DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

5 de maio de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais — Regulamento (CE) n.o 1393/2007 — Artigo 8.° — Informação ao destinatário, mediante o formulário constante do anexo II deste regulamento, sobre o seu direito de recusar a receção de um ato judicial que não esteja redigido ou não seja acompanhado de uma tradução numa língua que o destinatário compreenda ou na língua ou numa das línguas oficiais do Estado‑Membro requerido — Não utilização do formulário — Consequências»

No processo C‑346/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal da Relação do Porto (Portugal), por Decisão de 12 de abril de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de junho de 2021, no processo

ING Luxembourg SA

contra

VX,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: I. Ziemele, presidente de secção, T. von Danwitz e A. Kumin (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de se pronunciar por meio de despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho (JO 2007, L 324, p. 79).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a ING Luxembourg SA (a seguir «ING»), sociedade com sede no Luxemburgo, a VX, nacional portuguesa, a respeito, nomeadamente, de um pedido de indemnização dos danos pretensamente sofridos por VX na sequência de um investimento financeiro efetuado por intermédio da ING.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 6 a 8 e 12 do Regulamento n.° 1393/2007 enunciam:

«(6)      A eficácia e a celeridade nos processos judiciais no domínio civil impõe[m] que os atos judiciais e extrajudiciais sejam transmitidos diretamente e através de meios rápidos entre as entidades locais designadas pelos Estados‑Membros. [...]

(7)      A celeridade na transmissão justifica a utilização de todos os meios adequados, respeitando determinadas condições quanto à legibilidade e à fidelidade do ato recebido. A segurança da transmissão exige que o ato a transmitir seja acompanhado de um formulário, que deve ser preenchido na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde a citação ou notificação deva ter lugar ou noutra língua reconhecida pelo Estado‑Membro requerido.

(8)      O presente regulamento não é aplicável à citação ou notificação de um ato ao representante de uma das partes no Estado‑Membro onde decorre a ação, independentemente do local de residência da referida parte.

[...]

(12)      A entidade requerida deverá avisar o destinatário, por escrito, mediante o formulário, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana se este não estiver redigido numa língua que o destinatário compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação. Esta disposição deverá aplicar‑se igualmente à citação ou notificação ulterior, depois de o destinatário ter exercido o direito de recusa. [...] É conveniente estabelecer que a citação ou notificação de um ato recusado poderá ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário de uma tradução do ato.»

4        O artigo 2.° deste regulamento, sob a epígrafe «Entidades de origem e entidades requeridas», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Cada Estado‑Membro designa os funcionários, autoridades ou outras pessoas, adiante denominados “entidades de origem”, que terão competência para transmitir atos judiciais ou extrajudiciais para efeitos de citação ou notificação noutro Estado‑Membro.

2.      Cada Estado‑Membro designa os funcionários, autoridades ou outras pessoas, adiante denominados “entidades requeridas”, que terão competência para receber atos judiciais ou extrajudiciais provenientes de outro Estado‑Membro.»

5        O artigo 8.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Recusa de receção do ato», prevê, no seu n.° 1:

«A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:

a)      Uma língua que o destinatário compreenda; ou

b)      A língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.»

6        Nos termos do artigo 14.° do Regulamento n.° 1393/2007, sob a epígrafe «Citação ou notificação pelos serviços postais»:

«Os Estados‑Membros podem proceder diretamente pelos serviços postais à citação ou notificação de atos judiciais a pessoas que residam noutro Estado‑Membro, por carta registada com aviso de receção ou equivalente.»

7        O formulário, intitulado «Informação ao destinatário sobre o direito de recusar a receção do ato» e que consta do anexo II do Regulamento n.° 1393/2007, contém a seguinte menção dirigida ao destinatário do ato:

«Tem a possibilidade de recusar a receção do ato se este não estiver redigido, ou acompanhado de uma tradução, numa língua que compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local da citação ou notificação.

Se desejar exercer esse direito, deve recusar o ato no momento da citação ou notificação, diretamente junto da pessoa que a ela procede, ou devolvê‑lo ao endereço seguidamente indicado, no prazo de uma semana, declarando que recusa aceitá‑lo.»

8        Este formulário contém igualmente uma «declaração do destinatário», que este é convidado a assinar caso recuse a receção do ato e que tem a seguinte redação:

«Eu, abaixo assinado(a), recuso aceitar o ato em anexo porque o mesmo não está redigido nem acompanhado de uma tradução numa língua que eu compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação.»

