ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

15 de setembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Produtos cosméticos — Regulamento (CE) n.o 1223/2009 — Artigo 27.o — Cláusula de salvaguarda — Artigo 27.o, n.o 1 — Âmbito de aplicação — Medidas nacionais provisórias de salvaguarda — Medida geral — Aplicação a uma categoria de produtos cosméticos que contenham a mesma substância — Medida individual — Aplicação a um produto cosmético identificado — Medida provisória nacional que impõe a inclusão de determinadas indicações na rotulagem dos produtos cosméticos que contenham fenoxietanol»

No processo C‑4/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por Decisão de 23 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de janeiro de 2021, no processo

Fédération des entreprises de la beauté

contra

Agence nationale de sécurité du médicament et des produits de santé, (ANSM)

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, J. Passer, F. Biltgen, N. Wahl (relator) e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de janeiro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Fédération des entreprises de la beauté, por A. Bost e M. Ragot, avocats,

em representação do Governo francês, por G. Bain e T. Stéhelin, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por V. Karra, I. Kotsoni e O. Patsopoulou, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por E. Sanfrutos Cano e F. Thiran, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 27.o, do Regulamento (CE) n.o 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos (JO 2009, L 342, p. 59).

2

Esse pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Fédération des entreprises de la beauté (Federação de empresas da indústria cosmética; a seguir «FEBEA») à Agence nationale de sécurité du médicament et des produits de santé (Agência Nacional para a Segurança dos Medicamentos; ANSM) a respeito do pedido de anulação da decisão dessa última que impõe a inclusão de determinadas indicações na rotulagem dos produtos cosméticos que contenham fenoxietanol.

Quadro jurídico

3

Nos termos dos considerandos 3, 4, 16, 17 e 58 do Regulamento n.o 1223/2009:

«(3)

O presente regulamento tem por objetivo simplificar os procedimentos e racionalizar a terminologia, reduzindo assim os encargos administrativos e as ambiguidades. Além disso, reforça determinados elementos do quadro regulamentar aplicável aos cosméticos, tais como o controlo no mercado, tendo em vista assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana.

(4)

O presente regulamento harmoniza de forma exaustiva as normas aplicáveis na Comunidade [Europeia] a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana.

[…]

(16)

A fim de garantir a segurança dos produtos cosméticos colocados no mercado, estes deverão ser produzidos segundo boas práticas de fabrico.

(17)

Para assegurar uma supervisão do mercado eficaz, deverá existir um ficheiro de informações sobre o produto, num endereço único para toda a Comunidade, prontamente acessível à autoridade competente do Estado‑Membro onde o ficheiro se encontra.

[…]

(58)

A fim de contemplar os produtos cosméticos que, embora cumpram o disposto no presente regulamento, possam comprometer a saúde humana, deverá introduzir‑se um procedimento de salvaguarda.»

4

O artigo 1.o desse regulamento dispõe:

«O presente regulamento estabelece as normas que os produtos cosméticos disponíveis no mercado devem cumprir a fim de garantir o funcionamento do mercado interno e um elevado nível de proteção da saúde humana.»

5

O artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) a c), do referido regulamento enuncia as seguintes definições:

«a)

“Produto cosmético”, qualquer substância ou mistura destinada a ser posta em contacto com as partes externas do corpo humano (epiderme, sistemas piloso e capilar, unhas, lábios e órgãos genitais externos) ou com os dentes e as mucosas bucais, tendo em vista, exclusiva ou principalmente, limpá‑los, perfumá‑los, modificar‑lhes o aspeto, protegê‑los, mantê‑los em bom estado ou corrigir os odores corporais;

b)

“Substância”, um elemento químico e os seus compostos, no estado natural ou obtidos por qualquer processo de fabrico, incluindo todos os aditivos necessários para preservar a sua estabilidade e todas as impurezas derivadas do processo utilizado, mas excluindo todos os solventes que possam ser separados sem afetar a estabilidade da substância nem alterar a sua composição;

c)

“Mistura”, uma mistura ou solução composta por duas ou mais substâncias.»

6

O artigo 4.o desse mesmo regulamento, sob a epígrafe «Pessoa responsável», tem a seguinte redação:

«1.   Só podem ser colocados no mercado produtos cosméticos para os quais seja designada uma pessoa singular ou coletiva como responsável na Comunidade.

2.   Para cada produto cosmético colocado no mercado, a pessoa responsável garante o cumprimento das obrigações aplicáveis previstas no presente regulamento.

[…]»

7

O artigo 5.o do Regulamento n.o 1223/2009, sob a epígrafe «Obrigações das pessoas responsáveis», prevê:

«1.   As pessoas responsáveis devem assegurar o cumprimento dos artigos 3.o, 8.o, 10.o, 11.o, 12.o, 13.o, 14.o, 15.o, 16.o, 17.o e 18.o, dos n.os 1, 2 e 5 do artigo 19.o e dos artigos 20.o, 21.o, 23.o e 24.o

2.   As pessoas responsáveis que considerem ou tenham motivos para crer que determinado produto cosmético que colocaram no mercado não está conforme com o presente regulamento devem tomar as medidas corretivas necessárias para assegurar a conformidade do produto, para o retirar ou para o recolher, consoante o caso.

Além disso, se o produto cosmético apresentar riscos para a saúde humana, as pessoas responsáveis devem informar imediatamente desse facto as autoridades nacionais competentes dos Estados‑Membros em que disponibilizaram o produto e do Estado‑Membro em que o ficheiro de informações do produto está disponível, fornecendo‑lhes as informações relevantes, sobretudo no que se refere à não conformidade e às medidas corretivas adotadas.

3.   As pessoas responsáveis devem cooperar com as referidas autoridades, a pedido destas, em qualquer ação para eliminar os riscos decorrentes de produtos cosméticos que tenham disponibilizado no mercado. Em especial, as pessoas responsáveis devem facultar à autoridade nacional competente, a pedido desta e numa língua que esta possa compreender facilmente, toda a informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade de aspetos específicos do produto.»

8

O artigo 6.o desse regulamento contém regras que regem as obrigações dos distribuidores.

9

O artigo 8.o do referido regulamento prevê regras em matéria de boas práticas de fabrico.

