DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

10 de julho de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigo 15.o — Transferência do processo para um tribunal de outro Estado‑Membro, mais bem colocado para conhecer do processo — Exceção à regra da competência geral do tribunal do lugar de residência habitual do menor — Ligação particular com outro Estado‑Membro — Elementos que permitem determinar o tribunal mais bem colocado — Existência de regras jurídicas diferentes — Superior interesse da criança»

No processo C‑530/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunalul Ilfov (Tribunal de Ilfov, Roménia), por decisão de 20 de junho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de agosto de 2018, no processo

EP

contra

FO,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, C. G. Fernlund (relator) e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de EP, por C. D. Giurgiu, avocat,

em representação de FO, pelo próprio,

em representação do Governo romeno, por E. Gane, L. Liţu e C. Canţăr, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e A. Biolan, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe EP a FO, a propósito da atribuição da guarda do filho menor de ambos, da fixação do lugar da sua residência habitual e do pagamento de uma pensão de alimentos ao menor.

Quadro jurídico

3

O considerando 13 do Regulamento n.o 2201/2003 enuncia:

«No interesse da criança, o presente regulamento permite que o tribunal competente possa, a título excecional e em certas condições, remeter o processo a um tribunal de outro Estado‑Membro se este estiver em melhores condições para dele conhecer. […]»

4

O artigo 8.o deste regulamento, sob a epígrafe «Competência geral», prevê, no n.o 1:

«Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.»

5

O artigo 15.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação», dispõe:

«1.   Excecionalmente, os tribunais de um Estado‑Membro competentes para conhecer do mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro Estado‑Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se encontra mais bem colocado para conhecer do processo ou de alguns dos seus aspetos específicos, e se tal servir o superior interesse da criança:

a)

Suspender a instância em relação à totalidade ou a parte do processo em questão e convidar as partes a apresentarem um pedido ao tribunal desse outro Estado‑Membro, nos termos do n.o 4; ou

b)

Pedir ao tribunal de outro Estado‑Membro que se declare competente nos termos do n.o 5.

2.   O n.o 1 é aplicável:

a)

A pedido de uma das partes; ou

b)

Por iniciativa do tribunal; ou

c)

A pedido do tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, nos termos do n.o 3.

Todavia, a transferência só pode ser efetuada por iniciativa do tribunal ou a pedido do tribunal de outro Estado‑Membro, se for aceite pelo menos por uma das partes.

3.   Considera‑se que a criança tem uma ligação particular com um Estado‑Membro, na aceção do n.o [1], se:

a)

Depois de instaurado o processo no tribunal referido no n.o 1, a criança tiver adquirido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

b)

A criança tiver tido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

c)

A criança for nacional desse Estado‑Membro; ou

d)

Um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

e)

O litígio se referir às medidas de proteção da criança relacionadas com a administração, a conservação ou a disposição dos bens na posse da criança, que se encontram no território desse Estado‑Membro.

4.   O tribunal do Estado‑Membro competente para conhecer do mérito deve fixar um prazo para instaurar um processo nos tribunais do outro Estado‑Membro, nos termos do n.o 1.

Se não tiver sido instaurado um processo dentro desse prazo, continua a ser competente o tribunal em que o processo tenha sido instaurado nos termos dos artigos 8.o a 14.o

5.   O tribunal desse outro Estado‑Membro pode, se tal servir o superior interesse da criança, em virtude das circunstâncias específicas do caso, declarar‑se competente no prazo de seis semanas a contar da data em que tiver sido instaurado o processo com base nas alíneas a) ou b) do n.o 1. Nesse caso, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar renuncia à sua competência. No caso contrário, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar continua a ser competente, nos termos dos artigos 8.o a 14.o

6.   Os tribunais devem cooperar para efeitos do presente artigo, quer diretamente, quer através das autoridades centrais designadas nos termos do artigo 53.o»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6

EP, de nacionalidade romena, casou com FO, de nacionalidade francesa, em 2005. Da união de ambos nasceu um filho, em França, em 13 de outubro de 2006.

7

EP e FO estão separados de facto desde 2013, sendo que o filho destes reside, desde então, no domicílio da mãe, na Roménia.

8

Em 13 de janeiro de 2014, EP, mãe do menor, pediu ao Judecătoria Buftea (Tribunal de Primeira Instância de Buftea, Roménia) a dissolução do casamento, a guarda do menor e o pagamento de uma pensão por FO, pai do menor.

