RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-186/89 ( *1 )

I — Factos e fase escrita do processo

1. Factos do processo principal e enquadramento jurídico

1.

Em 29 de Setembro de 1980, M. van Tiem comprou um terreno para construção. Por essa aquisição, foi tributado em 10677,97 HFL de imposto sobre o volume de negócios.

2.

Na mesma data, M. van Tiem cedeu à Sociedade Tiem's Electro Technisch Installatiebureau BV um direito de superfície, por dezoito anos, com possibilidade de prorrogação, sobre uma parte do terreno para construção, mediante o pagamento anual de 3000 HFL, incluindo o imposto sobre o volume de negócios.

3.

Em 20 de Outubro, M. van Tiem solicitou à autoridade fiscal nacional que o excluísse do benefício da isenção do imposto sobre o volume de negócios, a partir de 29 de Setembro de 1980, nos termos do artigo 11.o da Wet op de omzetbelasting 1968, lei neerlandesa relativa ao imposto sobre o volume de negócios (Stbl. 1968, p. 329), devido à constituição de um direito real de superfície sobre o referido terreno.

4.

O artigo 11.o da Wet op de omzetbelasting 1968, após as alterações introduzidas pela lei de 28 de Dezembro de 1978 (Stbl. 1978, p. 677), tem a seguinte redacção:

«(são) isentas do imposto:

a)

a transmissão de bens imóveis, com excepção:

1.o

da transmissão de um bem imóvel construído...,

2o

outras entregas desde que o empresário que efectue a entrega e o seu beneficiário tenha apresentado conjuntamente um pedido para esse efeito...;

b)

a locação de bens imóveis, com excepção de:

...

5.o

a locação de bens imóveis..., desde que o locador e o locatário tenham apresentado conjuntamento um pedido para esse efeito».

5.

Em 18 de Dezembro de 1980, a autoridade fiscal deferiu o pedido, considerando que o mesmo dizia respeito à locação do bem imóvel em causa.

6.

Na declaração relativa ao primeiro trimestre de 1981, M. van Tiem compensou o imposto sobre o volume de negócios que lhe tinha sido tributado aquando da compra do terreno, considerando que, ao ceder o direito de superfície, devia ser considerado um empresário na acepção do artigo 7.o, atrás referido, da Wet op de omzetbelasting de 1968. O artigo 7.o, n.o 2, da Wet op de omzetbelasting de 1968, na versão de 1978, dispõe:

«Considera-se também empresa para efeitos da presente lei:

b)

a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo a fim de auferir receitas com carácter de permanência.»

7.

A autoridade fiscal anulou esta compensação por meio da liquidação do imposto sobre o volume de negócios no montante de 10678 HFL, isto é, o montante do imposto de M. van Tiem tinha pago aquando da compra do terreno.

8.

Depois do pedido de anulação dessa liquidação ter sido indeferido, M. van Tiem interpôs recurso para o Gerechtshof de Arnhem. Foi negado provimento ao recurso por M. van Tiem não ter agido na qualidade de empresário na acepção do artigo 7.0 da Wet op de omzetbelasting de 1968, aquando da constituição do direito de superfície, de modo que não podia proceder a uma compensação do imposto sobre o volume de negócios liquidado aquando da compra do bem imóvel.

9.

M. van Tiem recorreu do acórdão do Gerechtshof com o fundamento de que quando o proprietário de um bem imóvel cede o seu uso a outra pessoa durante determinado período e mediante uma soma paga periodicamente, cedendo a essa outra pessoa o direito real de superfície, existe uma exploração, pelo proprietário, do seu bem imóvel com o fim de auferir receitas com caracter de permanência, de modo que há que considerar o proprietário como empresário.

10.

O Hoge Raad faz referência aos artigos 4.o e 5.o da Sexta Directiva IVA.

11.

O artigo 4.o, n.o 1, da Sexta Directiva IVA dispõe que «por “sujeito passivo” entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.o 2». O artigo 4.o, n.o 2, dispõe que essas actividades económicas compreendem «todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços...». Nos termos da segunda fase deste artigo, «a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica».

12.

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, da Sexta Directiva IVA, “por entrega de um bem” entende-se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário#x00BB;. O n.o 3 do mesmo artigo prevê que os Estados-membros podem considerar bens corpóreos na acepção do n.o 1:

«a)

determinados direitos sobre bens imóveis;

b)

os direitos reais que conferem ao respectivo titular um poder de utilização sobre bens imóveis...».

