ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

21 de setembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Produtos cosméticos — Regulamento (CE) n.o 1223/2009 — Artigo 18.o, n.o 1, alínea b) — Produtos cosméticos que contêm ingredientes ou combinações de ingredientes que foram objeto de ensaios em animais ‘para cumprir os requisitos do presente regulamento’ — Proibição de colocação no mercado da União Europeia — Alcance»

No processo C‑592/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Divisão Queen’s Bench (Secção Administrativa), Reino Unido], por decisão de 15 de dezembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de dezembro de 2014, no processo

European Federation for Cosmetic Ingredients

contra

Secretary of State for Business, Innovation and Skills,

Attorney General,

sendo intervenientes:

Cruelty Free International, anteriormente British Union for the Abolition of Vivisection,

European Coalition to End Animal Experiments,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, A. Arabadjiev, J.‑C. Bonichot, C. G. Fernlund (relator) e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de dezembro de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação da European Federation for Cosmetic Ingredients, por D. Abrahams, barrister, R. Cana e I. de Seze, avocats,

em representação da Cruelty Free International e da European Coalition to End Animal Experiments, por D. Thomas, solicitor, e A. Bates, barrister,

em representação do Governo do Reino Unido, por L. Barfoot, na qualidade de agente, assistido por G. Facenna, QC, e J. Holmes, barrister,

em representação do Governo helénico, por S. Charitaki e A. Magrippi, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por D. Colas e J. Traband, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Flynn e P. Mihaylova, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de março de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos (JO 2009, L 342, p. 59).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a European Federation for Cosmetic Ingredients (a seguir «EFfCI») ao Secretary of State for Business, Innovation and Skills (a seguir «Secretary of State») e ao Attorney General, sendo intervenientes a Cruelty Free International, anteriormente British Union for the Abolition of Vivisection, e a European Coalition to End Animal Experiments, a respeito do alcance da proibição de comercialização prevista na referida disposição.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 4, 38 a 42 assim como 45 e 50 do Regulamento n.o 1223/2009 enunciam:

«(4)

O presente regulamento harmoniza de forma exaustiva as normas aplicáveis na Comunidade a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana.

[...]

(38)

O Protocolo relativo à Proteção e ao Bem‑Estar dos Animais anexo ao Tratado prevê que a Comunidade e os Estados‑Membros tenham plenamente em conta as exigências em matéria de bem‑estar dos animais na definição das políticas comunitárias, em especial no domínio do mercado interno.

(39)

A Diretiva 86/609/CEE do Conselho, de 24 de novembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos animais utilizados para fins experimentais e outros fins científicos [(JO 1986, L 358, p. 1)], prevê regras comuns para a utilização dos animais para fins experimentais na Comunidade e fixa as condições em que essas experiências devem ser realizadas no território dos Estados‑Membros. Em especial, o artigo 7.o dessa diretiva requer que os ensaios em animais sejam substituídos por métodos alternativos, desde que tais métodos existam e sejam cientificamente aceitáveis.

(40)

No entanto, é possível garantir a segurança dos produtos cosméticos e dos respetivos ingredientes recorrendo a métodos alternativos que não são necessariamente aplicáveis a todas as utilizações de ingredientes químicos. Assim, é necessário promover a utilização desses métodos em toda a indústria cosmética e prever a sua adoção a nível comunitário quando ofereçam aos consumidores um nível de proteção equivalente.

(41)

É já possível assegurar a inocuidade dos produtos cosméticos acabados, com base nos conhecimentos relativos à segurança dos ingredientes que contêm. Por conseguinte, deverá prever‑se um dispositivo destinado a proibir a realização de ensaios de produtos cosméticos acabados em animais. [...]

(42)

Tornar‑se‑á gradualmente possível garantir a segurança dos ingredientes utilizados nos produtos cosméticos utilizando métodos alternativos à experimentação animal validados a nível comunitário ou aprovados como cientificamente validados pelo Centro Europeu de Validação de Métodos Alternativos (CEVMA) e tendo em devida consideração o desenvolvimento da validação no âmbito da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE). Após consulta do [Comité Científico da Segurança dos Consumidores (CCSC)] quanto à aplicabilidade dos métodos alternativos validados ao domínio dos produtos cosméticos, a Comissão deverá publicar imediatamente os métodos validados ou aprovados e reconhecidos como sendo aplicáveis aos ingredientes em causa. Para atingir o nível mais elevado possível de proteção dos animais, é necessário fixar uma data para a introdução de uma proibição definitiva.

