61992J0092

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 20 DE OUTUBRO DE 1993. - PHIL COLLINS CONTRA IMTRAT HANDELSGESELLSCHAFT MBH E PATRICIA IM- UND EXPORT VERWALTUNGSGESELLSCHAFT MBH E LEIF EMANUEL KRAUL CONTRA EMI ELECTROLA GMBH. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: LANDGERICHT MUENCHEN I E BUNDESGERICHTSHOF - ALEMANHA. - ARTIGO 7. DO TRATADO - DIREITO DE AUTOR E DIREITOS CONEXOS. - PROCESSOS APENSOS C-92/92 E C-326/92.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-05145
Edição especial sueca página I-00351
Edição especial finlandesa página I-00385


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Direito comunitário ° Princípios ° Igualdade de tratamento ° Discriminação em razão da nacionalidade ° Proibição ° Âmbito de aplicação ° Direito de autor e direitos conexos ° Inclusão

(Tratado CEE, artigo 7. )

2. Direito comunitário ° Princípios ° Igualdade de tratamento ° Discriminação em razão da nacionalidade ° Proibição ° Legislação nacional que concede aos autores e artistas o direito de proibir a comercialização de fonogramas realizados a partir de prestações executadas fora do território nacional e fabricados sem seu consentimento ° Direito recusado aos nacionais dos outros Estados-Membros ° Inadmissibilidade

(Tratado CEE, artigo 7. )

3. Direito comunitário ° Princípios ° Igualdade de tratamento ° Discriminação em razão da nacionalidade ° Proibição ° Possibilidade de os nacionais dos outros Estados-Membros a invocarem para beneficiar da protecção da propriedade literária e artística reservada aos nacionais

(Tratado CEE, artigo 7. )

Sumário


1. O direito de autor e os direitos conexos, em razão, nomeadamente, dos seus efeitos nas trocas intercomunitárias de bens e serviços, são abrangidos pelo Tratado, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 7. Sem ser necessário conjugá-los com as disposições específicas dos artigos 30. , 36. , 59. e 60. do Tratado, é-lhes aplicável o princípio geral da não discriminação constante do primeiro parágrafo do artigo 7.

2. O primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma legislação de um Estado-Membro exclua os autores e artistas intérpretes ou executantes dos outros Estados-Membros, e seus sucessores, do direito, reconhecido por esta mesma legislação aos nacionais, de proibirem a comercialização, no território nacional, de um fonograma fabricado sem o seu consentimento, quando a prestação foi executada fora do território nacional.

Efectivamente, ao proibir "toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade", o artigo 7. exige de cada Estado-Membro que garanta às pessoas que se encontrem numa situação regulada pelo direito comunitário a perfeita igualdade de tratamento com os nacionais e opõe-se por isso a que um Estado-Membro sujeite a concessão de um direito exclusivo à condição de ser cidadão nacional.

3. O primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que o princípio de não discriminação nele consagrado pode ser directamente invocado perante o tribunal nacional por um autor ou artista de um outro Estado-Membro, ou pelo seu sucessor, para solicitar o benefício da protecção reservada aos autores e artistas nacionais.

Partes


Nos processos apensos C-92/92 e C-326/92,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Landgericht Muenchen I e pelo Bundesgerichtshof, destinados a obter, nos litígios pendentes nestes órgãos jurisdicionais entre

Phil Collins

e

Imtrat Handelsgesellschaft mbH,

e entre

Patricia Im- und Export Verwaltungsgesellschaft mbH,

Leif Emanuel Kraul

e

EMI Electrola GmbH,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 7. , primeiro parágrafo, do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida e D. A. O. Edward, presidentes de secção, R. Joliet, F. A. Schockweiler, F. Grévisse, M. Zuleeg e J. L. Murray, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs

secretário: L. Hewlett

vistas as observações escritas apresentadas:

no processo C-92/92:

° em representação de Phil Collins, por Ulrike Hundt-Neumann, advogada no foro de Hamburgo,

° em representação da Imtrat, por Sabine Rojahn, advogada no foro de Munique,

° em representação do Governo alemão, por Claus-Dieter Quassowski, Regierungsdirektor no Ministério Federal da Economia, assistido por Alfred Dittrich, Regierungsdirektor no Ministério Federal da Justiça, na qualidade de agentes,

° em representação do Governo do Reino Unido, por John E. Collins, do Treasury Solicitor, assistido por Nicholas Paines, barrister, na qualidade de agentes,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Henri Étienne, consultor jurídico principal, e Pieter van Nuffel, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

no processo C-326/92:

° em representação da EMI Electrola, por Hartwig Ahlberg, advogado no foro de Hamburgo,

° em representação da Patricia GmbH e E. Kraul, por Rudolf Nirk, advogado no Bundesgerichtshof,

° em representação do Governo alemão, por Claus-Dieter Quassowski, Regierungsdirektor no Ministério Federal da Economia, e Alfred Dittrich, Regierungsdirektor no Ministério Federal da Justiça, na qualidade de agentes,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Henri Étienne, consultor jurídico principal, e Pieter van Nuffel, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de Phil Collins, da Imtrat, representado por Sabine Rojahn e Kukuk, advogados no foro de Munique, da Patricia GmbH e E. Kraul, representados por Daniel Marquard, advogado no foro de Hamburgo, da EMI Electrola e da Comissão, na audiência de 19 de Maio de 1993,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 30 de Junho de 1993,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 4 de Março de 1992, entrado no Tribunal de Justiça em 23 do mesmo mês e registado sob o número C-92/92, o Landgericht Muenchen I submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação do disposto no artigo 7. , primeiro parágrafo, do Tratado CEE.

2 Por despacho de 30 de Abril de 1992, entrado no Tribunal de Justiça em 30 de Julho do mesmo ano e registado sob o número C-326/92, o Bundesgerichtshof submeteu igualmente, nos termos do artigo 177. do Tratado, duas questões prejudiciais relativas à interpretação da mesma disposição.

3 As questões colocadas pelo Landgericht Muenchen I, no processo C-92/92, foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe Phil Collins, cantor e compositor de nacionalidade britânica, a uma distribuidora de fonogramas, a Imtrat Handelsgesellschaft mbH (a seguir "Imtrat"), sobre a comercialização em território alemão de um disco compacto que contém uma gravação, realizada sem o consentimento do cantor, de um concerto efectuado nos Estados Unidos.

4 Os artigos 96. , n. 1, e 125. , n. 1, da lei alemã sobre os direitos de autor, de 9 de Setembro de 1965 (Urheberrechtsgesetz ° a seguir "UrhG") reconhecem ao artista intérprete ou executante, de nacionalidade alemã, em todas as suas prestações, a protecção assegurada pelos artigos 73. a 84. da mesma lei, reconhecendo-lhe, designadamente, o direito de proibir a difusão das suas actuações reproduzidas sem autorização, seja qual for o lugar da execução. Em contrapartida, resulta das disposições dos n.os 2 a 6 do artigo 125. da UrhG, relativas aos artistas estrangeiros, na interpretação dada pelo Bundesgerichtshof e pelo Bundesverfassungsgericht, que estes artistas não podem invocar o disposto no n. 1 do artigo 96. quando a prestação seja efectuada fora do território alemão.

5 Tendo Phil Collins apresentado no Landgericht Muenchen I um pedido de aplicação de medidas provisórias para proibir a comercialização do disco em causa, o juiz nacional considerou, por um lado, que o disposto no artigo 125. da UrhG era aplicável ao litígio, com exclusão, designadamente, das previsões da Convenção Internacional de Roma sobre os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismo de radiodifusão, de 26 de Outubro de 1961 (Recueil des Traités, volume 496, n. 7247), à qual não tinha aderido o Estado do lugar da execução da prestação, os Estados Unidos, e, por outro, interroga-se quanto à compatibilidade dessas disposições nacionais com o princípio da não discriminação consagrado no artigo 7. , primeiro parágrafo, do Tratado.

