Processo C-222/02

Peter Paul e o.

contra

Bundesrepublik Deutschland

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof)

«Instituições de crédito – Sistema de garantia de depósitos – Directiva 94/19/CE – Directivas 77/780/CEE, 89/299/CEE e 89/646/CEE – Medidas de controlo pela autoridade competente para protecção do depositante – Responsabilidade das autoridades de supervisão pelos danos causados por uma supervisão deficiente»

Sumário do acórdão

1.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Livre prestação de serviços – Instituições de crédito – Sistemas de garantia de depósitos – Regulamentação nacional que limita as missões da autoridade nacional de supervisão ao interesse geral e que exclui a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão deficiente – Conformidade com a Directiva 94/19 – Condição – Indemnização dos depositantes nas condições fixadas pela directiva

(Directiva 94/19 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 3.°, n.os 2 a 5)

2.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Livre prestação de serviços – Instituições de crédito – Supervisão das instituições de crédito – Regulamentação nacional que limita as missões da autoridade nacional de supervisão ao interesse geral e que exclui a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão deficiente – Conformidade com as Directivas 77/780, 89/299 e 89/646

(Directivas do Conselho 77/780, 89/299 e 89/646)

1.        Quando está assegurada a indemnização dos depositantes prevista na Directiva 94/19, relativa aos sistemas de garantia de depósitos, o artigo 3.°, n.os 2 a 5, desta última não pode ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma nacional segundo a qual as missões da autoridade nacional de supervisão das instituições de crédito são desempenhadas unicamente no interesse público, o que exclui, segundo o direito nacional, que os particulares possam pedir a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão deficiente da parte dessa autoridade.

Com efeito, as referidas disposições têm por objectivo assegurar aos depositantes que a instituição de crédito na qual efectuaram os seus depósitos pertence a um sistema de garantia dos depósitos, por forma a ser salvaguardado o direito de serem indemnizados em caso de indisponibilidade dos seus depósitos em conformidade com as regras previstas na referida directiva, e servem unicamente à instituição e ao bom funcionamento do sistema de garantia dos depósitos conforme previsto na directiva. Em contrapartida, e quando esta indemnização é assegurada, as referidas regras não conferem aos depositantes o direito a que as autoridades competentes assegurem, no interesse destes, as medidas de supervisão.

(cf. n.os 29, 30, 32, disp. 1)

2.        A Primeira Directiva 77/780, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade dos estabelecimentos de crédito e ao seu exercício, a Directiva 89/299, relativa aos fundos próprios das instituições de crédito, bem como a Segunda Directiva 89/646, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu exercício, não se opõem a uma norma nacional segundo a qual as missões da autoridade nacional de supervisão das instituições de crédito são desempenhadas unicamente no interesse público, o que exclui, segundo o direito nacional, que os particulares possam pedir a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão deficiente da parte dessa autoridade.

Com efeito, embora as directivas em causa imponham às autoridades nacionais determinadas obrigações de supervisão relativamente às instituições de crédito, também não decorre necessariamente do facto de, entre os objectivos das referidas directivas, figurar igualmente a protecção dos depositantes que estas directivas visam criar direitos para os depositantes em caso de indisponibilidade dos seus depósitos causada por uma supervisão deficiente da parte das autoridades nacionais competentes.

(cf. n.os 39, 40, 47, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Tribunal Pleno )
12 de Outubro de 2004(1)

«Instituições de crédito – Sistema de garantia de depósitos – Directiva 94/19/CE – Directivas 77/780/CEE, 89/299/CEE e 89/646/CEE – Medidas de controlo pela autoridade competente para protecção do depositante – Responsabilidade das autoridades de supervisão pelos danos causados por uma supervisão deficiente»

No processo C‑222/02,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE,

apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 16 de Maio de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de Junho de 2002, no processo

Peter Paul,Cornelia Sonnen-Lütte,Christel Mörkens

contra

Bundesrepublik Deutschland,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Tribunal Pleno ),,



composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, presidentes de secção, C. Gulmann (relator), J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,
secretário: M.‑F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 30 de Setembro de 2003,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 25 de Novembro de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 3.° e 7.° da Directiva 94/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 1994, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO L 135, p. 5), bem como de várias disposições da Primeira Directiva 77/780/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1977, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade dos estabelecimentos de crédito e ao seu exercício (JO L 332, p. 30; EE 06 F2 p. 21), da Directiva 89/299/CEE do Conselho, de 17 de Abril de 1989, relativa aos fundos próprios das instituições de crédito (JO L 124, p. 16), bem como da Segunda Directiva 89/646/CEE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1989, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu exercício, e que altera a Directiva 77/780 (JO L 386, p. 1).

