ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

9 de abril de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Resíduos — Diretiva 75/442/CEE — Artigo 7.o, n.o 1 — Plano de gestão — Locais e instalações apropriados para a eliminação dos resíduos — Conceito de ‘plano de gestão de resíduos’ — Diretiva 1999/31/CE — Artigos 8.° e 14.° — Aterros autorizados ou que já estavam em exploração à data da transposição desta diretiva»

No processo C‑225/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Bélgica), por decisão de 22 de abril de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de abril de 2013, no processo

Ville d’Ottignies‑Louvain‑la‑Neuve,

Michel Tillieut,

Willy Gregoire,

Marc Lacroix,

contra

Région wallonne,

sendo interveniente:

Shanks SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot (relator) e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da ville d’Ottignies‑Louvain‑la‑Neuve, de M. Tillieut, W. Gregoire e M. Lacroix, por J. Sambon, avocat,

em representação da Shanks SA, por F. Haumont, avocat,

em representação do Governo belga, por T. Materne, na qualidade de agente, assistido por É. Orban de Xivry, avocat,

em representação da Comissão Europeia, por J.‑F. Brakeland, P. Oliver e A. Sipos, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), conforme alterada pela Decisão 96/350/CE da Comissão, de 24 de maio de 1996 (JO L 135, p. 32, a seguir «Diretiva 75/442»), e da Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (JO L 197, p. 30).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a cidade de Ottignies‑Louvain‑la‑Neuve, bem como M. Tillieut, W. Gregoire e M. Lacroix, à Région wallonne, a respeito de uma autorização solicitada pela Shanks SA para explorar e conceber um plano de ordenamento de uma instalação destinada à eliminação de resíduos.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 75/442 prevê:

«Para realizar os objetivos referidos nos artigos 3.°, 4.° e 5.°, a ou as autoridades competentes mencionadas no artigo 6.o devem estabelecer, logo que possível, um ou mais planos de gestão de resíduos. Esses planos incidirão nomeadamente sobre:

o tipo, a quantidade e a origem dos resíduos a aproveitar ou a eliminar,

normas técnicas gerais,

disposições especiais relativas a resíduos específicos,

locais ou instalações apropriados para a eliminação.

[…]»

4

O considerando 18 da Diretiva 1999/31/CE do Conselho, de 26 de abril de 1999, relativa à deposição de resíduos em aterros (JO L 182, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2011/97/UE do Conselho, de 5 de dezembro de 2011 (JO L 328, p. 49, a seguir «Diretiva 1999/31»), enuncia:

«Considerando que, em virtude das características particulares do método de eliminação que é a deposição em aterro, se torna necessário instaurar para todas as classes de aterros um processo de autorização específico que observe os requisitos gerais de autorização já constantes da [Diretiva 75/442] […]»

5

O considerando 26 da Diretiva 1999/31 enuncia:

«Considerando que importa regulamentar as condições da futura exploração dos aterros existentes, a fim de tomar, no prazo fixado, as medidas necessárias à sua adaptação à presente diretiva com base num plano de ordenamento da instalação».

6

O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, que tem por epígrafe «Objetivo geral», prevê:

«A fim de dar cumprimento às exigências da [Diretiva 75/442], nomeadamente dos artigos 3.° e 4.°, o objetivo da presente diretiva é, com base em requisitos operacionais e técnicos estritos em matéria de resíduos e aterros, prever medidas, processos e orientações que evitem ou reduzam tanto quanto possível os efeitos negativos sobre o ambiente […]»

7

O artigo 8.o da referida diretiva, que tem por epígrafe «Condições da licença», precisa:

«Os Estados‑Membros tomarão medidas para que:

a)

As autoridades competentes só concedam a licença de exploração de um aterro depois de se terem certificado que:

i)

Sem prejuízo dos n.os 4 e 5 do artigo 3.o, o projeto de aterro preenche todos os requisitos da presente diretiva, incluindo os anexos;

[…]

b)

O projeto de aterro esteja conforme com o plano ou planos pertinentes de gestão de resíduos previstos no artigo 7.o da [Diretiva 75/442];