9

FO suscitou uma exceção de incompetência dos tribunais romenos, por entender que os tribunais russos eram competentes, bem como uma exceção de litispendência internacional e uma exceção de inadmissibilidade. Apresentou, ainda, a título subsidiário, um pedido reconvencional destinado a obter a dissolução do casamento por culpa de EP, o exercício exclusivo da autoridade parental, a guarda do menor e o pagamento por EP de uma pensão ao menor.

10

Por Despacho de 10 de outubro de 2014, o Judecătoria Buftea (Tribunal de Primeira Instância de Buftea) julgou as três exceções suscitadas por FO improcedentes e, por Despacho de 12 de janeiro de 2015, declarou que a lei aplicável ao litígio no processo principal era a lei romena.

11

Em 8 de junho de 2016, EP e FO acabaram por apresentar um pedido de divórcio por mútuo consentimento, tendo ainda, contudo, cada uma das partes requerido o exercício unilateral da autoridade parental, o estabelecimento da residência do menor no seu próprio domicílio e o pagamento, pela parte contrária, de uma pensão de alimentos ao menor. A título subsidiário, FO pediu a guarda alternada daquele.

12

Por Sentença de 4 de julho de 2016, o Judecătoria Buftea (Tribunal de Primeira Instância de Buftea) decretou o divórcio por mútuo consentimento entre EP e FO, determinou o exercício conjunto da responsabilidade parental, fixou a residência do menor com a mãe, fixou um regime de visitas do pai ao menor e impôs, a este último, o pagamento de uma pensão de alimentos ao filho.

13

Quanto ao pedido de residência alternada formulado por FO, que se baseia nas possibilidades oferecidas pela lei francesa, esse tribunal sublinhou que, segundo a jurisprudência dos tribunais franceses, o desacordo das partes podia constituir um obstáculo ao estabelecimento dessa forma de residência.

14

Em 7 de abril de 2017, FO e EP recorreram da sentença proferida em primeira instância no Tribunalul Ilfov (Tribunal de Ilfov, Roménia).

15

FO alegou que o Judecătoria Buftea (Tribunal de Primeira Instância de Buftea) era incompetente para se pronunciar sobre o litígio que lhe fora submetido e pediu a anulação dessa sentença.

16

Por outro lado, ambas as partes no processo principal sustentaram que a referida sentença devia ser reformada em seu favor quanto ao mérito.

17

O órgão jurisdicional de reenvio refere que o Judecătoria Buftea (Tribunal de Primeira Instância de Buftea) decidiu tendo em conta o superior interesse da criança, dado que o menor vivia na Roménia com a mãe desde o final de 2013, frequentava uma escola francesa e se encontrava bem integrado. É com a Roménia que o menor tem as ligações mais fortes tanto no plano linguístico como cultural.

18

Em contrapartida, a situação profissional de FO, que declara ter estabelecido a sua residência principal em França, na Roménia e na Rússia, é atualmente incerta e a natureza das suas atividades não lhe permite conceder tempo suficiente ao filho. A afirmação de FO de que estaria pronto a abandonar a sua carreira para se instalar na Roménia e viver com o filho não é suficiente para fundamentar um pedido de residência deste no seu domicílio. Por outro lado, o referido menor afirmou nutrir afeição por ambos os progenitores, que sofria com as disputas permanentes e que, sem querer desiludir o pai, desejava viver com a mãe.

19

Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o fundamento de recurso invocado por FO, relativo à incompetência dos tribunais romenos e baseado no argumento de que os tribunais franceses são os mais bem colocados para decidir sobre os pedidos relativos à responsabilidade parental. Considera, portanto, necessário verificar a sua competência, tendo em conta as disposições do artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003.

20

Foi nestas circunstâncias que o Tribunalul Ilfov (Tribunal de Ilfov) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 15.o do Regulamento [n.o 2201/2003] ser interpretado no sentido em que institui uma exceção à regra da competência do tribunal nacional do lugar onde o menor tem de facto domicílio?