2
Este pedido foi apresentado no âmbito de litígios que opõem P. Paul, C. Sonnen‑Lütte e C. Mörkens (a seguir «Paul e o.») à Bundesrepublik Deutschland, à qual pedem reparação por transposição tardia da Directiva 94/19 e por supervisão deficiente de um banco pelo Bundesaufsichtsamt für das Kreditwesen (serviço federal de supervisão das instituições de crédito, a seguir «Bundesaufsichtsamt»).


Enquadramento jurídico

Regulamentação comunitária

3
Segundo o vigésimo quarto considerando da Directiva 94/19:

«[…] a presente directiva não pode ter como efeito tornar os Estados‑Membros ou as suas autoridades competentes responsáveis perante os depositantes, a partir do momento em que tiverem assegurado a instauração ou o reconhecimento oficial de um ou mais sistemas que garantam os depósitos ou as próprias instituições de crédito e que assegurem a indemnização ou a protecção dos depositantes nas condições estipuladas na presente directiva».

4
O artigo 3.° da Directiva 94/19 prevê:

«1.     Cada Estado‑Membro tomará todas as medidas para que sejam instituídos e oficialmente reconhecidos, no seu território, um ou mais sistemas de garantia de depósitos […]

[…]

2.       Se uma instituição de crédito não cumprir as obrigações que lhe incumbem como membro de um sistema de garantia de depósitos, as autoridades competentes que tiverem emitido a respectiva autorização serão notificadas e, em colaboração com o sistema de garantia, tomarão todas as medidas necessárias, incluindo a imposição de sanções, por forma a assegurar que a instituição de crédito cumpra as suas obrigações.

3.       Se essas medidas forem insuficientes para assegurar o cumprimento das obrigações por parte da instituição de crédito, o sistema pode, sempre que a legislação nacional permita a exclusão de um membro e com o consentimento expresso das autoridades competentes, notificar a instituição de crédito, com uma antecedência mínima de doze meses, da sua intenção de a excluir da qualidade de membro do sistema. Os depósitos efectuados antes do termo do período de pré‑aviso continuarão a estar plenamente garantidos pelo sistema. Se, no termo do período de pré‑aviso, a instituição de crédito não tiver cumprido as suas obrigações, o sistema de garantia pode proceder à exclusão, obtido novamente o consentimento expresso das autoridades competentes.

4.       Sempre que a legislação nacional o permita, e com o consentimento expresso das autoridades competentes que tiverem emitido a respectiva autorização, uma instituição de crédito excluída de um sistema de garantia de depósitos pode continuar a aceitar depósitos se, antes da sua exclusão, tiver estabelecido mecanismos de garantia alternativos que assegurem aos depositantes um nível e um âmbito de protecção pelo menos equivalentes aos que forem oferecidos pelos sistemas reconhecidos oficialmente.

5.       Se uma instituição de crédito notificada da intenção de exclusão nos termos do n.° 3 não conseguir estabelecer mecanismos alternativos que satisfaçam as condições referidas no n.° 4, as autoridades competentes que tiverem emitido a respectiva autorização revogá‑la‑ão imediatamente.»

5
Nos termos do artigo 7.° da Directiva 94/19:

«1.     Os sistemas de garantia de depósitos devem estipular que o conjunto dos depósitos de um mesmo depositante deve ser garantido até 20 000 ecus no caso de os depósitos ficarem indisponíveis.

[…]

3.       O presente artigo não obsta à manutenção ou à adopção de disposições que ofereçam uma cobertura de depósitos mais elevada ou mais ampla. Nomeadamente, os sistemas de garantia de depósitos podem, por razões de carácter social, cobrir totalmente certas categorias de depósitos.