13.

Resulta do texto do artigo 3.o, n.o 2, da Wet op de omzetbelasting de 1968, na sua versão de 1978, que o legislador neerlandês usou esta faculdade: o artigo 3.o, n.o 2, equipara às entregas de bens «a constituição, a transmissão, a alteração e o abandono de direitos reais, com exclusão da hipoteca e da contribuição predial sobre bens imóveis».

14.

E tendo em consideração esta argumentação, bem como o facto de a noção de «exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência» ser retomado do artigo 4.o, n.o 2, última frase, da Sexta Directiva IVA, que o Hoge Raad der Nederlanden suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O disposto na parte final do n.o 2 última frase do artigo 4.o da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que o facto de o proprietário de um bem imóvel ceder a fruição do refendo bem a outra pessoa durante um determinado período e mediante o pagamento de uma retribuição periódica, concedendo a essa pessoa durante o referido prazo e mediante a aludida retribuição um direito real de gozo, neste caso, um direito de superfície, constitui a exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir as receitas com carácter de permanência, na acepção da referida disposição da directiva?

2)

Na medida em que um Estado-membro tenha utilizado a possibilidade que lhe confere a alínea b) do n.o 3 do artigo 5.o da Sexta Directiva, de considerar bens corpóreos os direitos reais de gozo contemplados nesta disposição, deve interpretar-se o n.o 1 deste artigo no sentido de que o conceito de entrega de um bem nele utilizado abrange a constituição de um direito deste tipo?

3)

A resposta à primeira questão será diferente se a resposta à segunda questão for afirmativa?»

2. Tramitação perante o Tribunal

15.

O acórdão de reenvio foi registado na Secretaria do Tribunal em 8 de Setembro de 1989.

16.

Nos termos do artigo 20.o do Protocolo Relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas pelo Governo neerlandês, representado por J. J. Heinemann, secretário-geral no Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo Governo britânico, representado por J. A. Gensmantel, na qualidade de agente, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelos membros do seu Serviço Jurídico, D. Calleja e B. J. Drijber, na qualidade de agentes.

17.

O Tribunal, com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, decidiu, nos termos do artigo 95.o do Regulamento Processual, remeter o processo para a Terceira Secção e dar início à fase oral sem instrução prévia.

II — Observações escritas apresentadas perante o Tribunal

1. Quanto à primeira questão

18.

As partes que apresentaram observações escritas concordam que a noção de sujeito passivo, tal como está definida no artigo 4.o, da Sexta Directiva IVA, deve ter interpretação lata, e consideram, nomeadamente, que a exploração de um bem imóvel pela constituição de um direito de superfície faz parte da noção de actividades económicas referidas na última frase do artigo 4.o, n.o 2, da Sexta Directiva.

19.

a)

O Governo neerlandês assinala, em primeiro lugar, que as suas observações relativas às questões prejudiciais se referem aos acórdãos do Tribunal de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos (235/85, Colect., p. 1487), e de 15 de Junho de 1989, SUFA (348/87, Colect., p. 1737), que foram proferidos muito depois da interposição do recurso de cassação no processo principal.

20.

Na opinião do Governo neerlandês, a determinação do alcance da noção de sujeito passivo, tal como é definida no artigo 4.o da Sexta Directiva IVA, deve partir dos princípios a seguir mencionados.

21.

Em primeiro lugar, é necessário ter em consideração o facto de a jurisprudência do Tribunal atrás referida reconhecer, nomeadamente no n.o 6 do acórdão de 26 de Março de 1987 (235/85), bem como no n.o 10 do acórdão de 15 de Junho de 1989 (348/87), um âmbito de aplicação muito lato à Sexta Directiva IVA. Isso resulta também da redacção e da estrutura do artigo 4.o da Sexta Directiva IVA, que incluem no àmbito de aplicação da noção de sujeito passivo não apenas todas as actividades de produção, de comercialização ou da prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas, mas também a exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, como resulta dos termos da última frase do artigo 4.o, n.o 2, da Sexta Directiva IVA.

22.

Por outro lado, o Governo neerlandês considera que é necessário evitar que a interpretação da noção de sujeito passivo conduza a comprometer um dos principais objectivos da Sexta Directiva, isto é, a garantia da neutralidade do imposto. Isto aconteceria, nomeadamente, se a qualidade de sujeito passivo fosse recusada às pessoas que exerçam actividades que devem ser equiparadas às modalidades controvertidas de exploração de bens corpóreos.

