e da aquicultura, que deveria estabilizar os mercados e garantir os rendimentos dos produtores aquícolas, necessita de uma reforma urgente que reforce as organizações de produtores.

4.5   A anterior comunicação COM(2002) 511 punha uma tónica excessiva nos aspectos ambientais da aquicultura e relegava para segundo plano as vertentes económica e social da sustentabilidade. A actual comunicação COM(2009) 162 propõe um melhor equilíbrio entre os três pilares da sustentabilidade – ambiental, social e económico –, reconhecendo que a sustentabilidade ambiental só é possível com empresas competitivas e rentáveis.

4.6   As empresas aquícolas da UE são, de um modo geral, eficientes e poderiam ser plenamente competitivas se estivessem sujeitas às mesmas condições dos produtos importados. As circunstâncias actuais não permitem esta paridade de condições de concorrência, quer ao nível da produção, quer ao nível da comercialização. Relativamente à produção, os produtores europeus de aquicultura estão sujeitos a normas estritas relativas aos ingredientes dos alimentos para animais, a restrições no uso de medicamentos veterinários, a questões ambientais e a outras de carácter social, que não são impostas aos produtores aquícolas de países terceiros, os quais podem, no entanto, comercializar livremente os seus produtos no mercado comunitário (incluindo produtos produzidos com recurso a mão-de-obra infantil ou violando de outra forma o direito a um trabalho digno e a um salário justo). Relativamente à comercialização, há países que incentivam de forma irregular as suas produções aquícolas, que são posteriormente comercializadas na UE.

4.7   A informação deficiente disponibilizada ao consumidor sobre as características dos produtos de origem aquática que compra impede o consumidor de sopesar as diferenças de qualidade e de preço. Este facto prejudica seriamente os produtores europeus, cujos produtos possuem, em geral, maior valor acrescentado do que os produtos importados. Esta desinformação inclui, por exemplo, referências erróneas ao país de origem ou à denominação corrente dos produtos. Ela é especialmente grave no caso de filetes de peixes provenientes de países distantes, em geral asiáticos descongelados no momento da venda. Estes filetes estão expostos para venda junto dos filetes realmente frescos, sem que o consumidor seja informado claramente das condições de ambos, sendo o preço, pois, a única referência de compra. Tais situações podem inclusivamente criar riscos para a saúde pública, em caso de recongelação.

4.8   O CESE recomenda, por isso, que se proceda a uma simplificação da rotulagem, clarificando, em particular, a informação relativa ao país ou à região de origem dos produtos, e a um reforço dos mecanismos de inspecção e de controlo nas fronteiras.

4.9   A identificação correcta dos produtos de origem aquática deve ser complementada com acções de formação e informação a toda a cadeia de distribuição e de comercialização, para chegar também aos consumidores. Dever-se-á dar particular relevo à presença dos ácidos gordos Ómega 3, mais concretamente dos tipos EPA e DHA.

4.10   O CESE recomenda a realização de campanhas de promoção destinadas a melhorar a imagem da aquicultura, dos seus produtos e métodos de produção. A identificação das mensagens a difundir deverá ser encomendada a um grupo de estudo específico, encarregado de propor iniciativas com a colaboração do sector. Neste sentido, recomenda-se a realização de campanhas transnacionais, necessariamente coordenadas pela Comissão Europeia.

4.11   A aquicultura europeia é uma actividade tecnológica e inovadora que exige investigação científica permanente. O actual 7.o Programa-Quadro, que engloba todas as iniciativas comunitárias relativas à investigação, oferece menos possibilidades à investigação em aquicultura do que os programas anteriores. Desta forma, será difícil melhorar a inovação e a competitividade do sector europeu. O sector profissional da aquicultura europeia criou recentemente a plataforma de tecnologia e inovação para a aquicultura europeia, com a qual espera definir as prioridades de investigação e desenvolvimento do sector e uma estratégia para as alcançar.

4.11.1   Deverão prosseguir-se as pesquisas de ingredientes alternativos, seguros e sustentáveis, que satisfaçam as necessidades nutricionais e biológicas dos peixes e simultaneamente assegurem as mesmas virtudes nutricionais no produto final.

4.11.2   Deverá insistir-se na optimização dos sistemas de produção actuais, mas sobretudo daqueles com evidentes possibilidades de expansão futura, como é o caso da aquicultura em mar aberto e os sistemas de recirculação em terra.

4.12   A parca disponibilidade de medicamentos veterinários é um sério entrave ao desenvolvimento da aquicultura. De momento, a aquicultura europeia não dispõe de instrumentos veterinários suficientes, como sejam anestésicos, vacinas ou antibióticos. Esta situação compromete a viabilidade do sector e afecta tanto a saúde dos animais como o seu bem-estar, a segurança alimentar e a protecção do meio ambiente.

4.13   A comunicação da Comissão propõe apoiar a exportação de tecnologias de produção aquícola a países terceiros. Embora esta iniciativa tenha uma vertente de solidariedade que deve ser, sem dúvida, apoiada, há que ter em conta a probabilidade de que as futuras produções aquícolas resultantes de tal exportação de tecnologia acabem por ser exportadas para a UE e concorram com a produção europeia.

4.14   A comunicação da Comissão descreve correctamente as causas da actual estagnação da aquicultura na UE. Todavia, não deve ser entendida como um produto final, mas como um ponto de partida para a definição e o desenvolvimento de acções concretas que relancem o desenvolvimento sustentável da aquicultura na UE.

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 208 de 3.9.2003, pp. 89-93.

(2)  J.O. L 328 de 24.11.2006, p. 14.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/64


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu – “O PIB e mais além – Medir o progresso num mundo em mudança”»

[COM(2009) 433 final]

2011/C 18/11

Relator: Josef ZBOŘIL

Em 20 de Agosto de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a:

Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu – “O PIB e mais além: Medir o progresso num mundo em mudança”

COM(2009) 433 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 25 de Fevereiro de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 168 votos a favor, 3 votos contra e 6 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.   O CESE congratula-se com a comunicação da Comissão sobre o tema “O PIB e mais além – Medir o progresso num mundo em mudança” e com as iniciativas que ela enumera. Assinala, no entanto, que estamos apenas numa primeira fase deste processo e que não será de todo fácil escolher os instrumentos e medidas adequados e integrá-los na gestão das grandes políticas e estratégias.

1.2.   A Comissão está incumbida da tarefa árdua de elaborar a versão-piloto de um índice ambiental complexo. Tratar-se-á manifestamente de um índice agregado que exigirá que se pondere o peso dos efeitos de cada um dos elementos do ambiente. A sua elaboração deverá, desde o início, ser objecto de consultas das partes interessadas.

1.3.   Será ainda mais difícil definir um indicador complexo de qualidade de vida e de coesão social. Para isso, será indispensável realizar projectos-piloto neste domínio, que a Comissão deverá definir como um ponto fulcral de todo o projecto. Ela deverá, por isso, lançar quanto antes esses projectos-piloto.

1.4.   As tendências de evolução a longo prazo dos parâmetros fundamentais têm enorme importância para as questões estratégicas e para a elaboração das políticas. Consequentemente, esta perspectiva deveria determinar a escolha dos parâmetros seguidos em tempo real. Importa reagir às alterações de forma ponderada e em tempo útil.

1.5.   O sistema deve continuar a basear-se, mesmo a nível da União, numa recolha e avaliação nacionais dos dados, organizadas num quadro europeu bem definido e unificador, bem como no seu tratamento em indicadores e parâmetros. A avaliação dos dados requer uma abordagem global e integrada, a fim de limitar os conflitos entre as interpretações de certos instrumentos e os riscos que daí advêm.

1.6.   A avaliação do desenvolvimento sustentável consiste em analisar as tendências em duas direcções fundamentais: (1) a avaliação da capacidade de absorção e (2) a avaliação do desenvolvimento da administração das colectividades humanas. As duas propostas apresentadas pela comunicação da Comissão (o painel de avaliação e o acompanhamento dos limiares dos poluentes) vão nesta direcção, facto que o CESE aplaude.

1.7.   O Comité saúda igualmente o esforço da Comissão de alargar as contas nacionais às temáticas ambientais e sociais. No início de 2010, deverá ser apresentado um quadro jurídico de contabilidade ambiental. Actualmente, os indicadores sociais disponíveis nas contas nacionais não são utilizados no seu potencial máximo. É de esperar que a necessidade de utilizar estes indicadores se faça sentir cada vez mais, à medida que progredir a elaboração de uma abordagem complexa e integrada com o objectivo de medir e avaliar o progresso num mundo em mudança.

1.8.   Este processo de alterações que se está a preparar não será rápido nem simples. Por isso, importa dar uma atenção muito particular à preparação analítica e ao estudo de cada instrumento com base nas investigações consagradas às interacções entre eles e nas consultas aprofundadas dos actores interessados, a fim de facilitar a adopção num contexto internacional alargado.

1.9.   No âmbito da continuação dos trabalhos e a fim de estruturar as próximas etapas, será necessário explorar todas as reflexões e projectos disponíveis. O critério decisivo deve ser uma objectividade máxima, assim como a manutenção da independência das estatísticas e das suas exigências qualitativas. O CESE está disposto a participar na avaliação das alterações necessárias e a trabalhar em prol da sua aceitação pela sociedade civil.

1.10.   Convém que a Comissão defina um calendário e determine prazos para a aplicação dos diferentes elementos deste sistema. Deverá, nomeadamente, comprometer-se a integrar certas novas medidas na nova estratégia 2020 e na estratégia para o desenvolvimento sustentável. O objectivo é ter, até 2011, um enquadramento que permita elaborar propostas claras para iniciativas do mesmo género à escala mundial, com vista à cimeira mundial para o desenvolvimento sustentável convocada pela ONU para 2012.

2.   Introdução

2.1   O Produto Interno Bruto (PIB) é o mais reconhecido instrumento para medir a actividade macroeconómica (PIB = consumo privado + investimentos + consumo público + (exportações – importações). O quadro e regras para o calcular estão definidos no Sistema Europeu de Contas, o qual está largamente em consonância com o Sistema de Contas Nacionais das Nações Unidas. O PIB tornou-se uma referência padrão utilizada pelos responsáveis políticos do mundo inteiro e frequentemente citada nos debates públicos. Este indicador agrega o valor acrescentado de todas as actividades económicas de carácter financeiro e baseia-se numa metodologia clara que permite efectuar comparações ao longo do tempo e entre países e regiões.

2.2   O PIB passou também a ser considerado um indicador do desenvolvimento social global e do progresso em geral. Dado que o PIB não mede efectivamente a sustentabilidade ambiental nem a inclusão social, estas limitações devem ser tidas em conta ao utilizá-lo nas análises e nos debates sobre políticas. Os trabalhos recentes de Stiglitz, Sen e Fitoussi (2008), da Comissão para a Aferição do Desempenho Económico e do Progresso Social, propõem um ponto da situação dessas limitações (http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr/documents/Issues_paper.pdf).

2.3   Desde há dez anos que esta questão tem vindo a ocupar os debates a vários níveis. Em Outubro de 2008, o CESE adoptou um parecer de iniciativa (1) que apresenta e explica as orientações actuais da investigação e apoia o esforço de investigação de indicadores complementares que permitirão descrever de forma mais completa o desenvolvimento das sociedades humanas.

2.4   A comunicação em análise estabelece diferentes acções que podem ser realizadas a curto ou médio prazo. O objectivo geral é desenvolver indicadores mais ricos que proporcionem uma base de conhecimentos mais fiável, a fim de melhorar a qualidade do debate público e da tomada de decisões. A Comissão propõe cooperar com as partes interessadas e os parceiros com vista a desenvolver indicadores que sejam reconhecidos e utilizados a nível internacional.

3.   Síntese da comunicação da Comissão

3.1   A Comissão propõe aplicar as cinco acções seguintes, que poderão ser revistas ou completadas por ocasião da revisão prevista para 2012.

3.2    Aditamento de indicadores ambientais e sociais ao PIB : os indicadores que resumem questões importantes através de um só número são ferramentas de comunicação essenciais. O PIB e as taxas de desemprego e de inflação são bons exemplos desses indicadores de síntese, mas não se destinam a fazer o ponto da situação de questões como o ambiente ou as desigualdades sociais. Para colmatar esta lacuna, a Comissão pretende desenvolver um índice ambiental global e melhorar os indicadores relativos à qualidade de vida.

3.2.1    Índice ambiental global : não existe, de momento, nenhum indicador ambiental global. Entre os indicadores potencialmente capazes de satisfazer esse objectivo contam-se a pegada ecológica e a pegada de carbono, embora ambas tenham um âmbito de aplicação limitado (a pegada de carbono sintetiza apenas as emissões de gases com efeito de estufa. A pegada ecológica exclui alguns impactos, designadamente na água. Apesar disso, a Comissão está actualmente a testá-la, juntamente com outros indicadores, para seguir a evolução da estratégia temática sobre a utilização viável de recursos naturais e o Plano de Acção em favor da diversidade biológica). Os serviços da Comissão prevêem apresentar uma versão-piloto de um índice de pressão ambiental em 2010. Este índice incluirá as principais vertentes da política ambiental:

alterações climáticas e utilização da energia;

natureza e biodiversidade;

poluição atmosférica e efeitos sobre a saúde;

utilização da água e poluição aquática;

produção de resíduos e utilização de recursos.

3.2.2    Qualidade de vida e bem-estar : o rendimento, os serviços públicos, a saúde, o lazer, a riqueza, a mobilidade e um ambiente saudável são meios de atingir e manter estes objectivos. A Comissão empreendeu estudos sobre a viabilidade de indicadores de bem-estar, sobre a responsabilização dos consumidores e, em parceria com a OCDE, sobre a percepção que as pessoas têm do bem-estar.

3.3   Informação quase em tempo real para a tomada de decisões: os números do PIB e do desemprego são frequentemente publicados nas semanas seguintes ao período a que se referem, o que permite a tomada de decisões quase em tempo real. Pelo contrário, os dados ambientais e sociais são, em muitos casos, demasiado antigos para facultar informações operacionais, por exemplo sobre a qualidade do ar e da água ou sobre padrões de trabalho que se alteram rapidamente.

3.3.1   Por conseguinte, a Comissão terá como objectivo aumentar a actualidade dos dados ambientais e sociais, para melhor informar os responsáveis políticos da UE. Os satélites, as estações de medição automáticas e a Internet permitem cada vez mais observar o ambiente em tempo real graças às disposições da directiva Inspire (Directiva 2007/2/CE) e ao sistema GMES (sistema de monitorização global do ambiente e segurança – ver COM(2009)223 final).

3.3.2    A actualidade dos dados sociais será melhorada sempre que isso seja possível, por exemplo graças ao novo sistema europeu de módulos de inquérito estatístico social.

3.4   Maior precisão dos relatórios sobre a distribuição e as desigualdades: a coesão social e económica constitui um objectivo geral da Comunidade. Os dados existentes provenientes das contas nacionais, sobre, por exemplo, rendimentos familiares, ou resultantes de inquéritos sociais como as Estatísticas EU-SILC (Estatísticas do Rendimento e das Condições de Vida na UE), já permitem uma análise das principais questões relativas à distribuição.

3.5   Elaborar um painel de avaliação europeu do desenvolvimento sustentável: os indicadores de desenvolvimento sustentável da UE (ver EUROSTAT, Measuring progress towards a more sustainable Europe – 2007 [Medição dos progressos alcançados em prol de uma Europa mais sustentável – 2007]) foram definidos em concertação com os Estados-Membros e figuram no relatório intercalar bienal da Comissão. Todavia, esta ferramenta de acompanhamento não integra as evoluções recentes em domínios importantes que ainda não estão suficientemente cobertos pelas estatísticas oficiais (tais como a produção e o consumo sustentáveis ou as questões de governação).

3.5.1   É por isso que a Comissão está a explorar, em concertação com os Estados-Membros, as possibilidades de elaboração de um painel de avaliação do desenvolvimento sustentável . Este painel, que se baseia no conjunto dos indicadores de desenvolvimento sustentável da UE, poderia igualmente incluir outras informações públicas quantitativas e qualitativas.

3.5.2   A estratégia de desenvolvimento sustentável tem como objectivo principal respeitar os limites dos recursos naturais do planeta, o que inclui a capacidade limitada da natureza para fornecer recursos renováveis e absorver poluentes. É importante conhecer as zonas de risco antes que sejam atingidos os reais pontos de viragem irreversíveis. Por isso, será necessário determinar esses limiares e actualizá-los regularmente, no atinente aos principais poluentes e aos recursos renováveis , de forma a poder informar os intervenientes no debate político e a promover a definição de objectivos e a avaliação das políticas.

3.6   Alargamento das contas nacionais às questões temáticas ambientais e sociais: o Sistema Europeu de Contas é a principal ferramenta utilizada para elaborar as estatísticas económicas da UE e muitos outros indicadores económicos, incluindo o PIB. Nas suas conclusões de Junho de 2006, o Conselho Europeu convidou a UE e os Estados-Membros a alargar as contas nacionais aos principais aspectos do desenvolvimento sustentável. A Comissão zelará para que este trabalho seja levado em consideração em futuras revisões do Sistema Internacional de Contas Nacionais e do Sistema Europeu de Contas. A mais longo prazo, espera-se que uma contabilidade ambiental, social e económica mais integrada proporcione a base para novos indicadores de síntese.

3.6.1    Contabilidade ambiental e económica integrada: a Comissão apresentou a sua primeira estratégia sobre “contabilidade verde” em 1994, na sua comunicação COM(1994) 670. Desde então, o EUROSTAT e os Estados-Membros – em colaboração com a ONU e a OCDE – têm desenvolvido e testado métodos contabilísticos, pelo que, agora, vários Estados-Membros apresentam regularmente os primeiros conjuntos de contas ambientais. Como etapa seguinte, poderiam ser criadas contas ambientais físicas relativas ao consumo de energia e à geração e tratamento de resíduos, bem como contas monetárias de subvenções relativas ao ambiente. Para assegurar que as contas sejam comparáveis, a Comissão pensa propor um quadro jurídico relativo à contabilidade ambiental no início de 2010.

3.6.2    Maior utilização dos indicadores sociais existentes na contabilidade nacional: o Sistema Europeu de Contas já inclui indicadores que destacam questões socialmente relevantes, como o rendimento disponível dos agregados familiares e um valor para o rendimento disponível ajustado que tem em consideração as diferenças dos regimes de protecção social dos diferentes países.

4.   Observações na generalidade

4.1   A questão de um instrumento mais coerente para medir o progresso da humanidade suscita cada vez mais interesse por parte dos decisores políticos e do grande público. São necessárias novas abordagens para encontrar uma forma de conciliar a evolução demográfica e o desenvolvimento económico da humanidade com a finitude do planeta e dos recursos naturais.

4.2   Estas novas abordagens e métodos de medição do progresso são indispensáveis no contexto social actual, cada vez mais complexo, para permitir uma melhor formulação de uma visão estratégica para as colectividades humanas como a UE. A sua importância deve-se, em parte, ao facto de permitirem avaliar os recursos necessários para atingir os objectivos estratégicos – sendo o desenvolvimento sustentável o primordial – que, entre outros factores, são indispensáveis para a protecção eficaz do clima e para a exploração moderada de todos os recursos.

4.3   Um outro importante domínio de aplicação é o da definição das grandes políticas da UE, que devem ponderar todos os seus efeitos e influências mensuráveis, bem como as interacções entre as várias políticas, sem esquecer o impacto da avaliação da aplicação prática dessas políticas.

4.4   Por isso, o CESE regozija-se com a comunicação da Comissão sobre o tema “O PIB e mais além – Medir o progresso num mundo em mudança” e as iniciativas que ela enumera. Apesar de já estarem em curso inúmeros projectos e actividades, o Comité assinala que estamos apenas numa primeira fase deste processo e que não será de todo fácil escolher os instrumentos e medidas adequados, nem integrá-los na gestão das grandes políticas e estratégias.

4.5   Para que um instrumento, qualquer que ele seja, funcione eficazmente, ele deve ser o mais simples e flexível possível e todos os intervenientes deverão aceitá-lo. Se os utilizadores não se apropriarem plenamente do instrumento em questão e se este não for aceite pela generalidade dos intervenientes, nunca poderá produzir os resultados esperados. Naturalmente, a aceitação de cada novo instrumento enquanto medidor do progresso levará algum tempo. No entanto, nenhum instrumento será, por si só, um objectivo final. Importa descartar qualquer instrumento que não dê provas de eficácia.

4.6   A evolução natural destes indicadores vai manifestamente no sentido de eles se tornarem cada vez mais complexos. No entanto, esta complexidade não deve exceder os benefícios esperados. O sistema deve continuar a basear-se, mesmo a nível da União, numa recolha e avaliação dos dados a nível nacional, bem como no seu tratamento em indicadores e parâmetros, devendo esse processo decorrer num quadro europeu bem definido e unificador.

4.7   Em seguida, a agregação dos parâmetros de toda a UE deverá permitir adoptar estratégias e políticas concertadas e compatíveis, tanto a nível nacional como europeu, mediante uma aplicação rigorosa dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Nesse ponto, será particularmente importante agir a nível europeu em função das tendências verificadas, pelo que os instrumentos escolhidos deverão ser capazes de detectar atempadamente e de forma fiável os sinais precursores de mutações potencialmente perigosas, por mais ténues que sejam.

4.8   Mesmo com os defeitos que se lhe reconhecem, o PIB continua a ser um instrumento agregado extraordinário, com um período de latência muito breve face às evoluções. O novo instrumento que agora se procura deveria ser também um indicador agregado que leve em conta os aspectos sociais e ambientais, o que será muito difícil de encontrar. O CESE considera, por isso, conveniente definir critérios que permitam, durante a elaboração das políticas, seleccionar entre os diferentes parâmetros que cobrem diversos domínios, para que favoreçam o desenvolvimento sustentável da comunidade mundial.

4.9   O CESE está convicto de que uma abordagem individual só será possível durante a elaboração de cada um dos instrumentos. A avaliação e aplicação eficazes destes instrumentos requerem uma abordagem global e integrada que limite ao máximo os conflitos entre diversos instrumentos e parâmetros. Se não forem resolvidos, esses conflitos podem desequilibrar as decisões políticas e estratégicas.

4.10   Este processo de alterações que se está a preparar não será rápido nem simples. Por isso, importa dar uma atenção muito particular à preparação analítica e ao estudo de cada instrumento, baseando-se nas investigações consagradas às interacções entre eles e nas consultas aprofundadas dos actores interessados.

4.11   No âmbito deste processo, será necessário definir prioridades e prazos para as etapas seguintes, coisa que a comunicação da Comissão refere apenas de modo extremamente vago. Assim, o Comité solicita à Comissão que proceda, em tempo útil, à integração destas prioridades e prazos nos objectivos e mecanismos de avaliação da nova estratégia para o período até 2020 e, da mesma forma, na estratégia a longo prazo para o desenvolvimento sustentável. O CESE lamenta que outras partes interessadas não estejam a participar nesta primeira fase, como é o caso, por exemplo, das Direcções-Gerais da Comissão incumbidas de questões económicas. Uma mudança de tal modo radical requer esforços muito maiores do que os da DG Ambiente, da AEA e do EUROSTAT.

4.12   No âmbito da continuação dos trabalhos e a fim de estruturar as próximas etapas, será necessário explorar todas as reflexões e projectos disponíveis, nomeadamente o relatório da Comissão sobre a Aferição do Desempenho Económico e do Progresso Social (“relatório Stiglitz”; http://stiglitz-sen-fitoussi.fr/en/index.htm, o estudo TEEB (The Economics of Ecosystems and Biodiversity, http://www.teebweb.org/), que se debruça sobre os aspectos económicos dos ecossistemas e da biodiversidade, os trabalhos da Agência Europeia do Ambiente (AEA), os do EUROSTAT e os de todos os parceiros que contribuíram para este projecto europeu complexo e global. O critério decisivo deve ser a manutenção da independência das estatísticas e das suas exigências qualitativas, bem como uma aceitação generalizada do poder explicativo dos instrumentos.

4.13   A Assembleia-Geral das Nações Unidas decidiu recentemente organizar em 2012 uma nova conferência mundial para avaliar os progressos alcançados em matéria de desenvolvimento sustentável ao longo dos vinte anos decorridos desde a Cimeira da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Naturalmente, as formas de conseguir uma economia mundial ecológica e com baixo teor de carbono serão um dos temas principais. Assim, é recomendável que a Europa crie, até 2011, um quadro preciso de avaliação dos progressos por si alcançados e que, em 2012, esteja em posição de apresentar propostas concretas à comunidade internacional.

5.   Observações na especialidade

5.1   As presentes observações na especialidade comentam os cinco domínios de acção fundamentais, bem como as suas respectivas componentes, na mesma ordem que a adoptada no capítulo 3.

5.2   A Comissão está incumbida da tarefa árdua de elaborar a versão-piloto de um índice ambiental complexo, tendo-se comprometido a apresentar esse índice a partir de 2010. Tratar-se-á manifestamente de um índice agregado, cuja avaliação exigirá que se pondere o peso dos efeitos de cada um dos elementos do ambiente. Na sua forma actual, a pegada ecológica e a pegada de carbono abrangem elementos específicos do ambiente e da exploração dos recursos. Surgiram também outros conceitos, como o impacto na água e nas florestas, mas nenhum deles poderá, por si só, constituir o futuro indicador. O processo de elaboração desse indicador deverá ser objecto, desde o início, de consultas das partes interessadas, sendo necessário avaliar com a maior cautela os coeficientes de ponderação de cada factor deste complexo índice.

5.3   A elaboração de indicadores de qualidade de vida e de bem-estar (2) será igualmente difícil, ainda que haja estudos neste domínio, incluindo estudos de viabilidade. Em grande parte, estes indicadores baseiam-se em percepções subjectivas e não em medidas exactas. Em todo o caso, convém assinalar que o PIB também não é completamente exacto.

5.4   A gestão operacional da qualidade do ambiente e das medidas correctivas em matérias sociais requer informações que permitam tomar decisões quase em tempo real. As questões estratégicas e a elaboração das políticas, por seu lado, baseiam-se nas tendências evolutivas dos parâmetros fundamentais. Assim sendo, importa manter esta distinção presente quando se decidir quais os valores que serão seguidos em tempo real, para que informações muito específicas não venham obstruir desnecessariamente o processo decisório. Neste sentido, convém valorizar a importância de reagir às alterações de forma ponderada e em tempo útil. O acompanhamento das evoluções no quadro do sistema GMES estará na primeira linha da gestão operacional. Se esse sistema revelar as tendências a mais longo prazo, ele poderá, evidentemente, servir de base para elaborar políticas.

5.5   A formulação de políticas europeias que exijam esforços partilhados requer uma quantidade adequada de informação sobre as diferenças e disparidades existentes a nível nacional e regional. O objectivo é eliminar as disparidades mais marcantes através de políticas concebidas de forma adequada, para as quais é indispensável contar com dados precisos. O êxito destas políticas depende da sua aceitação generalizada e do grau de adesão que suscitarem, o que será praticamente impossível se os intervenientes sentirem que há desigualdade de tratamento. O respeito por este princípio condicionará portanto a forma como os cidadãos verão a União.

5.6   A avaliação do desenvolvimento sustentável é uma questão muito complicada. O desenvolvimento sustentável é uma estratégia geral de longo prazo que, por definição, não tem, nem pode ter, objectivos concretos e prazos definidos. Os seus objectivos devem, por definição, ser formulados de forma suficientemente genérica. No caso da avaliação do desenvolvimento sustentável, trata-se de analisar, antes de mais, as tendências em duas direcções fundamentais: (1) a avaliação da capacidade de absorção dos ecossistemas e a exploração dos recursos não renováveis, e (2) a avaliação do desenvolvimento da administração das colectividades humanas de forma geral. A evolução destes dois factores essenciais condicionará o desenvolvimento sustentável ou insustentável da comunidade internacional e, logo, o da União Europeia. As propostas apresentadas pela comunicação da Comissão (o painel de avaliação e o acompanhamento dos limiares dos poluentes) vão nesta direcção, facto que o CESE aplaude.