[…]

6.       Os Estados‑Membros devem assegurar que o direito a indemnização dos depositantes possa ser objecto de recurso do depositante contra o sistema de garantia de depósitos.»

6
O artigo 14.°, n.° 1, da Directiva 94/19 prevê que «[o]s Estados‑Membros adoptarão e publicarão as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva o mais tardar em 1 de Julho de 1995».

Regulamentação nacional

7
O § 6, n.os 3 e 4, da Gesetz über das Kreditwesen (lei relativa ao crédito, a seguir «KWG»), na versão aplicável ao litígio no processo principal (que resulta da alteração de 9 de Setembro de 1998, BGBl. 1998 I, p. 2776), prevê:

«3.     O Bundesaufsichtsamt pode, no âmbito das missões que lhe são confiadas, tomar contra o estabelecimento e o seu director as medidas adequadas e necessárias a fim de prevenir e remediar problemas no estabelecimento que possam ameaçar a segurança dos activos que lhe estão confiados ou perturbar a condução correcta das operações bancárias ou dos serviços financeiros.

4.       O Bundesaufsichtsamt exerce as missões que lhe são confiadas por esta e por outras leis exclusivamente no interesse público.»

8
A esta última disposição corresponde actualmente o § 4, n.° 4, da Gesetz über die Bundesanstalt für Finanzdienstleitungsaufsicht (lei relativa à instituição federal de supervisão dos serviços financeiros) de 22 de Abril de 2002 (BGBl. 2002 I, p. 1310).

9
O § 839, n.° 1, primeiro período, do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão, a seguir «BGB») dispõe:

«Qualquer funcionário que, com dolo ou negligência, violar os deveres que, em virtude da sua função, lhe incumbem no que se refere a terceiros, é obrigado, no que a estes se refere, a reparar o prejuízo que daí resultar.»

10
A Grundgesetz (Lei Fundamental, a seguir «GG») prevê, no artigo 34.°, primeiro período, que:

«Se uma pessoa, no exercício de um cargo público que lhe foi confiado, violar as obrigações que o cargo lhe impõe para com terceiros, a responsabilidade pela violação incumbe, em princípio, ao Estado ou à colectividade ao serviço da qual essa pessoa se encontre.»


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11
Paul e o. eram clientes da BVH Bank für Vermögensanlagen und Handel AG (a seguir «BVH Bank»). Este banco tinha recebido em 1987 autorização do Bundesaufsichtsamt, mas não fazia parte de um sistema de garantia de depósitos. Entre 1987 e 1992 pediu, em vão, a sua admissão nos fundos de garantia de depósitos da Bundesverband deutscher Banken e.V, mas abandonou o procedimento de admissão por não preencher as condições exigidas.

12
Em 1991, 1995 e 1997, a má situação financeira da BVH Bank levou o Bundesaufsichtsamt a realizar inquéritos sobre as suas actividades. Na sequência do terceiro inquérito, o Bundesaufsichtsamt pediu, em 14 de Novembro de 1997, a abertura de um processo de falência e retirou à BVH Bank a autorização para exercer actividades bancárias.

13
Paul e o. tinham aberto contas de depósitos a prazo na BVH Bank, respectivamente, em 7 de Junho de 1995, 28 de Fevereiro de 1994 e 17 de Junho de 1993. No âmbito do processo de falência iniciado em Dezembro de 1997, declaram créditos no montante respectivo de 131 455,80 DEM, 101 662,51 DEM e 66 976,20 DEM.

14
Paul e o. propuseram no Landgericht Bonn (Alemanha) acções contra a Bundesrepublik Deutschland destinadas a obter a indemnização pelas perdas dos respectivos depósitos. Alegaram que não teriam perdido esses depósitos se a Directiva 94/19 tivesse sido transposta no prazo fixado no seu artigo 14.°, n.° 1, isto é, antes de 1 de Julho de 1995. Com efeito, o Bundesaufsichtsamt teria tomado nessa altura medidas de supervisão em relação à BVH Bank ainda antes de os então autores efectuarem depósitos nesta última.

