ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de setembro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Processo prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Rapto internacional de crianças — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigo 11.o — Pedido de regresso — Convenção de Haia de 25 de outubro de 1980 — Pedido de declaração de executoriedade — Recurso — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito a um recurso efetivo — Prazo de interposição do recurso — Despacho de exequatur — Execução antes da sua notificação»

Nos processos apensos C‑325/18 PPU e C‑375/18 PPU,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda), por decisões de 17 de maio de 2018 (C‑325/18 PPU) e de 7 de junho de 2018 (C‑375/18 PPU), que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 17 de maio de 2018 e em 7 de junho de 2018, nos processos

Hampshire County Council

contra

C.E.,

N.E.,

sendo intervenientes:

Child and Family Agency,

Attorney General,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, C. G. Fernlund, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev (relator) e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os pedidos do órgão jurisdicional de reenvio de 17 de maio de 2018 (C‑325/18 PPU) e de 7 de junho de 2018 (C‑375/18 PPU), que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 17 de maio de 2018 e em 7 de junho de 2018, de submeter os reenvios prejudiciais a tramitação urgente, em conformidade com o disposto no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

vista a decisão de 11 de junho de 2018 da Primeira Secção de deferir os referidos pedidos,

vistos os autos e após a audiência de 13 de julho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Hampshire County Council, por D. Day, barrister, mandatado por V. Pearce, solicitor,

em representação de N.E. e de C.E., por N. Jackson, SC, B. Shipsey, SC, B. McKeever, BL, e por K. Smyth, solicitor,

em representação do Attorney General, por M. Browne, J. McCann e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por A. Finn, BL, e G. Durcan, SC,

em representação da Irlanda, por J. McCann, na qualidade de agente, assistida por G. Durcan, SC, e A. Finn, BL,

em representação do Governo do Reino Unido, por R. Fadoju e C. Brodie, na qualidade de agentes, assistidas por E. Devereux, QC,

em representação do Governo checo, por J. Vláčil, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por M. Nowak, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 7 de agosto de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como do artigo 11.o e do artigo 33.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de um litígio que opõe o Hampshire County Council (Conselho do condado de Hampshire, a seguir «HCC») a C.E. e a N.E. (a seguir «progenitores em questão»), a propósito do regresso ao Reino Unido de três crianças menores (a seguir «três crianças»), deslocadas para a Irlanda pelos progenitores em questão para se furtarem a uma nomeação de tutores para essas crianças, e de um pedido de medida inibitória apresentado por esses progenitores na Irlanda a fim de suspender a adoção da mais nova dessas três crianças e, sendo caso disso, das outras crianças no Reino Unido.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

A Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, celebrada em Haia, em 25 de outubro de 1980 (a seguir «Convenção de Haia de 1980»), tem como objetivos, conforme decorre do seu preâmbulo, designadamente, proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual. Esta Convenção entrou em vigor em 1 de dezembro de 1983 e todos os Estados‑Membros da União Europeia são nela partes contratantes.

4

O artigo 1.o da Convenção de Haia de 1980 estipula:

«A presente Convenção tem por objeto:

a)

Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;

b)

Fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.»

5

Nos termos do artigo 3.o desta Convenção:

«A deslocação ou retenção da criança é considerada ilícita quando:

a)

Tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e

b)

Este direito estiver a ser exercido de maneira efetiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»

6

O artigo 12.o da referida Convenção prevê:

«Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3.o e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.

[…]»

7

O artigo 13.o da Convenção de Haia de 1980 prevê:

«Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:

[…]

b)

Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.

[…]»

Direito da União

8

Os considerandos 12, 17, 21 e 33 do Regulamento n.o 2201/2003 têm a seguinte redação:

«(12)

As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade.

[…]

(17)

Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso; para o efeito, deverá continuar a aplicar‑se a Convenção de Haia [de 1980], completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.o Os tribunais do Estado‑Membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente devem poder opor‑se ao seu regresso em casos específicos devidamente justificados. Todavia, tal decisão deve poder ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Se esta última decisão implicar o regresso da criança, este deverá ser efetuado sem necessidade de qualquer procedimento específico para o reconhecimento e a execução da referida decisão no Estado‑Membro onde se encontra a criança raptada.

[…]

(21)

O reconhecimento e a execução de decisões proferidas num Estado‑Membro têm por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não reconhecimento serão reduzidos ao mínimo indispensável.

[…]

(33)

O presente regulamento reconhece os direitos fundamentais e os princípios consagrados na [Carta]; pretende, designadamente, garantir o pleno respeito dos direitos fundamentais da criança enunciados no artigo 24.o da [Carta].»

9

O artigo 1.o do Regulamento n.o 2201/2003, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

[…]

b)

À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

2.   As matérias referidas na alínea b) do n.o 1 dizem, nomeadamente, respeito:

a)

Ao direito de guarda e ao direito de visita;

[…]

3.   O presente regulamento não é aplicável:

[…]

b)

Às decisões em matéria de adoção, incluindo as medidas preparatórias, bem como à anulação e revogação da adoção;

[…]»

10

Nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 2201/2003:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1.