2)

Deve o artigo 15.o do Regulamento [n.o 2201/2003] ser interpretado no sentido de que constituem critérios que indicam uma ligação especial com a França […] os critérios enunciados pela parte no processo (ou seja, a menor nasceu em França, o seu pai é cidadão francês, tem uma família consanguínea composta por duas irmãs e um irmão, uma sobrinha, filha da sua irmã, o avô paterno, a companheira atual do pai e a sua filha menor em França, ao passo que, na Roménia, não tem nenhum familiar da parte da mãe, frequenta a escola francesa, a educação e a mentalidade da menor são desde sempre francesas, a língua falada em casa entre os pais e entre os pais e a menor sempre foi a língua francesa), e, portanto, o tribunal nacional deve declarar que o tribunal francês é o mais bem colocado para dirimir o processo?

3)

Deve o artigo 15.o do Regulamento [n.o 2201/2003] ser interpretado no sentido de que as diferenças processuais entre as legislações dos dois Estados, como a realização do processo à porta fechada, por juízes especializados, correspondem ao superior interesse da menor na aceção desta disposição [do direito da União]?»

Quanto às questões prejudiciais

21

Nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

22

Cabe aplicar esta disposição no presente processo.

Quanto à primeira questão

23

A resposta à primeira questão, que tem por objeto saber se o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 institui uma exceção à regra de competência geral prevista no artigo 8.o deste regulamento, segundo a qual são competentes em matéria de responsabilidade parental os tribunais do Estado‑Membro onde o menor reside habitualmente à data em que o processo é instaurado no tribunal, pode ser deduzida dos próprios termos deste artigo 15.o

24

Com efeito, o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 prevê expressamente que se aplica a título excecional. Como declarou o Tribunal de Justiça, este artigo 15.o, n.o 1, constitui uma regra de competência especial e derrogatória em relação à regra de competência geral enunciada no artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento e a transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação só poderá ocorrer a título excecional (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.os 47 e 48, e de 4 de outubro de 2018, IQ, C‑478/17, EU:C:2018:812, n.o 32).

25

Por consequência, há que responder à primeira questão que o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que institui uma exceção à regra de competência geral prevista no artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003, segundo a qual a competência dos tribunais dos Estados‑Membros é determinada pelo lugar de residência habitual do menor à data da instauração do processo.

Quanto à segunda questão

26

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que enuncia critérios que permitem determinar se um menor tem uma ligação particular com um Estado‑Membro diferente daquele cujo tribunal é competente para conhecer do mérito, se esses critérios são taxativos e se, no caso de estarem preenchidos, deles resulta que os tribunais desse outro Estado‑Membro se encontram mais bem colocados para conhecer do processo.

27

Antes de mais, há que salientar que decorre dos próprios termos do artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 que este artigo prevê cinco critérios alternativos, que permitem considerar que um menor tem uma ligação particular com um Estado‑Membro.

28

Em seguida, como o Tribunal de Justiça já declarou, esses critérios, que figuram nas alíneas a) a e) desta disposição, são taxativos, pelo que estão desde logo excluídos do mecanismo de transferência os processos nos quais esses elementos não estão presentes (Acórdãos de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 51, e de 4 de outubro de 2018, IQ, C‑478/17, EU:C:2018:812, n.o 35).

29

A este respeito, como referiu a Comissão Europeia nas suas observações escritas, há que salientar que os elementos elencados pelo pai do menor e reproduzidos na segunda questão submetida diferem dos referidos critérios e não são, por conseguinte, diretamente pertinentes para efeitos de determinar se existe uma ligação particular entre o menor e outro Estado‑Membro, neste caso, a República Francesa. Todavia, os dois primeiros elementos, a saber, que o menor nasceu nesse Estado‑Membro, Estado‑Membro esse de que o pai é nacional, podem servir para demonstrar que o menor é nacional do referido Estado‑Membro e, por conseguinte, que o critério mencionado no artigo 15.o, n.o 3, alínea c), do Regulamento n.o 2201/2003 está preenchido.

30

Por último, importa sublinhar que, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, lido à luz do considerando 13 deste regulamento, um tribunal de um Estado‑Membro competente para conhecer do mérito de um processo «pode», se as condições constantes desta disposição estiverem preenchidas, remeter o processo a um tribunal de outro Estado‑Membro que considere mais bem colocado para o apreciar, sem que seja obrigado a fazê‑lo. O tribunal de um Estado‑Membro normalmente competente para apreciar determinado processo deve, para poder pedir a transferência para um tribunal de outro Estado‑Membro, conseguir ilidir a forte presunção a favor da manutenção da sua própria competência que decorre deste regulamento (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 49).