15
Ora, a Directiva 94/19 só foi transposta para o direito alemão através da lei de transposição da directiva CE relativa à garantia de depósitos e da directiva CE relativa à indemnização dos investidores, de 16 de Julho de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 1842), que entrou em vigor em 1 de Agosto de 1998.

16
Em primeira instância, o Landgericht Bonn declarou que a transposição tardia da Directiva 94/19 constituía uma violação caracterizada do direito comunitário pela Bundesrepublik Deutschland e condenou esta última a pagar a cada autor o montante de 39 450 DEM, que equivalem a 20 000 euros, isto é, o montante previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 94/19, acrescido de juros.

17
Quanto ao prejuízo financeiro superior a este montante, as pretensões de Paul e o. não foram atendidas pelo Landgericht Bonn nem pelo Oberlandesgericht Köln (Alemanha). Segundo estes dois órgãos jurisdicionais, a responsabilidade administrativa nos termos do § 839 do BGB, conjugado com o artigo 34.° da GG, pressupõe a violação de «obrigações impostas pelo cargo para com terceiros», isto é, uma obrigação que existe, de qualquer forma, relativamente à parte lesada. Declararam que essa responsabilidade estava excluída no caso do Bundesaufsichtsamt, que leva a cabo as missões que lhe são confiadas unicamente no interesse público, nos termos do § 6, n.° 4, da KWG.

18
Por conseguinte, Paul e o. interpuseram recurso de revista para o Bundesgerichtshof e pediram que a Bundesrepublik Deutschland fosse condenada no pagamento de uma indemnização por violação do direito comunitário.

19
O Bundesgerichtshof observa, por um lado, que Paul e o. não indicaram com precisão as medidas de supervisão que teriam sido necessárias mas que não foram adoptadas pelo Bundesaufsichtsamt. Por outro lado, sublinha que a Bundesrepublik Deutschland não contestou explicitamente a reprovação de um comportamento faltoso do Bundesaufsichtsamt, mas apenas negou qualquer responsabilidade pelo facto de essa autoridade desempenhar as suas missões unicamente no interesse público. Nestas circunstâncias, o Bundesgerichtshof considera que, para efeitos de apreciação do recurso de revista, há que tomar por base a premissa de que o Bundesaufsichtsamt não executou as medidas de supervisão que se impunham ou que o fez demasiado tarde e Paul e o. sofreram, por isso, um prejuízo que ultrapassa o montante que já lhes foi reconhecido em primeira instância.

20
O Bundesgerichtshof considera determinante, para a apreciação jurídica no processo nele pendente, saber se uma norma como a que consta do § 6, n.° 4, da KWG pode, sem que lhe possa ser apontada qualquer crítica, limitar a responsabilização administrativa do Bundesaufsichtsamt ao reconhecer‑lhe obrigações administrativas unicamente no interesse público – e nesse caso, os órgãos jurisdicionais que se pronunciaram anteriormente tiveram razão em afastar a responsabilidade da Bundesrepublik Deutschland ao abrigo do § 839 do BGB conjugado com o artigo 34.° da GG –, ou se essa disposição não é de aplicar em razão do primado do direito comunitário.

21
O Bundesgerichtshof explica que, se o Tribunal de Justiça vier a declarar que a Directiva 94/19 ou outras directivas no domínio das instituições de crédito concedem aos depositantes o direito a que as autoridades competentes assegurem, no interesse daqueles, medidas de supervisão, o § 6, n.° 4, da KWG é contrário ao direito comunitário.

22
Quanto às diferentes directivas de coordenação em matéria bancária às quais faz referência, o Bundesgerichtshof indica que, no âmbito do seu recurso de revista, Paul e o. sustentaram que decorria de todas as directivas referidas que as medidas de supervisão bancária tinham por objectivo proteger os depositantes. Embora essas directivas, que são pertinentes do ponto de vista do direito da supervisão bancária, não contenham nenhuma indicação expressa sobre a protecção dos depositantes, fazem parte de um sistema regulamentar global de supervisão dos bancos que, segundo Paul e o., não teria qualquer aplicação prática se o Bundesaufsichtsamt, por força do § 6, n.° 4, da KWG, apenas exercesse as suas actividades no interesse público.