[…]»

8

Nos termos do artigo 14.o da mesma diretiva, que tem por epígrafe «Aterros já existentes»:

«Os Estados‑Membros tomarão medidas para garantir que os aterros aos quais já tenha sido concedida uma licença ou que se encontrem em exploração à data da transposição da presente diretiva só continuem em funcionamento se, o mais rapidamente possível e, o mais tardar, no prazo de oito anos a contar da data prevista no n.o 1 do artigo 18.o, estiverem preenchidas as seguintes condições:

a)

No prazo de um ano a contar da data prevista no n.o 1 do artigo 18.o, o operador no aterro deve preparar e submeter à aprovação das autoridades competentes, um plano de ordenamento do local que inclua as informações referidas no artigo 8.o e quaisquer medidas corretoras que o operador considere necessárias para dar cumprimento aos requisitos da presente diretiva, com exceção dos requisitos do ponto 1 do anexo I;

b)

Após a apresentação do plano de ordenamento, as autoridades competentes tomarão uma decisão definitiva sobre a eventual continuação das operações nos termos do referido plano de ordenamento e do disposto na presente diretiva. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que, nos termos do n.o 7 do artigo 7.o e do artigo 13.o, os aterros que não tenham obtido uma licença para continuar as operações nos termos do artigo 8.o sejam encerrados logo que possível;

c)

Autorização, pelas autoridades competentes, dos trabalhos necessários, com base no plano de ordenamento aprovado, e fixação de um período de transição para a execução do plano. Todos os aterros existentes deverão preencher os requisitos da presente diretiva, com exceção dos requisitos do ponto 1 do anexo I, no prazo de oito anos a contar da data prevista no n.o 1 do artigo 18.o;

[…]»

9

O artigo 18.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/31, que tem por epígrafe «Transposição», precisa:

«Os Estados‑Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva o mais tardar dois anos após a sua entrada em vigor. Do facto informarão imediatamente a Comissão [Europeia].»

10

O n.o 1 do anexo I desta diretiva tem a seguinte redação:

«Localização

1.1.

A localização de um aterro deverá obedecer a requisitos relativos:

a)

Às distâncias do perímetro do local em relação a áreas residenciais e recreativas, cursos de água, massas de água e outras zonas agrícolas e urbanas;

b)

À existência na zona de águas subterrâneas ou costeiras, ou áreas protegidas da natureza;

c)

Às condições geológicas e hidrogeológicas da zona;

d)

Aos riscos de cheias, de aluimento, de desabamento de terra ou de avalanches;

e)

À proteção do património natural ou cultural da zona.

1.2.

A instalação de um aterro só pode ser autorizada se as características do local no que se refere aos requisitos acima mencionados ou as medidas corretoras a implementar indicarem que o aterro não apresenta qualquer risco grave para o ambiente.»

11

O artigo 2.o da Diretiva 2001/42 prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

‘Planos e programas’, qualquer plano ou programa, incluindo os cofinanciados pela Comunidade Europeia, bem como as respetivas alterações, que:

seja sujeito a preparação e/ou aprovação por uma autoridade a nível nacional, regional e local, ou que seja preparado por uma autoridade para aprovação, mediante procedimento legislativo, pelo seu Parlamento ou Governo, e

seja exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas;

[…]»

12

Nos termos do artigo 13.o desta diretiva:

«1.   Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 21 de julho de 2004, e informar imediatamente a Comissão desse facto.