10

Nos termos do artigo 9.o desse mesmo regulamento, sob a epígrafe «Livre circulação»:

«Os Estados‑Membros não podem, por razões relacionadas com os requisitos previstos no presente regulamento, recusar, proibir ou restringir a disponibilização no mercado de produtos cosméticos que cumpram os requisitos do presente regulamento.»

11

O artigo 11.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Ficheiro de informação sobre o produto», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   Quando um produto cosmético é colocado no mercado, a pessoa responsável deve conservar um ficheiro de informação sobre o produto. O ficheiro de informações sobre o produto deve ser conservado por um período de 10 anos a contar da data em que o último lote do produto cosmético tenha sido colocado no mercado.

2.   O ficheiro de informações sobre o produto deve conter os seguintes dados e informações, que devem ser atualizados sempre que necessário:

a)

Uma descrição do produto cosmético que permita estabelecer uma associação clara entre o ficheiro de informações sobre o produto e o produto cosmético a que diz respeito;

b)

O relatório de segurança do produto cosmético a que se refere o n.o 1 do artigo 10.o;

c)

Uma descrição do processo de fabrico e uma declaração de conformidade com as boas práticas de fabrico a que se refere o artigo 8.o;

d)

Sempre que a natureza ou o efeito do produto cosmético o justifiquem, provas dos efeitos alegados para o produto cosmético;

e)

Dados relativos aos ensaios em animais realizados pelo fabricante, pelos seus agentes ou pelos seus fornecedores, relacionados com o desenvolvimento ou a avaliação da segurança do produto cosmético ou dos seus ingredientes, incluindo todos os ensaios em animais efetuados para cumprimento de requisitos legais ou regulamentares de países terceiros.

3.   A pessoa responsável deve garantir que o ficheiro de informações sobre o produto, em formato eletrónico ou outro, seja facilmente acessível à autoridade competente do Estado‑Membro onde o ficheiro se encontra, no seu endereço indicado no rótulo.

As informações referidas no ficheiro de informações sobre o produto devem estar disponíveis numa língua facilmente compreensível para as autoridades competentes do Estado‑Membro.»

12

O artigo 13.o do Regulamento n.o 1223/2009, sob a epígrafe «Notificação», enuncia, nos seus n.os 1 a 5 e 7:

«1.   Antes da colocação de um produto cosmético no mercado, a pessoa responsável deve transmitir à Comissão [Europeia], por via eletrónica, as seguintes informações:

a)

A categoria a que pertence o produto cosmético e a sua designação ou designações, que permitam a sua identificação específica;

b)

O nome e o endereço da pessoa responsável onde o ficheiro de informações sobre o produto se encontra disponível;

c)

O país de origem em caso de importação;

d)

O Estado‑Membro em que se prevê a colocação do produto cosmético no mercado;

e)

As coordenadas de uma pessoa singular a contactar em caso de necessidade;

f)

A presença de substâncias sob a forma de nanomateriais e:

i)

a respetiva identificação, incluindo a denominação química (IUPAC) e outros descritores especificados no ponto 2 do preâmbulo aos anexos II a VI do presente regulamento,

ii)

as condições de exposição razoavelmente previsíveis;

g)

A denominação e o número CAS (Serviço de Resumos de Química) ou o número CE das substâncias classificadas como cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução (CMR), pertencentes às categorias 1A ou 1B, os termos da Parte 3 do anexo VI do Regulamento (CE) n.o 1272/2008 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas, que altera e revoga as Diretivas 67/548/CEE e 1999/45/CE e altera o Regulamento (CE) n.o 1907/2006 (JO 2008, L 353, p. 1)];

h)

A formulação‑quadro que possibilite a prestação de um tratamento médico rápido e adequado em caso de dificuldades.

O primeiro parágrafo aplica‑se igualmente aos produtos cosméticos que foram notificados nos termos da Diretiva 76/768/CEE [do Conselho, de 27 de julho de 1976, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO 1976, L 262, p. 169)].

2.   Quando da colocação do produto cosmético no mercado, a pessoa responsável deve notificar a Comissão da rotulagem original e facultar, se razoavelmente legível, uma fotografia da embalagem correspondente.

3.   A partir de 11 de julho de 2013, o distribuidor que disponibilize num Estado‑Membro um produto cosmético já colocado no mercado noutro Estado‑Membro e que traduza, por sua própria iniciativa, um elemento constante da rotulagem desse produto a fim de cumprir a lei nacional, deve transmitir à Comissão, por via eletrónica, as seguintes informações:

a)

A categoria do produto cosmético, a sua designação no Estado‑Membro de expedição e a sua designação no Estado‑Membro em que é disponibilizado, a fim de permitir a sua identificação específica;

b)

O Estado‑Membro em que o produto cosmético é disponibilizado;

c)

O seu nome e endereço;

d)

O nome e o endereço da pessoa responsável onde o ficheiro de informações sobre o produto se encontra disponível;

4.   Se um produto cosmético tiver sido colocado no mercado antes de 11 de julho de 2013, mas deixe de estar no mercado após essa data, e um distribuidor introduzir esse produto num Estado‑Membro após essa data, esse distribuidor deve comunicar à pessoa responsável as seguintes informações:

a)

A categoria do produto cosmético, a sua designação no Estado‑Membro de expedição e a sua designação no Estado‑Membro em que é disponibilizado, a fim de permitir a sua identificação específica;

b)

O Estado‑Membro em que o produto cosmético é disponibilizado;

c)

O seu nome e endereço.

Com base nessa comunicação, a pessoa responsável transmite à Comissão, por via eletrónica, as informações referidas no n.o 1 do presente artigo, sempre que as notificações previstas no n.o 3 do artigo 7.o e no n.o 4 do artigo 7.o‑A da Diretiva 76/768/CEE não tenham sido efetuadas no Estado‑Membro em que o produto cosmético é disponibilizado.

5.   A Comissão deve disponibilizar imediatamente, por via eletrónica, a todas as autoridades competentes as informações referidas nas alíneas a) a g) do n.o 1 e nos n.os 2 e 3.

As autoridades competentes só podem usar essas informações para efeitos de fiscalização do mercado, de análise de mercado, de avaliação e de informação dos consumidores no âmbito dos artigos 25.o, 26.o e 27.o

[…]

7.   Sempre que se verificar uma alteração nas informações referidas nos n.os 1, 3 e 4, a pessoa responsável ou o distribuidor devem apresentar imediatamente uma atualização.»

