ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

1 de outubro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigos 8.°, 12.° e 15.° — Competência em matéria de responsabilidade parental — Processo relativo à guarda de uma criança que reside habitualmente no Estado‑Membro de residência da mãe — Extensão de competência a favor de um tribunal do Estado‑Membro de residência do pai dessa criança — Alcance»

No processo C‑436/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 2 de agosto de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça na mesma data, no processo

E.

contra

B.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Segunda Secção, J. L. da Cruz Vilaça, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de maio de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação de E., por C. Marín Pedreño, solicitor, D. Williams, QC, e M. Gration, barrister,

em representação de B., por N. Hansen, solicitor, H. Setright, QC, E. Devereaux e R. Genova Alquacil, advocates,

em representação do Governo do Reino Unido, por V. Kaye, na qualidade de agente, e M. Gray, barrister,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e A.‑M. Rouchaud‑Joët, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 8.°, 12.° e 15.° do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO L 338, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe E. (a seguir «pai») a B. (a seguir «mãe»), relativo à competência dos tribunais do Reino Unido para conhecerem, designadamente, da determinação do local de residência habitual do seu filho S. e dos direitos de visita do pai.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 12 do Regulamento n.o 2201/2003 prevê:

«As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, exceto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.»

4

Na secção 2, intitulada «Responsabilidade parental», do capítulo II do Regulamento n.o 2201/2003, intitulado «Competência», o artigo 8.o deste último, sob a epígrafe «Competência geral», dispõe:

«1.   Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

2.   O n.o 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.°, 10.° e 12.°»

5

O artigo 9.o do Regulamento n.o 2201/2003, sob a epígrafe «Prolongamento da competência do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança», indica:

«1.   Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado‑Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8.o, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado‑Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança.

2.   O n.o 1 não é aplicável se o titular do direito de visita referido no n.o 1 tiver aceitado a competência dos tribunais do Estado‑Membro da nova residência habitual da criança, participando no processo instaurado nesses tribunais, sem contestar a sua competência.»

6

O artigo 12.o do Regulamento n.o 2201/2003, sob a epígrafe «Extensão da competência», prevê, no seu n.o 3:

«Os tribunais de um Estado‑Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental [...] quando:

a)

A criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro; e

b)

A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.»

7

O artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003, sob a epígrafe «Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação», prevê:

«1.   Excecionalmente, os tribunais de um Estado‑Membro competentes para conhecer do mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro Estado‑Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se encontra mais bem colocado para conhecer do processo ou de alguns dos seus aspetos específicos, e se tal servir o superior interesse da criança:

a)

Suspender a instância em relação à totalidade ou a parte do processo em questão e convidar as partes a apresentarem um pedido ao tribunal desse outro Estado‑Membro, nos termos do n.o 4; ou

b)

Pedir ao tribunal de outro Estado‑Membro que se declare competente nos termos do n.o 5.

2.   O n.o 1 é aplicável:

a)

A pedido de uma das partes; ou

b)

Por iniciativa do tribunal; ou

c)

A pedido do tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, nos termos do n.o 3.

Todavia, a transferência só pode ser efetuada por iniciativa do tribunal ou a pedido do tribunal de outro Estado‑Membro, se for aceite pelo menos por uma das partes.

3.   Considera‑se que a criança tem uma ligação particular com um Estado‑Membro, na aceção do n.o [1], se:

a)

Depois de instaurado o processo no tribunal referido no n.o 1, a criança tiver adquirido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

b)

A criança tiver tido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

c)

A criança for nacional desse Estado‑Membro; ou

d)

Um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

e)

O litígio se referir às medidas de proteção da criança relacionadas com a administração, a conservação ou a disposição dos bens na posse da criança, que se encontram no território desse Estado‑Membro.

4.   O tribunal do Estado‑Membro competente para conhecer do mérito deve fixar um prazo para instaurar um processo nos tribunais do outro Estado‑Membro, nos termos do n.o 1.

Se não tiver sido instaurado um processo dentro desse prazo, continua a ser competente o tribunal em que o processo tenha sido instaurado nos termos dos artigos 8.° a 14.°

5.   O tribunal desse outro Estado‑Membro pode, se tal servir o superior interesse da criança, em virtude das circunstâncias específicas do caso, declarar‑se competente no prazo de seis semanas a contar da data em que tiver sido instaurado o processo com base nas alíneas a) ou b) do n.o 1. Nesse caso, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar renuncia à sua competência. No caso contrário, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar continua a ser competente, nos termos dos artigos 8.° a 14.°

6.   Os tribunais devem cooperar para efeitos do presente artigo, quer diretamente, quer através das autoridades centrais designadas nos termos do artigo 53.o»

8

Na secção 3, intitulada «Disposições comuns», do capítulo II do Regulamento n.o 2201/2003, intitulado «Competência», o artigo 16.o deste último, sob a epígrafe «Apreciação da ação por um tribunal», dispõe:

«1.   Considera‑se que o processo foi instaurado:

a)

Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido; ou

b)

Se o ato tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o ato seja apresentado a tribunal.»