31

Para se poder dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, importa ainda recordar que a transferência para um tribunal de um Estado‑Membro diferente ao abrigo do artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 só pode ter lugar se estiverem preenchidas três condições, a saber, existir uma ligação particular entre o menor e outro Estado‑Membro, o tribunal competente para conhecer do mérito do processo considerar que um tribunal desse outro Estado‑Membro se encontra mais bem colocado para conhecer do processo e a transferência servir o superior interesse da criança, no sentido de que não é suscetível de ter um impacto negativo na situação do menor em causa (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.os 50, 56 e 58).

32

Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, pode acontecer que o menor em causa tenha uma ligação particular com outro Estado‑Membro, neste caso, a República Francesa, com o fundamento, mencionado no n.o 29 do presente despacho, de que poderá ter a nacionalidade desse Estado‑Membro. Pode igualmente acontecer que o pai do menor, que é um dos titulares da responsabilidade parental, tenha a sua residência habitual no referido Estado‑Membro.

33

Todavia, como o Tribunal de Justiça já sublinhou, o tribunal competente, no caso em apreço, o tribunal romeno, deve ainda comparar a importância e a intensidade da ligação de proximidade geral que, por força do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, une o menor em causa ao Estado‑Membro a que pertence esse tribunal com a importância e a intensidade da ligação de proximidade particular comprovada por um ou mais elementos enunciados no artigo 15.o, n.o 3, do referido regulamento e que existe entre esse menor e outro Estado‑Membro (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 54).

34

A existência de uma «ligação particular» na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 não prejudica necessariamente a questão de saber se um tribunal desse outro Estado‑Membro se encontra «mais bem colocado para conhecer do processo», na aceção desta disposição, nem sequer a questão de saber se, em caso afirmativo, a transferência do processo para este último tribunal serve o superior interesse da criança. O tribunal competente deve determinar se a transferência do processo para esse outro tribunal é suscetível de trazer um valor acrescentado real e concreto, para a tomada de uma decisão relativa à criança, na hipótese de o manter consigo (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.os 51 e 57).

35

Se o tribunal romeno competente ao abrigo do artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003 chegar à conclusão de que as ligações que unem o menor em causa ao Estado‑Membro da sua residência habitual, neste caso, a Roménia, são mais fortes do que as que o unem a outro Estado‑Membro, a saber, a República Francesa, tal conclusão basta para afastar a aplicação do artigo 15.o deste regulamento.

36

Consequentemente, há que responder à segunda questão que o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, se estiverem preenchidos um, ou vários, dos cinco critérios alternativos, nele enunciados taxativamente, de apreciação da existência de uma ligação particular do menor com um Estado‑Membro diferente do da sua residência habitual, o tribunal competente, ao abrigo do artigo 8.o deste regulamento, pode transferir o processo para um tribunal que considere estar mais bem colocado para decidir o litígio que lhe foi submetido, mas não está obrigado a fazê‑lo. Se o tribunal competente chegar à conclusão de que as ligações que unem o menor em causa ao Estado‑Membro da sua residência habitual são mais fortes do que as que o unem a outro Estado‑Membro, tal conclusão basta para afastar a aplicação do artigo 15.o deste regulamento.

Quanto à terceira questão

37

Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que a existência de diferenças entre as regras jurídicas, nomeadamente as regras processuais, de um Estado‑Membro cujo tribunal é competente para conhecer do mérito de uma causa e as de outro Estado‑Membro com o qual o menor em causa mantém uma ligação particular, como a análise dos processos à porta fechada e por juízes especializados, pode ser um elemento pertinente, tendo em conta o superior interesse da criança, para verificar se os tribunais desse outro Estado‑Membro estão mais bem colocados para conhecer desse processo.

38

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, segundo uma das partes no processo principal, existem, no caso em apreço, diferenças substanciais entre a legislação do Estado‑Membro cujo tribunal é competente para conhecer do mérito da causa e a legislação do outro Estado‑Membro em causa, na medida em que só a legislação desse outro Estado‑Membro prevê a análise dos processos à porta fechada e por juízes especializados, de modo que os tribunais deste último Estado‑Membro estão mais bem colocados para conhecer do processo principal.