[…]

3.   A obrigação a que se refere o n.o 1 do artigo 4.o aplica‑se exclusivamente aos planos e programas cujo primeiro ato preparatório formal seja posterior à data referida no n.o 1. […]»

Direito belga

13

O Decreto da Região da Valónia de 27 de junho de 1996 relativo aos resíduos (décret de la Région wallone du 27 juin 1996 relatif aux déchets) (Moniteur belge de 2 de agosto de 1996, p. 20685), na versão resultante das alterações que lhe foram introduzidas em último lugar pelo Decreto da Região da Valónia de 16 de outubro de 2003 (décret de la Région wallone du 16 octobre 2003) (Moniteur belge de 23 de outubro de 2003, p. 51644, a seguir «Decreto de 1996»), contém um artigo 24.o, cujos n.os 1 e 2 preveem:

«1.   O Governo aprova, nos termos dos artigos 11.° a 16.° do Decreto de 21 de abril de 1994 relativo à planificação em matéria de ambiente no âmbito do desenvolvimento sustentável, um plano de gestão de resíduos. Este plano constitui um programa setorial na aceção deste decreto. Pode incluir uma planificação por tipo de resíduos ou por setor de atividades.

O plano deve compreender nomeadamente:

uma descrição dos tipos, quantidades e origens dos resíduos, das modalidades de gestão dos resíduos produzidos e transportados anualmente, das instalações que estão a ser exploradas e dos locais ocupados;

[…]

O plano é acompanhado de dados relativos […] às suas consequências previsíveis para o ambiente.

2.   O Governo aprova, de acordo com o procedimento previsto nos artigos 25.° e 26.°, um plano de centros de enterramento técnico que compreenda os locais suscetíveis de serem destinados à implantação e à exploração de centros de enterramento técnico, com exceção dos centros de enterramento cuja utilização exclusiva é reservada ao produtor de resíduos.

Não poderá ser autorizado nenhum centro de enterramento técnico, com exceção daqueles cuja utilização exclusiva é reservada ao produtor de resíduos, para além dos previstos no plano a que se refere o presente número.»

14

O artigo 25.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Decreto de 1996 prevê:

«O projeto de plano dos centros de enterramento técnico está sujeito a estudos de impacto ambiental. […]»

15

Em execução, respetivamente, dos n.os 1 e 2 do artigo 24.o do Decreto de 1996, o Governo valão adotou, por um lado, em 15 de janeiro de 1998, o Plano valão dos resíduos «Horizon 2010» (plan wallon des déchets «Horizon 2010») (Moniteur belge de 21 de abril de 1998, p. 11806), e, por outro, em 1 de abril de 1999, o Plano de centros de enterramento técnico (plan des centres d’enfouissement technique) (Moniteur belge de 13 de julho de 1999, p. 26747), que entrou em vigor em 13 de julho 1999.

16

O artigo 70.o do Decreto de 1996 dispõe:

«Enquanto não tiver entrado em vigor o Plano dos centros de enterramento técnico a que se refere o artigo 24.o, n.o 2, os pedidos de autorização na aceção do artigo 11.o para a implantação e exploração de centros de enterramento técnico e os pedidos de licença de construção, na aceção do artigo 41.o, n.o 1, do Código valão relativo à organização do território, ao urbanismo e ao património [code wallon de l’aménagement du territoire, de l’urbanisme et du patrimoine], que tenham sido considerados admissíveis antes da aprovação do presente decreto pelo Parlamento podem ser deferidos para zonas industriais, agrícolas e de extração, nos termos em que estas zonas estiverem definidas nos artigos 172.°, 176.° e 182.° do mesmo código.

Em derrogação ao disposto no artigo 24.o, n.o 2, os pedidos relativos a centros de enterramento técnico, diferentes daqueles cuja utilização exclusiva é reservada ao produtor inicial de resíduos, anteriormente autorizados, que existiam antes da entrada em vigor do plano dos centros de enterramento técnico referido no artigo 24.o n.o 2, ou que foram objeto de uma autorização ou de uma licença nos termos do primeiro parágrafo do presente artigo, podem, independentemente da data de apresentação do pedido, dar lugar, consoante o caso, a uma licença ambiental, a uma licença única ou a uma licença de construção, nas zonas do plano de setor em que esses centros de enterramento técnico foram anteriormente autorizados, para permitir, nas parcelas que forem objeto dessa autorização ou dessa licença, o prolongamento da exploração, a alteração das condições de exploração, incluindo as relativas ao volume autorizado, ou a alteração do relevo do solo em valores diferentes dos inicialmente autorizados. O presente parágrafo aplica‑se apenas aos centros de enterramento técnico autorizados que se encontrem mencionados no título VII, capítulo I, do Plano dos centros de enterramento técnico aprovado em 1 de abril de 1999.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

O litígio no processo principal tem por objeto a autorização para exploração e conceção de um centro de enterramento técnico de resíduos domésticos e industriais não perigosos, que se encontra em funcionamento desde 1958 em Mont‑Saint‑Guibert (Bélgica), num local conhecido como «Trois burettes».