9        Por último, o referido formulário prevê que, nesse caso, o destinatário deve indicar a língua ou as línguas que compreende de entre as línguas oficiais da União.

 Direito português

10      Em conformidade com o artigo 191.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, é nula a citação quando não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei.

11      Resulta do artigo 191.°, n.° 2, deste código que a arguição da nulidade da citação deve ser feita num prazo determinado que corresponde ao prazo indicado para a contestação.

12      Segundo os artigos 195.° e seguintes do referido código, a omissão de um ato previsto na lei com influência no exame e na decisão da causa consubstancia uma nulidade processual e, por conseguinte, a nulidade de todo o processado subsequente.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Resulta da decisão de reenvio que VX celebrou com a ING, enquanto intermediária financeira, uma ordem de subscrição no montante de 54 000,006 euros.

14      Posteriormente, VX intentou uma ação no tribunal cível de primeira instância português pedindo a condenação da ING no pagamento de uma indemnização no montante de 54 000 euros, acrescida de juros de mora. Esse tribunal ordenou a tradução, para francês, da petição inicial e dos documentos juntos com a mesma e, em 11 de fevereiro de 2019, procedeu à citação da ING, por carta registada, notificando‑lhe a petição inicial e os referidos documentos juntos, acompanhados das respetivas traduções, sem, contudo, juntar a esta citação o formulário constante do anexo II do Regulamento n.° 1393/2007. A ING não apresentou contestação.

15      Após ter declarado, por Despacho de 24 de junho de 2019 proferido à revelia, que os factos articulados na petição inicial tinham sido considerados provados, o tribunal de primeira instância, por Despacho de 9 de setembro de 2019, julgou procedente o pedido de VX e condenou a ING a pagar‑lhe o montante pedido, acrescido de juros de mora. O original desse despacho em língua portuguesa e, posteriormente, a pedido da ING, a sua tradução em língua francesa foram notificados a esta sociedade, sem, contudo, ter sido utilizado o formulário mencionado no número anterior.

16      Em 25 de outubro de 2019, a ING apresentou ao tribunal de primeira instância um requerimento com o objetivo de obter a declaração de inexistência ou nulidade da citação da petição inicial e nulidade da notificação do Despacho de 9 de setembro de 2019.

17      Mediante Despacho de 2 de julho de 2020, o referido tribunal indeferiu esse requerimento, por considerar, em substância, que a citação da petição inicial e a notificação do Despacho de 9 de setembro de 2019 tinham sido efetuadas em conformidade com as disposições do Regulamento n.° 1393/2007, posto que os atos jurídicos transmitidos por essa via à ING, redigidos em português, foram acompanhados de uma tradução em língua francesa. Com efeito, uma vez que esta última língua é compreendida pela ING e constitui uma das línguas oficiais do Grão‑Ducado do Luxemburgo, Estado‑Membro onde a ING tem a sua sede, era desnecessário enviar‑lhe o formulário constante do anexo II deste regulamento.

18      A ING interpôs recurso desse despacho para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que nem a citação nem a notificação foram acompanhadas do formulário constante do anexo II do referido regulamento, apesar de este último não prever nenhuma exceção à utilização desse formulário. A ING sustenta que, por este motivo, não foi corretamente informada do seu direito de recusar a receção dos atos jurídicos em questão ao abrigo do artigo 8.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Esta sociedade considera que essa omissão consubstancia não só a preterição de uma formalidade essencial que gera a inexistência ou, no mínimo, a nulidade da referida citação, bem como a nulidade da referida notificação, mas também uma violação dos seus direitos de defesa. Por outro lado, a referida sociedade entende que a possibilidade de arguir a nulidade da citação não pode estar dependente de prazo.

19      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, importa, por conseguinte, aferir se a citação e a notificação de uma decisão judicial têm necessariamente, em todas as circunstâncias, de ser acompanhadas do referido formulário, sob pena de violação do Regulamento n.° 1393/2007, e se, sendo caso disso, a arguição da nulidade da citação em causa pode ou não estar dependente de prazo.

20      Nestas circunstâncias, o Tribunal da Relação do Porto (Portugal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode o artigo 8.° do Regulamento [n.o 1393/2007] ser interpretado no sentido de ser considerada válida, nos termos e circunstâncias do presente processo, a citação por carta registada de sociedade com sede num outro Estado‑Membro sem a utilização do formulário constante do [a]nexo II do Regulamento n.° 1393/2007?