6 Nestas condições, o Landgericht Muenchen I suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

"1) Os direitos de autor estão sujeitos à proibição de discriminação contida no primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado CEE?

2) No caso de a resposta ser afirmativa: tal terá o efeito (directamente aplicável) de os Estados-membros que atribuem protecção a todas as manifestações artísticas dos seus cidadãos, independentemente do local em que se verificarem, terem que atribuir a mesma protecção aos nacionais de outros Estados-membros, ou será compatível com o primeiro parágrafo do artigo 7. a ligação da atribuição daquela protecção a nacionais de outros Estados-membros a outros pressupostos [v. o artigo 125. , n.os 2 a 6, da Urheberrechtsgesetz (lei alemã sobre os direitos de autor) de 9 de Setembro de 1965]?"

7 No processo C-326/92, as questões foram submetidas pelo Bundesgerichtshof no âmbito de um litígio que opõe a EMI Electrola GmbH (a seguir "EMI Electrola") à Patricia Im- und Export Verwaltungsgesellschaft mbH (a seguir "Patricia") e ao gerente desta, L. E. Kraul, a propósito da comercialização, em território alemão, de fonogramas contendo gravações de espectáculos de Cliff Richard, cantor de nacionalidade britânica, nos anos de 1958 e 1959, na Grã-Bretanha.

8 A EMI Electrola detém, em território alemão, direitos exclusivos de exploração das gravações desses espectáculos. Considera que a Patricia violou os seus direitos exclusivos ao comercializar, sem o seu consentimento, fonogramas que reproduzem essas gravações.

9 O Bundesgerichtshof, no recurso no âmbito deste litígio, considerou que este estava abrangido pelo disposto no artigo 125. , n.os 2 a 6, da UrhG, já referida, com exclusão, designadamente, das previsões da Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de Setembro de 1986, com a última revisão do Acto de Paris de 24 de Julho de 1971 (OMPI, fascículo n. 287), relativa aos direitos de autor propriamente ditos e não aos direitos conexos do artista, e das previsões da Convenção de Roma que não pode ser aplicada retroactivamente a prestações efectuadas em 1958 e 1959.

10 Nos fundamentos do despacho de reenvio, o Bundesgerichtshof, que conhecia as questões submetidas ao Tribunal de Justiça pelo Landgericht Muenchen, refere que, na falta de regulamentação comunitária e de harmonização das legislações nacionais, excepto quanto a determinados pontos, não parece que os direitos de autor e direitos conexos estejam abrangidos pelo direito comunitário e mais especificamente pelo artigo 7. do Tratado.

11 Nestas condições, o Bundesgerichtshof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

"1) A legislação dos Estados-membros sobre direitos de autor está sujeita à proibição de discriminação contida no primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado CEE?

2) No caso de a resposta ser afirmativa: a regulamentação existente em determinado Estado-membro para a protecção de manifestações artísticas (artigo 125. , n.os 2 a 6, da Urheberrechtsgesetz ° lei alemã sobre direitos de autor), é compatível com o primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado CEE, no caso de os nacionais de outros Estados-membros não disporem das mesmas possibilidades de protecção (protecção nacional) que os artistas nacionais?"

12 Para mais ampla exposição dos factos dos litígios nas causas principais, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto ao objecto dos reenvios prejudiciais

13 O Tribunal de Justiça, quando decide no âmbito do artigo 177. do Tratado, não pode pronunciar-se quanto à interpretação de disposições legislativas ou regulamentares nacionais, nem quanto à sua conformidade com o direito comunitário. Por conseguinte, não pode interpretar as disposições da UrhG nem apreciar a sua compatibilidade com o direito comunitário. O Tribunal de Justiça só pode unicamente fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos interpretativos do direito comunitário que lhe permitirão solucionar o problema jurídico que lhe tenha sido apresentado (acórdão de 9 de Outubro de 1984, Heineken Brouwerijen, 91/83 e 127/83, Recueil, p. 3435, n. 10).