23.

Por outro lado, é necessário, segundo o Governo neerlandês, impedir a cumulação dos impostos em situações em que o bem que deve ser explorado foi adquirido com o pagamento do imposto sobre o volume de negócios. O cúmulo indesejável apresenta-se quando um bem corpóreo foi colocado à disposição do sujeito passivo através da constituição de um direito real, quando a pessoa que cede esse direito reivindica a qualidade de sujeito passivo.

24.

Nesta base e fundamentando-se em circunstâncias objectivas, o Governo neerlandês considera que há que falar de «exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência» na acepção da última frase do artigo 4.o, n.o 2, da Sexta Directiva IVA, quando um bem ou um direito for utilizado pelo seu proprietário ou seu titular especialmente para obter, durante um certo período, lucros no âmbito de transacções económicas. Isto também é válido no caso em que um bem é colocado à disposição de terceiros, mediante pagamento, devendo o bem não escapar nessa altura definitivamente ao poder daquele que o coloca à disposição.

25.

Na opinião do Governo neerlandês, o facto de consentir, durante um determinado período e mediante pagamento, ceder a terceiros o uso de um bem através da constituição de um direito real sobre esse bem, corresponde a essa definição da noção de exploração. O facto de a constituição desse direito real ser, em si, um acontecimento único e que não se repete não tem qualquer incidência, tal como o facto de as partes regularem as receitas futuras no início da colocação à disposição sob a forma de uma estipulação de reaquisição.

26.

Segundo o Governo neerlandês, a razoabilidade desta interpretação é confirmada pelo acórdão do Tribunal de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655), onde declarou que a aquisição de um direito de crédito relativo à transferência futura do direito de propriedade sobre uma parte de um imóvel ainda a construir, com a intenção de a dar em locação no momento oportuno, pode ser considerada uma actividade económica nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Sexta Directiva. Daqui resulta que a locação de um bem imóvel constitui sempre uma operação de exploração, enquanto tal sujeita ao imposto. O Governo neerlandês observa que não há qualquer diferença entre a colocação à disposição de um bem, como a que se trata no caso em apreço, e a locação de um bem idêntico.

27.

Conclui-se, segundo a opinião do Governo neerlandês, que a resposta à primeira questão deve ser afirmativa.

28.

b)

O Governo britânico considera que o termo «exploração» deve abranger todas as utilizações possíveis do terreno com o objectivo enunciado na segunda frase do artigo 4.o, n.o 2, da Sexta Directiva IVA, quer dizer, com o fim de auferir receitas. Esta interpretação do termo «exploração» no sentido de uso, utilização ou de emprego parece-lhe corroborada pelas versões linguísticas francesa e alemã do texto, que utilizam respectivamente os termos «exploitation» e «Nutzung».

29.

Segundo o Governo britânico, daí resulta que o termo «exploração» não é limitado ao direito de construção, mas inclui, entre outros, igualmente a constituição de um direito de superfície sobre o terreno.

30.

O Governo britânico alega que, se o termo «exploração» tivesse de ser interpretado como excluindo a constituição desse direito real, daí resultaria uma distorção que prejudicava a neutralidade da matéria colectável. Com efeito, se o imposto pago aquando da compra de um terreno para construção com o fim de auferir receitas mediante a constituição de um direito real sobre o terreno não fosse dedutível, isso teria por efeito aumentar o montante total do imposto e perturbar a matéria colectável neutra.

31.

Em conclusão, o Governo britânico sugere ao Tribunal de Justiça que responda afirmativamente à primeira questão.

32.

c)

A Comissão recorda que no sistema comum do IVA a noção de sujeito passivo está directamente ligada ao exercício de actividades económicas. Com efeito, só as pessoas que efectuem operações que tenham a natureza de actividades económicas têm a qualidade de sujeitos passivos, o que é uma condição para beneficiar do direito à dedução previsto nos artigos 17.o e seguintes da Sexta Directiva IVA.

33.

Neste contexto, a Comissão distinge dois elementos: por um lado, a noção de «actividades económicas» e, por outro, o exercício de uma actividade económica habitual.

34.