23
Nestas circunstâncias, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) a)
As disposições dos artigos 3.° e 7.° da Directiva 94/19/CE […] conferem aos depositantes cujo depósito se torne indisponível, além do direito a serem reembolsados por um sistema de garantia de depósitos até ao montante previsto no artigo 7.°, n.° 1, ainda o direito a que as entidades competentes adoptem as medidas referidas no artigo 3.°, n.os 2 a 5, incluindo, se necessário, a revogação da autorização da instituição de crédito?

b)
Na medida em que ao depositante assista esse direito, este compreende igualmente a faculdade de exigir a reparação de um dano que resulte de um comportamento faltoso das autoridades competentes e exceda o montante referido no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva [94/19]?

2) a)
As disposições a seguir indicadas das directivas que harmonizam o direito relativo à supervisão das instituições bancárias concedem, individualmente ou em conjunto e, eventualmente, a partir de que momento, ao aforrador e ao investidor direitos no sentido de ser imposta às autoridades competentes dos Estados‑Membros a adopção, no interesse da referida categoria de pessoas, de medidas de supervisão que lhes são delegadas por estas directivas, e de, em caso de comportamento faltoso, as responsabilizar pelo mesmo?

ou a Directiva [94/19] contém uma regulamentação especial e decisiva para todos os casos de indisponibilidade dos depósitos?

Primeira Directiva 77/780 […], artigo 6.°, n.° 1, quarto e décimo segundo considerandos;

Segunda Directiva 89/646 […], artigos 3.°, 4.° a 7.°, 10.° a 17.°, e décimo primeiro considerando;

Directiva 89/299 […], artigo 7.°, conjugado com os artigos 2.° a 6.°;

Directiva 95/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 1995, [que altera as Directivas 77/780/CEE e 89/646/CEE no domínio das instituições de crédito, as Directivas 73/239/CEE e 92/49/CEE no domínio dos seguros não vida, as Directivas 79/267/CEE e 92/96/CEE no domínio do seguro de vida, a Directiva 93/22/CEE no domínio das empresas de investimento e a Directiva 85/611/CEE do Conselho no domínio dos organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OICVM), a fim de reforçar a supervisão prudencial] (JO L 168, p. 7), décimo quinto considerando.

b)
As Directivas

92/30/CEE do Conselho, de 6 de Abril de 1992, relativa à fiscalização das instituições de crédito numa base consolidada (JO L 110, p. 52), décimo primeiro considerando;

93/6/CEE do Conselho, de 15 de Março de 1993, relativa à adequação dos fundos próprios das empresas de investimento e das instituições de crédito (JO L 141, p. 1), oitavo considerando;

93/22/CEE do Conselho, de 10 de Maio de 1993, relativa aos serviços de investimento no domínio dos valores mobiliários (JO L 141, p. 27), segundo, quinto, vigésimo nono, trigésimo segundo, quadragésimo primeiro e quadragésimo segundo considerandos,

servem de suporte à interpretação para a resposta à questão anterior, independentemente de conterem ou não direito aplicável ao presente caso?

3)
Na eventualidade de o Tribunal de Justiça reconhecer que as directivas referidas, ou algumas delas, concedem aos aforradores ou aos investidores o direito a que as entidades competentes adoptem, no interesse daqueles, medidas de supervisão, submetem‑se ainda as seguintes questões:

a)
O direito do aforrador ou do investidor a que, no interesse destes, sejam adoptadas medidas de supervisão no âmbito de um processo intentado contra o Estado‑Membro produz um efeito directo no sentido de que as normas nacionais que se lhes opõem não devem ser aplicadas,

ou

b)
o Estado‑Membro que, na transposição da directiva, não tenha tido em conta este direito do aforrador ou do investidor, responde unicamente por força dos princípios comunitários da responsabilidade do Estado?

c)
Neste último caso, o Estado‑Membro violou de forma suficientemente caracterizada o direito comunitário ao não reconhecer o direito a que sejam adoptadas medidas de supervisão?»