“Tribunal”, todas as autoridades que nos Estados‑Membros têm competência nas matérias abrangidas pelo âmbito de aplicação do presente regulamento por força do artigo 1.o

[…]

7.

“Responsabilidade parental”, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita.

8.

“Titular da responsabilidade parental”, qualquer pessoa que exerça a responsabilidade parental em relação a uma criança;

9.

“Direito de guarda”, os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência.

[…]

11.

“Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:

a)

Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção;

e

b)

No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»

11

O artigo 11.o do Regulamento n.o 2201/2003, com a epígrafe «Regresso da criança», dispõe:

«1.   Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na [Convenção de Haia de 1980], a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.

[…]

3.   O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança, nos termos do disposto no n.o 1, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.

Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo, o tribunal deve pronunciar‑se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, exceto em caso de circunstâncias excecionais que o impossibilitem.

[…]

6.   Se um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção, ao abrigo do artigo 13.o da Convenção da Haia de 1980, deve imediatamente enviar, diretamente ou através da sua autoridade central, uma cópia dessa decisão e dos documentos conexos, em especial as atas das audiências, ao tribunal competente ou à autoridade central do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da sua retenção ou deslocação ilícitas, tal como previsto no direito interno. O tribunal deve receber todos os documentos referidos no prazo de um mês a contar da data da decisão de retenção.

7.   Exceto se uma das partes já tiver instaurado um processo nos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da retenção ou deslocação ilícitas, o tribunal ou a autoridade central que receba a informação referida no n.o 6 deve notificá‑la às partes e convidá‑las a apresentar as suas observações ao tribunal, nos termos do direito interno, no prazo de três meses a contar da data da notificação, para que o tribunal possa analisar a questão da guarda da criança.

Sem prejuízo das regras de competência previstas no presente regulamento, o tribunal arquivará o processo se não tiver recebido observações dentro do prazo previsto.

8.   Não obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.o da Convenção d[e] Haia de 1980, uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória […], a fim de garantir o regresso da criança.»

12

O artigo 19.o do Regulamento n.o 2201/2003, relativo à litispendência, prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«2.   Quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação à uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

3.   Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declarar‑se incompetente a favor daquele.

Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetida pelo requerente à apreciação do tribunal em que a ação foi instaurada em primeiro lugar.»

13

Nos termos do artigo 20.o do Regulamento n.o 2201/2003:

«1.   Em caso de urgência, o disposto no presente regulamento não impede que os tribunais de um Estado‑Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse Estado‑Membro, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado‑Membro seja competente para conhecer do mérito.

2.   As medidas tomadas por força do n.o 1 deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado‑Membro competente quanto ao mérito ao abrigo do presente regulamento tiver tomado as medidas que considerar adequadas.»

14

O artigo 23.o deste regulamento, com a epígrafe «Fundamentos de não reconhecimento de decisões em matéria de responsabilidade parental», enumera as circunstâncias em que uma decisão proferida em matéria de responsabilidade parental não é reconhecida.

15

Em conformidade com o artigo 26.o do referido regulamento, uma decisão em matéria de responsabilidade parental não pode em caso algum ser revista quanto ao mérito.

16

No capítulo III, secção 2, do Regulamento n.o 2201/2003, o seu artigo 28.o, com a epígrafe «Decisões com força executória», dispõe:

«1.   As decisões proferidas num Estado‑Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada.

[…]»

17

Nos termos do artigo 31.o do Regulamento n.o 2201/2003:

«1.   O tribunal a que for apresentado o pedido [de declaração de executoriedade] deve proferir a sua decisão no mais curto prazo. Nem a pessoa contra a qual a execução é requerida nem a criança podem apresentar quaisquer observações nesta fase do processo.

2.   O pedido só pode ser indeferido por um dos motivos previstos nos artigos 22.o, 23.o e 24.o

3.   A decisão não pode em caso algum ser revista quanto ao mérito.»

18

O artigo 33.o do Regulamento n.o 2201/2003, com a epígrafe «Recurso», dispõe:

«1.   Qualquer das partes pode recorrer da decisão relativa ao pedido de declaração de executoriedade.

[…]

3.   O recurso é tratado segundo as regras do processo contraditório.

[…]

5.   O recurso contra a declaração de executoriedade é interposto no prazo de um mês a contar da sua notificação. Se a parte contra a qual é pedida a execução tiver a sua residência habitual num Estado‑Membro diferente daquele onde foi proferida a declaração de executoriedade, o prazo de recurso é de dois meses a contar da data em que tiver sido feita a citação pessoal ou domiciliária. Este prazo não é suscetível de prorrogação em razão da distância.»

19

Nos termos do artigo 60.o do Regulamento n.o 2201/2003:

«Nas relações entre os Estados‑Membros, o presente regulamento prevalece sobre as seguintes convenções, na medida em que estas se refiram a matérias por ele reguladas:

[…]

e)

Convenção de Haia, de 25 de outubro de 1980, sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças.