[...]

(45)

Deverá ser incentivado o reconhecimento, por parte dos países não membros, dos métodos alternativos desenvolvidos na Comunidade. Para tal, a Comissão e os Estados‑Membros deverão envidar todos os esforços no sentido de facilitar a aceitação desses métodos pela OCDE. A Comissão deverá igualmente esforçar‑se por obter, no quadro dos acordos de cooperação da Comunidade Europeia, o reconhecimento dos resultados dos ensaios de inocuidade realizados na Comunidade com métodos alternativos, a fim de não criar entraves à exportação dos produtos cosméticos nos quais esses métodos tenham sido utilizados e de evitar que os países não membros exijam a repetição desses ensaios recorrendo à experimentação com animais.

[...]

(50)

Na avaliação da segurança de um produto cosmético, deverá ser possível ter em conta os resultados das avaliações de riscos efetuadas noutros domínios relevantes. A utilização desses dados deverá ser devidamente documentada e justificada.»

4

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 1223/2009, intitulado «Âmbito e objetivo», este «regulamento estabelece as normas que os produtos cosméticos disponíveis no mercado devem cumprir a fim de garantir o funcionamento do mercado interno e um elevado nível de proteção da saúde humana».

5

O artigo 3.o do referido regulamento, intitulado «Segurança», dispõe:

«Os produtos cosméticos disponibilizados no mercado devem ser seguros para a saúde humana quando usados em condições de utilização normais ou razoavelmente previsíveis, [...].»

6

O artigo 10.o deste mesmo regulamento, intitulado «Avaliação da segurança», prescreve:

«1.   A fim de demonstrar que os produtos cosméticos estão conformes com o artigo 3.o, antes de os colocar no mercado, a pessoa responsável deve certificar‑se de que foram submetidos a uma avaliação da segurança com base nas informações relevantes e que foi estabelecido, nos termos do Anexo I, um relatório de segurança dos produtos cosméticos.

A pessoa responsável deve certificar‑se de que:

a)

A utilização prevista dos produtos cosméticos e a exposição sistémica prevista aos diferentes ingredientes de uma formulação final são tidas em conta na avaliação da segurança;

b)

É utilizada uma análise apropriada de ponderação da suficiência da prova na avaliação da segurança para efeitos de revisão dos dados provenientes de todas as fontes existentes;

c)

O relatório de segurança dos produtos cosméticos se mantém atualizado, tendo em conta as informações adicionais relevantes surgidas após a colocação dos produtos no mercado.

[...]»

7

O artigo 11.o do Regulamento n.o 1223/2009, intitulado «Ficheiro de informações sobre o produto», prevê que, «[q]uando um produto cosmético é colocado no mercado, a pessoa responsável deve conservar um ficheiro de informações sobre o produto» e que esse ficheiro contém, nomeadamente, «[o] relatório de segurança do produto cosmético a que se refere o n.o 1 do artigo 10.o» e «[d]ados relativos aos ensaios em animais realizados pelo fabricante, pelos seus agentes ou pelos seus fornecedores, relacionados com o desenvolvimento ou a avaliação da segurança do produto cosmético ou dos seus ingredientes, incluindo todos os ensaios em animais efetuados para cumprimento de requisitos legislativos ou regulamentares de países terceiros».

8

O artigo 18.o deste regulamento, intitulado «Ensaios em animais», está redigido como segue:

«1.   Sem prejuízo das obrigações gerais decorrentes do artigo 3.o, são proibidas as seguintes operações:

a)

A colocação no mercado de produtos cosméticos cuja formulação final, para cumprir os requisitos do presente regulamento, tenha sido objeto de ensaios em animais mediante a utilização de um método que não seja um método alternativo já validado e aprovado a nível comunitário, tendo em devida consideração o desenvolvimento da validação no âmbito da OCDE;

b)

A colocação no mercado de produtos cosméticos que contenham ingredientes ou combinações de ingredientes que, para cumprir os requisitos do presente regulamento, tenham sido objeto de ensaios em animais mediante a utilização de um método que não seja um método alternativo já validado e aprovado a nível comunitário, tendo em devida consideração o desenvolvimento da validação no âmbito da OCDE;

c)