2)      Podem o Regulamento [n.o 1393/2007] e os princípios de direito da União que lhe estão subjacentes ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação do disposto no n.° 2 do artigo 191.° do Código de Processo Civil Português, ao caso em apreço, na medida em que esta disposição prevê que a invocação da nulidade da citação deve ser realizada dentro de um prazo determinado (o que tiver sido indicado para a contestação)?»

 Quanto às questões prejudiciais

21      Nos termos do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, nomeadamente quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida não suscite nenhuma dúvida razoável, decidir, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

22      Há que aplicar esta disposição ao presente processo.

 Quanto à primeira questão

23      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que exige que o destinatário de um ato judicial objeto de citação ou notificação noutro Estado‑Membro seja informado, através do formulário constante do anexo II desse regulamento, do seu direito de recusar a receção desse ato, incluindo se este estiver redigido ou for acompanhado de uma tradução numa língua que esse destinatário compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.

24      A este respeito, importa recordar que o referido regulamento prevê expressamente, no seu artigo 8.°, n.° 1, a faculdade de o destinatário do ato objeto de citação ou notificação recusar a sua receção se o ato não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa língua que ele compreenda ou na língua ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.

25      Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou, em várias ocasiões, que esta faculdade de recusar receber o ato objeto de citação ou notificação constitui um direito do destinatário desse ato (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Catlin Europe, C‑21/17, EU:C:2018:675, n.° 32 e jurisprudência aí referida).

26      Como o Tribunal de Justiça também já sublinhou, o direito de recusar a receção de um ato objeto de citação ou notificação decorre da necessidade de proteger os direitos de defesa do destinatário desse ato, de acordo com as exigências de um processo equitativo, consagrado no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, segundo as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), corresponde ao artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950. Com efeito, embora o Regulamento n.° 1393/2007 se destine, essencialmente, a melhorar a eficácia e a celeridade dos processos judiciais, bem como a assegurar a boa administração da justiça, estabelecendo o princípio da transmissão direta dos atos judiciais e extrajudiciais entre os Estados‑Membros, objetivos que são recordados nos considerandos 6 a 8 deste regulamento, estes objetivos não podem ser alcançados à custa de um enfraquecimento, seja de que maneira for, do respeito efetivo dos direitos de defesa dos destinatários dos atos em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 30 e 31, e de 6 de setembro de 2018, Catlin Europe, C‑21/17, EU:C:2018:675, n.° 33).

27      Por conseguinte, importa providenciar no sentido de que o destinatário do ato não só o receba realmente, mas também possa conhecer e compreender, de forma efetiva e completa, o sentido e o alcance da ação proposta contra ele no estrangeiro, para poder preparar utilmente a sua defesa e fazer valer os seus direitos no Estado‑Membro de origem (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Catlin Europe, C‑21/17, EU:C:2018:675, n.° 34 e jurisprudência aí referida).

28      Nesta perspetiva, cabe assim interpretar o referido regulamento de maneira a garantir, em cada caso concreto, um justo equilíbrio entre os interesses do demandante e do demandado, destinatário do ato, conciliando os objetivos da eficácia e da celeridade da transmissão dos atos processuais com a exigência de assegurar a proteção adequada dos direitos de defesa do destinatário desses atos (Acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.° 33 e jurisprudência aí referida).

29      O artigo 8.°, n.° 1, do mesmo regulamento inclui dois enunciados, é certo que ligados, mas, não obstante, distintos, a saber, por um lado, o direito substantivo do destinatário do ato de recusar recebê‑lo pelo mero facto de não estar redigido ou não ser acompanhado de tradução numa língua que é suposto conhecer e, por outro, a informação formal da existência desse direito levada ao seu conhecimento pela entidade requerida. Por outras palavras, o requisito relativo ao regime linguístico do ato prende‑se não com a informação do destinatário pela entidade requerida mas, tão‑só, com o direito de recusa reservado a este último (Acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.° 51 e jurisprudência referida).

30      Nestas condições, embora a recusa per se esteja claramente condicionada, no sentido de que o destinatário do ato só pode validamente usá‑la quando esse ato não esteja redigido ou traduzido numa das línguas previstas nessa disposição, não obstante, para que esse direito de recusa possa produzir utilmente os seus efeitos, é necessário que esse destinatário tenha sido devidamente informado, previamente e por escrito, da existência do referido direito (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 53 e 54).