5.7   O Comité saúda igualmente o esforço louvável da Comissão de alargar as contas nacionais às temáticas ambientais e sociais. As informações fiáveis e bem estruturadas prestadas em quantidade suficiente por estas contas podem facilitar em grande medida a desejável internalização racional dos custos externos em domínios em que haja uma quantidade suficiente de dados fiáveis para esse efeito ou em que o equilíbrio dos mercados não seja posto em causa. Aliás, estas contas revelam desde já dados preciosos mas potencialmente difíceis de comparar entre os vários Estados-Membros. Essa dificuldade explica a importância dos esforços das partes envolvidas em conceber um sistema óptimo de publicação e recolha de dados, decorrente da necessidade de criar contas ambientais físicas. A este respeito, a Comissão chamou a si a tarefa árdua de propor, no início de 2010, um quadro jurídico de contabilidade ambiental. Os indicadores sociais disponíveis nas contas nacionais não são actualmente utilizados no seu potencial máximo. É de esperar que a necessidade de utilizar estes indicadores se faça sentir cada vez mais, à medida que progredir a elaboração de uma abordagem complexa e integrada com o objectivo de medir e avaliar o progresso num mundo em mudança.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ver JO C 100 de 30.4.2009, p. 53.

(2)  JO C 100 de 30.4.2009, p. 53.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/69


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho Parceria União Europeia África – Ligar a África e a Europa: reforçar a cooperação no sector do transporte»

[COM(2009) 301 final]

2011/C 18/12

Relator: Jan SIMONS

Em 24 de Junho de 2009, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho – Parceria União Europeia-África – Ligar a África e a Europa: Reforçar a cooperação no sector do transporte

COM(2009) 301 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 24 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por unanimidade, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

A comunicação publicada pela Comissão enquadra-se na política praticada actualmente, mas pretende ir mais além. O seu objectivo é lançar a reflexão sobre a forma de melhorar as ligações intercontinentais com base na experiência acumulada na UE, mas com a preocupação de adaptá-la à situação africana.

1.2

O CESE acolhe favoravelmente uma cooperação mais intensa entre a UE e a África desde que tenha por base uma parceria com igualdade de direitos e obrigações e não uma relação desigual do tipo doador-receptor como acontecia no passado.

1.3

O CESE salienta que a existência de infra-estruturas e de sistemas de transporte é a premissa indispensável para conseguir a integração socioeconómica regional que gerará empregos e permitirá o acesso aos cuidados de saúde e à educação, representando deste modo um importante contributo para a redução da pobreza.

1.4

O CESE lamenta que esta comunicação não integre devidamente as várias áreas políticas da Comissão, nomeadamente as Direcções-Gerais «Desenvolvimento» e «Comércio», uma integração que seria um sinal para a coerência da política da UE em relação à África.

1.5

O CESE aplaude o facto de ter ficado decidido na Conferência «Jornadas das RTE-T de 2009», realizada em Nápoles em 21 e 22 de Outubro de 2009, que a UE iria elaborar um plano de acção juntamente com os seus parceiros africanos.

1.6

Este plano de acção será elaborado antes do próximo fórum informal dos transportes no âmbito da parceria UE-África e publicado ulteriormente no Outono de 2010. O CESE concorda com um método de trabalho que permita acompanhar de perto os avanços na sua execução, por exemplo, mediante um comité misto a criar oportunamente.

1.7

O CESE recomenda que no programa de acção se mencione expressamente como prioridade a luta contra a corrupção e a pirataria em África.

1.8

No atinente, nomeadamente, à planificação, ao financiamento da rede de infra-estruturas de transportes e ao plano de acção no seu conjunto, o CESE preconiza que se analise até que ponto se pode reservar um papel aos parceiros socioeconómicos envolvidos na aplicação do Acordo de Cotonou.

1.9

O CESE apreciaria que o Conselho Económico, Social e Cultural da União Africana se debruçasse sobre as propostas incluídas no plano de acção e emitisse um parecer sobre as mesmas.

1.10

O CESE insiste que apenas se deverá atribuir fundos comunitários se a sua aplicação beneficiar os trabalhadores locais da União Africana declarados oficialmente.

1.11

Nos planos e programas no âmbito das RTE-T (redes transeuropeias de transportes), o CESE reputa essencial tomar como ponto de partida o princípio da interoperabilidade e aproveitar as vantagens naturais de cada modo de transporte, sem perder de vista a abordagem co-modal escolhida pela UE.

1.12

Além disso, o CESE considera que, na prática, a cooperação deverá incidir na formação, nas condições de trabalho, nos aspectos sociais e ainda nas vertentes da segurança, do ambiente e da sustentabilidade.

1.13

A construção e a ampliação das infra-estruturas viárias deverão contribuir para contrariar de uma forma dinâmica a tendência para a urbanização, graças a um sistema de transportes eficiente.

1.14

Haverá que estabelecer de antemão a rastreabilidade e o controlo da utilização dos fundos e aplicá-los na prática de um modo intensivo.

1.15

Na opinião do CESE, a UE deverá estar consciente das diferenças em relação à linha política e aos objectivos perseguidos em África pela China nas últimas dezenas de anos. A seu ver, conviria caminhar para uma colaboração tripartida entre a UE, a China e a África, em que se colocasse como premissa que todas as formas de trabalho ou de despesas revertem a favor do «emprego africano».

2.   Síntese introdutória da comunicação da Comissão

2.1

Em 24 de Junho de 2009, a Comissão Europeia publicou a comunicação COM(2009) 301 final que trata da parceria entre a União Europeia e a África no sector do transporte.

2.2

Nela se salienta que as infra-estruturas e os serviços de transporte são os principais vectores de integração socioeconómica e pressupostos indispensáveis para as trocas comerciais e a circulação de bens e pessoas.

2.3

Neste contexto, é preciso ter em mente a urbanização cada vez mais intensiva de África, um continente onde neste momento 40 % da população vive em zonas urbanas. Se não se intervier a tempo, esta percentagem duplicará até 2030.

2.4

A parceria UE-África no sector do transporte, criada em 2006, constitui o quadro de referência para a cooperação entre a União Europeia e a África. O seu objectivo principal é promover a interconexão das redes no continente africano e contribuir, deste modo, para a integração regional e, consequentemente, para o desenvolvimento das populações africanas.

2.5

O financiamento dos projectos de infra-estrutras de transporte em África passa, essencialmente, pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento, que é responsável por 30 % das verbas atribuídas.

2.6

A Comissão refere na sua comunicação que a cooperação entre a UE e a África não incide unicamente na infra-estrutura física, mas abarca também os aspectos legislativos e regulamentares. Assim sendo, a melhoria da infra-estrutura não só estimulará o crescimento económico e o comércio, como também favorecerá o emprego e a luta contra a pobreza.

2.7

Também por esse motivo, o Conselho adoptou em 18 de Maio de 2009 uma série de conclusões que preconizam o apoio às infra-estruturas regionais e à construção das infra-estruturas em falta na África subsariana.

2.8

A comunicação em apreço inscreve-se na perspectiva do plano de execução da parceria estratégica para as infra-estruturas estabelecida em 2007 entre a União Europeia e a União Africana.

2.9

O resultado concreto desta comunicação deveria ser o início de um debate entre os representantes da União Europeia e da União Africana, culminando na elaboração de um plano de medidas prioritárias, com a respectiva montagem financeira, para ser integrado numa declaração conjunta da União Europeia e da União Africana.

3.   Observações na generalidade

3.1   Generalidades

3.1.1   O CESE é favorável a uma cooperação mais intensa entre a UE e a África tendo como ponto de partida a igualdade de direitos e obrigações, ainda que a realidade traga à luz diferenças que é preciso ter em conta. Este desiderato e a forma como será concretizado estão bem explanados na Declaração de Lisboa (8 e 9 de Dezembro de 2007).

3.1.2   Na opinião do CESE, o que está em causa é a integração socioeconómica regional, que inclui as infra-estruturas de transporte. A integração regional deveria, a seu ver, ocupar uma posição central na revisão do Acordo de Cotonou em 2010.

3.1.3   Que esta será uma tarefa espinhosa, isso não há dúvida. O CESE recomenda que na realização de futuros planos de cooperação se tenha bem presente que os contributos devem ser iguais e as responsabilidades partilhadas.

3.1.4   O CESE reitera que a cooperação deverá abarcar um amplo leque de domínios, incluindo a formação, as condições de trabalho, os aspectos sociais, os direitos cívicos, as vertentes da segurança, do ambiente e da sustentabilidade, a interoperabilidade e os transportes públicos urbanos, os problemas administrativos e aduaneiros, sem esquecer a luta contra a corrupção e o aproveitamento da experiência acumulada na Europa no âmbito da interoperabilidade e das boas práticas.

3.1.5   O CESE lamenta que a comunicação da Comissão não faça referência à importância dos aspectos sociais e educativos no sector de transporte. Assinala, contudo, que estes aspectos foram contemplados pela parceria em matéria de infra-estruturas estabelecida em 2006.

3.1.6   O CESE considera igualmente essencial ter em mente, no âmbito desta cooperação, que as medidas adoptadas em todos os domínios mencionados apenas surtirão efeito se contarem com uma base sólida, ou seja, uma mão-de-obra local qualificada.

3.1.7   A cooperação deveria abarcar todos os modos de transporte, também na sua interligação, dentro de uma abordagem adaptada às especificidades da realidade africana.

3.1.8   O CESE reputa indispensável a observância de várias premissas essenciais: transparência e um grau suficiente de segurança, devendo a execução do programa de cooperação implicar a adopção de medidas de acompanhamento.

3.1.9   No seu parecer sobre «A estratégia UE-África» (1), adoptado em 18 de Setembro de 2008, o CESE refere que: «Embora a integração económica regional e subregional tenha progredido sensivelmente, o potencial comercial ainda está por explorar. É preciso, em particular, coordenar as medidas adoptadas para harmonizar as formalidades aduaneiras, desenvolver as infra-estruturas e garantir a livre circulação dos cidadãos.».

3.1.10   Também na Conferência «Jornadas das RTE-T de 2009» realizada em Nápoles em 21 e 22 de Outubro de 2009, o Fórum Euro-africano sobre Transportes deu a oportunidade de abordar a questão de saber de que modo o desenvolvimento de África e as redes transafricanas de transporte poderiam tirar partido da experiência acumulada pela UE com as RTE.

3.1.11   Um dos resultados obtidos foi a intenção expressa pela Comissão Europeia de elaborar, juntamente com os seus parceiros africanos, um plano de acção para intensificar de forma contínua as redes de transporte entre os dois continentes, anunciado para a segunda metade de 2010.

3.1.12   O CESE considera essencial estabelecer, em paralelo com as parcerias económicas bilaterais existentes, parcerias económicas regionais que contribuirão para aprofundar a integração regional.

3.1.13   O CESE entende que as medidas enunciadas no plano de acção deveriam ser concretizadas com a participação dos parceiros sociais e em estreita cooperação com a União Africana.

3.1.13.1   Uma vez que, em África, não se encontra ainda suficientemente desenvolvida uma estrutura que permita envolver os parceiros sociais nos planos e que, na prática, tudo indica que estes nem sequer sabem da sua existência, seria oportuno zelar, em colaboração com a União Africana, por uma informação mais adequada e a criação de mais possibilidades de participação nas actividades de concertação.

3.1.14   Nesse caso, será necessário, na opinião do CESES, conceber uma estratégia comum na qual o critério da sustentabilidade e o desenvolvimento e o bem-estar do povo africano deverão ocupar uma posição de primeiro plano.

3.1.15   O CESE pensa, todavia, que mesmo seguindo esta abordagem, surgirão problemas no momento de executar o programa de acção. Neste contexto, haverá, sobretudo, que ter em conta as diferenças entre as culturas africana e europeia.

3.1.16   O CESE considera que seria útil a União Africana entrar em contacto com o seu Conselho Económico, Social e Cultural para este acompanhar os projectos que fazem parte do plano de acção.

3.1.17   A UE disponibilizou, entretanto, um total de 4,6 mil milhões de euros, ao abrigo do Fundo Europeu de Desenvolvimento, para o período de 2007 a 2013, com vista ao desenvolvimento e à melhoria das infra-estruturas de transporte africanas.

3.1.18   Na próxima Cimeira UE-África, que terá lugar em Adis Abeba no fim do ano, serão avaliadas todas as parcerias existentes. Além disso, o CESE defende que sejam associados formalmente ao Fórum Informal de Transportes de 2010, onde será elaborado o plano de acção para a realização dos projectos, os parceiros sociais e demais representantes não governamentais, de acordo com a Declaração adoptada na Cimeira de Lisboa.

3.1.19   Redes de transporte mais eficazes permitirão às populações deslocar-se mais rapidamente do que antes, reduzirão os custos de transporte e promoverão a sua sustentabilidade e fiabilidade. Essas redes deverão beneficiar os grupos mais carenciados da população mediante a prática de tarifas reduzidas. Mas isso apenas será possível mediante uma abordagem coordenada da planificação e da realização de infra-estruturas.

3.1.20   Tal é tanto mais importante quanto é certo que os custos de transporte em África são dos mais elevados do mundo (representam em média 15 % das receitas das exportações contra os 4 % dos países industrializados). Esta necessidade é tão ingente por ser um pressuposto indispensável para a integração dos mercados regional e nacional.

3.1.21   O reforço da cooperação, designadamente através da aplicação das «boas práticas», fará aumentar as trocas comerciais, a segurança, a fiabilidade e permitirá a criação de um sistema de transportes moderno.

3.1.22   Na opinião do CESE, o lema «trabalhar juntos para um futuro melhor» deveria servir aqui de fio condutor.

3.1.23   Isso ficou bem patente nos resultados da Cimeira de Lisboa, realizada em 8 e 9 de Dezembro de 2007, a qual colocou a base para uma parceria estratégica em pé de igualdade entre a África e a União Europeia, consagrada na Declaração de Lisboa de 9 de Dezembro de 2007.

3.1.24   Esta parceria tem como ponto de partida: a paz e segurança, a governação e os Direitos do Homem, a migração, a energia e as alterações climáticas, o comércio, as infra-estruturas e o desenvolvimento.

3.1.25   O CESE observa que a comunicação se cinge apenas à parceria UE-África, quando a China já há anos que marca presença em África, nomeadamente no desenvolvimento das infra-estruturas. A estratégia chinesa consiste em conceder separadamente, a cada país africano, empréstimos em condições interessantes em troca, muitas vezes, de contratos a longo prazo para projectos no âmbito das infra-estruturas de transporte e da exploração de recursos naturais.

3.1.26   Uma possibilidade para fazer face a esta situação seria uma colaboração tripartida entre a UE, a China e a África, que colocaria como premissa que todas as formas de trabalho e de despesas deverão reverter a favor do «emprego africano». O CESE adoptou, aliás, em 1 de Outubro de 2009, um parecer sobre as relações entre a UE, a China e a África (2).

3.2   Os actores não governamentais

3.2.1

No atinente à planificação e ao financiamento da rede de infra-estruturas de transporte, o CESE considera necessário investigar se os sectores não governamentais não poderiam desempenhar um papel em paralelo com os poderes públicos. É, por um lado, imprescindível a participação do Estado e dos cidadãos, nomeadamente das ONG, e, por outro, a implicação das grandes empresas e dos fundos europeus mais importantes.

3.2.2

Nos últimos anos, tem sido cada vez mais relevante o papel das associações de agricultores, dos sindicatos, das organizações de consumidores, etc., designadamente graças ao êxito dos acordos de Lomé e de Cotonou. O CESE insta com veemência ao prosseguimento desta via.

3.3   Corrupção e pirataria

3.3.1

Infelizmente, na comunicação o problema da corrupção e da pirataria é aflorado apenas à margem, quando é bem patente a todos os níveis em África e representa um obstáculo ao desenvolvimento económico, para além de refrear qualquer avanço na integração regional.

3.3.2

O CESE considera que cada proposta e cada medida no contexto da cooperação com a União Africana terão de contemplar o combate à corrupção e à pirataria.

3.3.3

Este é, aliás, também um dos objectivos da União Africana que ficou bem explícito no Acordo de Cotonou.

3.3.4

Para a UE deveria valer a regra segundo a qual os fundos europeus apenas poderão ser utilizados se for garantida a rastreabilidade dos meios financeiros e intensivamente controlada a forma como estes são despendidos.

3.3.5

Nos sectores de transportes e de infra-estruturas, a corrupção manifesta-se essencialmente nos transportes terrestres e, mais concretamente, nos rodoviários, ao passo que a pirataria incide principalmente nos transportes marítimos.

3.3.6

O CESE salienta que os navios que navegam ao largo da costa da Somália e no Golfo de Aden deverão seguir as boas práticas de prevenção contra a pirataria (Best Management Practices to deter piracy) da ONU e registar a sua rota nos sítios web da EU – NAVFOR/MSC (HOA). Estas práticas incluem igualmente uma série de medidas de auto-defesa dos navios.

4.   Observações na especialidade

4.1

Convém ter presente que todos os 53 Estados africanos se vêem a braços com problemas no âmbito dos transportes e das infra-estruturas. Em 2006, foi adoptado o chamado Programa de Desenvolvimento das Infra-Estruturas em África (PIDA), no intuito de coordenar melhor a planificação e a realização de infra-estruturas.

4.2

Este programa prevê uma série de medidas de formação, por exemplo, de controladores aéreos, de assessores de segurança e de especialistas nas áreas do ambiente e da segurança dos transportes.

4.3

O passo seguinte será a coordenação dos processos de planificação da UE e de África, indispensável para criar uma rede de transportes euro-africana. Haverá, antes de mais, que identificar os nós de transporte, sobretudo os portos e os aeroportos.

4.4

Como os meios financeiros são limitados, apenas deverão ser utilizados em projectos concretos de maior utilidade. Em termos de transportes, isso significa uma abordagem co-modal que tire partido das vantagens específicas de cada um dos modos de transporte relevantes e das características e das especificidades de cada país.

4.5

Neste contexto, o CESE recomenda que seja incluído explicitamente no programa de acção o tema da luta contra a corrupção.

4.6

No caso dos transportes ferroviários, dever-se-á elaborar uma lista com as ligações de caminhos-de-ferro prioritárias. A rede ferroviária é, com efeito, de importância primordial para tirar do isolamento os países privados da ligação com o mar. Neste momento há quinze países que não dispõem de caminhos-de-ferro.

4.7

A África representa actualmente apenas 4 % do tráfego aéreo mundial. A segurança e a qualidade dos aviões e dos serviços encontram-se, infelizmente, muito aquém das necessidades de mobilidade. A segurança, em todas as acepções, e a redução das emissões de substâncias poluentes encontram-se no topo da agenda.

4.8

O transporte marítimo assegura 92 % do comércio internacional africano. O reforço da cooperação entre a União Europeia e a União Africana deveria permitir a criação de centros logísticos e melhorar o funcionamento dos portos nos seguintes domínios:

simplificação das formalidades aduaneiras e de registo;

aprofundamento dos portos para permitir o acesso aos navios que ficam agora ancorados ao largo e expostos a todas as formas de insegurança;

garantir a segurança dos portos graças à aplicação do código ISPS.

4.9

A maioria das trocas comerciais continentais é efectuada por estrada, mesmo sendo a infra-estrutura rodoviária, cuja qualidade é variável de país para país, totalmente insuficiente. Em África, a densidade viária não chega aos 7 km por 100 km2. Além disso, são longas as demoras e excessivas as formalidades aduaneiras à entrada e à saída, e a corrupção é omnipresente.

4.10

A Comissão Europeia destinou no início de 2009 uma verba de 3 mil milhões de euros ao Fundo Europeu de Desenvolvimento para desenvolver eixos de transporte transafricanos que serão futuramente ligados aos eixos de transporte transeuropeus.

4.11

O CESE salienta que na afectação de fundos europeus para o desenvolvimento das infra-estruturas se deve exigir que sejam recrutados para essas actividades exclusivamente trabalhadores assalariados locais declarados oficialmente e oriundos da União Africana, pois só assim os projectos contribuirão para aumentar a formação e o bem-estar da população.

4.12

A situação no terreno mostra que o transporte rodoviário internacional nem sempre é possível em toda a África e, quando o é, vê-se confrontado com o obstáculo do suborno ou da corrupção ao longo do trajecto percorrido ou na passagem das fronteiras. Só que muitas vezes não há simplesmente alternativas ao transporte por estrada.

4.13

O CESE espera que a União Africana dê provas de realismo e tome como exemplo a abordagem adoptada pela UE no âmbito das RTE-T, que se norteia fundamentalmente pelo objectivo da interoperabilidade logo a partir da fase de planificação e de programação das infra-estruturas de transporte.

4.14

Os aspectos financeiros não são os únicos com relevância. Para a realização dos projectos de infra-estruturas transeuropeias de grande envergadura, a União Europeia designou coordenadores que apoiam os Estados-Membros tanto na busca de financiamento para os seus projectos como na busca de soluções para os problemas surgidos à medida que vão sendo concretizados. O CESE considera que seria uma boa opção designar coordenadores de projectos para os troços que faltam nas oito redes transafricanas previamente seleccionadas.

4.15

O CESE adverte, contudo, que antes de se passar aos investimentos nas infra-estruturas em África, se terá de dispor de garantias suficientes em termos de segurança e de fiabilidade. Na luta contra a pirataria no mar, conta-se com o apoio dos programas de acompanhamento desenvolvidos pela OMI.

4.16

Além disso, convinha prestar especial atenção às medidas destinadas a melhorar a segurança rodoviária. Conforme refere a comunicação da Comissão (ponto 3.2.4), os acidentes de viação causam anualmente um milhão de mortos, sendo 65 % das vítimas mortais peões.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 77 de 31.3.2009, p. 148-156.

(2)  JO C 318 de 23.12.2009, p. 106-112.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/74


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Solidariedade na Saúde: Reduzir as desigualdades no domínio da saúde na UE»

[COM(2009) 567 final]

2011/C 18/13

Relatora: Ágnes CSER

Co-relatora: Renate HEINISCH

Em 20 de Outubro de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Solidariedade na Saúde: Reduzir as desigualdades no domínio da saúde na UE

COM(2009) 567 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 23 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 51 votos a favor, 1 voto contra e sem abstenções o seguinte parecer:

1.   Recomendações

1.1   O princípio de integrar a dimensão da saúde em todas as políticas deve tornar-se realidade para todas as políticas da UE. A Comissão deve, pois, avaliar as medidas tomadas, verificando se todos os domínios políticos contribuem para um nível elevado de protecção da saúde e para a redução das desigualdades. Deve também desenvolver mecanismos que anulem as medidas políticas que tiverem um impacto negativo na saúde e na igualdade.

1.2   O CESE realça a importância de os Estados-Membros e a Comissão chegarem atempadamente a um acordo sobre um conjunto de indicadores comparáveis e de objectivos quantificáveis, de forma a permitir às autoridades nacionais avaliar os progressos efectuados na redução das desigualdades na saúde e actuar nos domínios em que as iniciativas europeias podem complementar os esforços nacionais.

1.3   O CESE convida todos os Estados-Membros a participarem nos planos da Comissão para melhorar as bases de dados e de conhecimentos e os mecanismos de aferição, controlo e notificação das desigualdades na saúde.

1.4   O Comité solicita à Comissão que colabore com os Estados-Membros no desenvolvimento de novos indicadores para controlar as disparidades na saúde e de uma metodologia para analisar a situação nos Estados-Membros, a fim de definir os domínios em que as melhorias e a aplicação de boas práticas são mais urgentes.

1.5   O CESE convida os Estados-Membros e a Comissão a criar um modelo de desenvolvimento económico e social geral, que gere um maior crescimento económico e uma melhor justiça social, mas também mais solidariedade, coesão e saúde. Esta questão deve considerada prioritária na Estratégia Europa 2020, e haverá que ter em conta a importância vital dos fundos estruturais da UE para a sua realização.

1.6   O Comité convida a Comissão e os Estados-Membros a disponibilizarem os meios necessários à luta contra todas as desigualdades sociais que dão origem a desigualdades na saúde, nomeadamente em matéria de educação, urbanismo e poder de compra.

1.7   Há que intensificar os esforços para combater as desigualdades no domínio da saúde patentes nas zonas rurais, sobretudo atendendo aos desafios colocados pelas alterações demográficas.

1.8   A Comissão deve avaliar o impacto das plataformas e fóruns europeus existentes (nutrição, álcool, etc.) nos grupos vulneráveis.

1.9   O Comité solicita à Comissão e aos Estados-Membros que ponderem novamente as recomendações que em pareceres anteriores expendeu sobre assuntos sociais e saúde e que, se aplicadas, ajudariam a reduzir as desigualdades neste domínio (1).

2.   Contexto – As desigualdades no domínio da saúde na UE

2.1   Em média, os cidadãos da UE usufruem agora de vidas mais longas e mais saudáveis. No entanto, as disparidades na União quanto à saúde dos cidadãos continuam a ser significativas, e tendem mesmo a aumentar, o que constitui uma enorme fonte de preocupações e um desafio de monta. O aumento do desemprego resultante da conjuntura financeira e económica também está a agravar a situação. A Comunicação da Comissão visa lançar um debate para definir possíveis medidas de acompanhamento da UE para ajudar os Estados-Membros e outras entidades a nível nacional ou regional a encontrar respostas para esta situação crítica.

2.1.1   Um exemplo das disparidades entre os habitantes da União Europeia no domínio da saúde é o facto de alguns Estados-Membros terem uma taxa de mortalidade dos bebés com menos de um ano de idade cinco vezes superior à de outros Estados-Membros. A esperança de vida em certos países é catorze anos mais longa, no caso dos homens, e oito anos mais longa, no caso das mulheres. Além disso, existem fortes disparidades no domínio da saúde entre as diferentes regiões e entre zonas rurais e urbanas.

2.1.2   A esperança de vida à nascença apresenta variações de dez anos para os homens e de seis anos para as mulheres, dependendo do nível de habilitações e do grupo socioeconómico. Os trabalhadores que desempenham tarefas manuais ou rotineiras tendem a ter um estado de saúde mais precário do que outros grupos. Também há disparidades entre homens e mulheres, já que as mulheres vivem mais tempo mas passam mais anos em situação de saúde precária.

2.1.3   As disparidades na saúde radicam em desigualdades sociais ligadas às condições de vida, aos padrões de comportamento, ao nível de habilitações, ao emprego e ao rendimento, aos cuidados de saúde, aos serviços de prevenção das doenças e promoção da saúde, bem como às políticas públicas que influenciam a quantidade, a qualidade e a distribuição desses factores. As desigualdades vividas no acesso à educação, ao emprego e aos cuidados de saúde, assim como as diferenças baseadas no sexo e na raça, são factores essenciais. Quando a pobreza surge associada a outras vulnerabilidades (infância ou velhice, deficiência ou pertença a um grupo minoritário), os riscos para a saúde aumentam.

2.1.4   Os factores socioeconómicos influenciam as condições de vida e de saúde; por exemplo, nem todos os habitantes da UE têm acesso a redes adequadas de abastecimento de água e de saneamento.

2.1.5   O acesso aos cuidados de saúde é entravado pela falta de seguros (especialmente de regimes legais de seguro de doença), pelos custos elevados dos tratamentos, por uma informação insuficiente sobre os serviços disponíveis e pela existência de barreiras de natureza linguística e cultural. Além disso, os grupos sociais mais pobres recorrem menos aos cuidados de saúde.

2.1.6   As desigualdades na saúde não são inevitáveis e dependem muito dos indivíduos, dos governos, dos vários intervenientes e das comunidades, podendo ser combatidos com políticas e iniciativas adequadas. O comportamento individual em matéria de saúde não é o principal factor na origem das desigualdades referidas; pelo contrário, estas devem-se sobretudo às circunstâncias socioeconómicas, de saúde e políticas existentes em cada país, cujos efeitos cumulativos afectam as pessoas ao longo de toda a sua vida.

3.   Conteúdo da proposta da Comissão

3.1   A Comunicação da Comissão pretende lançar o debate necessário para definir possíveis medidas de acompanhamento a nível da UE, destinadas a apoiar as acções desenvolvidas pelos Estados-Membros e por outras entidades com o objectivo de eliminar as desigualdades no domínio da saúde.

3.2   Apesar de haver já iniciativas da UE que contribuem para colmatar as desigualdades no domínio da saúde na União Europeia (2), a Comissão considera que pode prestar um apoio adicional aos Estados-Membros na redução dos factores que geram essas desigualdades.

3.3   A Comunicação da Comissão identifica cinco questões principais a abordar:

Garantir uma distribuição equitativa da saúde no âmbito do processo de desenvolvimento económico e social;

Melhorar as bases de dados e conhecimentos e os mecanismos de aferição, controlo, avaliação e notificação;

Promover um maior empenhamento da sociedade;

Responder às necessidades dos grupos mais vulneráveis;

Melhorar o contributo das políticas comunitárias.

Cada domínio principal é acompanhado de uma lista de acções a promover, a nível da UE, pela Comissão e pelos Estados-Membros.