14 Os despachos de reenvio referem as normas nacionais aplicáveis aos direitos de autor bem como o disposto no artigo 125. da UrhG que regula os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, ditos "direitos conexos dos direitos de autor". Não incumbe ao Tribunal de Justiça determinar por qual das duas categorias de direitos estão abrangidos os litígios nas causas principais. Como propõe a Comissão, há que apreciar as questões submetidas como incidindo sobre as normas aplicáveis a estas duas categorias de direitos.

15 Estas questões têm por objecto o disposto no primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado, que prevê o princípio geral de não discriminação em razão da nacionalidade. Como aí se prevê expressamente, a proibição da discriminação nele formulada só é aplicável unicamente no domínio do Tratado.

16 Nestas condições, as questões prejudiciais devem ser apreciadas como tendo essencialmente por objectivo saber:

° se os direitos de autor e direitos conexos estão abrangidos pelo domínio de aplicação do Tratado na acepção do primeiro parágrafo do artigo 7. e, por conseguinte, se o princípio geral de não discriminação previsto nesse artigo se aplica a esses direitos;

° em caso de resposta afirmativa, se o primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado não permite que a legislação de um Estado-membro exclua os autores e artistas, intérpretes ou executantes dos outros Estados-membros e seus sucessores do direito que reconhece aos cidadãos nacionais, da proibição da comercialização, no território nacional, de fonogramas fabricados sem o seu consentimento quando a prestação tenha sido efectuada fora do território nacional;

° se o primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado poderá ser invocado directamente por um autor ou artista de outro Estado-membro ou seu sucessor nos tribunais nacionais em apoio do pedido da protecção reservada aos cidadãos nacionais.

Quanto à aplicação das disposições do Tratado aos direitos de autor e direitos conexos

17 A Comissão, os Governos alemão e do Reino Unido, Phil Collins e a EMI Electrola sustentam que os direitos de autor e direitos conexos, uma vez que constituem designadamente direitos económicos que determinam as condições em que as obras e execuções dos artistas podem ser objecto de exploração a título oneroso, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do Tratado, como se demonstra, de resto, nos acórdãos do Tribunal de Justiça que aplicam a esses direitos os artigos 30. , 36. , 59. , 85. e 86. do Tratado, bem como a intensa actividade legislativa de que são objecto nas Comunidades. Nos reduzidos casos em que não há uma disposição específica do Tratado aplicável, o princípio geral de não discriminação previsto no primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado deve, em qualquer caso, aplicar-se.

18 Pelo contrário, a Imtrat sustenta que as condições da concessão dos direitos de autor e direitos conexos que põem em causa não o exercício desses direitos, mas a sua existência, não estão abrangidos, nos termos do artigo 222. do Tratado e com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, pelo âmbito de aplicação do Tratado. Retomando as constatações feitas a este respeito pelo Bundesgerichtshof, por sua vez, a Patricia e L. E. Kraul alegam mais especificamente que, na falta de regulamentação comunitária ou de medidas de harmonização em vigor na altura dos factos do caso em apreço na causa principal, os direitos de autor e direitos conexos não estão abrangidos pelo direito comunitário.

19 No estado actual do direito comunitário e na ausência de disposições comunitárias de harmonização das legislações nacionais, compete aos Estados-membros, no respeito pelas convenções internacionais aplicáveis, estabelecer as condições e as normas de protecção da propriedade literária e artística (v., neste sentido, o acórdão de 24 de Janeiro de 1989, EMI Electrola, 341/87, Colect., p. 79, n. 11).