13

O artigo 14.o desse regulamento, sob a epígrafe «Restrições aplicáveis às substâncias enumeradas nos anexos», prevê no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 3.o, os produtos cosméticos não podem conter:

a)

Substâncias proibidas

substâncias proibidas enumeradas no anexo II;

b)

Substâncias sujeitas a restrições

substâncias sujeitas a restrições que não sejam usadas de acordo com as restrições estabelecidas no anexo III;

c)

Corantes

i)

corantes que não constem do anexo IV e corantes que constem desse anexo mas não sejam usados de acordo com as condições nele estabelecidas, com exceção dos produtos para a coloração do sistema capilar referidos no n.o 2,

ii)

sem prejuízo do disposto na alínea b), na subalínea i) da alínea d) e na subalínea i) da alínea e), substâncias enumeradas no anexo IV que não se destinem a ser usadas como corantes e não sejam usadas de acordo com as condições estabelecidas nesse anexo;

d)

Conservantes

i)

conservantes que não constem do anexo V e conservantes que constem desse anexo mas não sejam usados de acordo com as condições nele estabelecidas,

ii)

sem prejuízo do disposto na alínea b), na subalínea i) da alínea c) e na subalínea i) da alínea e), substâncias enumeradas no anexo V que não se destinem a ser usadas como conservantes e não sejam usadas de acordo com as condições estabelecidas nesse anexo;

e)

Filtros para radiações ultravioletas

i)

filtros para radiações ultravioletas que não constem do anexo VI e filtros para radiações ultravioletas que constem desse anexo mas não sejam usados de acordo com as condições nele estabelecidas,

ii)

Sem prejuízo do disposto na alínea b), na subalínea i) da alínea c) e na subalínea i) da alínea d), substâncias enumeradas no anexo VI que não se destinem a ser usadas como filtros para radiações ultravioletas e não sejam usadas de acordo com as condições estabelecidas nesse anexo.»

14

O artigo 22.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Controlo no mercado», dispõe, no seu primeiro parágrafo:

«Os Estados‑Membros devem fiscalizar o cumprimento do disposto no presente regulamento através da realização de controlos no mercado dos produtos cosméticos nele disponibilizados. Devem efetuar verificações adequadas de produtos cosméticos e dos operadores económicos a uma escala adequada, através do ficheiro de informações sobre o produto e, se for caso disso, de verificações físicas e laboratoriais com base em amostras adequadas.»

15

O artigo 24.o desse mesmo regulamento, sob a epígrafe «Informação sobre as substâncias», tem a seguinte redação:

«Em caso de sérias dúvidas quanto à segurança de uma substância presente em produtos cosméticos, a autoridade competente do Estado‑Membro em que um produto que contenha a referida substância é disponibilizado no mercado pode, mediante pedido fundamentado, solicitar à pessoa responsável que apresente uma lista de todos os produtos cosméticos pelos quais é responsável e que contenham a substância em causa. Essa lista deve indicar a concentração da substância nos produtos cosméticos.

As autoridades competentes podem usar as informações referidas no presente artigo para efeitos de fiscalização do mercado, de análise do mercado, de avaliação e de informação dos consumidores no âmbito dos artigos 25.o, 26.o e 27.o»

16

Nos termos do artigo 25.o do Regulamento n.o 1223/2009, sob a epígrafe «Incumprimento por parte da pessoa responsável»:

«1.   Sem prejuízo do n.o 4, as autoridades competentes devem exigir que a pessoa responsável tome todas as medidas adequadas, nomeadamente ações corretivas que tornem o produto cosmético conforme, a sua retirada do mercado ou a sua recolha, dentro de um prazo expressamente previsto, em função da natureza do risco, sempre que se verificar o incumprimento de um dos seguintes requisitos:

a)

As boas práticas de fabrico a que se refere o artigo 8.o;

b)

A avaliação de segurança a que se refere o artigo 10.o;

c)

Os requisitos relativos ao ficheiro de informações sobre o produto a que se refere o artigo 11.o;

d)

As disposições relativas à amostragem e às análises a que se refere o artigo 12.o;

e)

Os requisitos de notificação a que se referem os artigos 13.o e 16.o;

f)

As restrições aplicáveis às substâncias a que se referem os artigos 14.o, 15.o e 17.o;

g)

Os requisitos relativos aos ensaios em animais a que se refere o artigo 18.o;

h)

Os requisitos relativos à rotulagem a que se referem os n.os 1, 2, 5 e 6 do artigo 19.o;

i)

Os requisitos relativos às alegações sobre o produto a que se refere o artigo 20.o;

j)

O acesso do público às informações a que se refere o artigo 21.o;

k)

A comunicação de efeitos indesejáveis graves a que se refere o artigo 23.o;

l)

Os requisitos de informação sobre as substâncias a que se refere o artigo 24.o

[…]

3.   A pessoa responsável deve garantir que as medidas referidas no n.o 1 sejam tomadas relativamente a todos os produtos em causa disponibilizados no mercado ao nível da Comunidade.

[…]»

17

O artigo 26.o desse regulamento, sob a epígrafe «Incumprimento por parte dos distribuidores», enuncia:

«As autoridades competentes devem exigir que os distribuidores tomem todas as medidas adequadas, nomeadamente ações corretivas que tornem o produto cosmético conforme, a sua retirada do mercado ou a sua recolha, dentro de um prazo razoável, em função da natureza do risco, sempre que se verificar o incumprimento das obrigações previstas no artigo 6.o»

18

O artigo 27.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Cláusula de salvaguarda», prevê:

«1.   No caso dos produtos que cumprem os requisitos enunciados no n.o 1 do artigo 25.o, sempre que uma autoridade competente verificar, ou tenha motivos razoáveis para recear que um ou vários produtos cosméticos disponibilizados no mercado apresentem ou possam apresentar um risco grave para a saúde humana, deve tomar todas as medidas provisórias apropriadas para garantir que o referido produto ou produtos em causa sejam retirados, recolhidos ou que a sua disponibilidade seja limitada de outro modo.