4.   Observações na generalidade – Medidas para reduzir as desigualdades na saúde

4.1   O CESE congratula-se com o facto de a Comunicação encarar como um desafio a amplitude das disparidades na saúde entre as diferentes regiões da UE e entre cidadãos socialmente favorecidos e desfavorecidos, por concordar que essas desigualdades põem em causa os compromissos assumidos pela UE em prol da solidariedade, da coesão económica e social, dos direitos humanos e da igualdade de oportunidades.

4.2   A Comunicação da Comissão é o resultado de uma ampla consulta ainda não concluída. Infelizmente, algumas questões importantes foram omitidas ou mencionadas de forma muito resumida. Várias dessas questões são da competência dos Estados-Membros, mas a Comissão pode desempenhar um papel complementar no seu tratamento e resolução.

4.3   A Comunicação define os principais domínios de intervenção da UE (política de protecção social, ambiente, educação, etc.) que se relacionam com as desigualdades na saúde e que se reforçam mutuamente. Por conseguinte, o CESE chama a atenção para a importância de a Comissão e os Estados-Membros avaliarem o impacto das diversas políticas a TODOS os níveis (local, regional europeu) no estado de saúde da população. O CESE recorda que a redução das desigualdades na saúde resulta de escolhas políticas e não de fenómenos naturais.

4.4   O CESE considera que a Comissão deve utilizar da melhor maneira os instrumentos ao dispor (como, por exemplo, o método aberto de coordenação, as avaliações de impacto, os programas de investigação, os indicadores e a cooperação com as organizações internacionais) e analisar, com os Estados-Membros, a criação de novos métodos para garantir que as políticas e acções da UE combatem os factores que geram ou contribuem para as desigualdades na saúde na União Europeia. No entanto, as medidas adoptadas pela Comissão para apoiar os Estados-Membros devem respeitar o princípio de subsidiariedade e os Tratados.

4.5   O CESE entende que a Comissão pode ajudar a coordenar as políticas e medidas da UE, a garantir a coerência das políticas, a promover a troca de informações e conhecimentos entre os Estados-Membros, a identificar e divulgar boas práticas e a elaborar políticas ajustadas aos problemas específicos que afectam determinados grupos sociais. O Comité espera uma melhor cooperação com as partes interessadas, incluindo o CESE, tanto a nível da UE como a nível internacional.

4.6   No entanto, o CESE sublinha que é aos Estados-Membros que compete garantir a disponibilidade, a nível local, de cuidados de saúde abrangentes, de alta qualidade, universalmente acessíveis e personalizados, visto ser esse o principal factor de redução das disparidades na saúde. Isto aplica-se, sobretudo, às crianças, aos doentes crónicos ou com múltiplas doenças e aos idosos, que necessitam de um ambiente familiar e de contactos com familiares, amigos e conhecidos durante a convalescença. As populações e os grupos especialmente vulneráveis não devem ser obrigados a mudar-se para as zonas em que se concentram os equipamentos de saúde de modo a escaparem às desigualdades no acesso aos cuidados de saúde.

4.7   O Comité salienta que são os Estados-Membros os responsáveis pela prestação de cuidados de saúde. Ao debater a questão das desigualdades, é vital considerar o papel que os governos nacionais desempenham no que toca a estabelecer regimes de protecção social e a garantir a existência de pessoal suficiente e suficientemente qualificado para prestar os serviços necessários, a nível local, sem desvantagem para os grupos vulneráveis ou para habitantes de comunidades periféricas.

4.8   Maioritariamente determinadas por factores externos aos sistemas de saúde, as más condições de saúde podem ser remediadas por esses sistemas, bem como pelos regimes de segurança social. No entanto, em alguns casos, a evolução dos sistemas de saúde pode agravar as desigualdades (3). As novas tecnologias não devem gerar novas desigualdades na saúde.

4.9   É particularmente importante sensibilizar a geração mais jovem para o facto de os estilos de vida saudáveis reduzirem o risco de contrair doenças. A divulgação desses conhecimentos entre os jovens, que a seu tempo virão a ser pais, pode ter grande impacto nos seus filhos e nas gerações futuras.

5.   Observações específicas sobre as principais questões a abordar

5.1   Garantir uma distribuição equitativa da saúde no âmbito do processo de desenvolvimento económico e social

5.1.1   As desigualdades na saúde também afectam o processo de Lisboa, uma vez que as perdas de produção e os custos dos tratamentos e das prestações sociais podem prejudicar a economia e a coesão social.

5.1.2   O CESE concorda com a opinião da Comissão de que é necessário criar um modelo de desenvolvimento económico e social geral, que gere um maior crescimento económico e maior justiça social, mas também mais solidariedade, coesão e saúde. Esta questão deve ser uma prioridade na Estratégia Europa 2020, que deverá incluir um indicador que meça as desigualdades na saúde e acompanhe os progressos sociais alcançados ao abrigo da estratégia. Haverá ainda que ter em conta a importância vital dos fundos estruturais da UE para a sua realização.

5.1.3   O CESE lembra aos Estados-Membros a importância da protecção social na saúde, do acesso aos serviços de saúde e do financiamento desse sector para tornar os resultados da saúde mais equitativos. Este aspecto é importante sobretudo à luz das tendências demográficas na UE.

5.1.4   Importa mencionar que é necessário aplicar e alargar a protecção social na saúde – mecanismos de financiamento da saúde como os seguros de saúde sociais e nacionais ou os sistemas baseados na tributação – com base na solidariedade no financiamento e na partilha dos riscos, que é fundamental para alcançar a igualdade no acesso aos serviços de saúde. O acesso efectivo aos serviços de saúde deve ser definido pela acessibilidade dos preços, a disponibilidade, a qualidade, a protecção financeira e a informação sobre um leque de serviços essenciais (4).

5.1.5   As disparidades na saúde devem ser reduzidas por meio de uma estratégia pragmática que vise alcançar uma cobertura universal e um acesso efectivo, tal como acima definidos, através da coordenação de todos os regimes e sistemas de financiamento do sector (seguros sociais e privados, regimes de assistência social, sistemas de saúde pública, etc.), a fim de colmatar as lacunas no acesso das pessoas mais pobres, dos migrantes, independentemente da sua situação administrativa, e das minorias étnicas ou religiosas, bem como as desigualdades relacionadas com a idade ou com o género.

5.1.6   As reformas nesse sentido devem conduzir a uma abordagem baseada nos direitos e no diálogo social, que garanta um amplo consenso e a consequente sustentabilidade das soluções de financiamento e das condições de trabalho digno, tanto para os segurados como para os profissionais de saúde. Neste contexto, o CESE considera que uma maior privatização do sector pode ter efeitos negativos, ao introduzir um sistema assente na concorrência e não na solidariedade.

5.2   Melhorar as bases de dados e conhecimentos e os mecanismos de aferição, controlo, avaliação e notificação

5.2.1   O CESE concorda com a afirmação da Comissão de que a aferição das desigualdades na saúde é essencial para uma acção e um controlo eficazes dos progressos realizados.

5.2.2   Por conseguinte, o CESE convida TODOS os Estados-Membros a participarem nos planos da Comissão para melhorar as bases de dados e de conhecimentos e os mecanismos de aferição, controlo e notificação das desigualdades na saúde (incluindo o impacto económico e social). A este respeito, é muito importante que os Estados-Membros se comprometam a enviar dados comparáveis em tempo oportuno.

5.2.3   Dada a significativa importância dos dados e das respectivas lacunas, o CESE insta a Comissão a colaborar com os Estados-Membros no desenvolvimento de novos indicadores para acompanhar as disparidades na saúde e de uma metodologia para analisar a situação nos Estados-Membros, a fim de definir os domínios mais carentes de melhorias e da aplicação de boas práticas.

5.2.4   O CESE apoia a inclusão da aferição e do controlo do acesso efectivo aos serviços de saúde e da cobertura universal da protecção social na saúde como um indicador de progresso. Advoga ainda que se discriminem os dados segundo o sexo, a idade, o estatuto socioeconómico e a zona geográfica. O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a beneficiarem da experiência da OMS, da OIT, da Fundação de Dublim e da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia nesta matéria.

5.2.5   Quanto à investigação e à base de conhecimentos, o CESE apoia o maior realce conferido às questões de saúde e socioeconómicas no Programa-Quadro da UE para a Investigação. O Programa de Saúde da UE também deve incluir uma prioridade relativa à luta contra as disparidades na saúde no próximo exercício orçamental.

5.2.6   A Comissão também deve criar instrumentos e um quadro para o intercâmbio dos resultados da investigação entre os Estados-Membros, bem como oportunidades de concertar os recursos de investigação dos Estados-Membros.

5.2.7   O CESE reconhece que a redução das desigualdades na saúde é um processo a longo prazo. As acções mencionadas na Comunicação destinam-se a criar o enquadramento para uma acção sustentada neste domínio e o CESE aguarda com expectativa o primeiro relatório de avaliação, que deverá ser publicado em 2012.

5.3   Promover um maior empenhamento da sociedade

5.3.1   O CESE saúda os planos da Comissão de cooperar com os Estados-Membros e de consultar as partes interessadas mais relevantes a nível europeu e nacional sobre as seguintes questões:

fazer das desigualdades na saúde uma questão prioritária nos mecanismos de cooperação vigentes no domínio da saúde;

desenvolver acções e ferramentas de formação profissional em matéria de redução das desigualdades na saúde, através do programa da UE para a saúde, do FSE e de outros mecanismos;

incentivar uma análise sobre a fixação de metas no âmbito do Comité da Protecção Social, com base em documentos de reflexão.

5.3.2   O CESE salienta que a promoção de um forte empenhamento de toda a sociedade não depende só dos governos, mas também do envolvimento da sociedade civil e dos parceiros sociais. O processo de consulta e a definição e aplicação das políticas devem envolver as partes interessadas a nível europeu, nacional e local. O CESE considera possível melhorar a eficácia destes elementos, bem como o desenvolvimento de parcerias e a divulgação de boas práticas. É necessário estabelecer nos Estados-Membros programas de controlo e avaliação claros para aferir os progressos efectuados.

5.3.3   A criação de parcerias mais eficazes com as partes interessadas contribuirá para promover acções em relação a várias determinantes sociais e ajudar, assim, a combater as desigualdades na saúde. Essas parcerias podem desempenhar, por exemplo, um papel importante na melhoria do acesso e da adequação dos serviços de saúde, na promoção da saúde e dos cuidados preventivos para os migrantes, as minorias étnicas e outros grupos vulneráveis, na promoção da troca de informações e conhecimentos, na identificação e divulgação de boas práticas e na elaboração de políticas ajustadas aos problemas específicos de cada Estado-Membro e/ou de determinados grupos sociais. As partes interessadas também podem ajudar a aferir as diferenças na saúde presentes no trabalho, nas actividades de lazer e na comunidade a que pertencem, bem como apoiar a formação e o desenvolvimento do conhecimento dos profissionais de saúde e dos profissionais de outros sectores.

5.3.4   O CESE apela a um processo mais eficaz de consulta dos grupos vulneráveis e gostaria de ter a oportunidade de analisar melhor este aspecto com a Comissão.

5.4   Responder às necessidades dos grupos mais vulneráveis

5.4.1   É importante recordar que os grupos vulneráveis são as primeiras vítimas das crises actuais, tanto em termos de saúde como de acesso aos cuidados de saúde.

5.4.2   Por conseguinte, o CESE congratula-se com:

as medidas de colaboração entre a Comissão e os Estados-Membros com vista a melhorar o acesso aos serviços de saúde e aos cuidados de prevenção para os grupos vulneráveis;

a integração de medidas de redução das desigualdades na saúde no quadro das futuras iniciativas consagradas à promoção de um envelhecimento saudável;

a realização de acções sobre as desigualdades na saúde no âmbito do Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social de 2010;

a utilização, tendo em conta as alterações demográficas, da Política de Coesão e dos fundos estruturais para promover a saúde dos grupos vulneráveis;

a concentração num número limitado de medidas, embora estas devam ser desenvolvidas de forma mais aprofundada.

5.4.3   O CESE recomenda que as desigualdades no domínio da saúde e os grupos vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, sejam analisados do ponto de vista geral da igualdade e da discriminação. Um dos exemplos é a questão do envelhecimento díspar de homens e mulheres. As mulheres tendem a viver mais tempo, mas num estado de saúde precário e, por terem uma vida profissional geralmente mais curta, gozam de pensões de reforma mais baixas, o que afecta directamente o acesso aos cuidados de saúde e aos medicamentos. A situação das mulheres migrantes também exige especial atenção no que diz respeito à educação sanitária e ao acesso aos cuidados de saúde.

5.4.4   Os programas de prevenção e de rastreio, bem como a promoção da saúde e a educação sanitária (sobre estilos de vida saudáveis, tratamentos disponíveis, direitos dos doentes, etc.), são muito importantes, sobretudo nas comunidades desfavorecidas. O CESE recomenda que a Comissão e os Estados-Membros desenvolvam campanhas e serviços direccionados para os grupos vulneráveis pertinentes. As campanhas sanitárias destinadas à população em geral têm, normalmente, taxas de penetração baixas nos grupos mais desfavorecidos. Campanhas orientadas para grupos específicos deverão ajudar as comunidades desfavorecidas a definir as suas necessidades e difundir informação.

5.4.5   Neste contexto, a Comissão deve avaliar o impacto das plataformas e fóruns europeus existentes (nutrição, álcool, etc.) nos grupos vulneráveis. O CESE propõe a criação de uma plataforma de organizações de pacientes, a fim de partilhar experiências e disseminar informações.

5.4.6   O CESE considera que a qualidade e a acessibilidade da educação na primeira infância constituem uma das maneiras de prevenir as desigualdades no domínio da saúde entre as gerações futuras. A disponibilidade de diversas formas de assistência às crianças é uma componente essencial do desenvolvimento económico e social, desempenhando um papel particularmente crucial nas zonas desfavorecidas e para os grupos e agregados familiares mais desfavorecidos cujas condições de vida sejam, quanto ao resto, favoráveis. A oferta de serviços de assistência às crianças pode ajudar a resolver os problemas sociais, económicos e de saúde que esses agregados familiares desfavorecidos enfrentam e fomentar a integração social dos grupos excluídos (5). Da mesma forma, e visto que as desigualdades na saúde têm também origem nas desigualdades de escolarização, o CESE considera essencial garantir um acesso igual a uma escolarização e educação de qualidade, para que cada cidadão possa adquirir os conhecimentos que lhe permitirão assumir o controlo da sua vida.

5.5   Melhorar o contributo das políticas da UE

5.5.1   O CESE insta os Estados-Membros a dar prioridade à eliminação das desigualdades na saúde e a garantir que as políticas que têm efeitos nas questões sociais, económicas e de saúde sejam mais bem coordenadas, acompanhadas e avaliadas, de forma a promover as boas práticas e a disseminar informações por toda a UE.

5.5.2   Importa examinar o impacto das diversas políticas nos níveis de saúde.

5.5.3   O contributo da UE para a redução das disparidades na saúde pode ser melhorado, por exemplo através de uma melhor compreensão do impacto das políticas na saúde e de uma maior integração das políticas: educação, condições de trabalho, desenvolvimento territorial, política de ambiente, política de transportes, etc. Contudo, a Comissão necessita de garantir, em primeiro lugar, que as medidas propostas não vão gerar novas desigualdades, sobretudo se afectarem grupos vulneráveis (6).

5.5.4   O objectivo de garantir um elevado nível de protecção da saúde está consagrado em pé de igualdade com o mercado único no Tratado de Lisboa, que também atribui à UE um papel complementar na salvaguarda do bem-estar dos seus cidadãos. O CESE espera que o Tratado de Lisboa revitalize o objectivo de integrar a dimensão da saúde em todas as políticas, que, até à data, tem permanecido uma fórmula oca na União, usada para ocultar o desequilíbrio com o predomínio absoluto do mercado único.

5.5.5   Neste contexto, o CESE convida a Comissão a:

proceder a uma avaliação das suas medidas (antes, durante e depois de concluídas) em todos os domínios políticos, a fim de verificar se todos contribuem para garantir um elevado nível de protecção da saúde e a reduzir as desigualdades neste domínio (7);

desenvolver mecanismos que permitam avaliar o impacto na saúde das políticas actuais (ex ante e ex post) ao nível dos diferentes grupos de população, para obter informações que possam servir de base para o desenvolvimento de novas políticas;

desenvolver instrumentos que permitam inverter as medidas políticas da Comissão que afectem negativamente a saúde e as respectivas desigualdades;

sensibilizar Estados-Membros, associações e profissionais para o verdadeiro impacto das disparidades na saúde, os factores que as determinam e as formas de os superar.

5.5.6   O CESE gostaria também que os Estados-Membros abordassem as desigualdades na saúde nos seus programas de trabalho e desenvolvessem estratégias inter-sectoriais adequadas.

5.5.7   O Comité apoia a proposta da Comissão de ajudar os Estados-Membros a coordenar mais eficazmente as medidas políticas, a analisar a relação entre essas políticas e os resultados na saúde daí resultantes para os diversos grupos nos vários Estados-Membros. O combate às desigualdades deve ser apoiado ainda por uma melhor utilização da política de coesão da UE e por uma melhor informação e coordenação dos fundos de coesão, bem como por uma capacidade acrescida de investir nos sectores da saúde e dos cuidados sociais nos Estados-Membros, opções previstas pela política de desenvolvimento rural da UE e pela PAC.

5.5.8   Contudo, ao fazê-lo, não deve lesar os direitos dos Estados-Membros de organizarem e financiarem os sistemas de saúde, sobretudo o seu direito de definir e aplicar um nível adequado de protecção da saúde (artigo 168.o do Tratado).

5.5.9   Há que intensificar os esforços para combater as desigualdades no domínio da saúde patentes nas zonas rurais, sobretudo tendo em conta os desafios colocados pelas alterações demográficas. A este propósito, importa reconhecer e dar apoio especial ao papel fundamental desempenhado pelos pequenos prestadores de cuidados de saúde (nomeadamente os profissionais de saúde independentes) em garantir um tratamento abrangente, individual e local dos doentes.

5.5.10   O CESE congratula-se com:

o diálogo político proposto com os Estados-Membros e as partes interessadas sobre a questão da equidade e outros valores fundamentais da saúde, conforme estabelecido na estratégia da UE para a saúde e na estratégia da UE para a saúde e segurança no trabalho, e com a proposta de organizar um fórum sobre a saúde e sua reestruturação para analisar medidas de redução das desigualdades;

a iniciativa da Comissão a nível internacional para apoiar os países terceiros no domínio da saúde e noutras áreas conexas através do intercâmbio da experiência da UE no combate às desigualdades na saúde.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Consultem-se os pareceres de:

 

Cuidados e Educação na Primeira Infância (parecer de iniciativa), relatora: Mária Herczog

 

JO C 255/76, 22.9.2010

 

JO C 255/72, 22.9.2010

 

JO C 128/89, 18.5.2010

 

JO C 228/113, 22.9.2009

 

JO C 318/10, 23.12.2009

 

JO C 306/64, 16.12.2009

 

JO C 317/105, 23.12.2009

 

JO C 218/91, 11.9.2009

 

JO C 175/116, 28.7.2009

 

JO C 77/115, 31.3.2009

 

JO C 77/96, 31.3.2009

 

JO C 224/88, 30.8.2008

 

JO C 256/123, 27.10.2007

(2)  Nomeadamente a Recomendação do Conselho sobre o rastreio do cancro, iniciativas em matéria de saúde mental, tabagismo e VIH/SIDA, bem como uma compilação das melhores práticas europeias, iniciativas de recolha de dados e uma rede de Estados-Membros e partes interessadas. Os programas-quadro para a investigação, os programas de acção, o Programa Comunitário para o Emprego e a Solidariedade Social (PROGRESS), os estudos e as inovações políticas prestam igualmente apoio neste domínio. Além disso, a saúde também é beneficiada pela legislação da UE em matéria de emprego e de segurança e saúde no trabalho, bem como pela Política Agrícola Comum e pelas políticas ambiental e de mercado. O Fundo de Coesão e o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural estão a contribuir para reduzir as disparidades regionais.

(3)  Por exemplo, em França, o acesso limitado às terapias anti-retrovíricas agravou as desigualdades entre os doentes seropositivos.

(4)  Convenções, objectivos acordados a nível nacional e internacional, prestações de maternidade incluindo licenças de doença e de maternidade. As convenções e os regulamentos mais importantes da OIT no domínio da protecção social na saúde incluem a Convenção n.o 130 da OIT sobre cuidados médicos e a Convenção n.o 102 da OIT, especificamente centrada na segurança social, sobretudo na protecção da saúde. Esta convenção foi assinada por muitos países, sendo os mais recentes a Roménia e a Bulgária. Para ser inteiramente ratificada pela UE, só faltam dois Estados bálticos e a Finlândia (que ainda não a ratificaram devido aos termos utilizados em matéria de género).

(5)  Cuidados e Educação na Primeira Infância (parecer de iniciativa), relatora: Mária Herczog.

(6)  Entre os grupos particularmente vulneráveis contam-se as pessoas que perderam a mobilidade devido à doença, que não se esforçam por encontrar o melhor tratamento possível, que não conhecem a língua do país de tratamento preferencial, que não possuem recursos financeiros para pagar tratamentos especializados ou no estrangeiro, ou que hesitam em procurar tratamento no estrangeiro ou num centro de tratamento distante. As alterações demográficas, em especial, irão criar novos desafios em matéria de saúde.

(7)  Embora seja verdade que muitos diplomas legislativos já exigem avaliações do impacto, na maioria dos casos não é feita qualquer avaliação para verificar se na verdade atingem eficazmente os seus objectivos. Essa avaliação é ainda mais necessária na actual crise financeira e económica, que está a tornar-se, cada vez mais, uma crise de emprego e de financiamento do sistema de saúde, com repercussões para a saúde pública.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/80


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar de protecção internacional e relativas ao conteúdo da protecção concedida»

(reformulação)

[COM(2009) 551 final/2 — 2009/0164 (COD)]

2011/C 18/14

Relator: Cristian PÎRVULESCU

Em 26 de Novembro de 2009, o Conselho da União Europeia decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre:

Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar de protecção internacional e relativas ao conteúdo da protecção concedida (reformulação)

COM(2009) 551 final/2 — 2009/0164 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 23 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 136 votos a favor, com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1

O CESE subscreve os objectivos definidos pela Comissão para o Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA). Contudo, chama a atenção para o facto de que há uma disparidade entre os objectivos definidos ao nível europeu e as práticas nacionais, um domínio que poderá vir a sofrer mais com a crise económica e os efeitos sociais e políticos daí advenientes.

1.2

O Comité considera que a revisão da directiva pode contribuir para a criação de uma base legislativa e institucional muito mais adaptada, susceptível de assegurar um nível elevado e coerente de apoio a quem requer protecção internacional.

1.3

O Comité nota, contudo, que, também no caso desta política europeia, se corre o risco de os valores serem esvaziados de conteúdo por excesso de retórica e de declarações de boas intenções. Assim, na segunda fase de aplicação desta política, quando o sistema decisório seguir o procedimento de co-decisão, importa velar pela existência de condições legislativas que permitam aos requerentes de asilo ter um verdadeiro acesso ao mercado de trabalho e aos programas de formação.

1.4

O Comité chama a atenção para o princípio de reconhecimento do papel que cabe à sociedade civil em geral e, em particular, às ONG especializadas no domínio do asilo e no que diz respeito aos refugiados, e solicita que lhes seja concedido acesso ilimitado a todos os procedimentos e locais pertinentes para as suas actividades. Todavia, chama a atenção para o facto de que estas organizações não podem assumir o papel nem a responsabilidade que os governos detêm neste domínio.

1.5

O Comité constata, com preocupação, que as práticas nacionais e as práticas da UE no domínio da expulsão de pessoas que se encontrem, eventualmente, em situação de necessitarem de protecção internacional não são suficientemente transparentes para poderem ser legitimadas aos olhos dos respectivos cidadãos e da comunidade internacional.

1.6

O Comité considera que as diversas dificuldades financeiras resultantes da crise económica não devem conduzir a uma redução do nível e da qualidade da protecção concedida aos beneficiários.

1.7

O Comité subscreve o objectivo que consiste em aperfeiçoar o conteúdo da protecção internacional, nomeadamente através do reconhecimento das qualificações e da melhoria do acesso à formação profissional, ao emprego, à integração e ao alojamento.

2.   Introdução

2.1

A criação do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) no âmbito do espaço de liberdade, segurança e justiça assenta no compromisso de aplicar eficazmente a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951), bem como nos valores que definem os direitos humanos, partilhados pelos Estados-Membros. Segundo as Conclusões do Conselho Europeu de Tampere, e, em seguida, do Programa da Haia, a criação do SECA constitui o instrumento mais importante para o estabelecimento de um procedimento comum de asilo e de um regime uniforme de protecção em todos os Estados-Membros da UE.

2.2

No período entre 1999 e 2006, foram realizados progressos importantes, entre os quais é de destacar a adopção de quatro instrumentos que constituem o acervo actual. A Directiva 2004/83/CE do Conselho (Directiva Qualificação) estabelece os critérios comuns de identificação das pessoas que podem solicitar protecção internacional, assegurando em todos os Estados-Membros um nível mínimo de benefícios de que podem usufruir. Através do Programa da Haia e do Programa de Estocolmo, a Comissão Europeia empenhou-se em avaliar os progressos alcançados durante a primeira fase e a apresentar ao Conselho e ao Parlamento Europeu um conjunto de medidas até finais de 2010.

2.3

Desde 2002 que o Comité Económico e Social Europeu está envolvido no processo de elaboração e aplicação de um sistema europeu comum de asilo, tendo já emitido numerosos pareceres sobre este assunto, nomeadamente o parecer sobre a directiva agora objecto de reformulação (1), o parecer sobre o Livro Verde sobre o Futuro Sistema Europeu Comum de Asilo (2) e o parecer sobre o plano de acção em matéria de asilo (3).

2.4

No seu plano de acção em matéria de asilo (4), adoptado em 17 de Julho de 2008, a Comissão Europeia propôs finalizar a segunda fase do SECA através de normas de protecção de melhor qualidade e mais harmonizadas nos Estados-Membros da UE. A adopção pelo Conselho do Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo, em 17 de Outubro de 2008, veio mais uma vez confirmar o apoio a esta política e aos objectivos nela formulados.

2.5

Este Plano prevê a revisão da Directiva Qualificação por forma a fazer parte de um pacote mais alargado de medidas, que inclui a revisão dos Regulamentos Dublim e EURODAC e da Directiva relativa às condições de acolhimento (5), bem como a adopção, em 19 de Fevereiro de 2009, da proposta relativa à criação de um Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (6). As medidas incluem ainda o reforço da dimensão externa do asilo, nomeadamente através de um programa da UE para restabelecer e desenvolver programas regionais de protecção.

2.6

Uma revisão da directiva pode contribuir para a criação de uma base legislativa e institucional, susceptível de assegurar um nível elevado e coerente de apoio a quem requer protecção internacional. Durante a segunda fase, o processo decisório terá lugar no quadro do procedimento de co-decisão, em conformidade com o artigo 294.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que prevê a votação no Conselho por maioria qualificada e a participação do Parlamento europeu na qualidade de co-legislador.

2.7

A revisão da directiva impõe-se dadas as ambiguidades na sua formulação inicial, as quais são consideradas pelos Estados-Membros como uma das causas principais das disfuncionalidades actuais, de entre as quais se pode referir as diferenças entre as taxas de aceitação dos requerimentos e o elevado número de decisões contestadas.

2.8

A revisão da directiva permitirá alinhar o seu conteúdo com as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal de Justiça da União Europeia, que constituem uma base pertinente para clarificar a formulação do acervo e o conjunto dos procedimentos de concessão de protecção internacional.

2.9

A reformulação é necessária, pois a directiva trata de uma componente importante do mecanismo de concessão de protecção internacional. As normas dela constantes são um complemento de outras partes do acervo e, em particular, da Directiva Procedimentos de Asilo. A revisão da directiva, associada a outras medidas de apoio institucional e financeiro, pode representar um progresso significativo no sentido do estabelecimento de um sistema europeu comum de asilo operacional e eficaz.

2.10

O Comité, na qualidade de representante da sociedade civil europeia organizada, acolheu com satisfação os esforços realizados para consultar a sociedade civil e os peritos ao longo do processo de elaboração da política de asilo, destacando neste contexto a consulta efectuada no âmbito da redacção do Livro Verde apresentado pela Comissão Europeia em Junho de 2007 (7) e da preparação dos estudos sobre a aplicação da directiva (nomeadamente o Relatório Odysseus), bem como do relatório externo sobre o êxito da política de asilo (8).