A realização, na Comunidade, de ensaios de produtos cosméticos acabados em animais, para cumprir os requisitos do presente regulamento;

d)

A realização, na Comunidade, de ensaios de ingredientes ou combinações de ingredientes em animais, para cumprir os requisitos do presente regulamento, após a data em que seja exigida a substituição desses ensaios por um ou mais métodos alternativos validados enumerados no Regulamento (CE) n.o 440/2008 da Comissão, de 30 de maio de 2008, que estabelece métodos de ensaio nos termos do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH) [(JO 2008, L 142, p. 1)], ou no Anexo VIII do presente regulamento.

2.   A Comissão, após consulta do [Comité Científico da Segurança dos Consumidores (CCSC)] e do Centro Europeu para a Validação de Métodos Alternativos (CEVMA), e tendo em devida consideração o desenvolvimento da validação no âmbito da OCDE, estabeleceu calendários para a aplicação do disposto nas alíneas a), b) e d) do n.o 1, incluindo os prazos para a supressão gradual dos diferentes ensaios. Os calendários foram colocados à disposição do público em 1 de outubro de 2004 e enviados ao Parlamento Europeu e ao Conselho. O prazo de aplicação relativamente às alíneas a), b) e d) do n.o 1 foi limitado a 11 de março de 2009.

No que se refere aos ensaios relativos à toxicidade de dose repetida, à toxicidade reprodutiva e à toxicocinética para os quais ainda não existam métodos alternativos em estudo, o prazo de aplicação do disposto nas alíneas a) e b) do n.o 1 termina em 11 de março de 2013.

[...]

Em circunstâncias excecionais em que surjam graves preocupações no que respeita à segurança de um ingrediente existente que entra na composição de um produto cosmético, os Estados‑Membros podem solicitar à Comissão uma derrogação do n.o 1. O pedido deve incluir uma avaliação da situação e indicar as medidas necessárias. Nesse contexto, a Comissão pode, após consulta do [Comité Científico da Segurança dos Consumidores (CCSC)] e por decisão fundamentada, autorizar a derrogação. Essa autorização deve estabelecer as condições associadas à derrogação em termos de objetivos específicos, de duração e de comunicação de resultados.

A derrogação só pode ser concedida se:

a)

O ingrediente for largamente utilizado e não puder ser substituído por outro ingrediente apto a desempenhar funções semelhantes;

b)

O problema específico de saúde humana for fundamentado e a necessidade de efetuar ensaios em animais for justificada mediante um protocolo de investigação pormenorizado proposto para servir de base à avaliação.

[...]»

9

O Anexo I do referido regulamento enumera os elementos que devem constar do relatório de segurança do produto cosmético, e o seu ponto 8, que figura na parte A deste anexo, intitulada «Informação sobre a segurança do produto cosmético», enuncia:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 18.o, perfil toxicológico da substância contida no produto cosmético para todos os parâmetros toxicológicos relevantes. [...]»

Direito do Reino Unido

10

A regulation 12 das Cosmetic Products Enforcement Regulations 2013 (SI 2013/1478) (Regulamento de execução de 2013 em matéria de produtos cosméticos) dispõe, nomeadamente, que o facto de uma pessoa violar as proibições enunciadas no artigo 18.o do Regulamento n.o 1223/2009 constitui uma infração penal.

11

A regulation 6 desse regulamento dispõe que o dever de assegurar a aplicação do mesmo regulamento compete à autoridade de execução da lei, neste caso, o Secretary of State, e concede a esta autoridade os poderes para investigar alegadas infrações às obrigações impostas pelo mesmo regulamento, bem como para instaurar o respetivo processo judicial.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

A EFfCI é uma associação profissional que representa os fabricantes da União Europeia de ingredientes utilizados em produtos cosméticos.

13

Alguns membros desta associação realizaram ensaios em animais fora da União a fim de testar a segurança para a saúde humana de certos ingredientes cosméticos. Os dados resultantes desses ensaios eram necessários para que os ingredientes pudessem ser utilizados em produtos cosméticos destinados a venda no Japão e na China.

14

Os referidos ingredientes ainda não foram incorporados nos produtos cosméticos colocados no mercado da União, uma vez que havia dúvidas sobre o alcance da proibição de ensaios em animais prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1223/2009.