9

Na secção 1, intitulada «Reconhecimento», do capítulo III do Regulamento n.o 2201/2003, intitulado «Reconhecimento e execução», o artigo 21.o, n.o 1, deste regulamento, sob a epígrafe «Reconhecimento das decisões», estabelece:

«As decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem quaisquer formalidades.»

10

Na mesma secção 1, o artigo 26.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Proibição de revisão quanto ao mérito», prevê:

«A decisão não pode em caso algum ser revista quanto ao mérito.»

11

Na secção 4 desse capítulo III, intitulada «Força executória de certas decisões em matéria de direito de visita e de certas decisões que exigem o regresso da criança», o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 indica:

«O direito de visita referido na alínea a) do n.o 1 do artigo 40.o, concedido por uma decisão executória proferida num Estado‑Membro, é reconhecido e goza de força executória noutro Estado‑Membro sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconheça essa força e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento, se essa decisão tiver sido homologada no Estado‑Membro de origem nos termos do n.o 2.

Mesmo se a legislação nacional não previr a força executória de pleno direito de uma decisão que conceda um direito de visita, o tribunal de origem pode declarar a decisão executória, não obstante qualquer recurso.»

12

Na secção 6 do referido capítulo III, intitulada «Outras disposições», o artigo 47.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2201/2003 dispõe, quanto ao «Processo de execução»:

«Qualquer decisão proferida pelo tribunal de outro Estado‑Membro, e declarada executória nos termos da secção 2 ou homologada nos termos do n.o 1 do artigo 41.o ou do n.o 1 do artigo 42.o, é executada no Estado‑Membro de execução como se nele tivesse sido emitida.

Em particular, uma decisão homologada nos termos do n.o 1 do artigo 41.o ou do n.o 1 do artigo 42.o não pode ser executada em caso de conflito com uma decisão com força executória proferida posteriormente.»

Direito do Reino Unido

13

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a Section 8 da Lei de 1989 sobre a proteção da infância (Children Act 1989) permite aos tribunais de Inglaterra e do País de Gales decidir em matéria de residência («residence order») e direito de visita («contact order»), proibir certos atos («prohibited steps order») e dirimir questões específicas («specific issue order»), as quais podem incluir decisões sobre o regresso da criança à área do tribunal competente, o local de ensino da criança ou se esta deve ou não ser submetida a um determinado tratamento médico.

14

Nos termos da Section 2(1)(a) da Lei de 1986 sobre o direito de família (Family Law Act 1986):

«Um tribunal em Inglaterra ou no País de Gales não tomará uma decisão ao abrigo da Section 1(1)(a), a respeito de uma criança, a não ser que:

a)

seja competente por força do [Regulamento n.o 2201/2003] [...]».

15

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, nos termos dessa disposição, uma decisão proferida ao abrigo da Section 1(1)(a) é uma decisão proferida por um tribunal da Inglaterra e do País de Gales nos termos da Section 8 da Lei de 1989 sobre a proteção da infância.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Resulta da decisão de reenvio que o pai, de nacionalidade espanhola, e a mãe, nacional do Reino Unido (a seguir, conjuntamente, «pais»), quando S. nasceu, em 27 de maio de 2005, residiam há vários anos em Espanha, onde este último foi criado até 6 de fevereiro de 2010.

17

Nessa data, uma vez que os pais se tinham separado em novembro de 2009, a mãe mudou‑se com S. para o Reino Unido. No seguimento desta mudança, os pais tentaram, em vão, chegar a acordo quanto à partilha dos seus direitos relativamente a S., o que deu lugar a diversos processos judiciais em Espanha e no Reino Unido.

18

Em 21 de julho de 2010, os pais chegaram a acordo (a seguir «acordo de 21 de julho de 2010») quanto à guarda, atribuída à mãe, e ao direito de visita, reconhecido ao pai. Este acordo foi assinado pelos pais, na presença de um funcionário do Juzgado de Primera Instancia de Torrox (juiz de primeira instância de Torrox, Espanha). O acordo de 21 de julho de 2010 foi submetido à homologação desse órgão jurisdicional, o qual, em 20 de outubro de 2010, proferiu um despacho que ratificava os termos do acordo (a seguir «despacho de 20 de outubro de 2010»).