2.11

O Comité reconhece a importância das colectividades territoriais para o sucesso da política de asilo, nomeadamente no que diz respeito à integração dos beneficiários de protecção internacional. Neste sentido, o CESE exprime o desejo de que o Comité das Regiões participe também nas consultas sobre a política de asilo.

2.12

O Comité manifesta extrema preocupação quanto às práticas dos Governos dos Estados-Membros e da Agência FRONTEX em matéria de expulsão de pessoas que necessitam de protecção internacional (9). Estas operações, que ocorrem cada vez mais frequentemente e vão adquirindo uma dimensão cada vez mais ampla, devem ser efectuadas em condições de total transparência e responsabilidade (10). O Comité recomenda que haja uma cooperação entre a Agência FRONTEX e o Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo a fim de evitar violações dos direitos humanos. A expulsão de pessoas para países/zonas em que a sua segurança possa estar em risco é uma clara violação do chamado princípio de non-refoulement (não-reenvio para o país de proveniência). O Comité insta à elaboração urgente de um relatório sobre a actividade da FRONTEX e à definição das modalidades através das quais esta agência, conjuntamente com as autoridades nacionais, gere as expulsões. O Comité chama a atenção para o facto de que um reforço da FRONTEX sem que sejam estipulados procedimentos que permitam assegurar o respeito pelos direitos humanos constitui um perigo para o sistema europeu comum de asilo e para a credibilidade da União Europeia e dos Estados-Membros.

2.13

O Comité considera que o bom funcionamento do SECA implica a aplicação do princípio da solidariedade entre os Estados-Membros. Alguns deles, em particular devido à sua situação geográfica, estão sujeitos a uma pressão maior do que outros. O SECA só funcionará se estes Estados-Membros receberem apoio de outros Estados-Membros e das agências especializadas da UE.

3.   Observações na generalidade

3.1

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de revisão da directiva, cujo conteúdo reflecte anteriores recomendações feitas pelo Comité, em particular no que diz respeito ao tratamento de quem solicita protecção e à clarificação do estatuto das pessoas susceptíveis de beneficiar de protecção internacional. No entanto, muito há ainda a fazer para se criar um sistema europeu comum de asilo operacional. Isto só será possível se o sistema estiver bem alicerçado num conjunto de valores e princípios comuns que coloque a dignidade e a segurança dos seres humanos no âmago da acção da UE e dos Estados-Membros. A construção deste espaço peca igualmente pela falta de instrumentos e de recursos passíveis de assegurar um procedimento transparente e eficiente de concessão de protecção internacional, reforçado através de políticas e programas de integração dos beneficiários na sociedade e na economia dos Estados-Membros.

3.2

Persiste uma diferença significativa entre, por um lado, o nível da legislação europeia e, por outro, a legislação e as práticas nacionais (11). A harmonização não tem de ser feita com base no menor denominador comum em matéria de protecção. Devido à existência de disparidades acentuadas entre as práticas nacionais, que explicam as diferenças nas taxas de aceitação e no nível de decisões contestadas e de movimentos secundários, o princípio implícito da solidariedade entre os Estados-Membros não é aplicado.

3.3

O CESE tem reiteradamente promovido uma série de princípios pelos quais os Estados-Membros e as instituições da União (12) devem pautar a sua actuação: o princípio de non-refoulement (não-reenvio para o país de proveniência), segundo o qual nenhum refugiado pode ser expulso para um país em que a sua vida ou liberdade possam estar em risco; o princípio da confidencialidade das informações contidas em cada pedido de asilo; e a garantia de não-detenção de um requerente de asilo pelo mero facto de solicitar o estatuto de asilo.

3.4

No seu parecer sobre o Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo (13), o Comité, seguindo estes princípios, elaborou recomendações específicas no sentido de melhorar o tratamento a que estão sujeitas as pessoas que procuram obter protecção internacional. Assim, as instituições da UE e nacionais têm de cooperar para assegurar que as pessoas que necessitam de protecção internacional possam entrar em qualquer altura no território da UE e que os pedidos sejam submetidos a uma apreciação séria e individual. O Comité recomendou igualmente a eliminação da lista de países considerados seguros ou a criação de um Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (GEAA).

3.5

Para além da classificação de um conjunto de valores e princípios pelos quais se deve reger a actuação no domínio do asilo, o Comité recomenda empenho para se atingir objectivos específicos que, na prática, resultem numa melhoria substancial do tratamento concedido aos requerentes e beneficiários de protecção internacional. O Comité recomenda a identificação de um conjunto de indicadores-chave que permita monitorizar e avaliar os progressos na consecução desses objectivos.

3.6

O CESE é favorável à criação de um sistema europeu de análise e avaliação dos riscos de segurança de indivíduos e grupos em países terceiros por intermédio do GEAA. Actualmente, há vários sistemas de avaliação dos riscos ou da violência política, desenvolvidos por autoridades nacionais, ONG, universidades e centros de investigação (14).

3.7

Recomenda-se, quando necessário, envolver na recolha de informações o Serviço Europeu para a Acção Externa e os representantes diplomáticos dos Estados-Membros, mas também as organizações internacionais e as ONG que têm acesso e operam em países terceiros. Este sistema de análise e avaliação servirá de referencial às autoridades nacionais para o processamento rápido e eficiente dos pedidos de protecção internacional. O sistema criará uma base comum de avaliação que permitirá a identificação em tempo real dos riscos.

4.   Observações na especialidade

4.1

A Comissão, ao apresentar os elementos jurídicos da sua proposta de directiva, recomenda uma série de definições destinadas a assegurar normas de protecção mais estritas e a prosseguir o processo de harmonização das normas existentes. Neste sentido, o Comité propõe algumas precisões e desenvolvimentos para a determinação de práticas coerentes com o conjunto de princípios e valores assumidos pela UE.

4.2

Agentes da protecção. O Comité não concorda com o alargamento de definição de «agentes da protecção» e lamenta que entidades não estatais, como as ONG e as organizações internacionais, tenham sido inicialmente incluídas na lista dos agentes da protecção. Mesmo que estas entidades (organizações internacionais e ONG) possam ter vontade e, até, capacidade para protegerem os cidadãos de um país, não é a elas que incumbe a responsabilidade última de o fazer. As organizações internacionais são responsáveis perante os Estados-Membros, nomeadamente perante as ONG, os seus membros e financiadores. A única protecção válida e funcional a médio e longo prazos é a do Estado, responsável perante os seus próprios cidadãos, naturalmente os mais interessados na sua viabilidade e estabilidade. Ainda que os agentes da protecção possam prestar serviços úteis, alguns deles indispensáveis a curto prazo, sobretudo quando se trata da resolução de problemas humanitários, a responsabilidade pela garantia da protecção das pessoas num território não pode, nem mesmo parcialmente, ser-lhes imputada. A existência destes agentes não pode servir como justificação para a recusa de protecção internacional.

4.3

Protecção interna. O facto de haver uma protecção no interior de um país não é suficiente para garantir a segurança dos potenciais requerentes de protecção internacional. Em alguns casos, apenas uma pequena parte do território é segura e as pessoas que se encontram em situações de risco têm poucas probabilidades de se deslocarem para essas zonas. Além disso, observam-se situações em que há lutas pelo controlo de algumas zonas, o que não deixa claro a quem compete assegurar a ordem e a segurança. Posto isto, é importante haver uma qualificação importante. A protecção no interior de um país é válida apenas quando a maior parte do território se encontra sob o controlo de uma autoridade central capaz e disposta a assegurar a ordem interna, um nível mínimo de serviços públicos e uma protecção adequada dos direitos e da segurança dos indivíduos.

4.4

Nexo de causalidade. Importa sobretudo prever um nexo de causalidade para situações em que as perseguições são efectuadas por agentes não governamentais. Nos casos em que há identificação da existência de uma perseguição e falta de protecção governamental, os pedidos de protecção internacional podem ser justificados. A interpretação deste nexo deverá ser extensiva e cuidadosamente considerada sempre que um governo, implícita ou explicitamente, se recuse a proteger os seus cidadãos.

4.5

Pertença a um grupo social. O Comité acolhe favoravelmente a inclusão do critério do género na definição dos grupos sociais potencialmente em risco, entendendo ser uma medida positiva. A interpretação da Convenção de Genebra deverá igualmente ser feita de uma perspectiva transversal que permita compreender melhor as situações em que as mulheres estão sujeitas a riscos típicos. Chama ainda a atenção para o facto de a orientação sexual ser uma causa de perseguições. Há sociedades em que a segurança e o bem-estar das pessoas dependem do género. O Comité encoraja a participação das organizações e das instituições especializadas neste domínio nas consultas sobre a política de asilo, para se obter uma imagem mais completa dos riscos associados ao género. O Comité recomenda ainda que a problemática do género seja reconhecida nas actividades do GEAA, devendo, para o efeito, ser criadas estruturas especializadas.

4.6

Cessação do estatuto de refugiado. O Comité é favorável à alteração proposta que vai de encontro aos princípios e valores pelos quais se rege a política de asilo. O estatuto de pessoas sob protecção internacional só pode cessar quando o regresso ao local de origem deixa de representar um risco para os beneficiários desse direito.

4.7

Diferença em relação ao conteúdo dos dois estatutos de protecção. O Comité observa com agrado a evolução no sentido da unificação dos dois estatutos de protecção. Conforme já o fez em anteriores ocasiões, o Comité apoia esta evolução que permitirá futuramente assegurar uma protecção mais completa das pessoas em situação de risco, proporcionando-lhes uma melhor integração nos Estados-Membros da UE. A unificação destes dois estatutos de protecção não deve, directa ou indirectamente, traduzir-se numa redução do nível de protecção e da qualidade do teor dos mesmos.

4.8

Conteúdo da protecção. O conteúdo da protecção é um ponto sensível da política de asilo. As diferenças existentes entre os Estados-Membros são mais importantes do que no caso dos procedimentos de concessão de protecção internacional propriamente dita. É imprescindível que a Comissão, no âmbito do desenvolvimento da política de asilo, disponibilize os recursos necessários a uma análise específica das políticas e programas nacionais neste domínio. Na ausência de medidas proactivas, a concessão de protecção internacional fica destituída de substância, resultando na discriminação implícita dos beneficiários deste estatuto. O Comité recomenda envolver os sindicatos e as associações patronais na elaboração e na aplicação da política de asilo ao nível nacional.

4.9

O Comité regozija-se por terem sido incluídas disposições em matéria de reconhecimento/equivalência de diplomas e qualificações e previstas medidas para promover o acesso dos beneficiários de protecção internacional a programas de formação profissional. Trata-se de passos importantes no sentido não só da integração destas pessoas na economia e na sociedade, mas também da melhoria da qualidade de vida. Importa estimular o acesso ao mercado de trabalho através de medidas activas para combater a discriminação e estimular os agentes económicos.

4.10

Membros da família. O Comité acolhe favoravelmente a clarificação da definição de membros da família que, a seu ver, permitirá uma avaliação mais exacta e uniforme dos requerentes de protecção internacional em todos os Estados-Membros da UE.

4.11

O Comité congratula-se com a utilização do critério do interesse dos menores na avaliação da concessão de protecção internacional.

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 221 de 17.9.2002, p. 43.

(2)  JO C 204 de 9.8.2008, p. 77.

(3)  JO C 218 de 11.9.2009, p. 78.

(4)  COM(2008) 360 final.

(5)  COM(2008) 815 final; COM(2008) 820 final; COM(2008) 825 final.

(6)  COM(2009) 66 final.

(7)  COM(2007) 301.

(8)  GHK, Impact assessment studies on The future development of measures on the qualification and status of third country nationals or stateless persons as persons in need of international protection and on the content of the protection granted, based on Council Directive 2004/83/EC and The future development of measures on procedures in MS for granting and withdrawing refugee status, based on Council Directive 2005/85/EC, Multiple framework service contract JLS/2006/A1/004 [GHK, estudos de avaliação do impacto sobre a elaboração futura de medidas relativas às condições a preencher e ao estatuto dos nacionais de países terceiros ou apátridas, enquanto pessoas que necessitam de protecção internacional, bem como relativas ao conteúdo da protecção concedida, com base na Directiva 2004/83/CE do Conselho, e sobre a futura elaboração de medidas relativas a procedimentos nos Estados-Membros visando conceder e retirar o estatuto de refugiado, com base na Directiva 2005/85/CE do Conselho, Contrato-quadro de prestação de serviços múltiplos, JLS/2006/A1/004].

(9)  Ver o relatório da organização Human Rights Watch (HRW) intitulado Pushed Back, Pushed Around Italy's Forced Return of Boat Migrants and Asylum Seekers, Libya's Mistreatment of Migrants and Asylum Seekers [Reenvio forçado dos imigrantes e requerentes de asilo que chegam à Itália vindos por barco e imigrantes e requerentes de asilo maltratados na Líbia] HRW 2009.

(10)  O Comité congratula-se com a intenção da Comissão Europeia de conferir maior transparência aos procedimentos neste domínio.

(11)  COM(2009) 551 final – SEC(2009) 1374), pp. 14-16.

(12)  JO C 193 de 10.7.2001, p. 77-83.

(13)  JO C 204 de 9.8.2008, p. 77-84.

(14)  São vários os sistemas de avaliação que podem ser referidos: o Índice de Estados Fracassados (Failed States Index) - Fundo para a Paz http://www.fundforpeace.org/web/index.php?option=com_content&task=view&id=229&Itemid=366; Minorities at Risk [Riscos para as minorias]: http://www.cidcm.umd.edu/mar/about.asp; Conflict and Peace [Conflito e Paz]: http://www.cidcm.umd.edu/pc/; Global Report, The Center for Systemic Peace (CSP): http://www.systemicpeace.org/; Human Security Report: http://www.humansecurityreport.info/index.php?option=content&task=view&id=28&Itemid=63.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/85


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada de protecção internacional nos Estados Membros»

(reformulação)

[COM(2009) 554 final — 2009/0165 (COD)]

2011/C 18/15

Relator: Antonello PEZZINI

Em 26 de Novembro de 2009, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada de protecção internacional nos Estados-Membros (reformulação)

COM(2009) 554 final – 2009/0165 (COD).

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 23 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 28 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 153 votos a favor, com 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Resumo e recomendações

1.1   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) saúda e aprova o trabalho realizado pela Comissão Europeia para adaptar a directiva «procedimentos» às propostas do Livro Verde (1) e do plano de acção (2).

1.2   A adopção do Tratado de Lisboa, que integra, nomeadamente, a Carta dos Direitos Fundamentais, aumentou significativamente as responsabilidades e as competências da União Europeia em matéria de asilo e de imigração.

1.3   O CESE está convicto de que a Comissão Europeia realizou um louvável trabalho de harmonização das directivas precedentes sobre o tema complexo do asilo.

1.4   O CESE é de opinião que, no âmbito da Europa social, deve ser construída uma Europa do asilo, através de processos culturais, jurídicos, administrativos e de cooperação com os Estados-Membros e os países terceiros.

1.5   Num contexto que parece ser cada vez mais complexo e em rápida evolução, inclusivamente devido aos processos de globalização e às crises económica e ambiental, destaca-se e ganha espaço o papel fundamental das organizações não governamentais, em relação às quais o CESE reivindica um papel cada vez mais incisivo e definido pela sociedade e pelos órgãos de decisão públicos.

1.6   As ONG estão vocacionadas para prestar auxílio e dar apoio aos grupos mais desfavorecidos. O seu papel, segundo o CESE, torna-se indispensável como apoio e mediação cultural, em todas as fases dos procedimentos previstos pelas legislações europeias e nacionais.

1.7   Segundo o CESE, os esforços envidados pela Comissão Europeia para harmonizar os procedimentos e os comportamentos deveriam sempre prestar uma grande atenção e demonstrar uma forte sensibilidade, na medida em que se aplicam a seres humanos que, mais do que outros e por motivos óbvios, se encontram numa situação de inferioridade e de dificuldade.

1.8   Em todo o caso, a UE deve evitar o repatriamento de refugiados para países onde se encontre em perigo a sua integridade física e moral, ou onde não sejam respeitados os seus direitos fundamentais.

1.9   Nos procedimentos de pedido de asilo, é fundamental que os requerentes possam exprimir-se na respectiva língua materna e que lhes seja garantida assistência jurídica gratuita em todas as etapas.

1.10   A rejeição de um pedido de protecção internacional deve ser claramente motivada e ser acompanhada de indicações, nomeadamente em termos de modalidades e prazos, sobre a introdução dos eventuais recursos.

1.11   Em todo o caso, a medida de expulsão deve continuar em suspenso na pendência do resultado do recurso eventual.

1.12   Segundo o CESE, os Estados-Membros devem envidar todos os esforços, designadamente através de intercâmbios de experiências apropriados, que permitam que os requerentes de asilo trabalhem e participem em acções de formação e em actividades culturais, num ambiente social adequado.

1.13   O CESE considera que deve manter-se inalterado o princípio de não repulsão e que se deve prever a possibilidade de um alargamento, consensual, aos grupos de indivíduos que necessitam de protecção internacional: mulheres perseguidas, pessoas vulneráveis e refugiados ambientais.

1.14   Na opinião do CESE, a nível interno dos Estados-Membros convém apelar ao sentido de partilha das responsabilidades, para evitar o fenómeno das migrações económicas ilegais e melhorar as intervenções a favor dos indivíduos verdadeiramente carenciados, numa óptica de repartição dos encargos e das obrigações.

1.15   Segundo o CESE, é evidente que os Estados-Membros devem colocar à disposição da Comissão mais recursos económicos, para que possa ser melhorada a política de inserção dos requerentes de asilo.

1.16   A vontade de harmonização demonstrada pela Comissão Europeia através das recentes propostas de reformulação das directivas, deve ter como contrapartida um empenho análogo dos Estados-Membros, que devem introduzir as alterações oportunas nas respectivas legislações nacionais.

1.17   O CESE está convencido de que a criação de uma Europa do asilo, no quadro da Europa social, depende sobretudo da vontade política e da sensibilidade dos Estados-Membros, cuja missão deve ser facilitada por um procedimento único e bem estruturado, proposto pela Comissão Europeia.

1.18   O CESE chama a atenção para a situação particular das mulheres, que têm dificuldades muito maiores do que os homens em requerer asilo e em obter o estatuto de refugiado. Convida, por conseguinte, a Comissão Europeia a envidar todos os esforços possíveis, em conjunto com os Estados-Membros, para realizar melhor a igualdade de género, em relação à qual a Europa sempre foi muito sensível.

1.19   Na opinião do Comité, os processos educativos, oportunamente orientados, podem reforçar uma consciência social e colectiva que tende para a aceitação das pessoas com necessidades de ajuda e de assistência mais prementes, e que vêem nas tradições históricas e religiosas dos países europeus um sólido ponto de referência.

2.   Introdução

2.1   Antecedentes históricos

2.1.1   As origens do direito de asilo remontam à Grécia antiga, que reconhecia a imunidade perante as represálias mutuamente acordada por duas cidades aos respectivos cidadãos ou concedida por uma cidade a personalidades de primeiro plano, nomeadamente embaixadores, etc (3).

2.1.2   Também na Roma antiga, com a afirmação do jus gentium (direito das gentes), era conhecido o direito de asilo associado ao estatuto de cidadania (4).

2.1.3   Posteriormente, as vicissitudes do direito de asilo estiveram estreitamente interligadas com as das várias formas e manifestações de perseguição, que consistiam em medidas repressivas das autoridades por motivos religiosos, filosóficos ou de ideologia política considerados perigosos para a estabilidade do Estado.

2.2   Proibição da discriminação e salvaguarda dos direitos humanos

2.2.1   A evolução da cultura jurídica levou posteriormente ao alargamento do direito de asilo. Em particular, as constituições dos Estados democráticos modernos prevêem geralmente que o governo deve recusar a extradição de um estrangeiro quando esta é solicitada por um delito de natureza política.

2.2.2   Por conseguinte, as leis fundamentais actualmente em vigor nos Estados europeus estabelecem que os estrangeiros a quem seja proibido nos seus países o exercício efectivo das liberdades democráticas, têm o direito de asilo no território dos referidos Estados.

2.2.3   As citadas disposições fazem explicitamente referência ao reconhecimento dos direitos invioláveis do homem e ao princípio da não discriminação. A proibição da discriminação está, aliás, expressamente inscrita no artigo 14o da Convenção sobre a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais  (5) .

2.2.4   Contudo, por força do artigo 15o da Convenção, não se pode derrogar a esta interdição se a derrogação estiver em contradição com outras obrigações impostas pelo Direito Internacional.

2.2.5   É desta disposição que deriva a eliminação das cláusulas nacionais de exclusão do asilo (chamadas cláusulas de «opt-out»), na perspectiva da plena aplicação e implementação concreta da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de Julho de 1951, conforme foi alterada pelo Protocolo de Nova Iorque, de 31 de Janeiro de 1967.

2.2.6   O Tratado de Lisboa alargou as competências da UE em matéria de asilo e de imigração, tendo incorporado a Carta dos Direitos Fundamentais, que:

garante o direito de asilo,

prevê o desenvolvimento de regras comuns,

introduz um sistema integrado na gestão das fronteiras externas,

reconhece a importância da cooperação com os países terceiros,

alarga as competências do Tribunal de Justiça Europeu em matéria de asilo e de imigração.

3.   Síntese da proposta de reformulação da directiva

3.1   A proposta em apreço pretende completar a segunda fase do sistema europeu comum de asilo, que deve ser introduzido, através de um procedimento único, até 2012.

3.2   Entretanto, o objectivo é colmatar as lacunas e as carências das normas mínimas actuais que, sob muitos aspectos, não só são pouco acessíveis e eficientes, mas também não são equitativas nem contextualizadas (6).

3.3   As alterações propostas visam sobretudo melhorar a harmonização dos regimes processuais. Além disso, propõem outras garantias processuais a favor dos requerentes de asilo, em particular no que diz respeito à fase de instrução dos pedidos de protecção e ao respectivo processo de decisão, em conformidade com a evolução da jurisprudência específica do Tribunal de Justiça Europeu e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

4.   Observações na generalidade

4.1   Construção de uma Europa do asilo na Europa social

4.1.1   A realização de uma Europa do asilo, no quadro da Europa social, assenta em sólidos processos educativos que se destinam aos jovens já a partir da pré-adolescência, para que se mantenha a sua vitalidade nas percepções colectivas da sociedade e da classe política dos Estados-Membros.

4.1.2   A União Europeia, no respeito dos direitos fundamentais e dos princípios reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da UE, adoptou a Directiva 2003/9/CE do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, relativa às normas mínimas aplicáveis ao acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros.

4.1.3   Nos últimos anos, todavia, o rápido processo de globalização provocou paradoxalmente fortes recomposições identitárias que se traduziram numa incapacidade em reformular um sistema jurídico com o seu cunho de universalismo, contrariamente ao do Direito Romano.

4.1.4   O confronto entre povos diferentes e o clima actual de preocupação com os contactos culturais suscitam, por conseguinte, novos receios e inseguranças, o que incita quase todos os países europeus a adoptarem posições restritivas em matéria de cidadania e portanto de asilo.

4.1.5   No entanto, esta atitude está em contradição com o almejado processo de integração dos povos e com o objectivo de construção de uma Europa que também seja uma Europa social.

4.1.6   Assim, convém não derrogar ao princípio da não repulsão, ou melhor, deve ser proposta a ideia de alargar mais os grupos de indivíduos susceptíveis de serem reconhecidos como necessitados de protecção internacional. De resto, várias directivas europeias já reconhecem o critério de perseguição de tipo específico de que são vítimas algumas mulheres e outras pessoas vulneráveis.

4.1.7   Por conseguinte, no contexto actual, embora convenha obviamente recusar o estatuto de refugiado aos requerentes considerados unicamente como migrantes económicos, para os quais estão previstas regras específicas, actualmente é mais problemática a situação dos refugiados ambientais.

4.1.8   Trata-se, na realidade, de pessoas obrigadas a afrontar os perigos e as incógnitas de uma deslocação forçada devido à degradação ambiental, com o consequente impacto profundo no exercício dos direitos humanos como o direito à vida, à alimentação, à saúde e ao desenvolvimento (7).

4.1.9   Estas questões poderiam eventualmente ser analisadas no quadro da reformulação da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004 (directiva «qualificações»); além disso, estas novas problemáticas merecem uma consideração mais ponderada, nomeadamente no quadro da Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (COM (2009) 66 final).

4.2   Procedimentos específicos

4.2.1   O processo de reconhecimento do estatuto de refugiado deve necessariamente ter em consideração, por um lado, uma série de medidas legislativas em matéria de segurança que visam lutar contra a imigração clandestina e resolver questões de ordem e segurança públicas ligadas ao fenómeno migratório.

4.2.1.1   Mas, por outro lado, de harmonia com os compromissos adoptados no Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo de 2008, é necessário organizar a imigração legal tendo em conta as prioridades, necessidades e capacidades de acolhimento estabelecidas por cada Estado-Membro, e favorecer a integração.

4.2.1.2   Na perspectiva da construção de uma Europa do asilo, seria nomeadamente oportuno criar uma parceria, segundo o princípio da repartição dos encargos, ou seja, do princípio da solidariedade em matéria de acolhimento e distribuição dos requerentes por todo o território da União Europeia.

4.2.1.3   Os procedimentos previstos na proposta de reformulação para a análise dos pedidos de protecção internacional e dos pedidos relativos à retirada dos estatutos reconhecidos, bem como os procedimentos previstos na proposta de reformulação da directiva «procedimentos» para o recurso contra as decisões, respeitam as exigências internacionais e as que decorrem da legislação da UE.

4.2.1.4   O CESE considera que é da máxima importância promover e apoiar as organizações não governamentais, mesmo no quadro da aplicação dos procedimentos de apresentação e de análise dos pedidos de admissão, de retirada dos estatutos e de recurso contra as decisões. Relativamente a este aspecto, propõe-se que seja expressamente prevista uma disposição a este título, quer nos considerandos, quer no corpo da proposta.

4.2.1.5   Na terminologia comunitária, a protecção internacional inclui tanto o reconhecimento do estatuto de refugiado, na acepção da Convenção de Genebra, como a protecção subsidiária prevista para aqueles que, embora não preencham as condições necessárias para serem reconhecidos como refugiados, não podem ser repatriados porque ficariam expostos a graves perigos.

4.2.1.6   As legislações adoptadas pelos diferentes Estados-Membros em aplicação da referida directiva «procedimentos» definem, regra geral, três níveis de competências das autoridades administrativas encarregadas de receber os pedidos, de os analisar e de adoptar as respectivas decisões.

4.2.1.7   O acesso ao procedimento supõe, em todo o caso, o princípio de que o requerente tem o direito de permanecer no território beneficiando de um tratamento respeitador da dignidade do ser humano, durante todo o tempo necessário à análise do pedido, salvo nos casos de excepção (mandato de detenção europeu, etc.). Quanto ao princípio do respeito da dignidade humana, a permanência nos centros de acolhimento deve ser considerada uma excepção, na pendência de um destino melhor, e não a regra.

4.2.1.8   Está igualmente prevista uma série de garantias para a protecção do requerente de asilo: informação adequada do requerente sobre o procedimento a seguir e o resultado do pedido, possibilidade de comunicar com o ACNUR, assistência de intérpretes e entrevista pessoal entre o requerente e a autoridade competente, cujos agentes beneficiam de formação inicial e contínua.

4.2.1.9   O CESE considera que deve ser envidado um esforço particular ao nível da formação do pessoal qualificado de FRONTEX, para:

coordenar melhor a cooperação operacional entre os Estados-Membros;

elaborar as normas comuns em matéria de formação;

fornecer aos Estados o apoio necessário para organizar operações de acolhimento e de repatriação, com o apoio de mediadores culturais;

preparar funcionários em matéria de direito humanitário de asilo, elaborado pela UE, inclusivamente na perspectiva da criação da futura agência encarregada das questões do asilo.

4.2.1.10   Segundo o CESE, os «centros de acolhimento» devem ser utilizados apenas a título excepcional e temporário, no pleno respeito pela Carta dos Direitos Fundamentais. Os requerentes de protecção internacional deveriam poder ter uma vida satisfatória sob todos os aspectos: do ponto de vista humano, dos serviços de saúde, das relações sociais e das oportunidades de acesso ao mercado de trabalho.

4.2.1.11   A Directiva 2003/09/CE sobre as normas mínimas aplicáveis aos requerentes de asilo nos Estados-Membros, prevê uma grande margem de flexibilidade em matéria de acesso ao emprego. O CESE considera que todas as restrições laborais tendem a humilhar o homem no seu percurso humano e alimentam o trabalho não declarado, que cria injustiça social.