15

Este o motivo pelo qual a EFfCI instaurou, no órgão jurisdicional de reenvio, uma ação de fiscalização jurisdicional (judicial review) acerca do alcance dessa proibição, a fim de determinar se, caso colocassem no mercado do Reino Unido produtos cosméticos contendo os ingredientes objeto de ensaios em animais fora da União, as três empresas em causa estariam sujeitas a sanções penais.

16

Naquele órgão jurisdicional, a EFfCI sustentou que a proibição enunciada no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1223/2009 apenas se aplica quando os ensaios em animais em causa foram realizados para cumprir um ou mais requisitos deste regulamento. Assim, quando esses ensaios tenham sido realizados fora da União a fim de satisfazer as exigências legislativas ou regulamentares de um país terceiro, não se pode considerar que os ingredientes foram objeto de ensaios «para cumprir os requisitos do [Regulamento n.o 1223/2009]».

17

Em contrapartida, o Secretary of State e o Attorney General alegaram que o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma proibição de colocação no mercado igualmente para os produtos cosméticos contendo ingredientes que foram ensaiados em animais fora da União Europeia a fim de satisfazer as exigências da legislação de um país terceiro, quando esta é análoga àquele regulamento.

18

A Cruelty Free International e a European Coalition to End Animal Experiments sustentaram, referindo, nomeadamente, os n.os 84 a 86 das conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo França/Parlamento e Conselho (C‑244/03, EU:C:2005:178), que aquela disposição visa proibir a colocação no mercado de produtos cosméticos contendo qualquer ingrediente que tenha sido objeto de um ensaio em animais, independentemente de ser ou não necessário utilizar os dados obtidos a partir desse ensaio em países terceiros a fim de provar que o produto é seguro para a saúde humana em conformidade com o Regulamento n.o 1223/2009.

19

O órgão jurisdicional de reenvio entende que o alcance do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1223/2009, em particular da expressão «para cumprir os requisitos do presente regulamento», suscita um verdadeiro problema de direito.

20

Nestas condições, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Divisão Queen’s Bench (Secção Administrativa), Reino Unido] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do [Regulamento n.o 1223/2009] ser interpretado no sentido de que proíbe a colocação no mercado comunitário de produtos cosméticos que contenham ingredientes ou uma combinação de ingredientes que foram objeto de ensaios em animais, quando esses ensaios tenham sido realizados fora da União […] para cumprir requisitos legislativos ou regulamentares de países terceiros, com vista a comercializar produtos cosméticos que contenham [os referidos] ingredientes nesses países?

2)

[Depende a] resposta à [primeira questão] de:

a)

a avaliação da segurança realizada nos termos do artigo 10.o [deste regulamento] para demonstrar que o produto cosmético é seguro para a saúde humana antes de ser disponibilizado no mercado comunitário envolver ou não a utilização de dados resultantes de ensaios em animais realizados fora da União […];

b)

os requisitos legislativos ou regulamentares dos países terceiros estarem ou não relacionados com a segurança dos produtos cosméticos;

c)

ser ou não razoavelmente previsível, à data em que [um ingrediente foi objeto de] ensaios em animais fora da União, que uma pessoa pretendesse, no futuro, colocar no mercado comunitário um produto cosmético contendo aquele ingrediente; e/ou

d)

qualquer outro fator, e, em caso afirmativo, que fator?»

Quanto aos pedidos de reabertura da fase oral

21

Por cartas que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça, respetivamente, em 28 de abril e 6 de junho de 2016, a EFfCI e o Governo francês pediram a reabertura da fase oral do processo, com o fundamento de que as conclusões do advogado‑geral se basearam em considerações que não foram debatidas entre as partes. Além disso, essas conclusões iam além do objeto das questões prejudiciais, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio tinha expressamente excluído que os ensaios em animais realizados para efeitos do Regulamento n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), que cria a Agência Europeia dos Produtos Químicos, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO 2006, L 396, p. 1), merecessem um reenvio prejudicial.

22

Cumpre recordar que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o seu Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes visadas no artigo 23.o deste estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (v., designadamente, acórdão de 9 de junho de 2016, Pesce e o., C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 24).

23

Nos termos do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões (acórdão de 9 de junho de 2016, Pesce e o., C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 25).