19

Em 17 de dezembro de 2010, a mãe apresentou um pedido nos termos da Section 8 da Lei de 1989 sobre a proteção da infância perante o Principal Registry of the High Court of Justice (England & Wales), Family Division (Reino Unido), com vista à adoção de uma decisão em matéria de residência («residence order»), de uma alteração das disposições em matéria de direito de visita constantes do acordo de 21 de julho de 2010 e do despacho de 20 de outubro de 2010 («contact order»), bem como de uma decisão sobre uma questão específica («specific issue order»). Em especial, a mãe requereu uma redução dos direitos de visita concedidos ao pai por este acordo.

20

Em 31 de janeiro de 2011, o pai apresentou, nesse mesmo órgão jurisdicional, um pedido de execução do despacho de 20 de outubro de 2010, por força dos artigos 41.° e 47.° do Regulamento n.o 2201/2003.

21

Na audiência de 16 de dezembro de 2011, perante a High Court, a mãe reconheceu que, visto o acordo de 21 de julho de 2010 e o despacho de 20 de outubro de 2010, tinha havido extensão de competência do Juzgado de Primera Instancia de Torrox, ao abrigo do artigo 12.o, n.o 3, do referido regulamento. Declarou, portanto, que não se opunha à execução do despacho de 20 de outubro de 2010, o qual foi devidamente executado, nos termos do acordo de 21 de julho de 2010. Em especial, as regras exatas do direito de visita do pai foram pormenorizadamente indicadas até 6 de janeiro de 2013.

22

Em 20 de dezembro de 2011, a mãe requereu ao Juzgado de Primera Instancia de Torrox, com base no artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003, a transferência da competência objeto de extensão para os tribunais de Inglaterra e do País de Gales. Em 29 de fevereiro de 2012, o Juzgado de Primera Instancia de Torrox proferiu um despacho sobre o pedido da mãe (a seguir «despacho de 29 de fevereiro de 2012»), o qual dispunha que, «[t]endo o [despacho de 20 de outubro de 2010] no presente processo transitado em julgado e estando o processo arquivado e não havendo entre as partes outros processos em matéria de direito de família pendentes neste tribunal, nada obsta[va] a que se declar[asse] a falta de competência, conforme requerido».

23

Em 30 de junho de 2012, a mãe reabriu o processo na High Court, pedindo que fosse declarado que os tribunais de Inglaterra e do País de Gales passavam a ser competentes em matéria de responsabilidade parental quanto a S., por este residir habitualmente no Reino Unido, na aceção do artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003. Por decisão de 25 de março de 2013, a High Court declarou‑se competente.

24

Em 21 de maio de 2013, o órgão jurisdicional de reenvio autorizou o pai a recorrer da decisão da High Court de 25 de março de 2013.

25

Enquanto aguarda o seguimento dado a esse recurso, a High Court considera que pode determinar novas regras pormenorizadas do direito de visita objeto da disputa entre os pais. Tendo dúvidas quanto à questão de saber se dispõe de competência quanto ao mérito ou apenas de competência de execução do acordo de 21 de julho de 2010 e do despacho de 20 de outubro de 2010, a High Court não tomou nenhuma decisão quanto ao período posterior a 6 de janeiro de 2013.

26

No âmbito desse recurso, o pai alega, em substância, que, com a sua decisão de 25 de março de 2013, a High Court cometeu um erro de direito ao declarar que os tribunais de Inglaterra e do País de Gales eram competentes quanto ao mérito. Em seu entender, uma extensão de competência ao abrigo do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 continua a produzir efeitos após o arquivamento do processo em causa, proporcionando, desse modo, a base de uma competência para efeitos de quaisquer processos que possam vir a ser necessários para dirimir questões de responsabilidade parental relativamente a S. O pai especifica igualmente que essa competência, de que um órgão jurisdicional continua a beneficiar, pode ser transferida, ao abrigo do artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003, independentemente da pendência de um processo.

27

A mãe argumenta que uma extensão da competência dos tribunais de um Estado‑Membro ao abrigo do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 produz efeitos até ao trânsito em julgado de uma decisão proferida no âmbito desse processo e que esses efeitos não se mantêm para além dessa prolação. Considera, além disso, que o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 só é aplicável a processos específicos, pendentes num tribunal de um Estado‑Membro, e não à competência desse tribunal em geral, pelo que, não havendo processos pendentes, não há lugar a transferência ao abrigo dessa disposição.