Quanto às questões prejudiciais

24
Ainda que em algumas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça tenham sido manifestadas dúvidas quanto à admissibilidade das questões prejudiciais, há que reconhecer que o Bundesgerichtshof, através da sua fundamentação aprofundada recordada nos n.os 19 a 22 do presente acórdão, demonstrou por que razão a interpretação das normas comunitárias por ele referidas lhe parece necessária para proferir uma decisão no processo principal. Além disso, expôs suficientemente o quadro jurídico e factual a fim de permitir que o Tribunal de Justiça lhe dê uma resposta útil e de proporcionar às partes no processo principal, aos Estados‑Membros e à Comissão, designadamente, a possibilidade de apresentarem observações, em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

Quanto à primeira questão

25
Através da primeira questão, o Bundesgerichtshof pergunta, no essencial, se a Directiva 94/19, na medida em que visa, no artigo 3.°, n.os 2 a 5, a adopção de medidas de supervisão e uma obrigação de revogação da autorização concedida a uma instituição de crédito, se opõe a uma norma nacional segundo a qual as missões da autoridade nacional de supervisão das instituições de crédito são desempenhadas unicamente no interesse público, o que exclui segundo o direito nacional que os particulares possam pedir a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão deficiente da parte dessa autoridade.

26
A este respeito, recorde‑se que a Directiva 94/19 visa instituir, independentemente da localização dos depósitos no interior da Comunidade, a protecção dos depositantes em caso de indisponibilidade dos depósitos feitos numa instituição de crédito que faz parte de um sistema de garantia de depósitos.

27
O direito de indemnização dos depositantes nessa situação é regido pelo disposto no artigo 7.°, n.os 1 e 6, desta directiva. Este artigo fixa, no n.° 1, o montante máximo da indemnização a que o depositante pode pretender com base na directiva, precisando‑se, no n.° 3 do mesmo artigo, que os Estados‑Membros podem prever, no respectivo direito nacional, uma regulamentação que ofereça aos depositantes uma maior ou mais completa protecção dos depósitos. O artigo 7.°, n.° 6, da Directiva 94/19 obriga os Estados‑Membros a assegurar que o direito a indemnização dos depositantes, conforme definido, designadamente, nos n.os 1 e 3, possa ser objecto de recurso do depositante contra o sistema de garantia de depósitos.

28
O artigo 3.°, n.os 2 a 5, da mesma directiva prevê a obrigação de as autoridades competentes que concederam a autorização às instituições de crédito assegurarem, em cooperação com o sistema de garantia de depósitos, que as referidas instituições de crédito cumpram as obrigações que lhes incumbem na qualidade de membros do sistema de garantia de depósitos e de adoptarem, se for caso disso, nas condições indicadas no n.° 5, uma decisão de revogação da autorização da instituição de crédito em causa.

29
O artigo 3.°, n.os 2 a 5, da Directiva 94/19 tem por objectivo assegurar aos depositantes que a instituição de crédito na qual efectuaram os seus depósitos pertence a um sistema de garantia de depósitos, por forma a ser salvaguardado o direito de serem indemnizados em caso de indisponibilidade dos seus depósitos em conformidade com as regras previstas na referida directiva e mais particularmente no artigo 7.° Assim, estas disposições servem unicamente à instituição e ao bom funcionamento do sistema de garantia de depósitos conforme previsto na Directiva 94/19.

30
Nestas condições, e como referiram os governos que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, bem como a Comissão, quando é assegurada a indemnização dos depositantes em caso de indisponibilidade dos seus depósitos como prevê a Directiva 94/19, o artigo 3.°, n.os 2 a 5, desta última não confere aos depositantes o direito a que as autoridades competentes assegurem, no interesse destes, as medidas de supervisão.

31
Esta interpretação da Directiva 94/19 é corroborada pelo seu vigésimo quarto considerando, que exclui que esta possa ter como efeito responsabilizar os Estados‑Membros ou as suas autoridades competentes perante os depositantes, quando aqueles tenham assegurado a indemnização ou a protecção dos depositantes nas condições nela determinadas.