4.2.1.12   Por último, está prevista a possibilidade de recorrer das decisões com assistência jurídica gratuita, não só no plano administrativo, mas também no plano jurisdicional. O CESE considera que deve ser reforçada a assistência administrativa e jurídica gratuita, tornando-a obrigatória, bem como a assistência linguística, em todas as fases dos procedimentos.

5.   Observações na especialidade

5.1   As alterações propostas são coerentes com o objectivo de harmonização e de actualização dos procedimentos de reconhecimento do estatuto de refugiado.

5.2   Quanto ao fundo, por outro lado, parece ser útil proceder a uma reflexão crítica sobre os motivos que justificaram que tivesse sido eliminada da proposta qualquer referência explícita à instituição do asilo.

5.3   Por conseguinte, a exigência de uma referência, no novo texto, à instituição do asilo poderia continuar a ser considerada como reconhecimento do direito de aceder ao território do Estado, nomeadamente com vista a recorrer ao procedimento de obtenção do estatuto de refugiado, na pendência de se verificar a existência das condições necessárias ao reconhecimento deste estatuto, estando este direito associado a uma proibição de expulsão durante este período.

5.4   Além disso, a referência ao direito de asilo permitiria legitimar a decisão de um Estado-Membro de aplicar a nova directiva igualmente nos casos não abrangidos pelo seu âmbito de aplicação (ver artigos 3.o, 4.o, 11.o e 12.o da proposta), havendo graves motivos humanitários que impeçam o regresso ao país de origem, independentemente de actos de perseguição específicos (8).

5.5   O CESE apoia as alterações propostas, na medida em que estão em conformidade com os referidos objectivos.

5.5.1   Pretende, todavia, sublinhar os pontos seguintes:

5.5.1.1

considerando 38: seria preferível especificar a oportunidade de a aplicação da directiva ser objecto de avaliações periódicas, indicando no entanto um calendário mais preciso;

5.5.1.2

considerando 41: as alterações substanciais em relação à directiva precedente, de aplicação obrigatória, deveriam ser melhor especificadas;

5.5.1.3

artigo 2.o, alínea f): o órgão de decisão deveria ser definido de maneira mais rigorosa, considerando que o conceito de órgão «parajudicial» não figura em vários ordenamentos jurídicos internos;

5.5.1.4

artigo 3.o, n.o 3: a título exemplificativo, deveriam ser indicadas as eventuais hipóteses de aplicação da directiva no caso de pedido de protecção fora do seu âmbito (recorde-se o que foi referido sobre a nova realidade dos «refugiados ambientais»);

5.5.1.5

artigo 6.o: a disposição que atribui aos Estados-Membros a faculdade de exigir que os pedidos sejam introduzidos num local determinado parece estar em contradição com as disposições do artigo 7.o e é aparentemente limitativa em relação com a desejada e já prevista acessibilidade mais ampla do processo;

5.5.1.6

artigo 10.o : em todos os casos de indeferimento, devem ser comunicados ao interessado, na sua língua, e aos seus representantes legais, não só as motivações da rejeição do pedido, mas também os prazos (razoáveis e aceitáveis), as modalidades e os procedimentos de oposição e de recurso;

5.5.1.7

artigo 12.o, n.o 2, alínea d): a autorização concedida às autoridades competentes de revistar o requerente e os objectos que transportar poderá estar em contradição com as garantias constitucionais previstas em várias legislações dos Estados-Membros;

5.5.1.8

artigo 34.o, n.o 1, alínea c): os motivos graves, invocados pelo requerente para considerar que o país terceiro designado como país de origem seguro, não o é na realidade, deveriam ser melhor especificados, mesmo que o CESE considere que, por vezes, é difícil estabelecer uma definição unanimemente aceite de país terceiro seguro;

5.5.1.9

em relação a este aspecto, há pistas de reflexão que se poderiam, aliás, inspirar-se no acordão de 6 de Maio de 2008 do Tribunal de Justiça Europeu (processo C-133/06), que anulou o artigo 29.o, nos 1 e 2, e o artigo 36.o, no 3, da Directiva 2005/85/CE do Conselho (directiva «procedimentos»).

Bruxelas, 28 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM (2007) 301 final.

(2)  COM (2008) 360 final.

(3)  Além disso, a imunidade protegia o fugitivo, que não podia ser capturado em determinados templos considerados invioláveis, donde deriva precisamente a etimologia de «asilo».

(4)  O direito de cidadania generalizou-se, por outro lado, com o Édito de Caracalla de 212 d.C., que eliminou todas as diferenças de tratamento entre os cidadãos romanos e os outros cidadãos do Império.

(5)  Esta Convenção, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e os respectivos protocolos adicionais, foram ratificados e transpostos, não só pelos Estados-Membros da UE, mas também por muitos outros países terceiros, para os quais as respectivas disposições se revestem de um valor vinculativo mais amplo no plano do direito internacional e dos ordenamentos internos.

(6)  A falta de equidade dos procedimentos de asilo adoptados pelos Estados-Membros parece derivar, em particular, do excesso de discricionariedade deixado aos Estados-Membros pela directiva «procedimentos» de 2005.

(7)  Por conseguinte, convém alargar o critério da segurança como valor fundamental do ser humano. Os refugiados ambientais são efectivamente vítimas da destruição do ambiente e dos desequilíbrios sociais conexos, como se verifica, por exemplo, com a desertificação progressiva de vastas regiões subsarianas, devido a novas formas de especulação agressiva.

(8)  No caso de refugiados que abandonam o seu país não devido a discriminações individuais a que tenham estado sujeitos, mas pelo facto de se verificarem acontecimentos graves (guerra civil, violências generalizadas, agressões externas, catástrofes naturais, refugiados ambientais, etc.) em geral não está prevista a possibilidade de se requerer o reconhecimento do estatuto de refugiado. Todavia, a legislação sobre a imigração permite fazer face a urgências humanitárias provocadas por acontecimentos excepcionais, prevendo medidas de protecção temporárias necessárias ao acolhimento provisório e apropriado das populações refugiadas.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/90


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Directivas 2004/39/CE e 2009/…/CE»

[COM(2009) 207 final — 2009/0064 (COD)]

2011/C 18/16

Relator-geral: Angelo GRASSO

Em 3 de Junho de 2009, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 47.o, n.o 2, do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Directivas 2004/39/CE e 2009/…/CE

COM(2009) 207 final – 2009/0064 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 1 de Fevereiro de 2010. Em 16 de Fevereiro de 2010, a Mesa do Comité Económico e Social Europeu solicitou à Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que reexaminasse o seu parecer.

Em conformidade com o artigo 20.o e com o artigo 57.o, n.o 1, do Regimento, o Comité Económico e Social Europeu designou, na 462.a reunião plenária de 29 de Abril de 2010, Angelo Grasso como relator-geral e adoptou, por 136 votos a favor, 2 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente a proposta de directiva. Não obstante o contributo de alguns tipos de fundos alternativos para acentuar o efeito de alavanca e o perfil de risco do sistema financeiro, não foi deste sector que resultaram os principais riscos para a estabilidade e resistência do sistema financeiro na crise subsequente aos problemas que abalaram o mercado do crédito hipotecário de alto risco. Esta opinião foi recentemente confirmada pela Autoridade para os Serviços Financeiros (FSA) do Reino Unido no seu relatório de Fevereiro de 2010 «Assessing the possible sources of systemic risk from hedge funds» [Avaliação de fontes potenciais de risco sistémico derivadas dos fundos de cobertura de risco], onde afirma que os principais fundos de cobertura de risco não constituem um factor desestabilizador conexo ao risco de contraparte. O CESE toma devida nota do debate suscitado pela proposta e, em particular, das propostas do Conselho da União Europeia e do Parlamento Europeu (relator: Gauzès). Por sua vez, o CESE apresenta uma série de observações e indicações que visam corrigir algumas opções e orientações da proposta que, sem contribuírem especialmente para proteger os investidores e a integridade do mercado, poderiam penalizar não apenas o sector dos fundos alternativos como também a totalidade do sistema económico. O CESE baseia as suas observações no parecer (1) adoptado em 2009 sobre os fundos de capital de risco (private equity) e os fundos de cobertura de risco (hedge funds), onde se afirma que, no âmbito da economia de mercado europeia, o impacto social e no emprego destes fundos é mais importante do que o seu impacto económico e financeiro.

1.2   A crise na Grécia trouxe para a ribalta a questão da dívida soberana. O CESE toma nota das várias opiniões manifestadas sobre o papel que os fundos de cobertura de risco podem ter tido no exacerbar da crise. Considera que urge dar atenção aprofundada a esta questão.

1.3   A directiva introduz um quadro regulamentar harmonizado para o sector dos fundos alternativos, nomeadamente no que respeita à exigência de uma monitorização adequada dos riscos macroprudenciais para o sector financeiro europeu. A directiva contém ainda regulamentações pormenorizadas que seriam, no entender do CESE, difíceis de adaptar eficazmente à grande variedade de produtos que o sector produz. Por conseguinte, o CESE defende que se adopte uma lógica mais inspirada numa abordagem funcional que leve em conta a grande variedade de produtos abrangida pela definição de fundos alternativos.

1.4   O CESE considera essencial a organização, sem demora, de debates com as autoridades dos principais países não europeus, para favorecer a adopção de normas comuns a nível internacional para a supervisão bancária dos fundos de investimento alternativos, à semelhança do Comité de Basileia para o sector bancário. Caso contrário, a legislação poderá ser facilmente contornada através da transferência de determinadas actividades para fora do perímetro legislativo europeu. Isso prejudicaria a competitividade de sectores importantes da indústria financeira europeia, com repercussões negativas tanto para o emprego como para a criação de bem-estar e riqueza. A criação da futura Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) poderá facilitar a aplicação da legislação, em particular a nível transnacional.

1.5   Entre outros aspectos, a directiva introduz a possibilidade de fixar limites ao endividamento dos fundos. O CESE não se opõe a esta posição, mas apela a que se indique claramente os critérios com base nos quais poderão ser estabelecidos esses limites para os diferentes tipos de produto, bem como as garantias que serão apresentadas para limitar o seu impacto pró-cíclico.

1.6   O CESE considera que, para garantir a transparência do mercado e a protecção dos investidores, a obrigação de registo e de transmissão de um conjunto de informações de base deveria ser alargada a todas as empresas. As informações devem ser diferentes em função dos produtos e dos limiares. Sobre este tema, porém, o CESE considera necessária uma análise das condições reais mais aprofundada do que a efectuada pela Comissão até à data.

1.7   No atinente às obrigações de informação impostas às empresas que gerem os fundos de capitais de investimento (private equity), o CESE acolhe favoravelmente a vontade de aumentar a sua transparência, sobretudo se o objectivo for proteger as partes interessadas, como os sócios minoritários e os trabalhadores. É ainda da opinião de que estas regras não devem penalizar excessivamente os fundos de capitais de investimento em benefício de outros instrumentos de investimento de investidores privados ou institucionais. Por último, a proposta de directiva prevê a isenção dessas obrigações para os fundos que invistam unicamente em PME. O CESE reitera, contudo, que a protecção dos investidores e da integridade do mercado é um princípio não negociável que deve ser respeitado por todas as sociedades de gestão de fundos de investimento alternativos.

2.   Introdução

2.1   «Fundos de investimento alternativos» são todos os fundos que não se inserem no âmbito de aplicação da Directiva OICVM: por exemplo, os fundos de cobertura de risco (hedge funds), os fundos de capitais de investimento (private equity), o capital de risco (venture capital), os fundos imobiliários (real estate funds), os fundos de investimento em infra-estruturas (infrastructure funds) e os fundos de matérias-primas (commodity funds), que abrangem, designadamente, o sector que, na terminologia do Relatório de Larosière, é definido como «sistema bancário paralelo».

2.2   Em 2009, o CESE elaborou um parecer sobre os fundos de cobertura de risco (hedge funds) e os fundos de capital de risco (private equity). O parecer não teve em consideração a Directiva relativa ao Gestores de Fundos de Investimento Alternativos (GFIA) e centrou-se apenas no impacto desses fundos no emprego e nas questões sociais. O CESE observa que a referida proposta de Directiva GFIA desencadeou um amplo debate sobre, principalmente, emprego e questões sociais. Considera que as conclusões e as recomendações desse parecer constituem uma referência importante para o debate sobre a directiva em exame.

2.3   Como sublinha também o Relatório de Larosière, a crise financeira foi propiciada por um excesso de liquidez e por desequilíbrios significativos nos mercados financeiros e de matérias-primas, bem como por outros factores macroeconómicos. A abundância de liquidez levou a que se descurasse o risco inerente à própria liquidez, que, nos processos de controlo e gestão do risco, tanto por parte dos operadores como a nível da legislação prudencial, fora alvo de menor atenção do que os riscos de crédito e de mercado.

2.4   Actualmente, não é possível fingir que nada se passa e descurar um erro que custou caro à economia mundial e que poderia ter sido realmente fatal. A liquidez requer mercados e sistemas financeiros o mais transparentes possível.

2.5   A directiva deve permitir um verdadeiro progresso no sentido da transparência do sector dos fundos alternativos, que certamente ainda não demonstrou possuir esta qualidade.

2.6   O CESE considera este aspecto necessário não por culpa, falhas ou riscos imputáveis ao sector, mas simplesmente pela necessidade absoluta de inscrever na ordem do dia os temas da transparência e da liquidez.

2.7   As propostas actualmente em debate na UE sobre um sistema europeu de supervisão financeira, tanto macroprudencial como microprudencial, são absolutamente essenciais para garantir a sobrevivência do mercado único (2).

2.8   Nos Estados Unidos, o presidente Obama lançou um processo de transformação e inovação radicais do sistema de regulamentação e supervisão. Ainda é cedo para avaliar os resultados que as iniciativas dos EUA poderão produzir.

2.9   Neste contexto, a UE deve empenhar-se para que, a nível internacional, se trabalhe, sem demora, para favorecer a transparência e a integridade do mercado. Contudo, o CESE sublinha que a regulamentação não pode garantir, por si só, a resolução de problemas que também dependem de comportamentos pouco prudentes dos investidores profissionais.

2.10   O CESE subscreve os seis princípios de alto nível para a regulamentação dos fundos de cobertura de risco (hedge funds) propostos pela Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (IOSCO – International Organisation of Securities Commissions), em Junho de 2009. Em 25 de Fevereiro de 2010, a IOSCO publicou os requisitos de informação sobre riscos sistémicos para os fundos de cobertura de risco, que abrangem onze categorias diferentes de dados. O CESE recomenda à Comissão que se inspire nesses princípios e os aplique na proposta de directiva com vista à regulamentação dos gestores de fundos de investimento alternativos.

2.11   Embora a IOSCO tenha concluído a sua análise dos riscos que os fundos de capitais de investimento (private equity) representam para os sistemas financeiros, ainda não foram apresentadas propostas concretas de regulamentação. O CESE exorta a Comissão a adaptar às características dos fundos de capitais de investimento os princípios elaborados pela IOSCO para os fundos de cobertura de risco.

3.   A proposta de directiva

3.1   A proposta de directiva visa regulamentar os gestores de fundos, e não os produtos. A renúncia a regulamentar directamente os produtos resulta do facto de os fundos de investimento alternativos apenas poderem ser definidos por exclusão, não se tratando de fundos harmonizados pela Directiva OICVM. Por este motivo, a Comissão considera que qualquer acção que vise regulamentar directamente os produtos tornar-se-ia rapidamente obsoleta e ultrapassada.

3.2   Contudo, muitos aspectos da regulamentação dos gestores de fundos têm necessariamente um impacto importante na aplicação e nas características dos próprios fundos.

3.3   A proposta de directiva tem dois objectivos principais:

permitir a realização de uma supervisão microprudencial e macroprudencial, que exige uma compreensão aprofundada das dinâmicas do sector além das fronteiras nacionais;

favorecer a integração do mercado e o desenvolvimento do mercado único, permitindo aos gestores beneficiarem de um tipo de passaporte europeu para os seus produtos, com repercussões positivas evidentes em termos de economias de escala e de possibilidades de escolha para os investidores.

3.4   Estes objectivos principais poderão ser perseguidos através de um conjunto articulado de medidas mais específicas, que permitem discernir os seguintes elementos da proposta:

3.4.1   Todos os gestores de fundos alternativos cujos activos ultrapassem determinados limiares devem ser sujeitos a autorização. A isenção das disposições da directiva está prevista para os gestores cujo valor total de activos seja inferior a 100 milhões de euros. O limite sobe para 500 milhões de euros se os gestores não utilizarem a alavanca financeira e os investidores não tiverem direito de resgate nos primeiros cinco anos de vida dos fundos.

3.4.1.1   A autorização é dada pelas autoridades competentes do Estado-Membro de origem e está sujeita a requisitos de tipo organizativo e de transparência bastante rigorosos.

3.4.1.2   Os gestores devem ter domicílio na UE. Podem delegar as funções de administração a sujeitos extra-comunitários, mas a função de depositário só pode ser desempenhada por instituições de crédito estabelecidas na UE. A subdelegação é explicitamente proibida, excepto no caso da função de depositário, mas, neste caso, está sujeita a condições rigorosas.

3.4.1.3   A directiva atribui à Comissão a tarefa de fixar limites em matéria de efeito de alavanca, com vista a garantir a estabilidade e a integridade do sistema financeiro.

3.4.2   O respeito pelas obrigações previstas na directiva permitiria aos gestores comercializarem os seus produtos livremente junto de investidores profissionais (de acordo com a definição da Directiva MIFID) em todos os Estados-Membros. Os gestores também podem distribuir fundos domiciliados em países terceiros, mas estes estão sujeitos a uma série de condições para evitar a introdução de mais riscos nos mercados ou de distorções nos regimes fiscais.

4.   Observações do CESE

4.1   O CESE já emitiu parecer (3) sobre as recomendações do Grupo de Larosière e concorda plenamente com a necessidade de introduzir uma supervisão supranacional, que requer, contudo, um quadro regulamentar suficientemente homogéneo. Uma vez que a criação das novas autoridades de supervisão europeias não exclui as competências das autoridades de supervisão nacionais é importante que as primeiras elaborem um «manual interpretativo comum» sobre o que é a supervisão. Um maior conhecimento e uma maior transparência no sector dos fundos alternativos podem ser importantes para melhorar a integridade do mercado e a protecção dos investidores e estabelecer uma supervisão macroprudencial eficaz. A directiva pode representar uma oportunidade para perseguir esse objectivo importante, desde que se evitem restrições penalizadoras desnecessárias. Por este motivo, o Comité sugere particular cautela e atenção sempre que as exigências da legislação vão além do quadro informativo mínimo necessário à realização da supervisão microprudencial.

4.2   O CESE considera urgente a definição de um quadro regulamentar que reforce as condições para uma melhor qualidade dos critérios de governação dos gestores de fundos alternativos. Esta condição é mais importante do que muitas outras regras pormenorizadas que acabam por aumentar os custos para as sociedades sem que se alcance necessariamente o objectivo de aumentar as garantias para o mercado, como sublinhado na recomendação 1 do relatório do Grupo de Larosière.

4.3   O CESE recorda ainda duas outras considerações sobre o referido relatório que, no que se refere à revisão do quadro de Basileia II, sublinha o facto de terem resultado dois grandes ensinamentos da crise financeira:

a crise demonstrou que o sistema económico-financeiro deveria ter uma dotação mais elevada de capital próprio;

a crise pôs em evidência o forte impacto pró-cíclico do quadro regulamentar em vigor que, em vez de atenuar, acabou por acentuar as tendências de mercado em alta e em baixa.

4.3.1   A proposta de impor limites ao endividamento e à alavanca financeira dos fundos (o chamado leverage cap) vai na direcção desejada de aumentar a dotação de capital próprio. Com efeito, a preocupação com os riscos que um efeito de alavanca excessivo introduz no sistema financeiro é louvável. O problema do endividamento excessivo deve, no entanto, ser abordado tendo presentes também outras características dos fundos, como por exemplo a sua dimensão. O CESE gostaria que fosse examinada a possibilidade de fixar um nível exacto de alavanca financeira máxima.

4.3.2   Para manter sob controlo o risco sistémico, há que ter em conta que os grandes bancos são frequentemente os corretores principais (prime brokers) e, por conseguinte, mutuantes dos fundos de cobertura de risco. O controlo destes corretores principais é tão importante quanto o dos mutuários de fundos. Ao definirem a revisão da Directiva sobre os Requisitos de Capital dos bancos, as autoridades responsáveis devem garantir que esses créditos sejam cobertos por dotações de capital adequadas.

4.3.3   Por fim, tem-se em conta que o efeito de alavanca (leverage cap) é susceptível de ter um impacto pró-cíclico. É provável, com efeito, que este limite seja ultrapassado quando o valor dos investimentos diminui, com a consequência de que, para voltar a entrar, o gestor poderia ver-se obrigado a liquidar os próprios activos, reduzindo ainda mais o seu valor de mercado. O CESE já se pronunciou sobre a questão do carácter pró-cíclico do quadro regulamentar no parecer que elaborou sobre o Relatório de Larosière. Apesar de reconhecer que pode ser difícil definir quando reduzir ou reforçar as obrigações, considera que uma certa flexibilidade em algumas obrigações pode limitar o carácter pró-cíclico da legislação.

4.4   O CESE confessa-se perplexo com a questão dos limiares abaixo dos quais as empresas não seriam abrangidas pela directiva. Em princípio, o CESE considera que todas as sociedades deveriam ser sujeitas à obrigação de registo e consequente transmissão de um conjunto de informações de base necessário para assegurar condições mínimas indispensáveis a uma transparência efectiva do mercado e à protecção dos investidores.

4.4.1   A fim de assegurar transparência e a protecção dos investidores, há que solicitar informações mais pormenorizadas e possivelmente diferenciadas em função dos produtos e dos limiares. Sobre este tema, porém, o CESE considera necessária uma análise das condições reais mais aprofundada do que a efectuada pela Comissão até à data, a fim de encontrar um critério adequado para a fixação dos referidos limiares.

4.4.2   O CESE está convicto de que os requisitos de informação sobre riscos sistémicos para os fundos de cobertura de risco, publicados recentemente pela IOSCO (e que podem ser adaptados aos outros fundos de investimento alternativos), indicam o caminho a seguir. Trata-se de uma série de dados articulados em onze categorias que vão desde a informação sobre a gestão e seus conselheiros (que devem ser solicitados para todos os tipos de fundos) até às informações sobre os empréstimos, os riscos e a exposição às contrapartes (que serão particularmente úteis no caso de grandes fundos que recorrem à alavanca financeira). Estas orientações decorrentes das iniciativas do G20 e do Conselho de Estabilidade Financeira desfrutam de apoio internacional e entrarão em vigor em Setembro de 2010.

4.5   A argumentação acima exposta corrobora a constatação de que o sector dos fundos alternativos é demasiado distinto para permitir um quadro regulamentar perfeitamente homogéneo para todos os diferentes produtos que o compõem. Concretamente, as sociedades de gestão são especializadas em determinadas áreas (por exemplo, fundos imobiliários, fundos de cobertura de risco, fundos de capitais de investimento). A proposta de directiva dá atenção especial apenas aos fundos que recorrem à alavanca financeira e aos fundos de capitais de investimento. Tal como sublinhado no parecer de iniciativa do CESE sobre o Impacto dos Fundos de Investimento na Indústria (relator: Peter Morgan), as diferenças entre os fundos alternativos são de tal ordem que exigem uma abordagem mais diferenciada.

4.6   O CESE espera que a iniciativa do comissário Michel Barnier relativa à introdução de um passaporte único europeu aplicável igualmente aos gestores e aos fundos domiciliados fora da UE possa representar o início de soluções partilhadas à escala internacional.

4.6.1   O CESE concorda com a possibilidade de colocar no mesmo plano os fundos domiciliados fora da UE. Espera que a Comissão se assegure de que as normas em termos de qualidade e de transparência dos gestores e dos fundos estrangeiros sejam realmente equivalentes às normas da UE.

4.6.2   Uma vez que a proposta de directiva também deve permitir aumentar o nível de garantias oferecido pelos fundos extra-comunitários e não para os penalizar e excluir do mercado único, o CESE apela, desde já, a uma maior clareza quanto às condições que serão impostas a esses fundos para que possam ser comercializados de forma livre no mercado único.

4.7   O CESE considera que se a aprovação da directiva não for acompanhada de medidas semelhantes por parte dos principais países não europeus, a legislação poderá ser facilmente contornada através da transferência de determinadas actividades para fora do perímetro legislativo europeu. Isso prejudicaria a competitividade de sectores importantes da indústria financeira europeia, com repercussões negativas tanto para o emprego como para a criação de bem-estar e riqueza.

4.8   O CESE questiona a razão subjacente à norma que impõe que o sujeito depositário seja uma instituição de crédito. A existência de um depositário independente é uma forma importante de garantia para evitar comportamentos fraudulentos ou prejudiciais para os investidores. A introdução de normas mais severas a este respeito deve sem dúvida ser apoiada. Contudo, o CESE apela a que se esclareça a razão pela qual se pretende limitar a função de tutela às instituições de crédito, já que a Directiva MIFID autoriza outros intermediários a tutelar as actividades dos clientes.

4.9   Nos fundos alternativos incluem-se igualmente os chamados fundos de capitais de investimento que investem em quotas de capital de sociedades não cotadas em bolsa.

4.9.1   Os capitais de investimento (private equity) são uma fonte importante de capital de risco para start-ups e empresas inovadoras, bem como para empresas em fase de expansão ou reestruturação. O CESE já examinou (4) o impacto que os fundos de capitais de investimento podem ter no sistema económico e nas mutações industriais.

4.9.2   A proposta de directiva dedica vários artigos (capítulo V, secção 2) especificamente aos fundos que adquirem o controlo de sociedades não cotadas (concretamente aos fundos que adquirem pelo menos 30 % dos direitos de voto).

4.9.3   As informações a transmitir são bastante detalhadas e, em muitos aspectos, são explicitamente equiparadas às solicitadas no caso de OPA de sociedades cotadas. É ainda necessário dispor de um código de gestão das sociedades à semelhança do solicitado para as sociedades cotadas. Todas estas informações devem ser transmitidas à sociedade, aos respectivos accionistas, aos representantes dos trabalhadores ou aos próprios trabalhadores.

4.9.4   O CESE concorda com o alcance das obrigações de governação, informação e comunicação previstas, sobretudo se direccionadas para a defesa dos interesses das partes interessadas, como os sócios minoritários e trabalhadores. É ainda da opinião de que estas regras não devem penalizar os fundos de capitais de investimento em detrimento de outros tipos de investimento na posse de investidores privados ou institucionais.

4.9.5   O CESE espera que estas regras sejam aplicáveis a partir de 25 % dos direitos de voto e que o código de gestão das sociedades proteja expressamente os acordos colectivos de trabalho em vigor. Há que declarar, com veracidade e atempadamente, as potenciais consequências para os trabalhadores. O incumprimento dos requisitos de informação e de consulta tornará nulos os efeitos jurídicos de qualquer decisão tomada pelo gestor de fundos alternativos e/ou pela sociedade visada.

4.9.6   O CESE propõe que a directiva em exame introduza rácios mínimos de solvabilidade e de liquidez para as sociedades visadas. O pagamento dos dividendos deve cingir-se a um único desembolso por ano e a um montante total não superior aos lucros obtidos. Caso uma sociedade visada não satisfaça os rácios mínimos, não devem ser pagos quaisquer dividendos.

4.10   As aquisições em PME estão isentas das referidas obrigações de informação. O CESE critica este ponto da directiva porque a protecção dos investidores e a integridade do mercado são princípios não negociáveis que devem ser respeitados por todas as sociedades que gerem fundos de investimento alternativos.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 128 de 18.5.2010, p. 56.

(2)  Parecer CESE 100/2010 sobre Supervisão Macroprudencial e Microprudencial.

(3)  JO C 318 de 23.12.2009, p. 57.

(4)  JO C 128 de 18.5.2010, p. 56.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/95


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «25.o Relatório anual da Comissão sobre o Controlo da Aplicação do Direito Comunitário (2007)»

[COM(2008) 777 final]

2011/C 18/17

Relator: Christoph LECHNER

Em 18 de Novembro de 2008, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

25.o Relatório anual da Comissão sobre o Controlo da Aplicação do Direito Comunitário (2007)

COM(2008) 777 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 2 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 120 votos a favor e 4 votos contra o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Alguns Estados-Membros têm sérias dificuldades em encontrar uma redacção satisfatória das normas que transpõem as disposições das directivas. Estas oferecem diversas possibilidades para a transposição, desde disposições opcionais, que deixam aos Estados-Membros uma margem de manobra razoavelmente ampla na escolha das medidas nacionais de transposição, a disposições prescritivas ou incondicionais. É portanto necessário encontrar o justo equilíbrio entre uma transcrição demasiado estreita e uma transposição excessivamente ampla.