18

Em 20 de maio de 2003, a sociedade Page, atualmente Shanks SA, apresentou um pedido de «licença única» destinado tanto à prossecução da atividade como à realização de diferentes obras de acondicionamento neste centro de enterramento técnico.

19

Em 18 de dezembro de 2003, o collège communal de Mont‑Saint‑Guibert emitiu uma licença que o Governo valão, após a introdução de algumas alterações, posteriormente aprovou, por Decreto Ministerial de 10 de maio de 2004, tendo sido interposto recurso de anulação deste decreto no órgão jurisdicional de reenvio.

20

Em apoio deste recurso, os recorrentes no processo principal contestam a conformidade do artigo 70.o, segundo parágrafo, do Decreto de 1996, com base no qual aquela licença foi emitida, com o direito da União. Sustentam, em primeiro lugar, que este artigo não é conforme com o artigo 7.o da Diretiva 75/442, na medida em que permite que seja concedida uma autorização de exploração de aterros em locais não previstos no plano de gestão de resíduos e cuja localização não resulta, assim, de critérios ambientais. Alegam, em seguida, que daqui resulta igualmente uma violação do artigo 8.o, alínea b), da Diretiva 1999/31, o qual impõe que, para ser autorizado, um projeto de aterro tem de ser conforme com o plano de gestão de resíduos previsto no artigo 7.o da Diretiva 75/442. Por último, estes recorrentes consideram que o artigo 70.o, segundo parágrafo, do Decreto de 1996 é suscetível de comprometer seriamente os objetivos da Diretiva 2001/42, a qual exige que seja realizada uma avaliação ambiental para todos os planos e programas elaborados em matéria de gestão dos resíduos.

21

Nestas condições, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 7.o da [Diretiva 75/442] ser interpretado no sentido de que permite que seja qualificada de plano de gestão de resíduos uma disposição normativa que prevê que, em derrogação da regra segundo a qual nenhum centro de enterramento técnico pode ser autorizado fora dos locais previstos pelo plano de gestão de resíduos, os centros de enterramento técnico autorizados antes da entrada em vigor desse plano de gestão de resíduos podem, após essa entrada em vigor, obter novas autorizações sobre as parcelas objeto da autorização anterior à referida entrada em vigor do plano de gestão de resíduos?

2)

Deve o artigo 2.o, alínea a), da [Diretiva 2001/42] ser interpretado no sentido de que inclui no conceito de plano e programa uma disposição normativa que prevê que, em derrogação da regra segundo a qual nenhum centro de enterramento técnico pode ser autorizado fora dos locais previstos pelo plano de gestão de resíduos exigido pelo artigo 7.o da [Diretiva 75/442], os centros de enterramento técnico autorizados antes da entrada em vigor desse plano de gestão de resíduos podem, após essa entrada em vigor, obter novas autorizações sobre as parcelas objeto da autorização anterior à referida entrada em vigor do plano de gestão de resíduos?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, o artigo 70.o, segundo parágrafo, do [Decreto de 1996] cumpre as exigências da avaliação dos efeitos estabelecidas pela [Diretiva 2001/42]?»

Resposta do Tribunal de Justiça

Quanto à segunda e terceira questões

22

Com as suas segunda e terceira questões, que há que examinar em primeiro lugar e em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/42 deve ser interpretado no sentido de que uma disposição normativa nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê, em derrogação da regra segundo a qual nenhum centro de enterramento técnico pode ser autorizado fora dos locais previstos no plano de gestão de resíduos exigido pelo artigo 7.o da Diretiva 75/442, que os centros de enterramento técnico autorizados antes da entrada em vigor desse plano podem, após essa data, obter novas autorizações sobre as mesmas parcelas, constitui um «plano» ou um «programa», na aceção desta disposição da Diretiva 2001/42. Se for caso disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se tal plano ou programa respeita as exigências ambientais previstas nesta diretiva.