Direito irlandês

20

Como resulta do pedido de decisão prejudicial apresentado no processo C‑325/18, o artigo 42A do Regulamento de Processo dos Tribunais Superiores, introduzido pelo Statutory Instrument n.o 9 de 2016 [Regulamento de Processo dos Tribunais Superiores (competência, reconhecimento e execução de decisões, de 2016)], previa, na sua versão inicial de 1989, a suspensão automática da execução da decisão de exequatur enquanto se aguardava o resultado do recurso. No entanto, a regra da suspensão automática não foi considerada adequada nos processos do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2201/2003. O referido artigo 42A, regra 10, n.o 2, alínea ii), prevê atualmente que «a execução da sentença ou da decisão pode ocorrer antes do termo» do prazo de recurso em questão.

21

Em conformidade com o artigo 42A, regra 10, n.o 2, alínea iii), do Regulamento de Processo dos Tribunais Superiores, a decisão que declara a executoriedade deve conter uma indicação de que «a execução da sentença ou da decisão pode ser suspensa mediante requerimento judicial, quando tiver sido interposto um recurso ordinário no Estado‑Membro de origem».

Litígio nos processos principais e questões prejudiciais

22

Os progenitores em questão, de nacionalidade britânica, casados e tendo vivido juntos no Reino Unido, chegaram à Irlanda em 5 de setembro de 2017, de barco, com os três filhos, um dos quais nascido há dois dias. A Sr.a E. é a mãe das três crianças e o Sr. E. é o pai apenas da mais nova das três.

23

As duas crianças mais velhas foram objeto de decisões de colocação provisória à guarda do Estado tomadas no Reino Unido em junho de 2017. Com efeito, o HCC já tinha manifestado a sua preocupação relativamente a esta família, designadamente no que se refere ao nível de higiene da casa, à capacidade dos progenitores de gerir o comportamento dos filhos, à violência doméstica em relações anteriores e a problemas de toxicodependência. Também se apurou que uma das crianças tinha sido ferida de forma não acidental e que não se podia excluir que o Sr. E. fosse o agressor.

24

Em 8 de setembro de 2017, devido às preocupações das autoridades públicas britânicas relativas à segurança das crianças, a High Court of Justice (England and Wales) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Reino Unido] proferiu um despacho de colocação das três crianças sob tutela judiciária, que atribuía os direitos de guarda ao HCC (a seguir «despacho de colocação sob tutela») e incluía uma ordem de regresso das três crianças (a seguir «ordem de regresso»).

25

No mesmo dia, o HCC tinha contactado o seu homólogo irlandês, a Child and Family Agency (Agência para a Infância e a Família, Irlanda, a seguir «Agência»), indicando‑lhe a sua intenção de requerer à High Court (England and Wales) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales)] uma decisão de regresso das três crianças. A Agência respondeu que essa decisão devia ser executada em conformidade com o Regulamento n.o 2201/2003. Mais tarde, no mesmo dia, o HCC informou a Agência de que a decisão de regresso tinha sido tomada nesse mesmo dia pelo referido tribunal.

26

Foram efetuadas várias visitas ao domicílio da família E., na Irlanda, mas a Agência não detetou nada de preocupante relativamente às crianças. Os progenitores em questão indicaram à Agência que tinham sido aconselhados a deslocar‑se para a Irlanda como forma de escaparem aos serviços sociais e à colocação das três crianças ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição.

27

A Agência informou os progenitores de que ia requerer uma decisão de colocação provisória das três crianças ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição, com base nas informações transmitidas pelo HCC. Informou‑os também de que o HCC podia pedir à High Court (Tribunal Superior, Irlanda) que procedesse ao reconhecimento da ordem de regresso das três crianças e que, se fosse dado provimento a esse pedido, as crianças deveriam então regressar ao Reino Unido.

28

Em 14 de setembro de 2017, a District Court (Tribunal de Primeira Instância, Irlanda) concedeu a guarda provisória das três crianças à Agência, que as colocou numa família de acolhimento. Os progenitores em questão deram o seu acordo a essa institucionalização provisória, sem contudo reconhecer o mérito da medida. Foi organizada uma reunião com os progenitores relativamente a um plano de tomada a cargo pela Agência. Estes foram expressamente informados de que o HCC pretendia requerer a execução da decisão de regresso que acabara de ser tomada pela High Court (England and Wales) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales)], através de um requerimento não sujeito a contraditório apresentado no High Court (Tribunal Superior, Irlanda), a fim de que as crianças regressassem ao Reino Unido.

29

Em 21 de setembro de 2017, a High Court (Tribunal Superior, Irlanda) proferiu um despacho, em conformidade com o capítulo III do Regulamento n.o 2201/2003, que reconheceu o despacho de colocação sob tutela e ordenou que essa decisão fosse «executada neste território» (a seguir «despacho ex parte»). Nesse mesmo dia, as três crianças foram entregues a assistentes sociais do HCC e regressaram ao Reino Unido.

30

Os serviços sociais do HCC tinham pedido expressamente aos seus homólogos irlandeses que não contactassem os progenitores em questão, considerando que havia risco de fuga. Assim, estes últimos apenas foram informados por telefone posteriormente, isto é, no próprio dia do regresso das três crianças, e o despacho ex parte só lhes foi formalmente notificado no dia seguinte.