1.2   O Comité concorda com as prioridades da Comissão, designadamente:

a resolução do problema colocado pelos atrasos generalizados na transposição das directivas;

o reforço das medidas preventivas, nomeadamente a necessidade permanente de aprofundar a análise dos problemas de execução e de conformidade na preparação das avaliações de impacto;

o melhoramento da difusão de informações e resolução informal dos problemas ao serviço dos cidadãos e das empresas; e

dar prioridade aos casos mais importantes e colaborar estreitamente com os Estados-Membros para acelerar a correcção das infracções.

1.3   O Comité congratula-se com as garantias da Comissão de que continuará a ser dada prioridade aos problemas com grande impacto nos direitos fundamentais e na livre circulação e saúda também a prioridade concedida às infracções que causam um prejuízo directo importante ou recorrente aos cidadãos e que comprometem gravemente a sua qualidade de vida.

1.4   O Comité recomenda a adopção de uma abordagem proactiva, nomeadamente:

elaborar a nível comunitário uma legislação mais fácil de transpor;

estabelecer desde o início uma tabela de correspondência precisa e actualizada em permanência;

permitir a transposição por reenvio bem preciso dirigido às disposições prescritivas ou incondicionais da directiva.

1.5   Contudo, o Comité refere também os domínios em que conviria adoptar uma abordagem proactiva na preparação, elaboração e aplicação da legislação. Nesta perspectiva, o CESE defende que as normas e os regulamentos não são a única forma e nem sempre a melhor forma de atingir os objectivos estabelecidos.

1.6   O Comité tem para si que a Comissão deve melhorar a gestão dos processos por incumprimento, em especial a forma como a Comissão aplica este procedimento acelerado ao seguimento dos atrasos na transposição.

1.7   O Comité considera que outros mecanismos de resolução dos problemas, tais como o SOLVIT (rede de resolução de problemas no mercado interno), o IMI (sistema de informação do mercado interno), o sistema recomendado para o intercâmbio de informações sobre o destacamento de trabalhadores e o projecto «EU PILOT», poderão permitir reduzir a carga de trabalho da Comissão para gerir os processos por infracção.

1.8   O Comité considera necessário melhorar a forma como a sociedade civil e o grande público são informados dos diferentes mecanismos de tratamento de queixas disponíveis no portal Europa, respeitando sempre a excepção relativa à protecção do interesse público, como definida pela jurisprudência.

1.8.1   O Comité propõe igualmente que se continue a desenvolver a oferta de informação sobre os sítios Web conexos e que aí se publiquem as decisões da Comissão em matéria de infracções, desde o registo da queixa à conclusão do processo por incumprimento.

1.9   É também de criar vias de recurso colectivo a nível da União, com o objectivo de complementar as medidas presentemente em vias de preparação nos domínios do direito dos consumidores e da concorrência para reforçar os mecanismos de auto-regulação nos Estados-Membros.

1.10   O Comité propõe que, no futuro, a Comissão o convide regularmente a elaborar um parecer sobre o relatório anual, a fim de ter em conta os pontos de vista da sociedade civil organizada sobre a aplicação do direito comunitário e apoiar, dessa forma, a sua execução na UE.

2.   Relatório da Comissão  (1)

2.1   Enquanto guardiã do Tratado, a Comissão tem a autoridade e a responsabilidade de assegurar o respeito do direito da União Europeia, verificando que os Estados-Membros observam as regras do Tratado e o direito derivado. As regras do Tratado, 10 000 regulamentos e mais de 1 700 directivas em vigor para 27 Estados-Membros, constituem um arsenal legislativo substancial. Os problemas e os desafios que surgem na aplicação do direito são inevitavelmente múltiplos e variados. Certas áreas encontram-se confrontadas com dificuldades específicas em matéria de execução.

2.2   Em Setembro de 2007, a Comissão adoptou uma comunicação intitulada Uma Europa de resultados – A aplicação do direito comunitário  (2), em que refere que «focará o seu relatório anual nas questões estratégicas, avaliação da situação actual do direito nos diversos sectores, prioridades e programação do trabalho futuro» para «apoiar o diálogo estratégico interinstitucional sobre a medida em que o direito comunitário atinge os seus objectivos, promover o debate sobre os problemas encontrados e determinar as eventuais soluções a aplicar».

2.3   O relatório destaca os desafios com que se encontra confrontada a aplicação do direito, indicando três principais áreas de acção: 1) prevenção, 2) informação e resolução de problemas para os cidadãos e 3) dar prioridade ao tratamento das queixas e das infracções. Insiste, além disso, na importância de uma parceria forte entre a Comissão e os Estados-Membros, que se exerça no âmbito de grupos de peritos para gerir a aplicação dos instrumentos jurídicos e se traduza numa colaboração proactiva para resolver os problemas.

2.4   Análise sectorial: regista-se um número elevado de queixas e de infracções nos domínios do ambiente, mercado interno, fiscalidade e união aduaneira, energia, transportes e emprego, assuntos sociais e igualdade de oportunidades, assim como nos domínios da saúde e da defesa dos consumidores e da justiça, liberdade e segurança. Em alguns sectores, como a agricultura, a educação e a cultura, são já raros os atrasos na transposição de directivas (3).

2.4.1   Devido a atrasos na transposição das directivas, em 2007 registaram-se novos processos de infracção nos seguintes domínios:

206 no domínio do mercado interno e serviços;

227 referentes à legislação no domínio da livre circulação de mercadorias;

mais de 330 no domínio da saúde e da defesa do consumidor;

125 no domínio do direito do ambiente.

2.5   Os exemplos específicos que se seguem ilustram os diversos tipos de problemas encontrados em matéria de transposição, bem como o seu impacto na vida dos cidadãos.

Contratos públicos:

344 processos por infracção em matéria de contratos públicos foram tratados em 2007. Destes, 142 processos (41 %) puderam ser arquivados; apenas 12 (cerca de 3,5 %) deram origem a recurso para o Tribunal. Cerca de 200 desses 344 processos estavam relacionados com infracções, sendo 25 % deles prioritários.

No que se refere à transposição das Directivas Contratos Públicos (4), durante 2007, foi possível arquivar os processos iniciados por infracção contra 7 dos 10 Estados-Membros por não notificação de medidas de transposição até ao fim do prazo. No final de 2007, apenas 3 Estados-Membros, Bélgica, Luxemburgo e Portugal, ainda não tinham notificado as suas medidas de transposição. Desde então, o Luxemburgo é o único Estado-Membro ainda alvo de um processo por infracção (5).

Defesa dos consumidores:

O prazo para a transposição da legislação relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno (6) expirou em 12 de Junho de 2007. Até àquela data vinte e dois Estados-Membros não tinham notificado a Comissão das medidas de transposição. Em consequência, a Comissão enviou-lhes cartas de notificação para cumprir e, posteriormente, seis Estados-Membros notificaram as suas medidas de transposição até final de 2007.

Durante 2007, a Comissão verificou igualmente a transposição, nos dez Estados que aderiram à UE em Maio 2004, da Directiva 93/13/CE relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. Foram identificados diferentes problemas de transposição em nove desses Estados-Membros, tendo sido enviadas cartas de notificação para cumprir.

No tocante à Directiva relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores (7), foram identificados alguns problemas potenciais de transposição. Apesar disso, em 2007, não se registaram queixas por iniciativa dos cidadãos quanto à aplicação da directiva.

2.6   Os documentos de trabalho dos serviços da Comissão anexos ao relatório apresentam informações pormenorizadas sobre a situação nos diferentes sectores do direito comunitário, assim como as listas e estatísticas referentes a todos os processos por infracção (8).

3.   Observações na generalidade

3.1   O relatório, tal como o documento de trabalho em anexo que contém algumas partes de difícil compreensão, mostra que alguns Estados-Membros têm ainda sérias dificuldades em encontrar uma redacção satisfatória das normas que transpõem as disposições das directivas. O que parece simples (a transposição) em teoria, ocorre na prática que conceitos autónomos próprios do direito comunitário não tenham correspondência na terminologia jurídica nacional (9), ou que esse conceito não comporte uma remissão para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e alcance (10).

3.2   No tocante à transposição, as directivas oferecem diversas possibilidades, desde disposições opcionais, que deixam aos Estados-Membros uma margem de manobra razoavelmente ampla na escolha das medidas nacionais de transposição, a disposições prescritivas ou incondicionais, como as definições e as listas ou tabelas recenseando substâncias, objectos ou produtos, que impõem a obrigação precisa aos Estados-Membros de adoptarem normas simples para transpor as disposições das directivas.

3.3   As novas disposições devem garantir a segurança jurídica, ou seja, há que evitar a subsistência de disposições redundantes ou, pior ainda, contraditórias nas legislações nacionais. É portanto necessário encontrar o justo equilíbrio entre uma transcrição demasiado estreita e uma transposição excessivamente ampla.

3.4   Todavia, a transposição não consiste apenas em integrar conceitos jurídicos próprios do direito comunitário no direito nacional. Trata-se também de um processo concreto. Neste contexto, os Estados-Membros devem acelerar o processo de transposição logo a partir do momento em que uma directiva é publicada no Jornal Oficial da União Europeia, confiando às autoridades nacionais responsáveis pela sua aplicação (que podiam e deviam dispor para tal de uma base de dados actualizada) a responsabilidade de cooperar com as autoridades dos demais Estados-Membros por intermédio de uma rede onde poderão discutir experiências e dificuldades sentidas na transposição de determinadas disposições.

3.5   A Comissão assinala ser necessário:

a resolução do problema colocado pelos atrasos generalizados na transposição das directivas;

o reforço das medidas preventivas, nomeadamente a necessidade permanente de aprofundar a análise dos problemas de execução e de conformidade na preparação das avaliações de impacto;

o melhoramento da difusão de informações e resolução informal dos problemas ao serviço dos cidadãos e das empresas; e

dar prioridade aos casos mais importantes e colaborar estreitamente com os Estados-Membros para acelerar a correcção das infracções.

3.5.1   O Comité aprova dar prioridade ao tratamento dos processos por infracção referida no último ponto. Sublinha igualmente que isso implica decisões de ordem política, e não apenas decisões de ordem técnica sem verificação externa, controlo ou transparência. Neste contexto, a Comissão devia consultar de forma adequada a sociedade civil sobre as decisões relativas à prioridade do tratamento das infracções. Apesar disso, o Comité mostra-se satisfeito com o facto de algumas das suas recomendações anteriores terem sido tidas em conta, nomeadamente as relativas à consulta das organizações da sociedade civil, dos parceiros sociais, peritos e profissionais aquando da preparação do processo de transposição (11).

3.5.2   O Comité congratula-se com as garantias da Comissão de que continuará a ser dada prioridade aos problemas com grande impacto nos direitos fundamentais e na livre circulação e saúda também a prioridade concedida às infracções que causam um prejuízo directo importante ou recorrente aos cidadãos e que comprometem gravemente a sua qualidade de vida.

3.6   O Comité gostaria de aproveitar a oportunidade para sugerir a utilização de uma estratégia mais proactiva. A fim de facilitar uma transposição correcta do direito comunitário, propõe que certas regras sejam respeitadas, designadamente:

elaborar a nível comunitário uma legislação mais fácil de transpor, que apresente uma coerência conceptual e uma estabilidade, essenciais para a segurança jurídica; em 2007, os tribunais nacionais dos Estados-Membros enviaram, em 265 casos (12), um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça Europeu, nos termos do artigo 234.o do Tratado CE;

estabelecer desde o início dos debates sobre o projecto de directiva uma tabela de correspondência precisa e actualizada em permanência (o que já acontece em vários Estados-Membros e deve ser alargado a todos);

permitir a transposição por reenvio bem preciso dirigido às disposições prescritivas ou incondicionais da directiva, como as tabelas constantes do anexo.

3.7   Contudo, o Comité refere também os domínios em que conviria adoptar uma abordagem proactiva (13) na preparação, elaboração e aplicação da legislação. Nesta perspectiva, o CESE alegaria que as normas e os regulamentos não são a única forma e nem sempre a melhor forma de atingir os objectivos estabelecidos; por vezes, o regulador poderá apoiar melhor objectivos válidos não regulando e, caso seja apropriado, promovendo a auto-regulação ou a co-regulação. Nesse caso, os princípios fundamentais da subsidiariedade, proporcionalidade, precaução e sustentabilidade alcançarão nova importância e dimensão.

4.   Observações na especialidade

4.1   Em 2007, 1 196 infracções deveram-se à falta ou atraso na notificação das medidas nacionais de transposição das directivas da União. Em geral, o período máximo de referência da Comissão (14) costuma ser de 12 meses, o que não pode ser excedido por recurso ao Tribunal de Justiça para tomar uma decisão ou encerrar um processo, mesmo que este possa exigir um exame mais aprofundado. O Comité tem para si que uma actuação mais expedita deveria ser exigida para casos deste tipo que não exigem nem uma análise nem uma avaliação especiais. A Comissão deve melhorar a gestão dos processos por infracção, em especial a forma como a Comissão aplica este procedimento acelerado ao seguimento dos atrasos na transposição.

4.1.1   É, porém, de assinalar que as medidas nacionais de transposição foram comunicadas para 99,4 % das directivas adoptadas (Setembro de 2009) (15).

4.2   O Comité concorda com a ideia de instaurar redes e trocas de informação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação, desde que esse sistema não gere novos encargos administrativos nem acentue a actual falta de transparência.

4.3   O Comité considera que outros mecanismos de resolução dos problemas, tais como o SOLVIT (rede de resolução de problemas no mercado interno), o sistema de informação do mercado interno (IMI (16), o sistema recomendado pela Comissão para o intercâmbio de informações sobre o destacamento de trabalhadores (17) e o projecto «EU PILOT», poderão permitir reduzir a carga de trabalho da Comissão para gerir os processos por infracção, desde que a Comissão continue a proceder a avaliações sistemáticas e exaustivas da conformidade dos textos transpostos, com base numa avaliação dos riscos.

4.4   O Comité concorda com «a necessidade de uma cooperação permanente e pró-activa entre a Comissão e os Estados-Membros», como sublinhado no relatório da Comissão. Esta cooperação seria ainda mais eficiente se fosse iniciada numa fase mais precoce e revestisse a forma de cursos de formação sobre a transposição do direito da UE para os funcionários nacionais. A Comissão poderia ajudar a definir as necessidades de formação.

4.5   O Comité considera necessário melhorar a forma como a sociedade civil e o grande público são informados dos diferentes mecanismos de tratamento de queixas disponíveis no portal Europa. Para o cidadão comum, actualmente constitui um verdadeiro desafio compreender em que circunstâncias pode enviar uma queixa à Comissão e se não seria preferível utilizar outros recursos, por exemplo mecanismos nacionais de resolução de litígios, ou consultar o Provedor de Justiça nacional (18).

4.6   O Comité congratula-se com a nova metodologia de trabalho (EU PILOT) proposta pela Comissão, em que os pedidos de informações e as queixas recebidos pela Comissão serão transmitidos directamente ao Estado-Membro envolvido quando são necessários esclarecimentos céleres sobre os factos ou a posição jurídica do Estado-Membro.

4.7   Há que criar vias de recurso colectivo a nível da União, com o objectivo de complementar as iniciativas presentemente em vias de preparação nos domínios do direito dos consumidores e da concorrência (19) para reforçar os mecanismos de auto-regulação nos Estados-Membros.

4.8   A Comissão criou uma página no seu sítio Internet dedicada à Aplicação do Direito Comunitário  (20), que oferece já as informações mais importantes sobre a transposição do direito da UE, respeitando sempre a excepção relativa à protecção do interesse público, como definida pela jurisprudência.

4.8.1   A protecção do interesse geral justifica a recusa de acesso às cartas de notificação de incumprimento, devendo ser apresentados pareceres fundamentados com as razões pelas quais se considera estarem os documentos em causa ligados a um processo por infracção e se dizem respeito a actividades de inspecção, inquérito e processos judiciais (21). Não obstante, é importante assinalar que a Comissão não pode contentar-se em invocar o eventual início de um processo por incumprimento para justificar, em nome da protecção do interesse público, a recusa de acesso a todos os documentos visados pelo pedido de um cidadão (22).

4.9   Além disso, e porque uma política eficaz assenta num sistema de informação e de comunicação eficiente, o Comité sugere que as informações disponíveis passem a constar de «sites» Internet pertinentes, aí se publicando as decisões adoptadas pela Comissão em matéria de infracções, desde o registo da queixa à conclusão do processo por infracção, sempre com salvaguarda da protecção do interesse público, tal como definida na jurisprudência.

4.10   Foi por iniciativa do Comité que a Comissão, pela primeira vez, o consultou sobre o relatório anual sobre o controlo da aplicação do direito comunitário. O Comité propõe que, no futuro, a Comissão o convide regularmente a elaborar um parecer destes, a fim de ter em conta os pontos de vista da sociedade civil organizada sobre a aplicação do direito comunitário e apoiar, dessa forma, a sua execução na UE.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2008) 777 final; SEC(2008) 2855 – pontos 1 e 2.

(2)  COM(2007) 502 final, de 5.9.2007. Respectivo parecer do CESE publicado no JO C 204 de 9.8.2008, p. 9.

(3)  http://ec.europa.eu/community_law/docs/docs_directives/mne_sector_na_20091124_en.pdf.

(4)  JO L 134 de 30.4.2004, p. 1; JO L 134 de 30.4.2004, p. 114.

(5)  COM(2008) 777 final, SEC(2008) 2854 de 18.11.2009, p. 206.

(6)  JO L 149 de 11.6.2005, p. 22.

(7)  JO L 271 de 9.10.2002, p. 16.

(8)  COM(2008) 777 final; SEC(2008) 2854 e SEC(2008) 2855.

(9)  TJCE, 26 de Junho de 2003, Comissão vs. República Francesa, acórdão C-233/00, Colect. p. I-6625.

(10)  TJCE, 19 de Setembro de 2000, Grão-Ducado do Luxemburgo contra Berthe Linster, Aloyse Linster e Yvonne Linster, Acórdão C- 287/98, Colect., p. I-6917.

(11)  JO C 24 de 31.1.2006, p. 39; JO C 24 de 31.1.2006, p. 52.

(12)  COM(2008) 777 final, SEC(2008) 2855 - Anexo VI, p. 1.

(13)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 26.

(14)  Entretanto, a Comissão reforçou o elemento da avaliação do impacto dos requisitos de execução nas suas directrizes revistas relativas à avaliação de impacto, adoptadas em 2009

(http://ec.europa.eu/governance/better_regulation/impact_en.htm#_guidelines), entre outros, e planeia adoptar uma declaração política sobre a aplicação do artigo 260.o do TFUE no que se refere à aplicação de sanções financeiras pelo TJUE.

(15)  Ver http://ec.europa.eu/community_law/directives/directives_communication_en.htm

(16)  CESE 1694/2009, de 5.11.2009, Realizar os benefícios do mercado único através do reforço da cooperação administrativa.

(17)  JO C 85 de 4.4.2008, p. 1.

(18)  Ver http://ec.europa.eu/community_law/your_rights/your_rights_pt.htm.

(19)  JO C 128 de 18.5.2010, p. 97.

(20)  Ver http://ec.europa.eu/community_law/index_pt.htm.

(21)  Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 1997, WWF UK (World Wide Fund for Nature) contra Comissão das Comunidades Europeias, Processo T-105/95, pontos 63 e seguintes.

(22)  Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 2001, David Petrie e outros contra Comissão das Comunidades Europeias, Processo T-191/99.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/100


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a aplicação do acervo relativo à defesa do consumidor»

[COM(2009) 330 final]

2011/C 18/18

Relator: Jorge PEGADO LIZ

Em 2 de Julho de 2009, a Comissão decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a aplicação do acervo relativo à defesa do consumidor

COM(2009) 330 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 2 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 119 votos a favor, 10 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O Comité acolhe bem a iniciativa da Comissão de, pela primeira vez, entender dar a conhecer as suas preocupações com a aplicação do acervo comunitário relativo à defesa do consumidor.

1.2

Nota, no entanto, que, de um ponto de vista estritamente jurídico, a aplicação do direito comunitário relativo aos direitos dos consumidores não difere substancialmente da aplicação do direito comunitário em geral e, nesse sentido, recorda vários pareceres nesta matéria.

1.3

Reconhece, no entanto, que, de um ponto de vista social, a situação de desfavor em que os consumidores se encontram em geral na relação de consumo e que fazem deles reconhecidamente a «parte fraca» numa relação jurídica por natureza desequilibrada justifica uma particular atenção quanto ao modo como se verifica a sua aplicação nas diversas ordens jurídicas nacionais.

1.4

Também, de um ponto de vista económico, constata que diferença sensível na sua aplicação nos vários Estados-Membros é susceptível de criar distorções no mercado interno e de prejudicar o bom funcionamento de uma sã e leal concorrência.

1.5

Não obstante alguns avanços relatados e mencionados nos pontos 2.1, 3.14, 4.2, 4.3, 4.4, 4.5, 4.6 o CESE não pode deixar de lamentar que a Comissão tenha desperdiçado esta oportunidade de apresentar um texto informativo e estruturado sobre a situação concreta da aplicação do acervo comunitário em matéria de protecção dos consumidores, definir, com rigor e precisão, a natureza e os parâmetros fundamentais da questão da aplicação do direito e avançar com um enunciado de propostas de actuação bem definidas e exequíveis no sentido de melhorar a situação em futuro próximo.

1.6

É desapontado que o CESE verifica que a Comissão nem sequer conclui pela existência de um grave deficit na aplicação do acervo comunitário em matéria de defesa dos consumidores, que não quantifica nem qualifica e cujas causas não enumera nem analisa.

1.7

É decepcionado que o CESE constata que a Comissão se limitou, ao invés, a um discurso corrido de lugares comuns, cuja oportunidade política não alcança, à emissão de uma série de opiniões não fundamentadas de nula utilidade prática e à ausência inexplicável do anúncio de quaisquer novas iniciativas, para cuja consecução a Comissão aliás nem sequer questiona as necessárias disponibilidades financeiras.

1.8

Mesmo nos desenvolvimentos positivos de orientações já definidas em anteriores documentos de estratégia, falta uma linha de rumo que lhes confira coerência. Teria importado designadamente tomar em consideração os resultados positivos da aplicação do Regulamento (CE) N.o 2006/2004 (1) e do seu bem elaborado Relatório de aplicação, cuja leitura simultânea é essencial para a compreensão da Comunicação.

1.9

O CESE lamenta que a Comissão não tenha aproveitado para dar acolhimento a pedido insistentemente formulado no sentido de transformar as Recomendações relativas aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo, em directivas ou regulamentos com força obrigatória geral.

1.10

O CESE recomenda vivamente à Comissão que, em futuro próximo, volte a este tema da aplicação do acervo comunitário em matéria de defesa dos consumidores, mas no quadro mais vasto de um instrumento que se baseie numa alargada investigação e consulta a todos os interessados (stakeholders), do tipo Livro Branco, para daí se partir para a definição aprofundada de uma verdadeira estratégia politica neste domínio, a nível comunitário.

2.   Introdução

2.1

Ao chamar a atenção para a aplicação do acervo comunitário relativo à defesa do consumidor, a Comissão parece, pela primeira vez, colocar no cerne das suas preocupações a questão da eficácia do direito legislado e faz bem – demonstra que, para além da «law in the books», também se interessa pela «law in action», ou seja, pelo modo como as normas legais são aceites, interpretadas e aplicadas pelos destinatários, nomeadamente a administração pública, em particular o poder judicial, as empresas e os cidadãos em geral.

2.2

Esta preocupação tem, de há muito, sido central em vários pareceres do CESE que tem, repetidas vezes, chamado a atenção para a sua relevância e emitido recomendações e sugestões de actuação (2) das quais, destaca as constantes dos seus pareceres de iniciativa «A política dos consumidores após o alargamento da EU» (3), «Aplicar melhor a legislação comunitária» (4) e «A abordagem proactiva do direito: um passo para legislar melhor a nível da EU» (5).

2.3

Neste contexto é fundamental distinguir entre o acatamento ou cumprimento voluntário do direito por aqueles a quem as normas se dirigem – e cuja motivação e incentivo podem ser sociologicamente muito diversos – e a imposição ou aplicação coerciva do direito, em princípio pelos Tribunais, como órgão do poder judicial, mas também por outras instâncias administrativas com poder para forçar ao cumprimento ou sancionar o incumprimento de normas jurídicas.

2.4

De um ponto de vista social, como económico e jurídico, as diferentes situações descritas merecem diversa valoração ética e têm componentes comportamentais distintas, que não podem deixar de ser tomadas em conta quando se avalia em geral o cumprimento e a aplicação de qualquer ramo do direito – no caso, o direito comunitário do consumo.

2.5

O CESE concorda com a Comissão em que um dos objectivos – não o único – de uma política dos consumidores será «criar um ambiente em que os consumidores possam adquirir bens e serviços sem se preocuparem com as limitações das fronteiras»; no entanto, o CESE não considera a politica dos consumidores subsidiária da realização do mercado interno nem os consumidores meros instrumentos para «o funcionamento do mercado único». Por essa razão o CESE, ao contrário da Comissão, considera que a directiva sobre práticas comerciais desleais, se for um «bom exemplo», será precisamente da forma de «pior legislar» (6), tendo conduzido a uma aplicação caótica na generalidade dos Estados-Membros, sendo ao contrário de lamentar que tal «exemplo» tenha sido seguido nas recentes directivas sobre o crédito ao consumo e «time-share» e persista na proposta de directiva dita dos «direitos dos consumidores».

2.6

É nesta perspectiva, que centra a definição dos direitos dos consumidores no âmbito mais vasto dos direitos de cidadania, que o CESE entende, com a Comissão, que «a aplicação efectiva (do acervo comunitário relativo à defesa dos consumidores) é uma prioridade da política dos consumidores», na medida em que só o direito efectivamente aplicado representa a realização dos valores que lhe subjazem e o justificam.

3.   Observações na generalidade

3.1

A Comunicação, ao contrário do que à primeira vista parece resultar do seu próprio título, concentra-se no aspecto terminal da aplicação do direito comunitário, mais concretamente sobre o modo como as autoridades públicas cumprem e fazem cumprir as normas nacionais resultado da transposição ou da integração do direito comunitário e no papel que a Comissão pode desempenhar a este nível.

3.2

Acresce, que a Comunicação não deve ser lida senão em estreita ligação com o bem elaborado Relatório publicado no mesmo dia, sobre «a aplicação do Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (…), relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor» (7), o qual, apesar de não ter sido enviado ao Comité para parecer deve ser considerado a sua base de partida, sendo importante sublinhar o impacto positivo da aplicação e efeitos daquele Regulamento nos Estados-Membros.

3.3

Mesmo considerando o restrito âmbito da Comunicação, o CESE entende que, para o seu correcto enquadramento, a Comissão deveria ter fornecido dados concretos sobre a transposição e a aplicação do acervo comunitário nos Estados-Membros; tais como os que se encontram nos Relatórios Anuais sobre o controle da aplicação do direito comunitário (8), e em comunicações avulsas relativas a certas directivas (9), onde se acham referências ao modo como elas terão sido transpostas e aplicadas.

3.4

Por outro lado, em vez de enunciar simplesmente os mecanismos existentes, a Comissão deveria ter procedido a uma análise crítica cuidada do seu funcionamento e dos seus resultados à luz da informação de que dispõe designadamente coligida pelo Painel de avaliação dos mercados de consumo (10), ou que consta do Relatório Final da DG Saúde e Consumidores «Ex-post evaluation of the impact of the Consumer Policy Strategy 2002-2006 on national consumer policy» de 22.12.2006 (11), seguindo as orientações consignadas na sua própria «Comunicação sobre a melhoria na aplicação do direito comunitário» (12). Aliás, do seu texto, nem sequer se chega a perceber se a Comissão entende que existe um deficit de aplicação do acervo comunitário a exigir novas medidas e, menos ainda, quais.