23

Contudo, não havendo indicações na decisão de reenvio de que o juiz ao qual o litígio foi submetido se deve colocar, para apreciar a legalidade da decisão impugnada, no dia em que decide, há que constatar que a Diretiva 2001/42 não é aplicável ao litígio no processo principal uma vez que tanto a licença em causa no processo principal, emitida em 18 de dezembro de 2003, como o Decreto Ministerial de10 de maio de 2004 que aprovou a licença foram adotados antes de expirar o prazo de transposição desta diretiva (v., por analogia, acórdão Commune de Braine‑le‑Château e o., C‑53/02 e C‑217/02, EU:C:2004:205, n.o 45).

24

Nestas condições, não há que responder à segunda e terceira questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Quanto à primeira questão

25

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de que uma disposição normativa nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê, em derrogação da regra segundo a qual nenhum centro de enterramento técnico pode ser autorizado fora dos locais previstos no plano de gestão de resíduos imposto por este artigo, que os centros de enterramento técnico autorizados antes da entrada em vigor desse plano podem, após essa data, ser objeto de novas autorizações sobre as mesmas parcelas, constitui um «plano de gestão de resíduos», na aceção desta disposição da Diretiva 75/442.

26

A título preliminar, há que salientar que os autos apresentados ao Tribunal de Justiça, bem como as respostas enviadas pelas partes interessadas à questão escrita que lhes foi colocada pelo Tribunal nos termos do artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, revelam divergências importantes sobre o alcance da disposição em causa no processo principal, em particular sobre a questão de saber se esta disposição permite derrogar a planificação espacial, que resulta do plano de gestão dos centros de enterramento técnico do Estado‑Membro, numa situação de renovação da autorização de exploração dos aterros que já tinham sido autorizados quando este plano entrou em vigor. Resulta nomeadamente de determinadas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que tal não é o caso, uma vez que esta disposição só tem por objeto os aterros existentes e elencados como tal por este plano.

27

Não obstante, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, nos processos em que é chamado a decidir, interpretar o direito nacional para determinar o respetivo alcance exato.

28

Nestas condições, há que recordar que, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 75/442, as autoridades competentes dos Estados‑Membros devem estabelecer, logo que possível, um ou mais planos de gestão de resíduos para realizar os objetivos referidos nos artigos 3.° a 5.° desta diretiva. De acordo com esse número, esses planos incidirão nomeadamente sobre o tipo, a quantidade e a origem dos resíduos a aproveitar ou a eliminar, sobre as normas técnicas gerais, sobre as disposições especiais relativas a resíduos específicos e sobre os locais ou instalações apropriados para a eliminação.

29

Daqui resulta que uma disposição normativa nacional, como a que está em causa no processo principal, que se destina unicamente a prever, por meio de uma derrogação ao direito comum, que a autorização de exploração dos aterros já autorizados à data em que o plano de gestão de resíduos entrou em vigor no Estado‑Membro em causa pode ser concedida para as mesmas parcelas, ainda que estas não figurem nesse plano, não pode, por si só, ser considerada um sistema organizado e articulado que se destina a realizar esses objetivos constitutivos de um «plano de gestão de resíduos», na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 75/442 (v., neste sentido, acórdão Comissão/Grécia, C‑387/97, EU:C:2000:356, n.o 76).

30

Contudo, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o facto de um órgão jurisdicional nacional ter formulado uma questão prejudicial e ter feito referência apenas a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, independentemente de ter ou não feito essas referências no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, em particular da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v. nomeadamente, neste sentido, acórdão Texdata Software, C‑418/11, EU:C:2013:588, n.o 35 e jurisprudência referida).