31

Os progenitores tentaram recorrer do despacho de colocação sob tutela, mas foi‑lhes recusada autorização para recorrer em 9 de outubro de 2017 pela Court of Appeal of England and Wales [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales)].

32

Em 24 de novembro de 2017, interpuseram na High Court (Tribunal Superior, Irlanda) um recurso do despacho ex parte. Em 18 de janeiro de 2018, este julgou o recurso, que tinha sido entregue dois dias depois do termo do prazo previsto no artigo 33.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2201/2003, extemporâneo, com o fundamento de que o prazo previsto nesta disposição era de ordem pública e que o tribunal chamado a pronunciar‑se não era competente para o prorrogar. Os progenitores recorreram desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

33

Nestas condições, a Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda), no processo C‑325/18, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Quando é alegado que crianças foram indevidamente levadas do país onde têm a sua residência habitual, pelos seus progenitores e/ou outros familiares, em violação de uma decisão judicial obtida por uma autoridade pública desse Estado, pode tal autoridade pública solicitar, nos órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro, a execução de uma decisão judicial que ordene o regresso das crianças a esse país, nos termos das disposições do capítulo III do Regulamento [n.o 2201/2003], ou tal equivaleria a contornar ilicitamente o artigo 11.o desse regulamento e a Convenção de Haia de 1980 ou constituiria, de outro modo, um abuso de direito por parte da autoridade em questão?

2)

Num processo relativo ao regime de execução previsto no Regulamento [n.o 2201/2003], é possível prorrogar [o prazo de recurso previsto no] artigo 33.o, n.o 5, do referido regulamento, quando os atrasos são, essencialmente, de minimis e uma prorrogação teria sido concedida com base no direito processual nacional?

3)

Sem prejuízo da segunda questão, quando uma autoridade pública estrangeira retira as crianças objeto do litígio do território de um Estado‑Membro, na sequência de uma decisão de execução tomada ex parte, em conformidade com o artigo 31.o do Regulamento [n.o 2201/2003], mas antes da notificação de tal decisão aos progenitores, privando‑os assim dos seus direitos de requererem a suspensão de tal decisão na pendência de um recurso, essa conduta compromete de tal modo a essência dos direitos dos progenitores nos termos do artigo 6.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950,] ou do artigo 47.o da Carta que deva ser concedida uma prorrogação do prazo (para efeitos do artigo 33.o, n.o 5, do mesmo regulamento)?»

34

Os progenitores em questão apresentaram em seguida um pedido de medidas provisórias ao órgão jurisdicional de reenvio, a fim de suspender um processo de adoção das três crianças.

35

O HCC comunicou a sua intenção de só proceder à adoção da criança mais nova, uma vez que as duas outras crianças residem atualmente no Reino Unido com o pai de uma delas.

36

O HCC foi considerado «parte» no processo principal, mas não participou nesse processo no órgão jurisdicional de reenvio e não exerceu o seu direito de ser ouvido por este.

37

Nestas condições, a Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda), no processo C‑375/18, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O direito da União[,] e, mais especificamente, as disposições do Regulamento [n.o 2201/2003], opõe‑se a que um tribunal de um Estado‑Membro decrete por meio de um despacho de medidas provisórias (que preveja medidas cautelares) uma injunção in personam contra um organismo público de outro Estado‑Membro, por meio da qual este organismo seja proibido de tramitar um processo de adoção [de] crianças nos tribunais desse outro Estado‑Membro quando se verifique que essa injunção in personam é necessária para proteger os direitos das partes num processo que tem por objeto a execução de uma decisão ao abrigo do capítulo III deste regulamento?»

38

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de junho de 2018, os processos C‑325/18 e C‑375/18 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

Quanto à tramitação prejudicial urgente

39

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

40

Em apoio do seu pedido, sublinha o caráter urgente no processo C‑325/18, tendo em conta o processo de adoção das crianças instaurado pelo HCC e ao qual se opõe a mãe das três crianças. No que respeita à criança mais nova, o pai desta também se opõe à adoção.

41

Por outro lado, alega que o pedido de decisão prejudicial urgente, no processo C‑375/18, resulta de um processo de medidas provisórias que, se não for submetido à tramitação prejudicial urgente pelo Tribunal de Justiça, ficará privado do seu efeito útil.

42

A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que o presente reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento n.o 2201/2003, adotado com base, nomeadamente, no artigo 61.o, alínea c), CE, atual artigo 67.o TFUE, que figura no título V da parte III do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. É, por conseguinte, suscetível de ser submetido à tramitação prejudicial urgente.

43

Em segundo lugar, importa salientar que os processos principais dizem respeito a três crianças de menos de seis anos, separadas da mãe desde há cerca de um ano, e que o HCC iniciou diligências no Reino Unido com vista à adoção da criança mais nova.

44

Nestas condições, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 11 de junho de 2018, sob proposta do juiz‑relator, ouvida a advogada‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação prejudicial urgente.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão no processo C‑325/18

45

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições gerais do capítulo III do Regulamento n.o 2201/2003 devem ser interpretadas no sentido de que, quando é alegado que crianças foram deslocadas de maneira ilícita, a decisão de um órgão jurisdicional do Estado‑Membro no qual as crianças tinham a sua residência habitual, que ordena o regresso destas crianças, pode ser declarada executória no Estado‑Membro de acolhimento em conformidade com essas disposições gerais.