24

Por conseguinte, o desacordo de um interessado com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este examina nessas conclusões, não pode constituir, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (acórdão de 9 de junho de 2016, Pesce e o., C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 26).

25

Assim sendo, importa recordar que, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido ou quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

26

No caso vertente, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que dispõe de todos os elementos necessários para responder ás questões submetidas e que esses elementos foram debatidos entre as partes, nomeadamente na audiência de 9 de dezembro de 2015.

27

Por conseguinte, há que indeferir os pedidos de reabertura da fase oral.

Quanto às questões prejudiciais

28

Com as suas duas questões, que convém apreciar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se e, sendo esse o caso, em que condições o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que proíbe a colocação no mercado da União de produtos cosméticos contendo algum ingrediente que foi objeto de ensaios em animais fora da União a fim permitir a comercialização de produtos cosméticos em países terceiros.

29

Para responder a estas questões, importa, em especial, examinar se a expressão «para cumprir os requisitos do [Regulamento n.o 1223/2009]», que figura no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento, pode visar ensaios em animais como os que estão em causa no processo principal.

30

A este respeito, deve sublinhar‑se que, de acordo com o seu significado habitual na linguagem corrente, essa expressão sugere uma referência à intenção de dar cumprimento às exigências do Regulamento n.o 1223/2009, a qual tinha estado na origem dos ensaios em causa. Assim, de um ponto de vista puramente literal, a referida expressão pode ser interpretada no sentido de que exige a prova de que a pessoa responsável por esses ensaios tinha, durante o período em que os realizava, a intenção de satisfazer as exigências deste regulamento. Segundo esta interpretação, os ensaios em animais alegadamente motivados pela vontade de dar cumprimento às exigências regulamentares de países terceiros em matéria de segurança dos produtos cosméticos, como as que estão em causa no processo principal, não implicam a proibição enunciada na referida disposição.

31

No entanto, é jurisprudência constante que, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., designadamente, acórdão de 10 de julho de 2014, D. e G., C‑358/13 e C‑181/14, EU:C:2014:2060, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

32

A este respeito, há que recordar que, de acordo com o considerando 4 do Regulamento n.o 1223/2009, este visa harmonizar de forma exaustiva as normas aplicáveis na União a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana. Decorre assim do artigo 1.o deste regulamento que o mesmo estabelece as normas que todos os produtos cosméticos disponíveis no mercado da União devem cumprir.

33

Quanto às regras que asseguram um elevado nível de proteção da saúde humana, decorre dos artigos 3.°, 10.° e 11.° do referido regulamento que esses produtos devem ser seguros para a saúde humana, que a sua segurança deve ser avaliada com base em informações adequadas e que um relatório de segurança deve ser elaborado e incluído no ficheiro de informações dos produtos cosméticos.

34

O Regulamento n.o 1223/2009 contém igualmente regras destinadas a estabelecer um nível de proteção dos animais no setor cosmético que ultrapassa o aplicável a outros setores. Com efeito, decorre de uma leitura conjugada dos seus considerandos 38 a 42 assim como 45 e 50 que, no âmbito deste regulamento, o legislador da União pretendia ter em conta as exigências em matéria de bem‑estar dos animais, promovendo ativamente uma utilização de métodos alternativos aos ensaios em animais para garantir a segurança dos produtos no setor cosmético, que é mais alargada do que em outros setores. Em particular, decorre do considerando 42 do referido regulamento que a segurança dos ingredientes utilizados nos produtos cosméticos poderá ser gradualmente garantida utilizando esses métodos e que, «[p]ara atingir o nível mais elevado possível de proteção dos animais, é necessário fixar uma data para a introdução de uma proibição definitiva» dos outros métodos.

35

Assim, uma vez que o Regulamento n.o 1223/2009 tem por objetivo estabelecer as condições de acesso ao mercado da União para os produtos cosméticos e assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana, zelando ao mesmo tempo pelo bem‑estar dos animais mediante a proibição dos ensaios em animais no setor destes produtos, o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento deve ser entendido no sentido de que condiciona esse acesso ao respeito da proibição de ensaios em animais.