32
Assim, deve responder‑se à primeira questão que, quando está assegurada a indemnização dos depositantes prevista na Directiva 94/19, o artigo 3.°, n.os 2 a 5, desta última não pode ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma nacional segundo a qual as missões da autoridade nacional de supervisão das instituições de crédito são desempenhadas unicamente no interesse público, o que exclui segundo o direito nacional que os particulares possam pedir a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão deficiente da parte dessa autoridade.

Quanto à segunda questão

33
Com a segunda questão, o Bundesgerichtshof pretende, no essencial, saber se as Directivas 77/780, 89/299 e 89/646, na parte em que contêm normas relativas à supervisão das instituições de crédito, se opõem a uma norma nacional segundo a qual as missões da autoridade nacional de supervisão das instituições de crédito são desempenhadas unicamente no interesse público, o que exclui segundo o direito nacional que os particulares possam pedir a reparação dos prejuízos causados pela supervisão deficiente por parte dessa autoridade.

34
A este respeito, observe‑se, em primeiro lugar, que as Directivas 77/780, 89/299 e 89/646 foram agrupadas na Directiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu exercício (JO L 126, p. 1), tendo o legislador comunitário procedido à sua codificação, uma vez que foram objecto de várias e substanciais alterações.

35
Estas três directivas foram adoptadas por força do artigo 57.°, n.° 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 47.°, n.° 2, CE), segundo o qual, a fim de facilitar o acesso às actividades não assalariadas e ao seu exercício, o Conselho adoptará directivas que visem coordenar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes a esse acesso e exercício.

36
Resulta do primeiro considerando da Directiva 89/646, conforme recordado no considerando n.° 4 da Directiva 2000/12, que a harmonização instituída pela directiva constitui um instrumento essencial da realização do mercado interno, sob o duplo aspecto da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, no sector das instituições de crédito.

37
Resulta do quarto considerando da Directiva 89/646, conforme recordado no considerando n.° 7 da Directiva 2000/12, que a metodologia adoptada pelo legislador comunitário no sector das instituições de crédito consiste na realização da harmonização essencial, necessária e suficiente para alcançar um reconhecimento mútuo das autorizações e dos sistemas de supervisão prudencial, que permita a concessão de uma autorização única válida em toda a Comunidade e a aplicação do princípio da supervisão pelo Estado‑Membro de origem.

38
Em alguns dos considerandos das directivas referidos na segunda questão, alíneas a) e b), afirma‑se, de maneira geral, que a harmonização prevista visa, entre outros objectivos, proteger os depositantes.

39
Além disso, as Directivas 77/780, 89/299 e 89/646 impõem às autoridades nacionais determinadas obrigações de supervisão relativamente às instituições de crédito.

40
Ora, contrariamente ao que Paul e o. alegam, não decorre necessariamente da existência dessas obrigações nem do facto de, entre os objectivos das referidas directivas, figurar igualmente a protecção dos depositantes que estas directivas visam criar direitos para os depositantes em caso de indisponibilidade dos seus depósitos causada por uma supervisão deficiente da parte das autoridades nacionais competentes.

41
A este respeito, deve, em primeiro lugar, observar‑se que as Directivas 77/780, 89/299 e 89/646 não contêm nenhuma norma expressa que confira tais direitos aos depositantes.

42
Seguidamente, a harmonização prevista nas Directivas 77/780, 89/299 e 89/646, tendo por fundamento o artigo 57.°, n.° 2, do Tratado, limita‑se ao que é essencial, necessário e suficiente para alcançar o reconhecimento mútuo das autorizações e dos sistemas de supervisão prudencial que permita a concessão de uma autorização única válida em toda a Comunidade e a aplicação do princípio do controlo pelo Estado‑Membro de origem.

43
Ora, a coordenação das normas nacionais relativas à responsabilidade das autoridades nacionais perante os depositantes em caso de supervisão deficiente não parece necessária para alcançar os resultados descritos no número anterior.