46

Esse órgão jurisdicional pergunta, em especial, se o HCC devia ter esgotado as vias de recurso disponíveis ao abrigo da Convenção de Haia de 1980 no Estado‑Membro de acolhimento antes de procurar, como fez, obter o reconhecimento e a execução do despacho de colocação sob tutela, ao abrigo do capítulo III do Regulamento n.o 2201/2003.

47

Em primeiro lugar, importa observar que, embora este regulamento vise, como decorre do seu preâmbulo, criar um espaço judiciário baseado no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais através do estabelecimento de regras que regulam a competência, o reconhecimento e a execução das decisões em matéria de responsabilidade parental, enquanto a Convenção tem por objetivo, de acordo com o seu artigo 1.o, alínea a), assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado contratante ou nele retidas indevidamente, há uma conexão estreita entre estes dois instrumentos, que têm como objetivo comum, em substância, dissuadir os raptos de crianças entre Estados e, em caso de rapto, obter o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2008, Rinau, C‑195/08 PPU, EU:C:2008:406, n.os 48 e 52).

48

Cumpre salientar que o considerando 17 do Regulamento n.o 2201/2003 destaca a natureza complementar deste regulamento, indicando que este completa as disposições da Convenção de Haia de 1980, que permanece, não obstante, aplicável.

49

Além disso, o artigo 34.o desta Convenção prevê que esta «não impedirá que outro instrumento internacional vigore entre o Estado de origem e o Estado requerido, nem que o direito não convencional do Estado requerido seja invocado para obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida, ou para organizar o direito de visita».

50

A articulação dos dois instrumentos em questão é clarificada no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, segundo o qual os órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro devem aplicar os n.os 2 a 8 desse artigo ao processo de regresso previsto pela Convenção de Haia de 1980.

51

Há que constatar que estas disposições não exigem que, caso seja alegado um rapto internacional de uma criança, uma pessoa, um organismo ou uma autoridade se baseiem na Convenção de Haia de 1980 para pedir o regresso imediato dessa criança ao Estado da sua residência habitual.

52

Esta interpretação é corroborada pelo artigo 60.o do Regulamento n.o 2201/2003, do qual resulta que este regulamento prevalece sobre a Convenção de Haia de 1980 (Acórdão de 11 de julho de 2008, Rinau, C‑195/08 PPU, EU:C:2008:406, n.o 54).

53

Assim, um titular da responsabilidade parental pode, em conformidade com o disposto no capítulo III do Regulamento n.o 2201/2003, pedir o reconhecimento e a execução de uma decisão relativa ao poder parental e ao regresso de crianças, adotada por um órgão jurisdicional competente nos termos do capítulo II, secção 2, do Regulamento n.o 2201/2003, mesmo se não tiver apresentado um pedido de regresso com base na Convenção de Haia de 1980.

54

Em segundo lugar, importa analisar se a ordem de regresso faz parte do âmbito de aplicação material deste regulamento, o que é contestado por C.E.

55

Resulta do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003 que este é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas, nomeadamente, à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação e à cessação da responsabilidade parental. Neste âmbito, o conceito de «matérias civis» deve ser concebido não de maneira restritiva, mas como um conceito autónomo de direito da União que abrange, em especial, todos os pedidos, medidas ou decisões em matéria de «responsabilidade parental», na aceção do referido regulamento, em conformidade com o objetivo recordado no seu considerando 5 (Acórdão de 21 de outubro de 2015, Gogova, C‑215/15, EU:C:2015:710, n.o 26).

56

O artigo 1.o, n.o 2, alíneas a) a d), do Regulamento n.o 2201/2003 precisa que as matérias relativas à responsabilidade parental dizem nomeadamente respeito ao direito de guarda, à tutela, à designação e às funções de qualquer pessoa ou organismo encarregado da pessoa ou dos bens da criança e da sua representação ou assistência, bem como à colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição.

57

O conceito de «responsabilidade parental» é objeto de uma definição ampla, no artigo 2.o, n.o 7, do Regulamento n.o 2201/2003, no sentido de que compreende o conjunto dos direitos e das obrigações conferidos a uma pessoa singular ou a uma pessoa coletiva, por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por um acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança (Acórdãos de 27 de novembro de 2007, C, C‑435/06, EU:C:2007:714, n.o 49, e de 26 de abril de 2012, Health Service Executive, C‑92/12 PPU, EU:C:2012:255, n.o 59).

58

Importa constatar que o exercício por um órgão jurisdicional da sua competência de colocação sob tutela implica o exercício de direitos relativos ao bem‑estar e à educação das crianças que seriam normalmente exercidos pelos progenitores, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, ou mesmo aspetos ligados à tutela e à curatela, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento. Como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, a transferência do direito de guarda para uma autoridade administrativa enquadra‑se igualmente no âmbito de aplicação do referido regulamento.