2.   A autoridade competente deve comunicar imediatamente à Comissão e às autoridades competentes dos demais Estados‑Membros as medidas tomadas e todas as informações que lhes serviram de base. Para efeitos da aplicação do primeiro parágrafo, deve usar‑se o sistema de troca rápida de informação previsto no n.o 1, do artigo 12.o, da Diretiva 2001/95/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de dezembro de 2001, relativa à segurança geral dos produtos (JO 2002, L 11, p. 4)].

São aplicáveis os n.os 2, 3 e 4 do artigo 12.o da Diretiva 2001/95/CE.

3.   A Comissão determina, logo que possível, se as medidas provisórias referidas no n.o 1 são ou não justificadas. Para o efeito, consulta, sempre que possível, os interessados, os Estados‑Membros e o Comité Científico da Segurança dos Consumidores [CCSC].

4.   Se as medidas provisórias forem justificadas, aplica‑se o disposto no n.o 1 do artigo 31.o

5.   Se as medidas provisórias não forem justificadas, a Comissão informa desse facto os Estados‑Membros, e a autoridade competente em causa deve revogar essas medidas.»

19

O artigo 28.o do Regulamento n.o 1223/2009, sob a epígrafe «Boas práticas administrativas», dispõe:

«1.   Qualquer decisão tomada nos termos dos artigos 25.o e 27.o deve expor os motivos exatos em que se baseia. A pessoa responsável é notificada dessa decisão pela autoridade competente no mais breve prazo, com a indicação das vias de recurso abertas pela legislação do Estado‑Membro em causa e do prazo no qual estes recursos podem ser interpostos.

2.   A pessoa responsável deve ter a oportunidade de apresentar o seu ponto de vista antes da tomada de qualquer decisão, com exceção dos casos em que, por motivo de risco grave para a saúde humana, seja necessário atuar com caráter imediato.

3.   Caso se justifique, as disposições referidas nos n.os 1 e 2 são aplicáveis, no que diz respeito ao distribuidor, a toda e qualquer decisão tomada nos termos dos artigos 26.o e 27.o»

20

Os artigos 29.o e 30.o desse regulamento constituem o seu capítulo IX relativo à cooperação administrativa e instituem, respetivamente, uma cooperação entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros, bem como com a Comissão e uma cooperação em matéria de verificação do ficheiro de informações sobre o produto.

21

O artigo 31.o, n.o os 1 e 2, do referido regulamento, sob a epígrafe «Alteração dos anexos», dispõe:

«1.   Sempre que se verificar um risco potencial para a saúde humana, decorrente da utilização de determinadas substâncias nos produtos cosméticos, que deva ser tratado a nível comunitário, a Comissão pode, após consulta do CCSC, alterar em conformidade os anexos II a VI.

Essas medidas, que têm por objeto alterar elementos não essenciais do presente regulamento, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 3 do artigo 32.o

Por imperativos de urgência, a Comissão pode recorrer ao procedimento de urgência previsto no n.o 4 do artigo 32.o

2.   A Comissão pode, após consulta do CCSC, alterar os anexos III a VI e VIII para efeitos da sua adaptação ao progresso técnico e científico.

Essas medidas, que têm por objeto alterar elementos não essenciais do presente regulamento, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 3 do artigo 32.o»

22

O fenoxietanol está classificado na posição 29 do anexo V do Regulamento n.o 1223/2009, que estabelece uma lista dos conservantes autorizados nos produtos cosméticos e que impõe que a concentração dessa substância nos produtos cosméticos prontos a usar seja limitada a 1 % da fórmula.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23

Por Decisão de 13 de março de 2019, o diretor‑geral da ANSM, que pretende aplicar a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009, fixou condições especiais de utilização dos produtos cosméticos não enxaguados que contêm fenoxietanol, apoiando‑se, nomeadamente, numa avaliação dos riscos efetuada anteriormente por essa autoridade (a seguir «Decisão de 13 de março de 2019»). Esta decisão impunha, a título cautelar, que fosse mencionado na rotulagem desses produtos disponibilizados no mercado francês, com exclusão dos desodorizantes, dos produtos de cabeleireiro e dos produtos de maquilhagem, e seja qual for a sua concentração em fenoxietanol, até nove meses a contar da publicação dessa decisão no sítio Internet dessa agência, que esses produtos não podem ser utilizados nas nádegas das crianças com idade inferior a três anos.

24

Na sequência da comunicação da referida decisão à Comissão, o chefe da unidade «Tecnologias para os Consumidores, Ambiente e Saúde» da Direção‑Geral do Mercado Interno, da Indústria, do Empreendedorismo e das PME, por ofício de 27 de novembro de 2019 (a seguir «ofício de 27 de novembro de 2019»), indicou ao diretor‑geral da ANSM que a medida contida na Decisão de 13 de março de 2019 era uma medida de alcance geral aplicável a uma categoria de produtos cosméticos contendo uma certa substância e que, por conseguinte, não podia ser considerada uma cláusula de salvaguarda prevista no artigo 27.o do Regulamento no 1223/2009. Por ofício de 6 de dezembro de 2019, o diretor da ANSM respondeu que pretendia manter, a título cautelar, a sua decisão de 13 de março de 2019, enquanto aguardava a decisão que a Comissão devia adotar em conformidade com o n.o 3 desse artigo 27.o

25

A FEBEA, recorrente no processo principal, apresentou no órgão jurisdicional de reenvio um pedido de anulação da Decisão de 13 de março de 2019. Sustenta, nomeadamente, que essa decisão viola o Regulamento n.o 1223/2009, uma vez que impõe, sem que estejam reunidas as condições de aplicação da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 27.o desse regulamento, uma obrigação de rotulagem que o referido regulamento não prevê e que é, assim, contrária ao princípio da livre circulação dos produtos cosméticos previsto no artigo 9.o desse mesmo regulamento.

26

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a rotulagem imposta pela Decisão de 13 de março de 2019 constitui uma restrição à disponibilização no mercado dos produtos cosméticos não enxaguados que contêm fenoxietanol que cumprem as prescrições do Regulamento n.o 1223/2009. Na medida em que tal restrição é contrária ao artigo 9.o desse regulamento, esse órgão jurisdicional considera que só pode ter fundamento no artigo 27.o do referido regulamento.