39

A este respeito, além do facto de a existência de tais diferenças ser veementemente contestada pela parte contrária no processo principal, há que recordar que, para determinar se a transferência do processo para um tribunal de outro Estado‑Membro é suscetível de trazer um valor acrescentado real e concreto, o tribunal competente pode ter em conta, entre outros elementos, as regras processuais desse outro Estado‑Membro, como as aplicáveis à recolha das provas necessárias ao tratamento do processo. Em contrapartida, o tribunal competente não deveria tomar em consideração, para efeitos dessa avaliação, o direito material desse outro Estado‑Membro, eventualmente aplicável pelo tribunal deste último, no caso de o processo lhe ser remetido. Com efeito, essa tomada em consideração seria contrária aos princípios da confiança mútua entre Estados‑Membros e do reconhecimento mútuo das decisões judiciais que constituem a base do Regulamento n.o 2201/2003 (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 57).

40

Importa sublinhar que a cooperação e a confiança mútua entre os tribunais dos Estados‑Membros devem conduzir ao reconhecimento mútuo das decisões judiciais, pedra angular da criação de um verdadeiro espaço judiciário (Acórdão de 15 de fevereiro de 2017, W e V, C‑499/15, EU:C:2017:118, n.o 50).

41

Daqui decorre que o tribunal competente pode ter em conta, no âmbito da sua avaliação nos termos do artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003, as regras processuais aplicáveis de acordo com a legislação de outro Estado‑Membro se estas tiverem concretamente impacto sobre a capacidade do tribunal deste último Estado para melhor conhecer do processo, nomeadamente facilitando a recolha de provas e de depoimentos, e, assim sendo, trouxerem um valor acrescentado para a resolução do processo no superior interesse da criança. Em contrapartida, não se pode considerar de forma geral e abstrata que as regras jurídicas de outro Estado‑Membro, como as mencionadas por uma das partes no processo principal, a saber, as regras relativas à análise do processo à porta fechada e por juízes especializados, constituem um elemento a ter em conta na avaliação, pelo juiz competente, da existência de um tribunal mais bem colocado para conhecer do processo.

42

Atendendo às considerações anteriores, há que responder à terceira questão que o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que a existência de diferenças entre as regras jurídicas, nomeadamente as regras processuais, de um Estado‑Membro cujo tribunal é competente para conhecer do mérito de uma causa e as de outro Estado‑Membro com o qual o menor em causa mantém uma ligação particular, como a análise dos processos à porta fechada e por juízes especializados, não é de forma geral e abstrata um elemento pertinente, tendo em conta o superior interesse da criança, para verificar se os tribunais desse outro Estado‑Membro estão mais bem colocados para conhecer desse processo. O tribunal competente só pode tomar em consideração essas diferenças se forem suscetíveis de trazer um valor acrescentado real e concreto para a adoção de uma decisão relativa a esse menor, na hipótese de o mesmo continuar a pronunciar‑se sobre o processo.

Quanto às despesas

43

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

1)

O artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que institui uma exceção à regra de competência geral prevista no artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003, segundo a qual a competência dos tribunais dos Estados‑Membros é determinada pelo lugar de residência habitual do menor à data da instauração do processo.

 

2)

O artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, se estiverem preenchidos um, ou vários, dos cinco critérios alternativos, nele enunciados taxativamente, de apreciação da existência de uma ligação particular do menor com um Estado‑Membro diferente do da sua residência habitual, o tribunal competente, ao abrigo do artigo 8.o deste regulamento, pode transferir o processo para um tribunal que considere estar mais bem colocado para decidir o litígio que lhe foi submetido, mas não está obrigado a fazê‑lo. Se o tribunal competente chegar à conclusão de que as ligações que unem o menor em causa ao Estado‑Membro da sua residência habitual são mais fortes do que as que o unem a outro Estado‑Membro, tal conclusão basta para afastar a aplicação do artigo 15.o deste regulamento.

 

3)

O artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que a existência de diferenças entre as regras jurídicas, nomeadamente as regras processuais, de um Estado‑Membro cujo tribunal é competente para conhecer do mérito de uma causa e as de outro Estado‑Membro com o qual o menor em causa mantém uma ligação particular, como a análise dos processos à porta fechada e por juízes especializados, não é de forma geral e abstrata um critério pertinente, tendo em conta o superior interesse da criança, para verificar se os tribunais desse outro Estado‑Membro estão mais bem colocados para conhecer desse processo. O tribunal competente só pode tomar em consideração essas diferenças se forem suscetíveis de trazer um valor acrescentado real e concreto para a adoção de uma decisão relativa a esse menor, na hipótese de o mesmo continuar a pronunciar‑se sobre o processo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.