3.5

Ao contrário, o CESE entende que existe uma generalizada deficiente aplicação do acervo comunitário nos Estados-Membros, a que se tem referido abundantemente e para a qual contribuem designadamente as seguintes causas:

a)

a forma como são elaboradas muitas directivas comunitárias (13), não seguindo os padrões do «Melhor Legislar» (14), nomeadamente no que se refere aos estudos de avaliação ex-ante;

b)

a forma atrabiliária como normas desde o início mal concebidas e pior redigidas, são transpostas para os direitos nacionais;

c)

a incorrecta ou incompleta integração das normas comunitárias no conjunto dos direitos nacionais, onde muitas vezes são consideradas como indesejáveis e contrárias aos usos e costumes e aos interesses nacionais;

d)

a falta de vontade política das autoridades nacionais para cumprir e fazer cumprir normas consideradas «estranhas» ao seu corpo jurídico e à sua tradição nacional e a persistente tendência para aditar às normas comunitárias novos dispositivos regulamentares desnecessários ou de escolher umas partes e não outras das normas comunitárias (os conhecidos fenómenos de «gold-plating» de «cherry-picking»);

e)

a impreparação de base e a falta de formação específica por parte das autoridades nacionais para entender e fazer aplicar o acervo comunitário, em particular no que se refere à protecção e defesa dos consumidores;

f)

o mau funcionamento de alguns Tribunais e a impreparação de alguns Juízes e outros actores do sistema judicial (advogados, funcionários judiciais, etc.) que muitas vezes levam à errada aplicação ou à desaplicação das normas transpostas e tantas vezes à aplicação de normas «paralelas» dos direitos nacionais (15);

g)

a falta de medidas alargadas de cooperação administrativa por forma a envolver as organizações da sociedade civil, em particular as associações de defesa dos consumidores.

3.6

Neste domínio tem o CESE chamado repetidamente a atenção para que é no cumprimento voluntário e no acatamento, espontâneo ou induzido, das regras de direito que deve ser posto o acento tónico, quando se fala da (in-) aplicação do acervo comunitário.

3.7

Significa isto que deverá ser, antes de mais, ao nível da melhor informação e formação de consumidores e de profissionais e da sua motivação e incentivo para o cumprimento do direito comunitário transposto que a Comissão deveria centrar os seus esforços e iniciativas, no âmbito das suas competências.

3.8

Seria igualmente ao nível da informação e da formação das autoridades públicas nacionais, em particular daquelas com mais directas responsabilidades na aplicação do direito comunitário nos Estados-Membros que a acção da Comissão deveria prioritariamente incidir. Neste domínio, haveria que privilegiar a informação e a formação dos juízes e de outros magistrados em geral, aos quais compete, em última análise, a interpretação e a aplicação do direito aos casos concretos, objecto de litígio.

3.9

Diversamente da Comissão, o CESE, no entanto, não entende que a mera informação seja suficiente para um efectivo «empowerment» dos consumidores. Ao contrário, o CESE tem chamado a atenção para a necessidade de dotar os consumidores de meios e instrumentos eficazes para garantir a efectiva aplicação do direito e a realização eficiente dos seus direitos.

3.10

É a esta luz que ganha particular relevo o papel da auto regulação e, em especial da co-regulação, desde que garantidos e salvaguardados os parâmetros de credibilidade dos sistemas voluntariamente assumidos ou negociados entre as partes interessadas, para merecerem a confiança de todos.

3.11

Também os sistemas de mediação, de conciliação e de arbitragem, complementares do sistema judicial, devem ser objecto de atenção especial por parte da Comissão e de reforço da sua credibilidade e eficácia; nessa medida, não pode deixar de se estranhar que a Comissão, ainda desta vez, não tenha dado acolhimento a pedido insistentemente formulado pelo CESE no sentido de transformar as Recomendações relativas aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo (16), em directivas ou regulamentos com força obrigatória geral, situação especialmente aguda quando, na ausência de harmonização, as diferentes tradições jurídicas dos Estados conduzem a uma evolução muito diferenciada na previsão de meios alternativos de resolução de conflitos.

3.12

Mas é no domínio do direito processual civil que, pese embora os avanços dados por iniciativas da DG Justiça (17), no que em especial se refere a procedimentos que tenham em conta as especificidades dos direitos e interesses colectivos dos consumidores, se verifica a maior lacuna na iniciativa da Comissão, que, após mais de vinte anos de «estudos» e «consultas», não foi colmatada pelos Livros Verde e Branco no domínio do incumprimento das medidas «antitrust»  (18). Menos ainda, se viram abrir reais perspectivas de vontade política de avanço com o recente Livro Verde sobre a tutela colectiva dos consumidores (19), conforme bem evidenciado no recente Parecer do CESE (20).

3.13

Era, por isso, essencial que a Comissão, como guardiã da ordem jurídica comunitária, desse especial relevo à forma como encara o cumprimento dos seus poderes discricionários (21), mas não arbitrários, conferidos pelo artigo 211 do Tratado, em matéria de infracções, em particular «as medidas de organização interna necessárias ao exercício efectivo e imparcial da sua missão em conformidade com o Tratado» (22), designadamente os critérios de prioridade, os mecanismos de avaliação e ponderação das queixas, os instrumentos próprios para a detecção oficiosa da infracções, os meios de melhorar a acção dos tribunais nacionais e de outros instrumentos complementares (SOLVIT, FIN-NET, ECC-NET, meios alternativos e extra judiciais).

3.14

Neste sentido, e embora se não trate de um indicador directo de aplicação do direito, as queixas apresentadas pelos consumidores são um índice importante da percepção dos destinatários do direito, como bem se evidencia no «2.o Painel de avaliação dos mercados de consumo» (23); por isso se saúda a iniciativa da Comissão de, no seu seguimento e recomendação, ter encetado uma abordagem a um método harmonizado das reclamações e queixas dos consumidores (24).

4.   Observações na especialidade

4.1

O CESE constata que na Comunicação a Comissão volta estabelecer prioridades já antigas, não apresentando qualquer novidade face àquilo que já havia definido nos programas de Acção Prioritária 2005-2010 (25) e limitando-se a confirmar o referido na Estratégia para a Política de Consumidores da União Europeia 2007-2013 (26), sem apresentar medidas inovadoras. Nessa medida, o CESE não pode senão limitar-se a confirmar o que referiu nos anteriores pareceres (27).

4.2

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão parecer, finalmente, dispor-se a utilizar o artigo 153 do Tratado para novas iniciativas no reforço das medidas de cooperação entre os Estados-Membros. No entanto, não identifica quais as novas iniciativas que antevê, para além daquilo a que já deu início e foi oportunamente comentado pelo CESE, nomeadamente no que respeita à directiva relativa à segurança geral dos produtos e ao novo quadro normativo (NQN) (28) e ao sistema RAPEX, em particular no que concerne aos brinquedos (29); a merecer especial referência, a publicação semanal da lista de produtos de consumo perigosos notificado no âmbito do RAPEX.

4.3

Quanto à rede CPC, o CESE revê-se no bem elaborado Relatório da Comissão antes referido, nas dificuldades encontradas e nas suas conclusões bem como nos resultados do 2o Painel de Avaliação dos mercados de consumo, no que se refere em particular ao «enforcement» (30).

4.4

Aspecto a reforçar será o da publicidade das acções levadas a cabo pela Comissão e pelas autoridades nacionais no sentido da fiscalização do cumprimento do direito transposto pelas entidades públicas ou privadas a que ele se dirige, por forma a conferir mais visibilidade à política de protecção dos consumidores e como meio de dissuadir as práticas lesivas e de conferir ao consumidor um maior sentimento de segurança.

4.5

Iniciativa a aplaudir será a relativa a novas formas de comunicar as informações do mercado de modo a melhor informar os consumidores para decisões responsáveis; seria interessante que a Comissão especificasse o modo de levar a cabo esta iniciativa; identicamente aguarda-se com expectativa a anunciada base de dados relativa às práticas comerciais desleais, só se esperando que com ela não suceda o mesmo que aconteceu ao CLAB.

4.6

Já quanto à proposta da definição de interpretações «padrão» da legislação comunitária para uso das «autoridades nacionais de aplicação» o CESE congratula-se com a explicação dada pelos representantes da Comissão nas reuniões do Grupo de Estudo de que tal iniciativa se dirige – unicamente às autoridades administrativas, mas não às judiciais, e não põe em causa a competência exclusiva do Tribunal de Justiça em sede de Reenvio a Título Prejudicial, para fixar a interpretação do direito comunitário.

4.7

No domínio da cooperação internacional com Estados terceiros, a comunicação não só não apresenta dados concretos quanto ao que terá sido feito nem identifica a estratégia que se propõe para o futuro, nomeadamente a sua extensão a outros organismos e organizações internacionais de integração económica regional. Assim, o CESE manifesta a sua preocupação quanto à eficiente fiscalização do cumprimento do acervo comunitário relativamente a produtos provenientes de Estados terceiros, quanto à falta de visibilidade desta fiscalização e quanto à transparência dos seus resultados.

4.8

Finalmente, o CESE exprime a sua preocupação relativamente à adequação dos meios financeiros de que a Comissão dispõe para levar a efeito estas acções, dado o reduzido orçamento para a política dos consumidores, eventualmente agravado, na nova estrutura funcional da Comissão, pela partilha dos seus assuntos por duas Direcções Gerais.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO L 364 de 9.12.2004, p. 1.

(2)  Merece atenção particular o parecer em curso sobre o «25.o Relatório Anual da Comissão sobre o acompanhamento da aplicação do direito comunitário» [COM(2008) 777 final], (INT/492).

(3)  JO C 221 de 8.9.2005, p. 153.

(4)  JO C 24 de 31.1.2006, p. 52.

(5)  JO C 175 de 28.7.2009, p. 26.

(6)  Como o CESE antecipou no seu Parecer (JO C 108 de 30.4.2004, p. 81).

(7)  COM(2009) 336 final.

(8)  Cf. 25.° Relatório Anual da Comissão sobre o controlo da aplicação do direito comunitário (2007) [COM(2008) 777 final] e SEC (2008) 2854 e 2855 e Parecer CESE INT/492 em preparação.

(9)  Por exemplo COM(2006) 514 final sobre vendas à distância (Parecer CESE JO C 175 de 27.7.2007, p. 28); COM(2007) 210 final sobre certos tipos de vendas de bens e garantias a eles respeitantes (Parecer CESE: JO C 162 de 25.6.2008, p. 31; COM(2007) 303 final sobre utilização a tempo parcial de bens móveis e imóveis (time-sharing) (Parecer CESE: JO C 44 de 16.2.2008, p. 27); COM(2008) 9 final sobre segurança dos brinquedos (Parecer CESE: JO C 77 de 31.3.2009, p. 8).

(10)  COM(2009) 25 final.

(11)  Elaborado por Van Dijk Management Consultants.

(12)  COM(2002) 725 final.

(13)  No Parecer de Iniciativa (JO C 24 de 31.1.2006, p. 52) o CESE «defende que legislar melhor e a execução e o cumprimento da legislação estão intimamente ligados: uma boa lei é uma lei exequível e cumprida».

(14)  É, de facto, pelo menos surpreendente que o Acordo Interinstitucional «Legislar Melhor», celebrado entre o PE, o Conselho e a Comissão (JO C 321 de 31.12.2003), não seja sequer mencionado na Comunicação da Comissão.

(15)  Um bem conhecido exemplo é a desaplicação generalizada da Directiva 85/374/CEE (JO L 210 de 7.8.1985) alterada pela Directiva 1999/34/CE (JO L 141 de 4.6.1999) sobre a responsabilidade do produtor, preterida pelas normas correspondentes dos direitos nacionais, conforme se deu bem conta na Conferência organizada en Louvain-la- Neuve a 23-24.3.1995 pelo Centre de Droit de la Consommation, «La Directive 85/374/CEE relative à la responsabililité du fait des produits: dix ans après».

(16)  Recomendações de 30.3.1998 e de 4.4.2001 in, respectivamente, JO L 115 de 17.4.1998 e JO L 109 de 19.4.2001.

(17)  De que cumpre destacar o processo europeu para acções de pequeno montante (Regulamento (CE) n.° 861/2007, in JO L 199 de 31.7.2007, p. 1) ou as propostas relativas a uma maior eficácia na execução das decisões judiciais na UE: Penhora de contas bancárias (COM(2006) 618 final) e Transparência do património dos devedores (COM(2008)128 final), mas fundamentalmente destinadas a facilitar as cobranças pelas empresas e não a beneficiar os consumidores (Cf. Pareceres JO C 10 de 15.1.2008, p. 2 e JO C 175 de 28.7.2009, p. 73).

(18)  COM(2005) 672 final e COM (2008) 165 final; ver respectivamente Pareceres JO C 324 de 30.12.2006, p. 1 e JO C 228 de 22.9.2009, p. 40.

(19)  COM(2008) 794 final.

(20)  Parecer CESE 586/2009 (INT/473) de 5.11.2009; sobre este tema ver igualmente o Parecer de Iniciativa (JO C 162 de 25.6.2008, p. 1), sobre a «Definição do papel e do regime das acções colectivas no domínio do direito comunitário do consumo».

(21)  Cf. por todos, o Acórdão de 1.6.1994, Comissão/Alemanha, C-317/92 e o Acórdão de 10.5.1995, Comissão /Alemanha, C-422/92.

(22)  COM(2002) 725 final.

(23)  COM(2009) 25 final e principalmente SEC (2009) 76, parte 1.

(24)  COM(2009) 346 final (CESE 97/2010).

(25)  Designadamente a necessidade de proceder a uma análise mais profunda de cada mercado, criando metodologias comuns no tratamento de dados para permitir a sua comparabilidade e criando indicadores de aplicação da legislação.

(26)  COM(2007) 99 final.

(27)  JO C 95 de 23.4.2003e JO C 162 de 25.6.2008, p. 20.

(28)  Regulamento (CE) n.o 765/2008 e Decisão (CE) n.o 762/2008, Parecer CESE JO C 120 de 16.5.2008, p. 1.

(29)  COM(2008) 9 final, Parecer do CESE in JO C 77 de 31.3.2009, p. 8.

(30)  SEC(2009) 76 final, Parte 3.


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/105


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu – Reforçar o controlo do respeito dos direitos de propriedade intelectual no mercado interno»

[COM(2009) 467 final]

2011/C 18/19

Relator: Daniel RETUREAU

Em 11 de Setembro de 2009, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu – Reforçar o controlo do respeito dos direitos de propriedade intelectual no mercado interno»

COM(2009) 467 final.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo emitiu parecer em 2 de Março de 2010.

Na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 132 votos a favor, 5 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações e conclusões

1.1   O CESE lamenta que as propostas da Comissão não tenham em conta os novos factos associados à ratificação pela União e pelos Estados-Membros dos Tratados Internet da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), designadamente o Tratado da OMPI sobre os direitos de autor (TDA) e o Tratado da OMPI sobre as interpretações e execuções e fonogramas (TPF).

1.2   Por outro lado, desejaria ser informado sobre as negociações em curso do ACTA (Acordo Comercial em matéria de Anti-Contrafacção) e sobre as diferenças relativamente aos Tratados da OMPI que acabam de ser ratificados, nomeadamente no que se refere ao capítulo «Internet» do ACTA, e relativamente à Directiva 2004/48/CE relativa aos direitos de propriedade intelectual, dita Directiva Contrafacção (1).

1.3   No entanto, o Comité toma nota da intenção da Comissão de organizar em breve uma reunião das partes interessadas e espera que aquela se realize o mais depressa possível e antes das decisões finais. O Parlamento Europeu também deve ser envolvido o mais rápido possível.

1.4   O CESE repudia a adopção de qualquer regime específico intrusivo na vida privada, como o introduzido na legislação de vários Estados-Membros, para o exercício dos direitos de autor na Internet. Preconiza, pelo contrário, medidas activas de educação e formação dos consumidores e, em particular, dos jovens.

1.5   O CESE apoia a proposta principal da Comissão de criação do Observatório Europeu da Contrafacção e da Pirataria que coligiria e difundiria as informações úteis sobre as práticas dos falsificadores e prestaria especificamente assistência às PME-PMI, vítimas frequentes da contrafacção, para lhes assegurar melhores informações sobre os seus direitos.

1.6   Na opinião do CESE, é muito útil a rede de intercâmbio rápido de informações proposta pelo Conselho «Competitividade», secundada pelo Sistema de Informação do Mercado Interno (IMI). As suas vantagens serão ainda mais visíveis se os Estados-Membros lograrem superar os obstáculos no âmbito da cooperação administrativa. Isso dependerá igualmente da eficácia dos contactos nacionais. Por outro lado, a Comissão devia apresentar periodicamente relatórios sobre os dados coligidos pelo observatório e sobre as suas acções.

1.7   O combate necessário à criminalidade organizada no domínio da contrafacção deve traduzir-se numa cooperação reforçada entre os serviços alfandegários e os serviços responsáveis pela aplicação da lei, com a participação da Europol ao nível da União Europeia. O Comité considera indispensável uma legislação penal europeia harmonizada, desde que o princípio da proporcionalidade entre os crimes e as sanções seja cumprido, incluindo no caso das cópias ilegais na Internet, que não devem resultar numa legislação exagerada ou desproporcional no âmbito da legislação contra a pirataria ou a contrafacção para fins comerciais.

1.8   O CESE endossa, por conseguinte, as propostas da Comissão, não obstante ter reservas quanto à falta de transparência no atinente ao ACTA e às incertezas causadas pelas declarações unilaterais de numerosos Estados-Membros aquando da ratificação dos Tratados da OMPI em Dezembro de 2009. Defende uma posição da União que não ultrapasse a legislação actual.

1.9   O Comité preconiza, principalmente para as obras órfãs, um sistema harmonizado de registo dos direitos de autor e direitos conexos, actualizado periodicamente, a fim de se encontrar facilmente os diferentes titulares dos direitos. Este sistema poderá dar a conhecer a natureza, o título da obra e os diversos titulares dos direitos. Solicita à Comissão um estudo de viabilidade de uma solução deste tipo.

1.10   O CESE insiste, por último, na criação e aplicação efectiva em todos os Estados-Membros da patente da União Europeia, a qual será um meio de protecção muito mais eficaz e menos oneroso na defesa dos direitos incorpóreos das PME-PMI associadas à inovação.

2.   Propostas da Comissão

2.1   A Comissão insiste na necessidade de reforçar os direitos de propriedade intelectual (DPI) na sociedade do conhecimento. É imperioso aumentar a protecção dos DPI na União e a nível internacional (TRIPS (2), convenções sectoriais), dado o valor que as empresas, sejam elas grandes ou PME-PMI, atribuem cada vez mais a estes direitos. É que, deste modo, poderão proteger os seus bens incorpóreos e obter, nesta base, o acesso aos capitais de risco de arranque ou contrair empréstimos para o lançamento das suas actividades.

2.2   A UE terá de apoiá-las mediante uma cultura de propriedade intelectual (PI) que defenda os talentos europeus e proporcione oportunidades às empresas, à investigação universitária e às empresas criadas a partir de universidades (3).

2.3   Com efeito, é justamente o valor atribuído aos DPI que os transforma em alvo de falsificadores e piratas que se servem de várias ferramentas, incluindo a Internet que está a ser utilizada como motor de um mercado mundial de produtos ilegais, o que está a asfixiar a inovação e a ameaçar o emprego, com consequências económicas graves para as empresas, sobretudo neste período de recessão económica que atravessamos.

2.4   O mercado mundial de produtos ilegais deixou de se circunscrever meramente ao dos produtos copiados ou falsificados «tradicionalmente» (filmes, moda, música, programas informáticos, artigos de luxo) e abarca agora uma maior variedade de bens de consumo de massa, como produtos alimentares, produtos de higiene, peças sobressalentes para automóveis, brinquedos e vários tipos de equipamento eléctrico e electrónico.

2.5   A área da saúde também não escapa a este fenómeno com o surgimento de medicamentos falsos que representam um perigo para os cidadãos.

2.6   São cada vez mais preocupantes as consequências da contrafacção e do comércio de cópias pirateadas, em especial dado que o crime organizado está cada vez mais empenhado na contrafacção.

2.7   Foi criado um quadro regulamentar nesta matéria, consubstanciado na Directiva 2004/48/CE (4) relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, na harmonização do direito civil e na apresentação ao Conselho de uma proposta sobre sanções penais. Além disso, o Regulamento da UE relativo à intervenção das autoridades aduaneiras permite a apreensão de cópias ilegais e a aplicação de sanções ao seu comércio. A Comissão está também a consultar os Estados-Membros com vista ao seu aperfeiçoamento.

2.8   A Comissão tenciona adoptar, no âmbito de um plano europeu global de combate à contrafacção, medidas complementares não legislativas, em consonância com a Resolução do Conselho «Competitividade» de 25 de Setembro de 2008.

2.9   A crer no relatório final do grupo consultivo de peritos que se refere especificamente nas suas conclusões à situação das PME, a Comissão tenciona reforçar o seu apoio à perseguição dos infractores e está a desenvolver uma série de projectos conexos para ajudar as PME a integrarem os DPI nas suas estratégias de inovação e de gestão dos conhecimentos.

2.10   A nível mundial, a Comissão está a elaborar uma estratégia para o controlo do respeito dos DPI em países terceiros (acordos de combate à contrafacção, por exemplo, entre a UE e a China, e iniciativas em matéria de controlo aduaneiro). Além disso, entrou em funcionamento um Helpdesk DPI-PME-China.

2.11   A consolidação das parcerias público-privadas é também uma questão imperativa, na perspectiva de uma estratégia europeia mais participativa. Na sequência da Conferência de Alto Nível de Maio de 2008, a Comissão publicou a Estratégia Europeia para os Direitos de Propriedade Industrial e o Conselho «Competitividade» adoptou a Resolução sobre o combate à contrafacção e à pirataria antes referida, em que convida a Comissão a reforçar a sua acção nas fronteiras em cooperação com os Estados-Membros.

2.12   Mas é particularmente difícil coligir informações sobre a natureza e a extensão da contrafacção e do comércio de cópias ilegais e avaliar o seu impacto real nas nossas economias. Também não é fácil reunir e sintetizar as informações na posse das entidades nacionais competentes, para além das disponibilizadas pela Comissão, sobre as imobilizações aduaneiras nas fronteiras da UE que oferecem apenas uma imagem muito parcial da realidade. Dever-se-ia alargar a base de dados para avaliar plenamente as consequências gerais e locais das actividades ilegais ligadas à contrafacção e compreender por que razão alguns produtos, sectores e zonas geográficas na UE são mais vulneráveis do que outros. Isso permitiria elaborar programas de acção dirigidos a objectivos mais específicos.

2.13   O Conselho «Competitividade» defendeu a criação do Observatório Europeu da Contrafacção e da Pirataria, para conhecer a exacta dimensão de tais fenómenos. A Comissão está, com efeito, neste momento a criar um observatório para a recolha de todas as informações possíveis relacionadas com a violação aos DPI, mas considera que o seu papel deveria ser muito mais amplo e que se deveria converter em plataforma que serviria para o intercâmbio de informações e de conhecimentos especializados sobre as boas práticas entre os representantes de autoridades nacionais e as partes interessadas, com o fito de desenvolver estratégias conjuntas de combate à contrafacção e à pirataria e apresentar recomendações aos responsáveis políticos.

2.14   Para se transformar num recurso essencial, o observatório deve ser um lugar de estreita cooperação entre a Comissão, os Estados-Membros e o sector privado e cultivar uma relação de parceria com as organizações de consumidores, com o objectivo de elaborar recomendações práticas e sensibilizar os consumidores. Um relatório anual divulgado publicamente facilitaria ao público a compreensão dos problemas e das vias escolhidas para solucioná-los.

2.15   A Comissão entra seguidamente em detalhe sobre o papel do Observatório na realização dos objectivos atrás descritos.

2.16   O observatório seria uma plataforma ao serviço de todas as partes interessadas com um representante por país, abrangendo um vasto leque de organismos europeus e nacionais. Seriam convidados a participar os sectores mais afectados e com maior experiência, os consumidores, bem como uma representação das PME.

2.17   A defesa coerente dos DPI requer uma verdadeira cooperação administrativa, mais forte e mais consequente, no âmbito da contrafacção e da pirataria, uma verdadeira parceria na implementação do mercado interno sem fronteiras. Para tal, é essencial a criação de uma rede eficiente de pontos de contacto na União Europeia.

2.18   No plano interno, é igualmente necessário melhorar a coordenação no combate à contrafacção e nomear, para o efeito, coordenadores nacionais com um mandato inequívoco.

2.19   É também útil promover a transparência das estruturas nacionais ao nível transfronteiriço, para facilitar a acção das empresas lesadas. Os institutos nacionais de propriedade industrial e de direitos de autor devem desempenhar um papel informativo e passar também a incumbir-se de novas funções, como a sensibilização e o apoio específico às PME e, no caso das marcas, em cooperação com o Instituto Europeu de Patentes (IEP) e os institutos nacionais e o Instituto de Harmonização do Mercado Interno (IHMI).

2.20   O Conselho «Competitividade» convidou igualmente a Comissão a criar uma rede transfronteiriça de intercâmbio rápido de informações essenciais, recorrendo a pontos de contacto nacionais e a ferramentas modernas de partilha de informações. Todas as agências competentes e todos os institutos nacionais de propriedade industrial deveriam ter acesso a uma rede electrónica eficaz e rápida de partilha de informações sobre violações aos DPI.

2.21   A Comissão está actualmente a analisar o modo de desenvolver uma interface adequada e de explorar a rede existente do Sistema de Informação do Mercado Interno (IMI) para facilitar a circulação das informações essenciais.

2.22   Referindo todas as consequências graves das violações aos DPI, a Comissão pretende incentivar os titulares de direitos e outras partes interessadas do circuito comercial a congregarem esforços para combaterem a contrafacção e a pirataria no seu interesse comum. Poder-se-ia pensar aqui, por exemplo, em acordos voluntários para combater a contrafacção e a pirataria no terreno e em encontrar soluções tecnológicas para detectar os produtos falsificados. O raio de acção destes acordos poderia ir para além das fronteiras europeias. Os meios utilizados ter-se-ão de manter, obviamente, dentro de um quadro de estrita legalidade.

2.23   O comércio de produtos falsificados na Internet coloca questões muito particulares. A Comissão lançou, por isso, um diálogo estruturado entre as partes interessadas, uma vez que a Internet oferece aos falsificadores e aos piratas a possibilidade de operar à escala mundial e de escapar às leis locais. As reuniões em curso, que prosseguirão, visam a elaboração de procedimentos concretos para a retirada de produtos falsificados dos sítios de venda na Internet, ao abrigo de acordos voluntários. À falta de acordo entre os proprietários de marcas e as empresas Internet, a Comissão deverá encarar a hipótese de soluções legislativas, nomeadamente no âmbito da directiva relativa aos direitos de propriedade intelectual.

3.   Observações do Comité

3.1   A proposta da Comissão concentra-se na protecção dos DPI das PME europeias. O CESE considera que estas carecem, de facto, de especial apoio para poderem defender os seus direitos em conformidade com as disposições da legislação aplicável e da Directiva 2004/48/CE. Continua, todavia, a faltar ainda o aspecto penal, pelo que seria conveniente os Estados-Membros ponderarem uma solução equilibrada e proporcional neste contexto. O CESE espera que se venha a encontrar uma forma, com base no TFUE (5), de apoiar os titulares de direitos incorpóreos.

3.2   O observatório deverá contribuir para o combate a todas as formas de violação dos DPI independentemente da dimensão da empresa, colocando, porém, a ênfase nas necessidades específicas das PME-PMI.

3.3   Certas propostas, como a dos acordos voluntários, já estão a ser concretizadas enquanto outras não passaram ainda de projecto. Além disso, a comunicação não refere os obstáculos a superar em certos domínios, como a cooperação administrativa que, em muitos casos, parece não funcionar de forma satisfatória.

3.4   Surgiu um elemento novo no que se refere às cópias ilegais e à contrafacção através da Internet. Embora a União Europeia e os Estados-Membros tenham ratificado em Dezembro último os Tratados Internet da OMPI, o que uniformizará, em princípio, o direito europeu aplicável, várias declarações nacionais aquando da ratificação podem pôr em causa uma abordagem unificada ao nível europeu. Estes Tratados reivindicam a luta contra cópias e contrafacção para fins comerciais, analogamente ao que faz a Directiva 2004/48/CE em relação aos direitos de autor e direitos conexos na sociedade da informação.