31      No sistema instituído pelo Regulamento n.° 1393/2007, esta informação é‑lhe comunicada através do formulário constante do seu anexo II (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Catlin Europe, C‑21/17, EU:C:2018:675, n.° 36 e jurisprudência aí referida).

32      No que respeita ao alcance que há que reconhecer a esse formulário, o Tribunal de Justiça já declarou que o Regulamento n.° 1393/2007 não prevê exceções à sua utilização (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Catlin Europe, C‑21/17, EU:C:2018:675, n.° 37 e jurisprudência aí referida).

33      Assim, esta interpretação permite simultaneamente garantir a transparência, possibilitando ao destinatário do ato o conhecimento do conteúdo dos seus direitos, e uma aplicação uniforme do referido regulamento, sem provocar atrasos na transmissão desse ato, contribuindo, pelo contrário, para a simplificar e facilitar (Acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.° 57).

34      Por conseguinte, há que considerar que a entidade requerida está obrigada, em qualquer circunstância e sem margem de apreciação a este respeito, a informar o destinatário de um ato do seu direito de recusar a receção desse ato, utilizando sistematicamente para o efeito o referido formulário (Acórdão de 2 de março de 2017, Henderson, C‑354/15, EU:C:2017:157, n.° 56 e jurisprudência aí referida).

35      A este respeito, o caráter obrigatório e sistemático da utilização do formulário constante do anexo II do Regulamento n.° 1393/2007 aplica‑se igualmente a citações ou notificações pelos serviços postais, nos termos do artigo 14.° deste regulamento, como a citação e a notificação em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2017, Henderson, C‑354/15, EU:C:2017:157, n.os 60 e 61).

36      Na medida em que decorre da jurisprudência mencionada nos n.os 34 e 35 do presente despacho que não está prevista nenhuma exceção à utilização desse formulário, o destinatário do ato objeto de citação ou notificação noutro Estado‑Membro deve ser informado, através do dito formulário, do seu direito de recusar a receção desse ato nas condições previstas nessa disposição, mesmo que o referido ato esteja redigido ou seja acompanhado de uma tradução numa das línguas previstas no artigo 8.°, n.° 1, daquele regulamento.

37      Com efeito, como foi recordado no n.° 29 do presente despacho, esta disposição inclui dois enunciados distintos, a saber, por um lado, o direito substantivo do destinatário do ato de recusar recebê‑lo e, por outro, a informação formal da existência desse direito, pelo que o facto de as condições para exercer o referido direito de recusa não estarem preenchidas, nomeadamente quando o ato objeto de citação ou notificação esteja redigido numa língua que esse destinatário compreenda, não é relevante para apreciar se o formulário que consta do anexo II do Regulamento n.° 1393/2007 foi utilizado em conformidade com a referida disposição.

38      Esta interpretação é concordante com os objetivos prosseguidos por esse regulamento, conforme resulta do n.° 26 do presente despacho.

39      Por outro lado, por força do considerando 12 do referido regulamento, esse formulário deve ser utilizado, incluindo no momento da citação e da notificação efetuadas depois de o destinatário ter exercido o seu direito de recusa e, como tal, numa situação em que esteja provado que teve conhecimento da existência desse direito. Consequentemente, a utilização do dito formulário impõe‑se sobretudo numa situação em que não está provado que esse destinatário tem conhecimento do referido direito.

40      Nestas condições, há que responder à primeira questão que o artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que exige que o destinatário de um ato judicial objeto de citação ou notificação noutro Estado‑Membro seja informado, em qualquer circunstância, através do formulário constante do anexo II deste regulamento, do seu direito de recusar a receção desse ato, incluindo se este estiver redigido ou for acompanhado de uma tradução numa língua que esse destinatário compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.

 Quanto à segunda questão

41      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se o Regulamento n.° 1393/2007 se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que a nulidade da citação de um ato judicial noutro Estado‑Membro só pode ser invocada dentro de um prazo determinado, no caso de a citação ter sido efetuada sem que o destinatário desse ato tenha sido informado, através do formulário constante do anexo II deste regulamento, do seu direito de recusar a receção do referido ato quando este não esteja redigido ou não seja acompanhado de uma tradução numa das línguas indicadas no artigo 8.°, n.° 1, do referido regulamento.