59

A este respeito, decorre do pedido de decisão prejudicial que o despacho ex parte, adotado pela High Court (Tribunal Superior, Irlanda) em conformidade com o capítulo III do Regulamento n.o 2201/2003, reconheceu o despacho de colocação sob tutela e declarou‑o executório na Irlanda.

60

É facto assente que o pedido de regresso das três crianças não se baseou na Convenção da Haia de 1980 e que o dispositivo do despacho de colocação sob tutela é composto por vários elementos, entre os quais a colocação destas crianças no regime de tutela judicial e a ordem de regresso. Afigura‑se, assim, que esta última é consecutiva à decisão respeitante à responsabilidade parental e indissociável desta última.

61

Daqui resulta que uma decisão de colocação de crianças sob tutela e de regresso dessas crianças, como a que está em causa no processo principal, cujo exequatur foi pedido à High Court (Tribunal Superior, Irlanda), é relativa à atribuição e/ou ao exercício e/ou à restrição da responsabilidade parental, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, e trata dos «direitos de guarda» e/ou de «tutela», na aceção do n.o 2 deste artigo. Por conseguinte, uma decisão deste tipo está abrangida pelo âmbito de aplicação material deste regulamento.

62

Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à primeira questão que as disposições gerais do capítulo III do Regulamento n.o 2201/2003 devem ser interpretadas no sentido de que, quando é alegado que crianças foram deslocadas de maneira ilícita, a decisão de um órgão jurisdicional do Estado‑Membro no qual essas crianças tinham a sua residência habitual que ordena o regresso das referidas crianças e é consecutiva a uma decisão referente à responsabilidade parental pode ser declarada executória no Estado‑Membro de acolhimento em conformidade com essas disposições gerais.

Quanto à segunda e terceira questões no processo C‑325/18

63

Com as suas segunda e terceira questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, se opõe à execução de uma decisão de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que ordena a colocação sob tutela e o regresso de crianças e que é declarada executória no Estado‑Membro requerido antes de se proceder à notificação da declaração de executoriedade desta decisão aos progenitores em questão, e se o prazo de recurso previsto no n.o 5 deste artigo 33.o deve ser oposto à pessoa contra a qual foi pedida a execução da referida decisão.

64

Como resulta do pedido de decisão prejudicial, o artigo 42A, regra 10, n.o 2, alínea ii), do Regulamento de Processo dos Tribunais Superiores prevê que «a execução da sentença ou da decisão pode ocorrer antes do termo» do prazo de recurso.

65

Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que, para evitar que o efeito suspensivo de um recurso de uma decisão relativa à declaração de executoriedade possa pôr em causa o prazo curto previsto no artigo 31.o do Regulamento n.o 2201/2003, uma decisão de colocação torna‑se executória a partir do momento em que o órgão jurisdicional do Estado‑Membro requerido declarou a força executória dessa decisão, em conformidade com o referido artigo 31.o (Acórdão de 26 de abril de 2012, Health Service Executive, C‑92/12 PPU, EU:C:2012:255, n.o 125). O Tribunal de Justiça considerou que, para não privar o Regulamento n.o 2201/2003 de efeito útil, a decisão do órgão jurisdicional do Estado‑Membro requerido relativa ao pedido de declaração de executoriedade deve ser tomada com particular celeridade sem que os recursos interpostos contra essa decisão do órgão jurisdicional do Estado‑Membro requerido possam ter efeito suspensivo (Acórdão de 26 de abril de 2012, Health Service Executive, C‑92/12 PPU, EU:C:2012:255, n.o 129).

66

Esta afirmação não prejudica todavia a questão, distinta, de saber se uma decisão declarada executória na fase processual ex parte pode ser executada antes de ser notificada.

67

A este respeito, importa observar que a redação do artigo 33.o do Regulamento n.o 2201/2003 não permite, por si só, responder às questões colocadas.

68

Com efeito, embora esta disposição preveja que o prazo para recorrer de uma decisão de execução começa a correr a partir da notificação desta decisão, não precisa se a execução pode ter lugar antes dessa notificação.

69

A este respeito, importa recordar que a exigência de notificação da decisão de exequatur tem por função, por um lado, proteger os direitos da parte contra a qual a execução de uma decisão é promovida e, por outro, no plano probatório, permitir o cômputo exato do prazo de recurso rigoroso e imperativo previsto no artigo 33.o do Regulamento n.o 2201/2003 (v., por analogia, Acórdão de 16 de fevereiro de 2006, Verdoliva, C‑3/05, EU:C:2006:113, n.o 34).

70

Esta exigência de notificação, assim como a transmissão conjunta de informações relativas ao recurso, permite assegurar que a parte contra a qual a execução é promovida beneficia de um direito de recurso efetivo. Assim, para que se possa considerar que a parte em questão teve a possibilidade, na aceção do artigo 33.o do Regulamento n.o 2201/2003, de interpor recurso de uma decisão de exequatur, tem de ter tido conhecimento do conteúdo dessa decisão, o que pressupõe que a mesma lhe tenha sido comunicada ou notificada (v., por analogia, Acórdão de 14 de dezembro de 2006, ASML, C‑283/05, EU:C:2006:787, n.o 40).