3.5   No entanto, decorrem ao mesmo tempo «negociações secretas» entre os Estados Unidos, a UE e alguns países «selectos» com vista a um tratado internacional de combate à contrafacção, o ACTA, que, do lado americano, deveria ser muito semelhante ao Digital Millenium Copyright Act (DMCA). Segundo o negociador americano, um tal secretismo destina-se a evitar uma onda de protestos da sociedade civil nos Estados Unidos e na Europa. Os consumidores europeus, cujas organizações foram afastadas das negociações, e as empresas europeias denunciam estes procedimentos opacos (6) e antidemocráticos que poderiam, a coberto do combate à contrafacção através da Internet (um dos capítulos do projecto de tratado), instaurar um autêntico controlo policial – em que seriam envolvidas forças policiais privadas – de todas as trocas comerciais e comunicações na Internet. Além disso, desapareceria, segundo certas fontes, a distinção entre comércio de contrafacção e cópias privadas. Numa situação em que os lóbis dos produtores norte-americanos têm acesso a todas as negociações, é urgente estabelecer a transparência nessas negociações e permitir à sociedade civil exprimir a sua posição sobre a matéria.

3.6   O CESE desejaria ser informado sobre os debates em curso e as propostas que se encontram actualmente sobre a mesa para se poder pronunciar a esse respeito. Seria lamentável que as disposições do DMCA americano, que foram aliás contestadas, fossem transpostas para um tratado internacional, que só entraria em concorrência com os Tratados do OMPI e contribuiria para aumentar a confusão em torno dos direitos de autor e direitos conexos a nível europeu e internacional. Seja como for, a posição da União Europeia não deve ir além da legislação actual.

3.7   Com efeito, e na opinião do CESE, é essencial que o regime de direitos de autor na Internet não ofereça aos seus titulares a possibilidade de controlarem a utilização da tecnologia, uma tendência que se constata actualmente nas legislações nacionais citadas, nem permita a sua ingerência nas comunicações privadas. A duração excessiva da protecção (de 50 a 75 anos após a morte do autor, ou de 75 anos no caso de uma pessoa jurídica) e os direitos exorbitantes pagos às multinacionais do divertimento para o controlo dos meios de comunicação, seriam um freio evidente à inovação e à evolução das tecnologias e não garantiriam um ambiente propício à concorrência. O objectivo da protecção é garantir um pagamento justo aos autores e intérpretes, e não receitas fáceis para os distribuidores (majors) a quem é conferido, além disso, o direito de interferir.

3.8   O CESE defende a unificação dos direitos de autor na sua base tradicional, sem um regime demasiado punitivo para a Internet.

3.9   O Comité sugere a criação de um registo obrigatório, por exemplo, no caso de um regime europeu de direitos de autor, de um registo harmonizado dos direitos de autor e direitos conexos, mediante um pagamento muito modesto para cobrir unicamente os custos da inscrição, renovável, por exemplo, cada dez ou vinte anos, que dê a conhecer os nomes e as moradas dos titulares dos direitos. Um instrumento desse tipo, de acesso gratuito e em actualização constante, permitiria a qualquer empresa interessada a reutilização das obras órfãs e a sua comercialização noutros suportes ou noutras línguas diferentes da original por qualquer empresa interessada que deseje utilizar uma obra para fins comerciais e obter mais facilmente as licenças e as autorizações necessárias.

3.10   Isso favoreceria igualmente a salvaguarda das obras (filmes, bandas magnéticas, etc.), sobretudo no caso de suportes frágeis. Muitas vezes as obras perdem-se, não voltam a ser reeditadas ou reutilizadas e, em certos suportes, como é o caso dos filmes antigos, correm pura e simplesmente o risco de desaparecerem para sempre.

3.11   Os direitos de autor já têm a particularidade de, contrariamente ao que sucede com as patentes ou outros direitos de propriedade intelectual, não precisarem de ser registados nem estarem sujeitos a qualquer pagamento. Distinguem-se igualmente pela sua duração, em muitos aspectos excessiva face às necessidades de inovação e de intercâmbio de conhecimentos da sociedade da informação e da economia do conhecimento. O CESE preconiza um registo dos direitos de autor e dos direitos conexos especificando a natureza e o título da obra, os direitos de autor e outros direitos sobre a obra, o nome e a morada dos titulares dos direitos, e, se possível, a sua renovação cada dez ou vinte anos mediante um pagamento mínimo circunscrito ao custo real do registo. Seria também profícuo que quem deseje utilizar comercialmente uma obra obtenha mais facilmente as licenças e as autorizações necessárias. Estes direitos são muitas vezes confundidos com os direitos de propriedade intelectual, mas estes devem ser vistos como um monopólio temporário de exploração e um direito exclusivo de emitir licenças de exploração das obras protegidas durante o período de duração da protecção.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, JO L 157 de 30.4. 2004, pp. 45-86.

(2)  Acordos internacionais sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio, incluindo o comércio de mercadorias de contrafacção (ADPIC ou TRIP'S).

(3)  Ver INT/325 no JO C 256 de 27.10.2007, p.17, INT/448 no JO C 218 de 11.9.2009, p. 8, INT/461 no JO C 306 de 16.12.2009, p. 13, e INT/486 (ainda por publicar).

(4)  JO C 157 de 30.4.2004, pp. 45-86 (parecer do CESE in JO C 32 de 5.2.2004, p. 15).

(5)  Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

(6)  Declaration on ACTA, European consumers, Transatlantic dialogue (ver sítio Web do BEUC).


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/109


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à participação da Comunidade no Programa Conjunto de Investigação e Desenvolvimento do Mar Báltico (BONUS-169) empreendido por vários Estados-Membros»

[COM(2009) 610 final — 2009/0169 (COD)]

2011/C 18/20

Relator-geral: Daniel RETUREAU

Em 12 de Novembro de 2009, o Conselho decidiu, em conformidade com o disposto no artigo 169.o e no segundo parágrafo do artigo 172.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre a

Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à participação da Comunidade no Programa Conjunto de Investigação e Desenvolvimento do Mar Báltico (BONUS-169) empreendido por vários Estados-Membros

COM(2009) 610 final — 2009/0169 (COD).

Em 15 de Dezembro de 2009, a Mesa do Comité Económico e Social Europeu incumbiu a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo da preparação dos correspondentes trabalhos.

Dada a urgência dos trabalhos e em conformidade com o disposto no artigo 57.o do Regimento, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), designar relator-geral Daniel Retureau e adoptou, por 140 votos a favor, 4 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O mar Báltico enfrenta grandes desafios: por um lado, é afectado pelo aquecimento climático e pela poluição resultante de actividades humanas e, por outro, é uma zona estratégica de actividades económicas e sociais, dada a natureza e o número de empregos que dela dependem. A sua preservação é fundamental para as gerações actuais e futuras e a sua governação deve fazer-se de forma concertada entre todos os Estados e populações que o cercam.

1.2   No entanto, não está claro se os parceiros sociais nacionais e europeus destes sectores serão realmente integrados nos processos de consulta das partes interessadas pelo consórcio BONUS. O Comité insiste para que tal seja afirmado claramente.

1.3   É necessário que o sistema de governação destas plataformas de consulta e do fórum de investigação sectorial integre os actores da sociedade civil, nomeadamente os parceiros sociais europeus e nacionais em questão, e que os projectos de I&DT do Programa BONUS-169 que mobilizam os investigadores em ciências sociais procedam a trabalhos de investigação e desenvolvam acções que integrem a lógica de actores implicados nos processos de gestão do emprego e das competências nos sectores referidos pelo programa.

1.4   Os EIDS (Estudos de impacto sobre o desenvolvimento sustentável) poderiam ser um instrumento útil e eficaz de ajuda para decidir sobre a selecção e a execução dos projectos de I&DT elaborados no âmbito do Programa BONUS-169 que tenham em conta as três dimensões do desenvolvimento sustentável e a participação significativa de actores da sociedade civil à altura dos desafios relacionados com estas três dimensões.

1.5   Há que constatar que a análise de impacto realizada no âmbito do Programa BONUS -169 contém insuficiências, particularmente no que se refere à dimensão social e do emprego, tanto mais que os actores da sociedade civil (e nomeadamente as organizações sindicais e os parceiros sociais europeus) não participaram no processo de elaboração do programa.

1.6   A participação dos actores da sociedade civil pode consistir em, pelo menos, dois tipos de acções:

a)

melhorar a difusão da informação, a sua recolha e a análise dos contributos dos actores da sociedade civil dos países abrangidos pelo Programa BONUS-169, bem como os mecanismos de retorno da informação. Para tal, deve assegurar-se a transparência em matéria de reconhecimento e a utilização dos contributos de todos os actores implicados da sociedade civil, incluindo os parceiros sociais europeus, e prever o retorno adequado da informação;

b)

integrar o conteúdo das questões levantadas por todos os actores da sociedade civil, incluindo os parceiros sociais europeus, nos debates e nas análises. O desafio consiste em propor um processo que se repercuta de forma clara na elaboração e na execução do Programa BONUS-169 e tenha em conta as três dimensões do desenvolvimento sustentável (ambiental, social, económica).

1.7   O Comité reafirma o seu apoio ao programa e às suas modalidades de financiamento, que visam obter novos meios a atribuir ao BONUS-169, e não apenas a afectar-lhe meios existentes, a menos que se trate de instrumentos de investigação particularmente adequados aos objectivos a alcançar e que seriam inteiramente afectados por um determinado período e com um orçamento limitado.

1.8   A investigação sobre o mar Báltico justifica-se pelo facto de este ser delimitado por um importante número de Estados-Membros atingidos pela intensa poluição acumulada durante a era industrial e que ainda se mantém actualmente, fazendo deste mar um dos grandes espaços aquáticos mais poluídos do mundo, a ponto de pôr em causa uma série de actividades industriais e artesanais, dado que a maioria da população e das actividades está situada na orla costeira. O Comité considera que todos os países implicados e, caso necessário, a Federação Russa, deveriam participar na investigação e contribuir em função das suas possibilidades, tendo em conta a situação efectiva dos países pouco populosos e dos países terceiros.

2.   Propostas da Comissão

2.1   O 7.o Programa-Quadro da Comunidade Europeia, de 20 de Dezembro de 2006, para as actividades de investigação, de desenvolvimento tecnológico e de demonstração fixa as orientações regionais 2007-2013 em quatro grandes tipos de actividades: «Cooperação», «Ideias», «Pessoal» e «Capacidades».

2.2   A decisão do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Outubro de 2009 relativa à participação da Comunidade num Programa Conjunto de Investigação e Desenvolvimento do mar Báltico (BONUS-169), empreendido por vários Estados-Membros, dedica este quadro às problemáticas do mar Báltico e fixa os objectivos e os detalhes do financiamento da execução do projecto.

2.3   Para atingir os seus objectivos, o Programa BONUS-169 é executado em duas fases distintas:

a)

uma fase estratégica inicial, com a duração de dois anos, durante a qual serão criadas plataformas de consulta adequadas para a participação activa das partes interessadas, será preparada uma agenda de investigação estratégica e serão alargadas e desenvolvidas modalidades de implementação precisas;

b)

e uma fase de implementação, de um mínimo de 5 anos, durante a qual serão publicados, pelo menos, três convites à apresentação de propostas conjuntos com vista ao financiamento de projectos BONUS-169 com uma orientação estratégica e que se inscrevam especificamente nos objectivos da iniciativa.

2.4   Os tópicos devem ser os constantes na Agenda de Investigação Estratégica do Programa BONUS-169, respeitar tanto quanto possível o roteiro estabelecido e abranger actividades de investigação, desenvolvimento tecnológico e formação e/ou difusão.

2.5   Uma das primeiras fases do projecto BONUS-169 foi a vasta consulta do público. Foi criada uma página Internet, foram realizadas análises de impacto e também consultadas várias ONG. Estas consultas foram necessárias e devem prosseguir aquando da criação dos projectos. Os actores da sociedade civil anteriormente citados devem participar no controlo da gestão dos fundos e no desenvolvimento dos projectos, para que estes sejam efectivamente implementados, no sentido de «investir mais e melhor no conhecimento em prol do crescimento e do emprego» (1) como preconiza a Estratégia de Lisboa revista. O artigo 5.o da Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Outubro de 2009 precisa que o AEIE BONUS, responsável pela gestão do BONUS-169, deve informar a Comissão, em nome da Comunidade. O artigo 13.o prevê que a Comissão comunica as conclusões da avaliação das actividades empreendidas no âmbito do BONUS-169 ao Parlamento e ao Conselho. O CESE dispõe, assim, apenas de um meio de controlo a posteriori e não dispõe de meios para exprimir a sua opinião sobre a evolução dos projectos BONUS-169.

2.6   O ponto 1 do Anexo I da decisão fixa os objectivos do BONUS-169. Ainda que o ponto d) mencione o estabelecimento de «plataformas adequadas de consulta das partes interessadas, incluindo a representação de todos os sectores relevantes», nenhum dos objectivos faz alusão aos fins socioeconómicos do projecto, nem à sua importância para a evolução do emprego na orla do mar Báltico.

2.7   O Anexo II é essencial porque estabelece os órgãos de governação do projecto BONUS-169. O ponto 4 fixa a criação de um comité consultivo composto por cientistas de renome internacional e representantes das partes interessadas e da sociedade civil com interesses nestes sectores. É neste quadro que os representantes dos trabalhadores e dos empresários, as ONG e as associações terão o direito de analisar, controlar e fazer propostas sobre o projecto BONUS-169.

2.8   Trata-se de um programa a longo prazo, que pode incluir a realização de acções conjuntas.

2.9   O ponto 12 dos considerando da decisão indica que a Iniciativa BONUS-169 «tem ligações com uma série de programas de investigação da Comunidade sobre uma grande variedade de actividades humanas com impactos acumulados nos ecossistemas, como as pescas, a aquicultura, a agricultura, as infra-estruturas, os transportes, a formação e a mobilidade dos investigadores, bem como as questões socioeconómicas».

2.10   A organização do programa em duas fases deve permitir «garantir uma utilização e exploração eficazes dos resultados em modalidades políticas e de gestão de recursos num vasto leque de sectores económicos».

2.11   De igual modo, a análise de impacto evoca as repercussões económicas e sociais ao examinar as eventuais consequências económicas, ambientais e sociais (ponto 5, particularmente limitado no que diz respeito aos aspectos sociais e ambientais). Certas opções permitiriam apoiar outros sectores económicos como as infra-estruturas marítimas, as minas, os parques eólicos, os transportes, a pesca, as empresas petrolíferas, do gás ou de telecomunicações, na adopção de comportamentos mais adaptados à protecção do ambiente e o seu ecossistema. Este ponto da análise continua a ser totalmente insuficiente e precisa de ser aprofundado, mas indica claramente a orientação geral em que se baseará a fase estratégica do programa.

2.12   Os três projectos que serão escolhidos e criados pelo AEIE BONUS devem absolutamente ter em conta os desafios sociais e humanos decorrentes das alterações climáticas nas zonas costeiras do mar Báltico. Com efeito, estas alterações poderiam provocar deslocamentos de populações, com consequências sociais e implicações no emprego que convém antecipar, como o assinala o parecer de iniciativa do CESE sobre o «Desenvolvimento sustentável das zonas costeiras» de 13 de Outubro de 2009. A legislação laboral de determinados sectores de actividade, como a pesca e os transportes marítimos poderão ter de se adaptar. A Comissão Europeia deve ter em conta estes factores e prever uma componente de formação e reconversão na avaliação e na orientação dos projectos, com a ajuda dos actores da sociedade civil e do CESE.

2.13   A UE tratará directamente com o AEIE BONUS (Rede das Organizações Bálticas para o Financiamento da Ciência, estabelecido em Helsínquia na Finlândia) que é a estrutura de execução específica do Programa BONUS-169 e que será responsável pela afectação de verbas, a administração, o acompanhamento e a comunicação de informações sobre a utilização das dotações atribuídas pela União e das contribuições em numerário dos Estados-Membros.

2.14   O Programa BONUS-169 será gerido pelo AEIE BONUS através do seu Secretariado. O AEIE BONUS deve criar as seguintes estruturas para o programa: Comité Director, Secretariado, Comité Consultivo, Fórum de Investigação Sectorial e Fórum de Coordenadores de Projectos.

2.14.1   O Comité Consultivo assistirá o Comité Director e o Secretariado. Será composto por cientistas de reconhecida reputação internacional, representantes das partes interessadas, nomeadamente de sectores como o turismo, energias renováveis, pescas e aquicultura, transportes marítimos, biotecnologias e fornecedores de tecnologias, incluindo a indústria e organizações da sociedade civil com interesse nestes sectores e outros programas integrados de investigação do mar Báltico e de outras zonas marítimas europeias.

2.14.2   Proporcionará consultoria, orientações e recomendações relativamente a questões científicas e políticas do Programa BONUS-169. Esta assistência poderá ter que ver com os objectivos, as prioridades e a orientação do Programa BONUS-169, as formas de reforçar o desempenho do programa e a qualidade dos resultados da investigação, de constituir capacidades, de ligação em rede e de relevância do trabalho para a prossecução dos objectivos do Programa BONUS-169. Deve também prestar assistência na utilização e difusão dos resultados do Programa BONUS-169.

2.14.3   Além disso, o Comité Consultivo BONUS, composto por um vasto espectro de partes interessadas, nomeadamente HELCOM, ICE, DG MARE, WWF e a Associação de Agricultores Finlandeses, desempenhou também um papel fundamental na preparação do Plano Científico e da Estratégia de Implementação do Programa BONUS-169.

2.15   As linhas gerais da agenda de investigação BONUS-169 revista, apresentadas à DG RTD em Junho de 2009, baseiam-se em grande parte no trabalho e nas consultas realizados para a preparação da Iniciativa BONUS-169 original.

2.16   Prevê-se que seja desenvolvido um extenso programa de inspiração estratégica de consultas às partes interessadas durante a fase estratégica do Programa, incluindo partes interessadas de outros sectores relevantes como a agricultura, pescas, aquicultura, transportes e gestão dos recursos hídricos.

2.17   Plataformas de consulta às partes interessadas

2.17.1   Com base numa análise aprofundada das partes interessadas no Programa BONUS-169 em contextos locais, nacionais, regionais e europeus, serão criados mecanismos e plataformas de consulta das partes interessadas com vista a reforçar e institucionalizar a participação dos actores de todos os sectores relevantes na identificação de lacunas de importância crítica, no estabelecimento dos temas de investigação prioritários e na promoção da utilização dos resultados da investigação. Estes mecanismos devem incluir a participação de cientistas, nomeadamente de domínios não-marinhos das ciências naturais e de disciplinas das ciências sociais e económicas, a fim de assegurar a necessária multidisciplinaridade no desenvolvimento da Agenda de Investigação Estratégica, da sua visão estratégica e das prioridades da investigação.

2.17.2   Será criado um Fórum de Investigação Sectorial (um órgão de representantes de ministérios e de outros intervenientes envolvidos na governação e na investigação do mar Báltico) como órgão permanente de apoio ao programa, responsável por debater o planeamento, os resultados e as necessidades de investigação emergentes do programa, numa perspectiva de tomada de decisões. Este fórum apoiará os progressos da integração pan-báltica da investigação, nomeadamente a utilização e o planeamento conjuntos das infra-estruturas. Ajudará também a identificar as necessidades em matéria de investigação, apoiará a utilização dos resultados da investigação e facilitará a integração dos financiamentos.

2.18   Os desafios dos estudos de impacto no desenvolvimento sustentável

2.18.1

Os estudos de impacto no desenvolvimento sustentável (EIDS, ou SIA em inglês) são um instrumento político fundamental para medir as consequências de políticas e medidas sobre os três pilares do desenvolvimento sustentável (económico, social e ambiental).

2.18.2

A Comissão Europeia efectuou e utilizou estes EIDS no âmbito da negociação dos acordos comerciais (mas também de forma menos formal, no âmbito das negociações para a adopção do Regulamento Europeu Reach e das directivas do Pacote de medidas sobre o clima e a energia da UE). Representam um ponto de vista essencial para a consulta e a consideração das posições e exigências dos actores da sociedade civil.

2.18.3

Foi estabelecido um conjunto de indicadores para apoiar os EIDS:

indicadores do Banco Mundial e da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (CSD) para o pilar económico,

indicadores da CSD (Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da ONU) e da OIT para o pilar social que inclui o trabalho digno,

indicadores do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), da Agência Europeia do Ambiente e da CSD para o pilar ambiental.

2.18.4

Uma comunicação da Comissão (2) Europeia sobre a avaliação de impacto introduziu um quadro completo para as avaliações de impacto em todos os domínios de acção da Comissão Europeia, nomeadamente as negociações e os acordos comerciais. Em Março de 2006, um guia metodológico elaborado pela DG Comércio Externo formalizou as avaliações de impacto dedicadas às negociações e à celebração de acordos comerciais entre a União Europeia e países terceiros.

2.18.5

Estas avaliações podem ser utilizadas no âmbito de uma actividade consultiva dos actores significativos e representativos da sociedade civil.

3.   Observações na generalidade

3.1   Em 2009, o CESE considerou que era necessário simplificar o modo de governação previsto. Propôs no seu parecer exploratório sobre a «Cooperação macro-regional — Alargar a Estratégia para o mar Báltico a outras macro-regiões na Europa» (3), estabelecer um «Fórum da Sociedade Civil do mar Báltico», de carácter consultivo, a fim de facilitar a sensibilização e o debate públicos no que diz respeito à aplicação da estratégia.

3.2   Num processo de governação global macro-regional, é essencial manter uma boa comunicação sobre os projectos e levar a cabo estudos de impacto dos projectos sobre as populações e sobre o emprego. É necessário associar e criar redes transfronteiriças entre organizações homólogas nos diferentes Estados, tais como sindicatos, associações de consumidores e organizações locais de voluntariado, para formar uma sociedade civil competente no que diz respeito às problemáticas socioeconómicas ligadas ao mar Báltico. A população e os trabalhadores devem ser os beneficiários dos resultados dos projectos de investigação. É necessário antecipar as necessidades futuras em termos de formação, tendo em vista sobretudo o desenvolvimento da região num futuro próximo, as consequências do estado actual dos recursos e do aquecimento climático.

3.3   O ponto 2.2.2. da comunicação relativo às partes interessadas não precisa a natureza das referidas partes, apenas destaca a participação dos investigadores. Este ponto deveria mencionar a importância da sociedade civil na criação de plataformas, incluindo o papel útil dos parceiros sociais europeus do CESE bem como dos comités de diálogo social sectorial europeus abrangidos pelo programa BONUS-169.

3.4   A utilidade do papel dos parceiros sociais europeus deveria ser reconhecida no sistema de governação do programa BONUS-169.

3.5   Para aproveitar ao máximo o papel dos parceiros sociais e civis, seria útil a formação dos seus representantes nos trabalhos das plataformas de consulta, e prever uma rubrica orçamental para o efeito.

4.   Outras observações

4.1   Trata-se de um programa para promover a investigação sobre a despoluição do mar Báltico e de coordenação internacional dos investigadores.

4.2   Afigura-se de forma bastante clara que este programa de investigação tem implicações muito directas sobre:

o tecido económico e industrial da bacia do mar Báltico,

as transformações sectoriais (intra e intersectoriais),

os tipos de emprego e as competências requeridas e, provavelmente, a necessidade de a prazo certos trabalhadores mudarem de ofício ou de alterarem profundamente a sua maneira de trabalhar.

4.3   O CESE sugere as seguintes propostas, que visam dois objectivos:

que o programa BONUS-169 tenha em conta o impacto a nível social e laboral, as necessidades de novas competências e a obsolescência de outras competências actualmente apreciadas; e se possível, que este impacto seja antecipado (através de previsão e acções para reorientar determinados grupos da população para novas profissões);

que as medidas para promover os efeitos positivos e atenuar os efeitos negativos sejam elaboradas em concertação com os representantes da sociedade civil.

4.4   Para atingir estes dois objectivos, a proposta é dupla:

a.

integrar plenamente os representantes económicos e sociais;

b.

realizar a análise de impacto não através do modelo de análises de impacto internas da Comissão, mas com o modelo dos EIDS (com algumas melhorias).

4.4.1   Integrar plenamente os representantes económicos e sociais (a.)

integrar os parceiros sociais europeus e nacionais dos «países participantes», como referido anteriormente, no fórum de investigação sectorial;

explicitar igualmente os «mecanismos de consulta» da plataforma de consulta das partes interessadas. Se se tratar simplesmente de uma ligação Internet ou de informação periódica, não servirá para nada:

demasiadas vozes diferentes geram cacofonia; é necessário organizar uma voz «societal»;

sugerimos que seja criado um grupo de trabalho restrito a nível dos parceiros sociais e económicos, que trabalhe de forma concertada e comum e que seja uma voz comum e complementar à dos investigadores;

pode-se-á ir mais longe e sugerir que este grupo de trabalho constitua uma referência para a elaboração do estudo de impacto (participação no comité de pilotagem do estudo) e apresente um parecer consultivo à Comissão Europeia. O estudo de impacto deve ser difundido através de relatórios públicos nos «países participantes».

4.4.2   Realizar a análise de impacto não através do modelo de análises de impacto internas da Comissão, mas com o modelo dos EIDS (b).

Sugerir que o estudo de impacto seja efectivamente um estudo de impacto sobre o desenvolvimento sustentável e que integre os elementos sociais, económicos e ambientais;

Em especial, não esquecer de integrar elementos relacionados com os ajustamentos económicos e industriais, bem como as transições em termos de emprego; por exemplo, o estudo poderia incorporar elementos como:

uma cartografia das profissões exercidas em redor da bacia do mar Báltico;

a identificação das profissões em perigo (as que poderiam desaparecer) e as profissões de forte potencial de desenvolvimento, em função das diferentes agendas de investigação;

a identificação das capacidades em termos de desenvolvimento de competências: níveis de conhecimento, possibilidades de adaptação a novos conhecimentos, existência de nichos locais de aprendizagem e formação;

os empregos ligados à indústria reorientada e prospectiva.

Estes elementos entram na preparação de uma GPEC (4) territorial e não podem ficar limitados ao circuito fechado dos investigadores.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  COM(2009) 610 final.

(2)  COM(2002) 276 final.

(3)  JO C 318 de 23.12.2009, p. 6.

(4)  A Gestão Previsional dos Empregos e das Competências permite uma melhor antecipação da adaptação das competências aos empregos, um melhor controlo das consequências das mudanças tecnológicas e económicas, uma melhor síntese entre factores de competitividade, uma organização qualificadora e um desenvolvimento das competências dos assalariados, uma melhor gestão das carreiras, uma redução dos riscos e dos custos ligados aos desequilíbrios, melhor selecção e programação das acções de ajustamento necessário (origem www.wikipedia.org).


19.1.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 18/114


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às contribuições financeiras da União Europeia para o Fundo Internacional para a Irlanda (2007-2010)»

[COM(2010) 12 — 2010/0004 (COD)]

2011/C 18/21

Relator-geral: Michael SMYTH

Em 18 e 19 de Fevereiro de 2010, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, respectivamente, decidiram, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às contribuições financeiras da União Europeia para o Fundo Internacional para a Irlanda (2007-2010)

COM(2010) 12 – 2010/0004 (COD).

Em 16 de Fevereiro de 2010, a Mesa decidiu incumbir a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social da preparação dos correspondentes trabalhos.

Dada a urgência dos trabalhos, o Comité Económico e Social Europeu, na 462.a reunião plenária de 28 e 29 de Abril de 2010 (sessão de 29 de Abril), designou relator-geral Michael Smyth e adoptou, por 103 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1   O CESE nota que a proposta da Comissão relativa a um regulamento sobre as contribuições financeiras da União Europeia para o Fundo Internacional para a Irlanda (2007-2010) se baseia, agora, nos artigos 175. o e 352.o, n.o 1, do TFUE, cumprindo assim a decisão do Tribunal de Justiça Europeu de 3 de Setembro de 2009, constante do Acórdão C-166/07.

1.2   O CESE aprova a proposta acima mencionada.

2.   Justificação e recomendações

2.1   Em 1986, os Governos do Reino Unido e da Irlanda instituíram o Fundo Internacional para a Irlanda (doravante FII) para promover o progresso social e económico e fomentar a reconciliação entre nacionalistas e unionistas na ilha da Irlanda. A par dos EUA, do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia, a UE é um dos principais doadores dos 849 milhões de euros que já apoiaram mais de 5 700 projectos na Irlanda do Norte e nos condados fronteiriços da Irlanda ao longo de mais de 20 anos.

2.2   No seu parecer de iniciativa sobre O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte  (1), o CESE destacou a importância do FII, pelo que apoia agora a rápida rectificação da base jurídica em que assentam as contribuições financeiras da UE para o FII para o período 2007-2010, à luz do Acórdão C-166/07 do Tribunal de Justiça da UE.

Bruxelas, 29 de Abril de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 100 de 30.4.2009, p. 100, ponto 6.4.8.