27

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio procura determinar se o ofício de 27 de novembro de 2019 constitui, ou não, um ato preparatório da decisão pela qual a Comissão deve determinar se uma medida provisória é ou não justificada, nos termos do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009. Se for esse o caso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, enquanto se aguarda a decisão da Comissão, o juiz nacional pode decidir sobre a legalidade de uma medida provisória e, nessa hipótese, se o artigo 27.o, n.o 1, desse regulamento permite a adoção de medidas provisórias aplicáveis a uma categoria de produtos que contenham a mesma substância. Se o ofício de 27 de novembro de 2019 vier a ser qualificado de «decisão definitiva» da Comissão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, e eventualmente em que condições, a validade de tal decisão pode ser impugnada perante o juiz nacional.

28

Nessas circunstâncias, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve a carta de 27 de novembro de 2019 do Chefe da Unidade “Tecnologias para os Consumidores, Ambiente e Saúde” da Direção‑Geral do Mercado Interno, da Indústria, do Empreendedorismo e das PME da [Comissão] ser considerada um ato preparatório da decisão pela qual a Comissão determina se uma medida provisória de um Estado‑Membro é ou não justificada com fundamento no artigo 27.o, n.o 3, do [Regulamento n.o 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos], tendo em conta a formulação dessa carta bem como a ausência de qualquer elemento que sugira que o agente signatário dispõe de competências delegadas para adotar uma decisão em nome da Comissão, ou deve ser considerada uma decisão que exprime a posição final da Comissão?

2)

Caso se deva considerar que a carta de 27 de novembro de 2019 é um ato preparatório da decisão pela qual a Comissão determina se uma medida provisória de um Estado‑Membro é ou não justificada com fundamento no artigo 27.o, n.o 3, do [Regulamento n.o 1223/2009], pode o órgão jurisdicional nacional, quando é interpelado a respeito da legalidade de uma medida provisória adotada por uma autoridade nacional com fundamento no n.o 1 desse artigo, enquanto aguarda a decisão da Comissão, decidir se a medida provisória é conforme com o referido artigo e, em caso afirmativo, até que ponto e em que domínios, ou deve, desde que a Comissão não a declare injustificada, considerar a medida provisória conforme com o referido artigo?

3)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, deve o artigo 27.o do [Regulamento n.o 1223/2009] ser interpretado no sentido de que permite a adoção de medidas provisórias aplicáveis a uma categoria de produtos que contêm a mesma substância?

4)

Na hipótese de se dever considerar que a carta de 27 de novembro de 2019 é uma decisão que exprime a posição final da Comissão relativa à medida provisória em causa, pode a validade dessa decisão ser contestada perante o órgão jurisdicional nacional, ainda que não tenha sido objeto de um recurso de anulação com fundamento no artigo 263.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tendo em conta a circunstância de a formulação dessa carta sugerir que esta configurava um simples ato preparatório e que a [ANSM], destinatária dessa carta, lhe tinha respondido, exprimindo o seu desacordo e indicando que mantinha a sua medida provisória até que a Comissão se pronunciasse a título definitivo, não tendo esta última respondido?

5)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, a carta de 27 de novembro de 2019 foi assinada por um agente com competências delegadas para adotar a decisão em nome da Comissão e é válida, uma vez que se baseia na asserção de que o mecanismo da cláusula de salvaguarda previsto nesse artigo “visa medidas individuais relativas a produtos cosméticos disponibilizados no mercado e não medidas de alcance geral que se aplicam a uma categoria de produtos que contenham uma determinada substância”, tendo em conta a interpretação a dar às disposições do artigo 27.o do [Regulamento n.o 1223/2009], em conjugação com as do seu artigo 31.o?

6)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, ou se a carta de 27 de novembro de 2019 já não puder ser contestada no âmbito do presente litígio, deve a medida provisória adotada com base no artigo 27.o do [Regulamento n.o 1223/2009] ser considerada contrária a este regulamento ab origine ou apenas a contar da notificação dessa carta à Agence nationale de sécurité du médicament et des produits de santé, ou a contar de um prazo razoável subsequente a essa notificação, destinado a permitir a sua revogação, tendo igualmente em conta a incerteza quanto ao alcance dessa carta e o facto de a Comissão não ter respondido à Agência, a qual indicava “manter, a título provisório, a sua decisão de 13 de março de 2019 enquanto aguarda a decisão da Comissão adotada em conformidade com o disposto no artigo 27.o do [Regulamento n.o 1223/2009”]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à terceira questão

29

Com a sua terceira questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que permite à autoridade competente de um Estado‑Membro adotar medidas provisórias gerais aplicáveis a uma categoria de produtos que contenham a mesma substância.

30

A título preliminar, há que observar que o conceito de «produto cosmético» é definido no artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1223/2009 como «qualquer substância ou mistura destinada a ser posta em contacto com as partes externas do corpo humano (epiderme, sistemas piloso e capilar, unhas, lábios e órgãos genitais externos) ou com os dentes e as mucosas bucais, tendo em vista, exclusiva ou principalmente, limpá‑los, perfumá‑los, modificar‑lhes o aspeto, protegê‑los, mantê‑los em bom estado ou corrigir os odores corporais».

31

Além disso, o preâmbulo dos anexos II a VI desse regulamento, por um lado, distingue entre os produtos enxaguados e os produtos não enxaguados e, por outro, identifica e define oito destinos para os produtos cosméticos, a saber, produto capilar e para a pilosidade facial, produto para a pele, produto para os lábios, produto facial, produto para as unhas, produto oral, produto aplicado nas mucosas e produto para os olhos.

32

Importa, assim, constatar que um produto cosmético não se resume às substâncias que o compõem, mas se caracteriza, para além dessas substâncias, pela categoria de produtos cosméticos a que pertence e pelo uso a que se destina.

33

Há também que realçar que, resulta de uma leitura conjunta das disposições do Regulamento n.o 1223/2009, nomeadamente do seu artigo 1.o, lidas à luz dos seus considerandos 3 e 4, que esse regulamento visa harmonizar exaustivamente as regras em vigor na União Europeia, a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, A.M. (Rotulagem dos produtos cosméticos), C‑667/19, EU:C:2020:1039, n.o 27].