20 O objecto específico desses direitos, tais como são regulados pelas legislações nacionais, consiste em garantir a protecção dos direitos jurídicos e económicos dos seus titulares. A protecção dos direitos jurídicos permite aos autores e aos artistas, designadamente, oporem-se a qualquer deformação, amputação ou outra alteração da obra prejudicial à sua honra ou reputação. Os direitos de autor e direitos conexos apresentam também natureza económica, uma vez que prevêem a faculdade de explorar comercialmente a colocação no mercado da obra protegida, em especial, na forma de licenças concedidas com pagamento de direitos (v., neste sentido, o acórdão de 20 de Janeiro de 1981, Musik-Vertrieb Membran, 55 e 57/80, Recueil, p. 147, n. 12).

21 Como o Tribunal de Justiça salientou neste último acórdão (n. 13), a exploração comercial dos direitos de autor, embora constitua fonte de remuneração para o seu titular, constitui também uma forma de controlo da comercialização, pelo titular, pelas empresas de gestão e pelos beneficiários das licenças. Deste ponto de vista, a exploração comercial dos direitos de autor suscita os mesmos problemas dos outros direitos de propriedade industrial e comercial.

22 Tal como os outros direitos da propriedade industrial e comercial, os direitos exclusivos conferidos pela propriedade literária e artística são susceptíveis de afectar as trocas de bens e serviços, bem como as relações de concorrência no interior da Comunidade. Por isso, estes direitos, embora regulados pelas legislações nacionais, estão sujeitos às exigências do Tratado e, consequentemente, fazem parte do seu âmbito de aplicação.

23 É por isso que estão abrangidos pelo disposto nos artigos 30. e 36. do Tratado relativos à livre circulação de mercadorias, por exemplo. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as obras musicais incorporam-se nos fonogramas que constituem mercadorias cujas trocas comerciais estão reguladas no território da Comunidade pelas disposições referidas (v., neste sentido, o acórdão Musik-Vertrieb Membran, já referido, n. 8).

24 É também por esta razão que as actividades das sociedades de gestão dos direitos de autor estão abrangidas pelo disposto nos artigos 59. e 66. do Tratado relativos à livre prestação de serviços. Como o Tribunal de Justiça referiu no acórdão de 2 de Março de 1983, GVL/Comissão (7/82, Recueil, p. 483, n. 39), estas actividades não devem ser adaptadas de forma tal que afectem a livre prestação de serviços e, designadamente, a valorização dos direitos dos executantes, ao ponto de o mercado comum ficar compartimentado.

25 Finalmente, os direitos exclusivos conferidos pela propriedade literária e artística estão abrangidos pelas disposições do Tratado relativas à concorrência (v. o acórdão de 8 de Junho de 1971, Deutsche Grammophon, 78/70, Colect., p. 183).

26 De resto, é precisamente para evitar os riscos de obstáculos às trocas comerciais e de distorções de concorrência que o Conselho adoptou, já depois dos litígios nas causas principais, com base nos artigos 57. , n. 2, e 66. e 100. -A do Tratado, a Directiva 92/100/CEE, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61).

27 Decorre de quanto precede que o direito de autor e os direitos conexos abrangidos no âmbito de aplicação do Tratado, designadamente, em razão dos efeitos nas trocas comerciais intracomunitárias de bens e serviços, estão forçosamente abrangidos, mesmo sem ser necessário conjugá-los com as disposições específicas dos artigos 30. , 36. , 59. e 66. do Tratado, pelo princípio geral de não discriminação previsto no primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado.

28 Em consequência, importa responder à questão colocada que os direitos de autor e direitos conexos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do Tratado, na acepção do primeiro parágrafo do artigo 7. , sendo o princípio geral de não discriminação previsto nesse artigo aplicável, por conseguinte, a esses direitos.