36

A este respeito, importa referir, primeiro, que é no âmbito da avaliação da segurança de um produto cosmético exigida no artigo 10.o do Regulamento n.o 1223/2009 que podem ser admitidos os ensaios em animais. Nos termos do n.o 1, alínea b), deste artigo, a avaliação da segurança de um produto cosmético deve ser garantida através de uma análise apropriada de ponderação da força probatória para efeitos de revisão dos dados provenientes de todas as fontes existentes. Todavia, o Anexo I, ponto 8, deste regulamento prevê que o perfil toxicológico, que faz parte integrante do relatório de segurança de um produto cosmético, deve ser estabelecido sem prejuízo do disposto no artigo 18.o, do referido regulamento.

37

Não se pode considerar que os ensaios em animais cujos resultados não figuram nesse relatório foram realizados «para cumprir os requisitos do [Regulamento n.o 1223/2009]», na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento. Com efeito, quando a avaliação da segurança do produto cosmético possa ser garantida sem esses resultados, o acesso desse produto ao mercado da União não depende dos referidos ensaios.

38

Importa igualmente precisar, como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 94, 95 e 98 das suas conclusões, que a mera inclusão de dados resultantes de ensaios em animais no ficheiro de informações do produto cosmético não basta para tornar aplicável a proibição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1223/2009. Com efeito, resulta do artigo 11.o deste regulamento que os dados relativos aos ensaios em animais realizados, nomeadamente, pelo fabricante para cumprir os requisitos legislativos ou regulamentares de países terceiros devem figurar nesse ficheiro.

39

Em contrapartida, o facto de ter invocado, no relatório de segurança de um produto cosmético, resultados de ensaios em animais relativos a um ingrediente para uso cosmético a fim de demonstrar a segurança desse ingrediente para a saúde humana deve ser considerado suficiente para demonstrar que esses ensaios foram realizados para cumprir os requisitos do Regulamento n.o 1223/2009, a fim de obter o acesso ao mercado da União.

40

É irrelevante a este respeito que os ensaios em animais tenham sido exigidos para permitir a comercialização de produtos cosméticos em países terceiros.

41

Segundo, importa referir que o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1223/2009 não estabelece nenhuma distinção consoante o local onde o ensaio em animais em causa foi realizado. A introdução dessa distinção por via de interpretação é contrária ao objetivo relacionado com a proteção dos animais prosseguido pelo Regulamento n.o 1223/2009 em geral e pelo seu artigo 18.o em particular.

42

Com efeito, como foi salientado no n.o 34 do presente acórdão, esse regulamento promove ativamente uma utilização de métodos alternativos aos ensaios em animais para garantir a segurança dos produtos no setor cosmético, que é mais alargada do que em outros setores, nomeadamente suprimindo gradualmente os ensaios em animais neste setor. A este respeito, importa referir que a realização deste objetivo ficaria consideravelmente comprometida se fosse possível contornar as proibições previstas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009 mediante a realização dos ensaios em animais proibidos fora da União.

43

Por conseguinte, lida à luz do seu contexto e dos seus objetivos, há que interpretar a referida disposição no sentido de que se deve considerar que os ensaios em animais realizados fora da União a fim de permitir a comercialização dos produtos cosméticos em países terceiros, cujos resultados sejam utilizados para provar a segurança desses produtos para efeitos da sua colocação no mercado da União, foram realizados «para cumprir os requisitos do [Regulamento n.o 1223/2009]».

44

Assim, a proibição de comercialização prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1223/2009 pode ser aplicável desde que os ensaios em animais em causa no processo principal tenham sido realizados após as datas‑limite para a supressão gradual dos diferentes ensaios previstas no artigo 18.o, n.o 2, desse regulamento, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

45

Decorre de todas considerações anteriores que há que responder às questões submetidas que o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que pode proibir a colocação no mercado da União de produtos cosméticos contendo certos ingredientes que tenham sido objeto de ensaios em animais fora da União, a fim de permitir a comercialização dos produtos cosméticos em países terceiros, se os dados resultantes desses ensaios forem utilizados para provar a segurança dos referidos produtos para efeitos da sua colocação no mercado da União.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos, deve ser interpretado no sentido de que pode proibir a colocação no mercado da União Europeia de produtos cosméticos contendo certos ingredientes que tenham sido objeto de ensaios em animais fora da União, a fim de permitir a comercialização dos produtos cosméticos em países terceiros, se os dados daí resultantes forem utilizados para provar a segurança dos referidos produtos para efeitos da sua colocação no mercado da União.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.