34

Para esse efeito, o legislador da União instituiu, no Regulamento n.o 1223/2009, exigências relativas, nomeadamente, à segurança dos produtos cosméticos para a saúde humana que esses produtos devem respeitar, de modo que, em conformidade com o seu artigo 9.o, os Estados‑Membros não podem recusar, proibir ou restringir, por razões relacionadas com os requisitos previstos no presente regulamento, a disponibilização no mercado de produtos cosméticos que cumpram os requisitos desse regulamento.

35

Assim, através das exigências enunciadas no Regulamento n.o 1223/2009, o legislador da União, sem instituir um sistema de autorização prévia dos produtos cosméticos, conciliou o objetivo da livre circulação dos produtos cosméticos com o objetivo de proteção da saúde humana.

36

Para assegurar esse elevado nível de proteção, todos os produtos cosméticos disponibilizados no mercado da União devem ser seguros para a saúde humana, devendo a sua segurança ser avaliada com base em informações adequadas e um relatório de segurança deve ser elaborado e incluído no ficheiro de informações dos produtos cosméticos (Acórdão de 12 de abril de 2018, Fédération des entreprises de la beauté, C‑13/17, EU:C:2018:246, n.o 24 e jurisprudência referida).

37

Daqui resulta que qualquer colocação no mercado da União de um produto cosmético, assim como a sua livre circulação nesse mercado, pressupõe que a segurança desse produto para a saúde humana tenha sido avaliada de acordo com as modalidades especificamente definidas pelo Regulamento n.o 1223/2009 (Acórdão de 12 de abril de 2018, Fédération des entreprises de la beauté, C‑13/17, EU:C:2018:246, n.o 25).

38

Entre essas exigências figuram, nomeadamente, o respeito das boas práticas de fabrico previstas no artigo 8.o desse regulamento, bem como o respeito das restrições e das proibições relativas à composição dos produtos cosméticos enunciadas no artigo 14.o do referido regulamento.

39

Com efeito, resulta do mesmo artigo 14.o que, por um lado, os produtos cosméticos não podem conter as substâncias proibidas enumeradas no anexo II do referido regulamento, os corantes, os conservantes e os filtros ultravioletas diferentes dos enumerados respetivamente nos anexos IV, V e VI desse mesmo regulamento e, por outro, esses produtos não podem conter as substâncias, os corantes, os conservantes que são objeto de restrições que não são utilizadas no respeito das restrições indicadas, respetivamente, nos anexos III a VI do Regulamento n.o 1223/2009.

40

A fim de elaborar as listas contidas nesses anexos e de as adaptar ao progresso técnico e científico no âmbito da entrada em vigor e depois da aplicação da Diretiva 76/768 e, em seguida, do Regulamento n.o 1223/2009, as substâncias são objeto de avaliação.

41

Além disso, para garantir o respeito das exigências estabelecidas pelo Regulamento n.o 1223/2009, nomeadamente para efeitos do respeito da proteção da saúde humana, o legislador da União instituiu, por um lado, mecanismos de avaliação da segurança dos produtos cosméticos disponibilizados no mercado e, por outro, previu dois mecanismos que permitem aos Estados‑Membros adotarem medidas em caso de risco colocado pelos produtos cosméticos.

42

Assim, por força dos artigos 4.o e 5.o desse regulamento, para, nomeadamente, fazer respeitar os requisitos em matéria de avaliação da segurança dos produtos cosméticos, deve ser designada uma pessoa responsável para cada produto cosmético disponibilizado no mercado, encarregada de garantir a conformidade com as obrigações aplicáveis estabelecidas no mesmo regulamento.

43

Por outro lado, os artigos 25.o e 26.o do referido regulamento autorizam os Estados‑Membros a exigir, respetivamente, à pessoa responsável e aos distribuidores que tomem todas as medidas apropriadas, incluindo ações corretivas que tornem o produto cosmético conforme, a sua retirada do mercado ou a sua recolha, dentro de um prazo expressamente previsto, em função da natureza do risco, sempre que se verificar o incumprimento dos requisitos desse mesmo regulamento relativamente à pessoa responsável e às obrigações que incumbem aos distribuidores.

44

O artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009, cuja interpretação é pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio, dispõe que os Estados‑Membros adotarão, no caso de produtos conformes com os requisitos enunciados no artigo 25.o, n.o 1, deste regulamento, e quando verifiquem ou tenham motivos razoáveis para recear que um ou vários produtos cosméticos disponibilizados no mercado apresentem ou possam apresentar um risco grave para a saúde humana, todas as medidas provisórias apropriadas para garantir que o referido produto ou produtos em causa sejam retirados, recolhidos ou que a sua disponibilidade seja limitada de outro modo.

45

A FEBEA e a Comissão sustentam que essa disposição permite unicamente a adoção de medidas provisórias individuais relativas a um produto concreto disponibilizado no mercado. Em contrapartida, os Governos francês e grego consideram, baseando‑se nomeadamente na ligação entre os produtos cosméticos e as substâncias estabelecida pelo Regulamento n.o 1223/2009, bem como no objetivo de proteção da saúde humana prosseguido por esse regulamento, que a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que permite a adoção de medidas provisórias gerais aplicáveis a uma categoria de produtos que contenham a mesma substância.

46

Ora, o artigo 27.o, n.o 1, do referido regulamento não pode ser interpretado no sentido de que autoriza os Estados‑Membros a adotarem medidas provisórias gerais que se apliquem não a um ou mais produtos cosméticos individualmente identificados, mas sim a uma categoria de produtos que contenham a mesma substância.

47

A esse respeito, importa recordar que, para interpretar uma disposição do direito da União cujos termos não se referem expressamente ao direito nacional, há que tomar em consideração, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, não só a sua redação mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra [ver, neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, A.M. (Rotulagem de produtos cosméticos),C‑667/19, EU:C:2020:1039, n.o 22 e jurisprudência referida].

48

Em primeiro lugar, há que observar que, no que respeita à sua redação, o artigo 27.o, n.o 1, desse mesmo regulamento apenas visa os produtos cosméticos com exclusão das substâncias que os compõem.

49

É verdade, como alega o Governo francês, que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1223/2009 ao definir o conceito de «produto cosmético» como «qualquer substância ou mistura destinada a ser posta em contacto com as partes externas do corpo humano» estabelece uma ligação entre o conceito de «produto cosmético» e o de «substância».