31

Nestas condições, há igualmente que examinar se o artigo 8.o da Diretiva 1999/31, aplicável aos factos do processo principal, se opõe a uma disposição normativa nacional, como a referida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

32

A este respeito, há que constatar que resulta do artigo 8.o, alíneas a) e b), da Diretiva 1999/31 que uma licença de exploração de um aterro só pode ser concedida se o projeto de aterro for conforme com o plano de gestão de resíduos previsto no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 75/442.

33

Contudo, o artigo 14.o da Diretiva 1999/31 sujeitou a um regime transitório derrogatório, devendo essa transposição ocorrer o mais tardar até 16 de julho de 2001, os aterros «aos quais já tenha sido concedida uma licença ou que se encontrem em exploração à data da [sua] transposição».

34

Com efeito, resulta deste regime transitório que, para poderem continuar a funcionar, esses aterros deviam, o mais tardar no prazo de oito anos a contar de 16 de julho de 2001, conformar‑se com as novas exigências ambientais enumeradas no artigo 8.o da Diretiva 1999/31, com exceção das enunciadas no anexo I, n.o 1, da mesma. Ora, esta exceção tem por objeto, precisamente, as exigências relativas à localização do aterro.

35

O artigo 14.o da Diretiva 1999/31 permite, assim, que um aterro autorizado ou que já estava em exploração no momento em que o Estado‑Membro procedeu à transposição desta diretiva pudesse continuar a funcionar e ser objeto de novas autorizações, ainda que não figure na lista de locais previstos nesse plano de gestão de resíduos adotado em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 75/442, desde que os restantes requisitos previstos neste artigo 14.o fossem respeitados.

36

Por conseguinte, o artigo 8.o da Diretiva 1999/31 não se opõe a uma disposição normativa nacional, como a que está em causa no processo principal, que pode ter a sua base legal no artigo 14.o desta diretiva e aplicar‑se a aterros autorizados ou que já estavam em exploração à data da transposição da mesma, desde que os outros requisitos previstos neste artigo 14.o estejam preenchidos, situação que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

37

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de que uma disposição normativa nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê, em derrogação da regra segundo a qual nenhum centro de enterramento técnico pode ser autorizado fora dos locais previstos no plano de gestão de resíduos imposto por este artigo, que os centros de enterramento técnico autorizados antes da entrada em vigor desse plano podem, após essa data, ser objeto de novas autorizações sobre as mesmas parcelas, não constitui um «plano de gestão de resíduos», na aceção desta disposição da Diretiva 75/442. Contudo, o artigo 8.o da Diretiva 1999/31 não se opõe a tal disposição normativa nacional que pode ter a sua base legal no artigo 14.o desta diretiva e aplicar‑se a aterros autorizados ou que já estavam em exploração à data da transposição desta, desde que os outros requisitos previstos neste artigo 14.o estejam preenchidos, situação que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

38

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1975, relativa aos resíduos, conforme alterada pela Decisão 96/350/CE da Comissão, de 24 de maio de 1996, deve ser interpretado no sentido de que uma disposição normativa nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê, em derrogação da regra segundo a qual nenhum centro de enterramento técnico pode ser autorizado fora dos locais previstos no plano de gestão de resíduos imposto por este artigo, que os centros de enterramento técnico autorizados antes da entrada em vigor desse plano podem, após essa data, ser objeto de novas autorizações sobre as mesmas parcelas, não constitui um «plano de gestão de resíduos», na aceção desta disposição da Diretiva 75/442, conforme alterada pela Decisão 96/350.

 

Contudo, o artigo 8.o da Diretiva 1999/31/CE do Conselho, de 26 de abril de 1999, relativa à deposição de resíduos em aterros, conforme alterada pela Diretiva 2011/97/UE do Conselho, de 5 de dezembro de 2011, não se opõe a tal disposição normativa nacional que pode ter a sua base legal no artigo 14.o desta diretiva e aplicar‑se a aterros autorizados ou que já estavam em exploração à data da transposição desta, desde que os outros requisitos previstos neste artigo 14.o estejam preenchidos, situação que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 )   Língua do processo: francês.