44
Além disso, à semelhança do direito alemão, está excluído num certo número de Estados‑Membros que as autoridades nacionais de supervisão das instituições de crédito possam, em caso de supervisão deficiente, incorrer em responsabilidade perante os particulares. Sustentou‑se, designadamente, que esta regulamentação assenta em considerações que são subjacentes à complexidade da supervisão bancária, no âmbito da qual as autoridades têm obrigação de proteger uma pluralidade de interesses, entre os quais mais particularmente o da estabilidade do sistema financeiro.

45
Por fim, com a adopção da Directiva 94/19, o legislador comunitário instituiu uma protecção mínima dos depositantes em caso de indisponibilidade dos seus depósitos, que é igualmente assegurada nos casos em que a indisponibilidade dos seus depósitos possa ser causada por uma supervisão deficiente da parte das autoridades competentes.

46
Nestas condições, há que reconhecer, como referiram os Estados‑Membros e a Comissão que apresentaram observações ao Tribunal, que as Directivas 77/780 89/299 e 89/646 não podem ser interpretadas no sentido de que conferem direitos aos depositantes em caso de indisponibilidade dos seus depósitos causada por uma supervisão deficiente da parte das autoridades nacionais competentes.

47
Atentas as considerações expostas, há que responder à segunda questão que as Directivas 77/780, 89/299 e 89/646 não se opõem a uma norma nacional segundo a qual as missões da autoridade nacional de supervisão das instituições de crédito são desempenhadas unicamente no interesse público, o que exclui segundo o direito nacional que os particulares possam pedir a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão deficiente da parte dessa autoridade.

Quanto à terceira questão

48
A terceira questão, que apenas foi colocada para o caso de às duas primeiras questões ser dada resposta afirmativa, ou parcialmente afirmativa, visa a eventual responsabilidade do Estado por força dos princípios do direito comunitário em caso de supervisão deficiente da parte das autoridades nacionais competentes.

49
Resulta da jurisprudência que o Estado só incorre em responsabilidade por violação de uma norma de direito comunitário, designadamente, quando a norma jurídica violada tenha por objecto conferir direitos aos particulares (v. acórdãos de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.° 51; de 8 de Outubro de 1996, Dillenkofer e o., C‑178/94, C‑179/94 e C‑188/94 a C‑190/94, Colect., p. I‑4845, n.° 21, e de 4 de Dezembro de 2003, Evans, C‑63/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 83).

50
Ora, resulta das respostas dadas às duas primeiras questões que as Directivas 94/19, 77/80, 89/299 e 89/646 não conferem direitos aos depositantes em caso de indisponibilidade dos seus depósitos causada por uma supervisão deficiente da parte das autoridades nacionais competentes, quando está assegurada a indemnização dos depositantes prevista na Directiva 94/19.

51
Nestas circunstâncias, e pelas mesmas razões que estão na base das referidas respostas, não se pode considerar que as directivas já referidas conferem aos particulares, em caso de indisponibilidade dos seus depósitos causada pela supervisão deficiente das autoridades nacionais competentes, direitos susceptíveis de responsabilizar o Estado com base no direito comunitário.


Quanto às despesas

52
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas com a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça, que não sejam as das referidas partes, não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Tribunal Pleno) declara:

1)
Quando está assegurada a indemnização dos depositantes prevista na Directiva 94/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 1994, relativa aos sistemas de garantia de depósitos, o artigo 3.°, n.os 2 a 5, desta directiva não pode ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma nacional segundo a qual as missões da autoridade nacional de supervisão das instituições de crédito são desempenhadas unicamente no interesse público, o que exclui segundo o direito nacional que os particulares possam pedir a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão deficiente da parte dessa autoridade.

2)
A Primeira Directiva 77/780/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1977, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade dos estabelecimentos de crédito e ao seu exercício, a Directiva 89/299/CEE do Conselho, de 17 de Abril de 1989, relativa aos fundos próprios das instituições de crédito, bem como a Segunda Directiva 89/646/CEE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1989, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu exercício, e que altera a Directiva 77/780/CEE, não se opõem a uma norma nacional segundo a qual as missões da autoridade nacional de supervisão das instituições de crédito são desempenhadas unicamente no interesse público, o que exclui segundo o direito nacional que os particulares possam pedir a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão deficiente da parte dessa autoridade.

Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.