50

Todavia, como já foi referido nos n.os 30 a 32 do presente acórdão, tendo em conta o sistema instituído por esse regulamento, um produto cosmético é identificado pelo seu nome e caracterizado não só pelas substâncias que o compõem mas também pela categoria de produtos cosméticos a que pertence e pela utilização a que se destina.

51

Em segundo lugar, o contexto em que se inscreve o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009 corrobora a interpretação dessa disposição no sentido de que não autoriza as autoridades competentes dos Estados‑Membros a adotarem medidas provisórias gerais aplicáveis a uma categoria de produtos que contenham a mesma substância.

52

Desde já, o alcance da possibilidade de as autoridades competentes dos Estados‑Membros adotarem medidas de salvaguarda provisórias prevista na referida disposição deve ser determinado à luz do sistema de regulamentação da utilização das substâncias nos produtos cosméticos instituído pelos artigos 14.o e 31.o desse regulamento.

53

Ora, ao proibir o recurso a certas substâncias e ao enquadrar precisamente o recurso às substâncias autorizadas nos anexos do Regulamento n.o 1223/2009, pela indicação do tipo de produtos ou das partes do corpo a que a substância se destina e a concentração máxima da substância nas preparações prontas a usar, o legislador da União harmonizou exaustivamente, à escala da União, a utilização das substâncias nos produtos cosméticos. Ao elaborar os anexos desse regulamento, o legislador da União limitou igualmente o alcance do artigo 27.o, n.o 1, do mesmo regulamento. Com efeito, um «risco grave para a saúde humana», na aceção dessa disposição, apenas diz respeito, devido às proibições e restrições estabelecidas nos anexos II a VI do referido regulamento, a certos produtos cosméticos que contenham uma substância numa determinada concentração, destinados a uma utilização ou a uma parte do corpo determinados e, eventualmente, a um grupo de consumidores definidos e identificados.

54

Essa interpretação não é posta em causa pela circunstância de, segundo o artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1223/2009, se as medidas provisórias forem justificadas, se aplicar o disposto no n.o 1 do artigo 31.o, desse regulamento, de modo que a Comissão pode, após consulta ao CSSC, alterar em conformidade os anexos II a VI do referido regulamento.

55

Com efeito, esse mecanismo reflete a distinção operada pelo Regulamento n.o 1223/2009 entre a regulamentação do mercado dos produtos cosméticos e a supervisão desse mercado.

56

Ora, decorre do capítulo VII desse regulamento que a supervisão do mercado dos produtos cosméticos incumbe aos Estados‑Membros. Esses são obrigados, por força do artigo 22.o do referido regulamento, a proceder a controlos dos produtos cosméticos disponibilizados no mercado e, em conformidade com os artigos 23.o e 24.o do mesmo regulamento, a recolher informações sobre esses produtos.

57

Esses controlos e essas informações podem, como resulta do artigo 23.o, n.o 5, e do artigo 24.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1223/2009, ser utilizados nomeadamente para efeitos de fiscalização no mercado no âmbito dos artigos 25.o a 27.o desse regulamento.

58

Por conseguinte, a possibilidade de as autoridades competentes dos Estados‑Membros adotarem medidas de salvaguarda provisórias prevista no artigo 27.o, n.o 1, do referido regulamento é um instrumento de vigilância do mercado dos produtos cosméticos.

59

Em contrapartida, a harmonização da regulamentação da utilização das substâncias nos produtos cosméticos estabelecida nos anexos II a VI do Regulamento n.o 1223/2009 é abrangida pela regulamentação do mercado que é da competência da Comissão.

60

Assim, a ligação estabelecida no artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1223/2009 entre os produtos cosméticos e as substâncias traduz a circunstância de, regra geral, o perigo potencial apresentado por uma substância ser detetado pelos Estados‑Membros graças à fiscalização dos produtos cosméticos e de as mesmas serem corrigidas, à escala da União, pela alteração do anexo pertinente desse regulamento.

61

Daqui resulta que, embora as autoridades competentes dos Estados‑Membros possam, ao abrigo da sua missão de supervisão do mercado, adotar, com base no artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009, medidas provisórias individuais relativas a um ou vários produtos concretos disponibilizados no mercado, não estão habilitadas a pôr em causa unilateralmente a harmonização exaustiva prevista por esse regulamento, desaconselhando, como no caso em apreço, utilizações específicas determinadas de uma substância ou proibindo, ainda que temporariamente, a utilização de uma substância autorizada pelo referido regulamento.

62

Em segundo lugar, a interpretação do artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009 não deve prejudicar a coerência do sistema previsto por esse regulamento.

63

A esse respeito, há que recordar que, segundo o artigo 28.o, n.o 1, do referido regulamento, as decisões tomadas nos termos dos artigos 25.o e 27.o do mesmo regulamento devem ser imediatamente notificadas à pessoa responsável pela autoridade competente. Além disso, em conformidade com o artigo 4.o do Regulamento n.o 1223/2009, uma pessoa responsável é garante de um produto cosmético, e não de uma substância.

64

Ora, seria incoerente autorizar, por razões de celeridade, as autoridades competentes dos Estados‑Membros a adotarem medidas provisórias gerais e aplicáveis a uma categoria de produtos cosméticos contendo a mesma substância, obrigando‑as, porém, a notificá‑las à pessoa responsável do produto cosmético.

65

Em terceiro lugar, interpretar o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009 no sentido de que as autoridades competentes dos Estados‑Membros estão habilitadas a adotar medidas provisórias gerais aplicáveis a uma categoria de produtos que contenha a mesma substância prejudicaria o objetivo de funcionamento do mercado interno prosseguido por esse regulamento.

66

A esse respeito, há que recordar que o referido regulamento visa harmonizar exaustivamente as normas aplicáveis na União a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana.

67

Como resulta dos n.os 30 a 44 do presente acórdão, o respeito e a conciliação desses dois objetivos são assegurados pelas exigências, nomeadamente em termos de segurança e de composição, que os produtos cosméticos devem respeitar.