28

O órgão jurisdicional de reenvio especifica que, por despacho de 4 de julho de 2013, o Juzgado de Primera Instancia de Torrox aplicou à mãe uma sanção de 16000 euros pelo incumprimento do acordo de 21 de julho de 2010 e mencionou a possibilidade de colocar S. sob a guarda do pai.

29

Nestas circunstâncias, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Quando tenha havido extensão da competência de um tribunal de um Estado‑Membro em matéria de responsabilidade parental nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do [Regulamento n.o 2201/2003], essa extensão da competência apenas produz efeitos até ser proferida uma decisão definitiva no processo ou esses efeitos perduram mesmo depois de a decisão definitiva ter sido proferida?

2)

O artigo 15.o do [Regulamento n.o 2201/2003] permite aos tribunais de um Estado‑Membro transferir uma competência quando não haja um processo em curso a respeito do menor?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a competência em matéria de responsabilidade parental, objeto de extensão, ao abrigo do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, a favor de um tribunal de um Estado‑Membro a que os titulares da responsabilidade parental, de comum acordo, submeteram um litígio, cessa com o trânsito em julgado de uma decisão proferida no âmbito desse processo ou se essa competência se mantém depois de a decisão ter sido proferida.

Quanto à pertinência e admissibilidade da primeira questão

31

A título liminar, há que refutar os argumentos aduzidos tanto pela Comissão Europeia como pelo Governo espanhol com vista a pôr em causa a pertinência e a admissibilidade da primeira questão. A Comissão alega, nas suas observações escritas, que resulta do despacho de 29 de fevereiro de 2012 que o Juzgado de Primera Instancia de Torrox se declarou incompetente nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, devendo essa decisão ser reconhecida pelo órgão jurisdicional de reenvio, por força do artigo 21.o do mesmo regulamento.

32

O Governo espanhol considera que o processo principal tem por objeto uma questão relativa ao reconhecimento e à execução do despacho de 20 de outubro de 2010, bem como à proibição de o rever quanto ao mérito, na aceção dos artigos 21.°, 26.°, 41.° e 47.° do Regulamento n.o 2201/2003, dado que o pedido da mãe com vista à modificação do acordo de 21 de julho de 2010 e desse despacho foi apresentado menos de dois anos após a adoção do referido despacho.

33

No entanto, por um lado, como salientaram, na audiência, o Governo espanhol e os pais e admitiu, em substância, a Comissão, nada permite considerar que o despacho de 29 de fevereiro de 2012 contém qualquer decisão relativa à competência do tribunal espanhol quanto ao mérito, que devesse ser reconhecida pelo órgão jurisdicional de reenvio nos termos do artigo 21.o do Regulamento n.o 2201/2003.

34

Por outro lado, como sustentaram, na audiência, a mãe e a Comissão, há que considerar que o processo principal e a primeira questão, contrariamente ao que defende o Governo espanhol, incidem não sobre uma questão relativa ao reconhecimento e execução do despacho de 20 de outubro de 2010 e à proibição de o rever quanto ao mérito, na aceção dos artigos 21.°, 26.°, 41.° e 47.° do Regulamento n.o 2201/2003, mas sobre a questão de saber se o órgão jurisdicional de reenvio dispõe ou não da competência em matéria de responsabilidade parental resultante do artigo 8.o, n.o 1, desse regulamento.

35

Em particular, há que precisar que quaisquer questões relativas à procedência do pedido da mãe, ou ao eventual caráter abusivo deste, submetidas aos tribunais de Inglaterra e do País de Gales menos de dois anos após ter sido proferido o despacho de 20 de outubro de 2010 e destinadas a obter uma alteração das disposições do acordo de 21 de julho de 2010 e, portanto, uma substituição do referido despacho, devem ser apreciadas, em conformidade com os artigos 8.° a 15.° do Regulamento n.o 2201/2003, pelo órgão jurisdicional competente em matéria de responsabilidade parental.

36

Por outro lado, tendo em conta que é facto assente, no caso em apreço, que, na data da prolação do presente acórdão, não foi tomada, por nenhum tribunal, uma decisão posterior relativa à responsabilidade parental, no que respeita a S., e que, consequentemente, o despacho de 20 de outubro de 2010 não foi alterado ou substituído, há que concluir que o mesmo, na presente data, continua a ser plenamente executório.

Quanto ao mérito

37

No que respeita à interpretação do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, há que recordar que, na interpretação de uma disposição do direito da União, deve atender‑se não só aos seus termos mas também ao seu contexto e aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão Van Buggenhout e Van de Mierop, C‑251/12, EU:C:2013:566, n.o 26 e jurisprudência referida).