71

A este respeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que, em conformidade com o artigo 42A, regra 10, n.o 2, alínea iii), do Regulamento de Processo dos Tribunais Superiores, a decisão de executoriedade deve conter uma indicação de que «a execução da sentença ou da decisão pode ser suspensa mediante requerimento judicial, quando tiver sido interposto um recurso ordinário no Estado‑Membro de origem».

72

Com efeito, a possibilidade de, em conformidade com o direito nacional, requerer a suspensão da execução dessa decisão constitui uma garantia essencial do direito fundamental a um recurso efetivo e, de uma forma mais geral, dos direitos de defesa, que pode ser concedida, designadamente, se a execução de uma decisão puder provocar consequências manifestamente excessivas.

73

Nestas circunstâncias, como salientou a advogada‑geral no n.o 119 das suas conclusões, ainda que a pessoa contra a qual a execução é requerida deva ter a possibilidade de interpor recurso para poder suscitar, nomeadamente, um dos fundamentos de não reconhecimento previstos no artigo 23.o do regulamento, há que observar que a execução da ordem de regresso, antes mesmo de o despacho ter sido notificado aos progenitores em questão, os impediu de impugnar em tempo útil a «declaração de executoriedade», na aceção do artigo 33.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2201/2003, e, em todo o caso, de requerer a suspensão da respetiva execução.

74

Além disso, cumpre salientar que, na audiência no Tribunal de Justiça, o HCC alegou que a execução imediata da decisão era necessária devido a um «risco de fuga em geral». No entanto, importa observar que as crianças tinham sido colocadas num lar de acolhimento na Irlanda em 14 de setembro de 2017. Por conseguinte, não se afigura que a execução da decisão que ordenou o seu regresso ao Reino Unido se tenha caracterizado por uma especial urgência.

75

Nestas condições, há que constatar que a execução de uma decisão de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que ordena a colocação sob tutela e o regresso de crianças e que é declarada executória no Estado‑Membro requerido antes de se proceder à notificação da declaração de executoriedade desta decisão aos progenitores em questão é contrária ao artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, lido à luz do artigo 47.o da Carta.

76

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se, em tais circunstâncias, o artigo 33.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de recurso previsto nesta disposição deve ser oposto aos progenitores em questão.

77

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, os prazos de prescrição cumprem, em termos gerais, a função de garantir a segurança jurídica (Acórdão de 7 de julho de 2016, Lebek, C‑70/15, EU:C:2016:524, n.o 55 e jurisprudência referida). Por outro lado, é também conforme com o superior interesse da criança que as decisões que lhe dizem respeito só possam ser contestadas durante um período limitado.

78

No processo principal, não é contestado que a decisão de exequatur foi efetivamente notificada aos progenitores em questão.

79

É certo que, uma vez que a notificação foi efetuada após a execução dessa decisão, os progenitores foram privados do seu direito de requerer a suspensão da execução da ordem de regresso. No entanto, esta violação dos seus direitos de defesa não tem incidência no prazo de recurso iniciado com a notificação desta decisão.

80

Nestas condições, o prazo de recurso previsto no artigo 33.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2201/2003 não pode, portanto, ser objeto de uma prorrogação concedida pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se.

81

Tendo em conta as considerações que figuram no n.o 75 do presente acórdão, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se o direito nacional lhe permite proceder à revogação da decisão relativa ao pedido de declaração de executoriedade, anteriormente adotada.

82

Assim, há que responder à segundas e terceira questões que o artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, se opõe à execução de uma decisão de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que ordena a colocação sob tutela e o regresso de crianças e que é declarada executória no Estado‑Membro requerido, antes de se proceder à notificação da declaração de executoriedade desta decisão aos progenitores em questão. O artigo 33.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de recurso previsto nesta disposição não pode ser prorrogado pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se.

Quanto à questão no processo C‑375/18

83

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro adote medidas cautelares sob a forma de uma injunção contra um organismo público de outro Estado‑Membro que proíba esse organismo de instaurar ou prosseguir, nos tribunais desse outro Estado‑Membro, um processo de adoção de crianças que aí residem.

84

Importa recordar que o artigo 20.o do Regulamento n.o 2201/2003 permite aos órgãos jurisdicionais aí referidos decretar medidas provisórias ou cautelares, desde que, no que se refere à responsabilidade parental, esses órgãos jurisdicionais não baseiem a sua competência num dos artigos que figuram no capítulo II, secção 2, deste regulamento (Acórdão de 15 de julho de 2010, Purrucker, C‑256/09, EU:C:2010:437, n.o 63).

85

Esses órgãos jurisdicionais só estão autorizados a decretar medidas provisórias ou cautelares se respeitarem três requisitos cumulativos, a saber:

as medidas em causa devem ser urgentes;

devem ser tomadas em relação a pessoas ou bens que se encontrem no Estado‑Membro onde esses tribunais têm a sua sede; e

devem ter natureza provisória (Acórdão de 15 de julho de 2010, Purrucker, C‑256/09, EU:C:2010:437, n.o 77 e jurisprudência referida).