68

Assim, ao estabelecer listas de substâncias cuja utilização nos produtos cosméticos é proibida e regulamentando a utilização de determinadas substâncias nesses produtos, o Regulamento n.o 1223/2009 visa garantir, à escala da União, que os produtos cosméticos conformes com o Regulamento n.o 1223/2009 e disponibilizados no mercado não sejam compostos por substâncias cuja perigosidade esteja comprovada e garante, por conseguinte, um elevado nível de proteção da saúde humana.

69

Além disso, uma vez que a utilização nos produtos cosméticos das substâncias autorizadas está estritamente regulamentada nos anexos do Regulamento n.o 1223/2009, pela indicação do tipo de produtos ou das partes do corpo a que a substância se destina e da concentração máxima da referida substância nas preparações prontas para utilização, os produtos cosméticos conformes com as exigências referidas no artigo 25.o, n.o 1, desse regulamento só podem apresentar um «risco grave para a saúde humana», na aceção do artigo 27.o, n.o 1, do referido regulamento, em circunstâncias delimitadas.

70

Nesse contexto, a fim de conciliar os dois objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1223/2009 e tendo em conta as salvaguardas instituídas pelas listas estabelecidas nos anexos II a VI desse regulamento, o alcance do artigo 27.o, n.o 1, do referido regulamento é necessariamente limitado de modo que não autoriza as violações desproporcionadas, ainda que temporárias, à livre circulação dos produtos cosméticos e só pode, por isso, incidir sobre produtos cosméticos determinados e individualmente visados.

71

As dificuldades práticas invocadas pelo Governo francês não põem em causa essa interpretação do referido artigo 27.o, n.o 1.

72

Em primeiro lugar, não se pode deixar de observar que as preocupações desse governo, no que respeita ao número de produtos que podem ser afetados por uma medida provisória adotada com base no artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009, não são fundadas. Com efeito, como decorre do n.o 69 do presente acórdão, o risco grave para a saúde humana que pode conduzir à adoção, pela autoridade competente de um Estado‑Membro, de uma medida de salvaguarda provisória nos termos do artigo 27.o, n.o 1, desse regulamento apenas diz respeito, por princípio, a um número muito limitado de produtos cosméticos pertencentes a uma determinada categoria de produtos cosméticos, destinados a uma utilização determinada e a certas partes do corpo e que incluem uma substância que corresponde a uma certa concentração. Por conseguinte, interpretar essa disposição no sentido de que permite unicamente a adoção de medidas provisórias individuais relativas a um ou mais produtos concretos disponibilizados no mercado não tem por consequência obrigar as autoridades nacionais a adotarem um número desproporcionado de medidas provisórias e não gera sobrecarga administrativa para essas autoridades ou para a Comissão.

73

Em segundo lugar, embora o Regulamento n.o 1223/2009 não preveja um mecanismo de autorização prévia de disponibilização no mercado dos produtos cosméticos, os mecanismos previstos por esse regulamento permitem às autoridades competentes dos Estados‑Membros identificar rapidamente os produtos destinados à mesma utilização e que contenham uma certa substância e adotar, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009, as medidas provisórias apropriadas para garantir que o referido produto ou produtos em causa sejam retirados, recolhidos ou que a sua disponibilidade seja limitada de outro modo.

74

Com efeito, por um lado, o Regulamento n.o 1223/2009 institui mecanismos de centralização e de troca de informações relativas aos produtos cosméticos que garantem, graças à cooperação administrativa entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros e com a Comissão, que essas informações sejam rápida e facilmente acessíveis às autoridades nacionais competentes.

75

Assim, as referidas autoridades são, em conformidade com o artigo 30.o desse regulamento, obrigadas a cooperar para assegurar a verificação do ficheiro de informação fornecido, nos termos do artigo 11.o do referido regulamento, para cada produto cosmético disponibilizado no mercado pela pessoa responsável. Além disso, as informações referidas no artigo 13.o do Regulamento n.o 1223/2009, que são transmitidas à Comissão e centralizadas por esta, devem, no âmbito da cooperação instituída no artigo 29.o desse regulamento, ser trocadas a fim de serem, se necessário, utilizadas para efeitos de supervisão do mercado no âmbito dos artigos 25.o a 27.o do referido regulamento.

76

Por outro lado, as autoridades competentes dos Estados‑Membros onde um produto que contém uma substância é disponibilizado no mercado podem, com base no artigo 24.o do Regulamento n.o 1223/2009, solicitar ao responsável que apresente uma lista de todos os produtos cosméticos pelos quais é responsável e que contenham essa mesma substância.

77

Tendo em conta estas considerações, há que responder à terceira questão que o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que não permite à autoridade competente de um Estado‑Membro adotar medidas provisórias gerais aplicáveis a uma categoria de produtos que contenham uma mesma substância.

Quanto às questões primeira, segunda e quarta a sexta

78

Com as questões primeira e segunda, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre a qualificação que deve ser dada ao ofício de 27 de novembro de 2019, e, na hipótese de esse ofício ser qualificado de «ato preparatório» à decisão pela qual a Comissão determina se uma medida provisória de um Estado‑Membro é ou não justificada com fundamento no artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009 e, por conseguinte, de a Comissão não ter adotado uma decisão definitiva, sobre as modalidades de fiscalização pelo juiz nacional de semelhante medida provisória.

79

Com as suas questões quarta a sexta, na hipótese de o ofício de 27 de novembro de 2019 ser qualificado de «decisão da Comissão», nos termos do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre as condições de impugnação da legalidade dessa decisão e sobre as consequências que daí decorrem para a validade da medida nacional provisória.

80

Estas questões baseiam‑se na premissa de o artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009 ser aplicável no âmbito do litígio no processo principal. Ora, decorre da resposta dada à terceira questão que o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009 não permite à autoridade competente de um Estado‑Membro adotar medidas provisórias gerais aplicáveis a uma categoria de produtos que contenham a mesma substância, pelo que a decisão de 13 de março de 2019 não é abrangida por esta disposição.

81

Daqui resulta que, tendo em conta a resposta dada à terceira questão, não é necessário responder às questões primeira, segunda, e quarta a sexta.

Quanto às despesas

82

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a esse decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos, deve ser interpretado no sentido de que não permite à autoridade competente de um Estado‑Membro adotar medidas provisórias gerais aplicáveis a uma categoria de produtos que contenham uma mesma substância.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.