38

A este propósito, cumpre salientar que a competência de um tribunal deve ser determinada, segundo o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, «à data em que o processo seja instaurado no tribunal» e, segundo o artigo 12.o, n.o 3, do mesmo, «à data em que o processo é instaurado em tribunal». A este propósito, o artigo 16.o do referido regulamento especifica que se considera que o processo foi instaurado «[n]a data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância […]».

39

Por outro lado, para efeitos da extensão de uma competência, o artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003 exige, designadamente, que, à data em que o processo é instaurado, a competência dos tribunais de um Estado‑Membro distinto do da residência habitual tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo.

40

Resulta pois dos termos dos artigos 8.°, n.o 1, e 12.°, n.o 3, desse regulamento que a competência de um tribunal em matéria de responsabilidade parental deve ser verificada e determinada em cada caso específico, quando um processo é instaurado num tribunal, o que implica que ela não se mantém após a conclusão de um processo pendente.

41

Quanto ao contexto em que se inserem os artigos 8.°, n.o 1, e 12.°, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, o considerando 12 deste último precisa que a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança. Em conformidade com esse considerando, o artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento prevê que a competência geral em matéria de responsabilidade parental seja determinada em função dessa residência.

42

Por força desse considerando 12 e do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2201/2003, são admitidas competências distintas dessa competência geral unicamente em certos casos de mudança de residência da criança, previstos designadamente no artigo 9.o deste regulamento, ou na sequência de um acordo celebrado entre os titulares da responsabilidade parental, previsto no artigo 12.o, n.o 3, do referido regulamento.

43

Por outro lado, resulta do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 que, em caso de mudança da residência habitual da criança, os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual mantêm a sua competência unicamente para alterarem uma decisão proferida por esses mesmos tribunais antes da deslocação da criança e, em qualquer caso, apenas durante um período de três meses.

44

No que respeita aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 2201/2003, saliente‑se que o seu considerando 12 prevê que as regras de competência deste regulamento em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade e que uma das condições enunciadas no artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do referido regulamento impõe que quaisquer competências objeto de extensão em conformidade com esta disposição o sejam no superior interesse da criança.

45

Por conseguinte, a competência em matéria de responsabilidade parental deve ser determinada, acima de tudo, em função do superior interesse da criança.

46

Ora, como salientaram, com justeza, a mãe, o Governo do Reino Unido e a Comissão, embora a extensão de uma competência aceite pelos titulares da responsabilidade parental de uma criança para um processo específico possa ser considerada no superior interesse dessa criança, já não se pode admitir que, em todos os casos, tal competência objeto de extensão se mantenha, após a conclusão do processo para o qual tal extensão teve lugar e durante toda a infância da pessoa em causa, no superior interesse desta última.

47

Portanto, importa considerar que, quando é submetido a um tribunal um processo nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, o superior interesse da criança só pode ser preservado através de uma análise, em cada caso concreto, da questão de saber se a prorrogação de competência pretendida é compatível com esse superior interesse.

48

Além disso, destinando‑se o referido artigo 12.o, n.o 3, a permitir que os titulares da responsabilidade parental submetam de comum acordo e sob certas outras condições a um tribunal assuntos abrangidos pela responsabilidade parental para cuja apreciação o mesmo não é, em princípio, competente, não se pode presumir que tal acordo subsiste, em todos os casos, após a conclusão do processo e no que respeita a outros assuntos que possam surgir posteriormente.

49

Cumpre, portanto, considerar que uma extensão de competência, nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, apenas produz efeitos para o processo específico submetido ao tribunal cuja competência é objeto de extensão e que essa competência cessa, em benefício do tribunal que tem competência geral em aplicação do artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, com a decisão definitiva no processo na origem da extensão de competência.

50

À luz das considerações precedentes, há que responder à primeira questão prejudicial que a competência em matéria de responsabilidade parental, objeto de extensão nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, a favor de um tribunal de um Estado‑Membro a que os titulares da responsabilidade parental, de comum acordo, submeteram um litígio, cessa com o trânsito em julgado de uma decisão proferida no âmbito desse processo.

Quanto à segunda questão

51

Tendo em conta a resposta dada pelo Tribunal de Justiça à primeira questão, não há que responder à segunda questão, que foi submetida na hipótese de a competência em matéria de responsabilidade parental, objeto de extensão nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, se manter depois de ter sido proferida uma decisão definitiva no processo na origem da extensão de competência.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

A competência em matéria de responsabilidade parental, objeto de extensão nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, a favor de um tribunal de um Estado‑Membro a que os titulares da responsabilidade parental, de comum acordo, submeteram um litígio, cessa com o trânsito em julgado de uma decisão proferida no âmbito desse processo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.