86

Daqui decorre que qualquer decisão da qual não resulte que foi adotada por um órgão jurisdicional competente ou pretensamente competente para conhecer do mérito não está necessariamente abrangida pelo artigo 20.o do Regulamento n.o 2201/2003, apenas estando abrangida por esta disposição quando preencher os requisitos nela previstos (Acórdão de 15 de julho de 2010, Purrucker, C‑256/09, EU:C:2010:437, n.o 78).

87

Ora, há que constatar que o pedido de injunção em causa no processo principal não diz respeito a pessoas que se encontram no Estado‑Membro onde esse tribunal tem a sua sede e, portanto, não preenche o requisito referido no n.o 85 do presente acórdão.

88

Daqui resulta que uma medida cautelar como a injunção em causa no processo principal, requerida ao órgão jurisdicional de um Estado‑Membro contra um organismo público de outro Estado‑Membro e que proíba esse organismo público de instaurar ou prosseguir, nos órgãos jurisdicionais desse outro Estado‑Membro, um processo de adoção de crianças que aí residem, não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 20.o do Regulamento n.o 2201/2003.

89

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se esta injunção teria como consequência proibir o HCC de recorrer aos tribunais ingleses competentes e é, assim, semelhante a uma forma de anti‑suit injunction, proibida pelos Acórdãos de 27 de abril de 2004, Turner (C‑159/02, EU:C:2004:228), e de 10 de fevereiro de 2009, Allianz e Generali Assicurazioni Generali (C‑185/07, EU:C:2009:69).

90

O Tribunal de Justiça declarou nesses acórdãos que uma anti‑suit injunction, isto é, uma injunção tendo por objetivo proibir uma pessoa de intentar ou de prosseguir um processo nos órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro, era incompatível com a Convenção de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32), e com o Regulamento n.o 44/2001, uma vez que tal injunção não respeita o princípio segundo o qual cada tribunal demandado está habilitado a pronunciar‑se, ao abrigo das regras aplicáveis, sobre a sua própria competência para decidir do litígio que lhe é submetido. Uma tal ingerência na competência de um tribunal de outro Estado‑Membro é, por outro lado, incompatível com o princípio da confiança mútua, que é o fundamento da criação de um sistema obrigatório de competência que todos os órgãos jurisdicionais abrangidos pelo âmbito de aplicação desses instrumentos jurídicos são obrigados a respeitar (Acórdãos de 27 de abril de 2004, Turner, C‑159/02,EU:C:2004:228, n.os 24 e 25; de 10 de fevereiro de 2009, Allianz e Generali Assicurazioni Generali, C‑185/07, EU:C:2009:69, n.os 29 e 30; e de 13 de maio de 2015, Gazprom, C‑536/13, EU:C:2015:316, n.os 33 e 34).

91

No caso vertente, há que considerar, em conformidade com esta jurisprudência, que o Regulamento n.o 2201/2003, em especial o seu artigo 26.o, não pode permitir a adoção de uma injunção com vista a proibir o HCC de instaurar um processo judicial no Reino Unido relativo à adoção das crianças ou a pôr em causa a competência dos tribunais ingleses a este respeito.

92

Todavia, importa constatar que, segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e como salientou a advogada‑geral nos n.os 153 e 154 das suas conclusões, uma injunção como a requerida pelos progenitores em questão não teria por objeto nem por efeito impedir o HCC de recorrer a um tribunal inglês relativamente a um litígio com o mesmo objeto do processo que está pendente no órgão jurisdicional de reenvio, porquanto um processo judicial de adoção, instaurado ou prosseguido no Reino Unido, tem um objeto e efeitos distintos dos do processo fundado no Regulamento n.o 2201/2003, respeitante ao regresso das crianças e que visa preservar o direito ao recurso dos progenitores em questão.

93

Além disso, segundo o próprio teor do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, a decisão relativa a essa adoção e as medidas que a preparam não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento.

94

Tendo em conta todo o exposto, há que responder à quarta questão que o Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, não se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro adote medidas cautelares sob a forma de uma injunção contra um organismo público de outro Estado‑Membro que proíba esse organismo de instaurar ou prosseguir, nos tribunais desse outro Estado‑Membro, um processo de adoção de crianças que aí residem.

Quanto às despesas

95

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

As disposições gerais do capítulo III do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, devem ser interpretadas no sentido de que, quando é alegado que crianças foram deslocadas de maneira ilícita, a decisão de um órgão jurisdicional do Estado‑Membro no qual essas crianças tinham a sua residência habitual que ordena o regresso das referidas crianças e é consecutiva a uma decisão referente à responsabilidade parental pode ser declarada executória no Estado‑Membro de acolhimento em conformidade com essas disposições gerais.

 

2)

O artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, lido à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, se opõe à execução de uma decisão de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que ordena a colocação sob tutela e o regresso de crianças e que é declarada executória no Estado‑Membro requerido, antes de se proceder à notificação da declaração de executoriedade desta decisão aos progenitores em questão. O artigo 33.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de recurso previsto nesta disposição não pode ser prorrogado pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se.

 

3)

O Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, não se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro adote medidas cautelares sob a forma de uma injunção contra um organismo público de outro Estado‑Membro que proíba esse organismo de instaurar ou prosseguir, nos tribunais desse outro Estado‑Membro, um processo de adoção de crianças que aí residem.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.