42      A este respeito, é jurisprudência constante que a omissão de juntar esse formulário não pode gerar a nulidade do ato objeto de citação ou notificação nem do procedimento de notificação, uma vez que essa consequência seria incompatível com o objetivo prosseguido por esse regulamento, que consiste em prever um meio de transmissão direto, rápido e eficaz, entre os Estados‑Membros, dos atos em matéria civil e comercial (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Catlin Europe, C‑21/17, EU:C:2018:675, n.° 49 e jurisprudência aí referida).

43      No entanto, uma vez que a comunicação do referido formulário constitui uma formalidade essencial destinada a garantir os direitos de defesa do destinatário do ato, a sua omissão deve ser regularizada em conformidade com as disposições do Regulamento n.° 1393/2007. Incumbe assim à autoridade responsável pela citação ou notificação informar imediatamente o destinatário do ato do seu direito de recusar a respetiva receção, transmitindo‑lhe, nos termos do artigo 8.°, n.° 1, desse regulamento, esse formulário (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Catlin Europe, C‑21/17, EU:C:2018:675, n.° 50 e jurisprudência aí referida).

44      Uma regulamentação nacional que prevê a nulidade da citação como consequência da omissão do formulário constante do anexo II do Regulamento n.° 1393/2007 afigura‑se, por conseguinte, incompatível com o sistema instituído por este regulamento e com a finalidade que ele prossegue, ainda que esteja igualmente previsto por essa regulamentação nacional que esta nulidade só pode ser arguida pelo destinatário do ato num prazo determinado (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2017, Henderson, C‑354/15, EU:C:2017:157, n.os 62 e 63).

45      Além disso, não se podem validamente retirar consequências da circunstância de o destinatário do ato não ter contestado essa omissão num prazo determinado, uma vez que não se pode ter a certeza, precisamente devido à falta desse formulário, de que o interessado teve efetivamente conhecimento do seu direito de recusar a citação ou notificação (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2017, Henderson, C‑354/15, EU:C:2017:157, n.o 64).

46      Por conseguinte, a falta de informação resultante dessa omissão apenas pode ser validamente sanada pela entrega, sem demora e nos termos das disposições do Regulamento n.° 1393/2007, do formulário constante do seu anexo II (Acórdão de 2 de março de 2017, Henderson, C‑354/15, EU:C:2017:157, n.o 65).

47      Assim, uma regulamentação nacional como a que está em causa, prevista no artigo 191.°, n.° 1, do referido código, não é compatível com o Regulamento n.° 1393/2007, uma vez que decorre dessa disposição que a citação de um ato judicial noutro Estado‑Membro é nula quando seja efetuada sem que o formulário constante do anexo II desse regulamento seja utilizado e, por conseguinte, em violação do artigo 8.°, n.° 1, do mesmo regulamento, como resulta do n.° 40 do presente despacho. A este respeito, o facto de o artigo 191.°, n.° 2, desse código dispor que a arguição da nulidade deve ser feita num prazo determinado não é relevante.

48      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê a nulidade da citação de um ato judicial noutro Estado‑Membro no caso de esta ter sido efetuada sem que o destinatário desse ato tenha sido informado, através do formulário constante do anexo II desse regulamento, do seu direito de recusar a receção do referido ato quando este não esteja redigido ou não seja acompanhado de uma tradução numa das línguas indicadas no artigo 8.°, n.° 1, do referido regulamento, e isto independentemente da questão de saber se essa regulamentação nacional fixa ou não um prazo determinado para que esse destinatário possa invocar tal nulidade.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

1)      O artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos EstadosMembros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que exige que o destinatário de um ato judicial objeto de citação ou notificação noutro EstadoMembro seja informado, em qualquer circunstância, através do formulário constante do anexo II deste regulamento, do seu direito de recusar a receção desse ato, incluindo se este estiver redigido ou for acompanhado de uma tradução numa língua que esse destinatário compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.

2)      O Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê a nulidade da citação de um ato judicial noutro EstadoMembro no caso de esta ter sido efetuada sem que o destinatário desse ato tenha sido informado, através do formulário constante do anexo II desse regulamento, do seu direito de recusar a receção do referido ato quando este não esteja redigido ou não seja acompanhado de uma tradução numa das línguas indicadas no artigo 8.°, n.° 1, do referido regulamento, e isto independentemente da questão de saber se essa regulamentação nacional fixa ou não um prazo determinado para que esse destinatário possa invocar tal nulidade.

Assinaturas


*      Língua do processo: português.