Quanto à discriminação na acepção do primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado

29 A Imtrat e a Patricia sustentam que a distinção feita nos casos referidos pelos juízes nacionais entre cidadãos nacionais e de outros Estados-membros se justifica objectivamente pelas diferenças existentes entre as legislações nacionais e pelo facto de ainda não terem aderido à Convenção de Roma todos os Estados-membros. Nestas condições, esta distinção não seria contrária ao primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado.

30 É pacífico que o artigo 7. não se aplica às eventuais diferenças de tratamento e às distorções que podem resultar, para as pessoas e empresas sujeitas à jurisdição da Comunidade, das divergências entre as legislações dos diferentes Estados-membros, quando estas afectam todas as pessoas a quem são aplicáveis, segundo critérios objectivos e não tendo em conta a sua nacionalidade (acórdão de 13 de Fevereiro de 1969, Wilhelm e o., 14/68, Colect. 1969-1970, p. 1, n. 13).

31 Deste modo, ao contrário do que sustentam a Imtrat e a Patricia, nem as disparidades entre as legislações nacionais relativas à protecção dos direitos de autor e direitos conexos nem a circunstância de nem todos os Estados-membros terem ainda aderido à Convenção de Roma podem justificar a violação do princípio de não discriminação consagrado no artigo 7. , primeiro parágrafo, do Tratado.

32 Pelo contrário, ao proibir "toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade", o artigo 7. do Tratado exige uma perfeita igualdade de tratamento entre as pessoas que se encontrem numa situação regulada pelo direito comunitário e os nacionais de um Estado-membro (acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Cowan, 186/87, Colect., p. 195, n. 10). Por conseguinte, uma vez que é aplicável, este princípio opõe-se a que um Estado-membro sujeite a concessão de um direito exclusivo à condição de a pessoa ser cidadão nacional.

33 Por conseguinte, importa responder à questão colocada que o primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a legislação de um Estado-membro exclua em certas condições os autores e artistas, intérpretes ou executantes, dos outros Estados-membros e seus sucessores, do direito, que é reconhecido por esta mesma legislação aos cidadãos nacionais, de proibir a comercialização, no território nacional, de fonogramas fabricados sem o seu consentimento, quando a prestação tenha sido executada fora do território nacional.

Quanto aos efeitos do primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado

34 Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o direito à igualdade de tratamento consagrado no primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado é directamente conferido pelo direito comunitário (acórdão Cowan, já referido, n. 11). Por conseguinte, este direito pode ser invocado nos tribunais nacionais para que não sejam aplicadas as disposições discriminatórias de uma lei nacional que recusa aos nacionais dos outros Estados-membros a protecção que garante aos cidadãos nacionais.

35 Por conseguinte, importa responder à questão colocada que o primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que o princípio de não discriminação nele consagrado pode ser directamente invocado nos tribunais nacionais por um autor ou artista de outro Estado-membro, ou seu sucessor, para solicitar o benefício da protecção reservada aos autores e artistas nacionais.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

36 As despesas efectuadas pelos Governos alemão e do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Landgericht Muenchen I, por despacho de 4 de Março de 1992, e pelo Bundesgerichtshof, por despacho de 30 de Abril de 1992, declara:

1) O direito de autor e os direitos conexos estão abrangidos pelo Tratado na acepção do primeiro parágrafo do artigo 7. ; o princípio geral de não discriminação consagrado neste artigo é, por conseguinte, aplicável a esses direitos.

2) O primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a legislação de um Estado-membro exclua os autores e os artistas, intérpretes ou executantes dos outros Estados-membros, e seus sucessores, do direito, que é reconhecido por esta mesma legislação aos cidadãos nacionais, de proibir a comercialização, no território nacional, de fonogramas fabricados sem o seu consentimento, quando a prestação tenha sido executada fora do território nacional.

3) O primeiro parágrafo do artigo 7. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que o princípio de não discriminação nele consagrado pode ser directamente invocado nos tribunais nacionais por um autor ou artista de outro Estado-membro, ou seu sucessor, para solicitar o benefício da protecção reservada aos autores e artistas nacionais