No respeitante à noção de «actividades económicas», a Comissão faz referência aos acórdãos do Tribunal de 26 de Março de 1987, 235/85, e de 14 de Fevereiro de 1985, 268/83, supracitados, nos quais o Tribunal sublinhou que a noção de actividades económicas deve ser interpretada de modo lato e objectivo e que também as actividades preparatórias, tais como a aquisição de um bem imóvel, são abrangidas por essa noção.

35.

À luz desta jurisprudência, a Comissão considera que a exploração de um bem imóvel pela constituição de um direito de superfície constitui uma actividade económica. Existe efectivamente um elemento de exploração, na medida em que o proprietário compra o bem imóvel e constitui um direito de superfície a favor de outra pessoa, recebendo uma remuneração periódica pelo uso do bem imóvel pelo titular do direito de superfície. Existe também o elemento de permanência no tempo, uma vez que esse direito é normalmente concedido por determinado período, no caso concreto dezoito anos, com possibilidade de prorrogação.

36.

No respeitante ao segundo elemento, isto é, o exercício de uma actividade económica «a título habitual», a Comissão, em primeiro lugar, assinala que essa condição é sempre aplicável, embora o artigo 4.o, n.o 1, da Sexta Directiva IVA já não a mencione expressamente, contrariamente ao artigo 4.o da Segunda Directiva IVA. A este respeito, a Comissão faz referência ao artigo 4.o, n.o 3, da Sexta Directiva IVA, que permite aos Estados-membros tornar extensiva a sujeição ao IVA às pessoas que realizem, a título ocasional, uma operação relacionada com actividades económicas, faculdade que, segundo a Comissão, não teria sentido se o regime obrigatório previsto no artigo 4.o, n.o 1, da Sexta Directiva fosse aplicável às pessoas que exerçam essas actividades.

37.

A Comissão considera que num caso como o ora vertente, em que se trata de uma actividade económica que consiste na exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, o carácter habitual da actividade económica reside todavia no seu carácter permanente, e resulta dessa própria permanência que a pessoa em questão é um sujeito passivo nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Sexta Directiva IVA.

38.

Em conclusão, a Comissão sugere ao Tribunal que responda à primeira questão do seguinte modo:

«A cedência, pelo proprietário de um bem imóvel, do uso desse bem a outra pessoa, durante determinado período e mediante uma retribuição paga periodicamente, concedendo a essa outra pessoa, durante esse período e através do pagamento em questão, um direito real que dá ao seu titular o poder de utilização do bem imóvel, como um direito de superfície, constitui uma actividade económica na acepção da última frase do n.o 2 do artigo 4.o da Sexta Directiva IVA.»

2. Quanto à segunda questão

39.

O Governo neerlandês e a Comissão concordam em sustentar que a constituição de um direito real deve ser considerada «entrega de um bem» na acepção do artigo 5.o, n.o 1, da Sexta Directiva IVA. O Governo britânico não tomou posição quanto a esta questão.

40.

a)

O Governo neerlandês recorda que o n.o 3, alínea b), do artigo 5.o da Sexta Directiva IVA permite aos Estados-membros considerarem bens corpóreos os direitos reais que conferem ao respectivo titular um poder de utilização sobre um bem imóvel. Esta faculdade tem por objectivo qualificar essa actividade de «entrega de um bem», nos termos do artigo 5.o, n.o 1, da Sexta Directiva IVA.

41.

O artigo 5.o, n.o 1, da Sexta Directiva considera «entrega de um bem» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário. Tratando-se de direitos reais, o Governo neerlandês observa que tanto o que concedeu o direito de um bem corpóreo como aquele que está na sua posse têm o poder de dispor dele integralmente, como um proprietário. No respeitante à condição relativa à transferência desse poder, o Governo neerlandês considera que a interpretação do termo «transferência» deve, tendo em consideração os diferentes conceitos e denominações nas legislações dos diversos Estados-membros em matéria de propriedade, deixar subsistir uma certa margem de apreciação. O direito neerlandês prevê, neste contexto, que a constituição de um direito real na acepção do artigo 5.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Directiva IVA, implica a transferência do poder de dispor desse bem corpóreo, como um proprietário. A condição relativa à transferência está assim preenchida.

42.

Em conclusão, o Governo neerlandês sugere ao Tribunal de Justiça que responda afirmativamente à segunda questão.

43.b)

A Comissão faz igualmente referência à faculdade dos Estados-membros, prevista no artigo 5.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Directiva IVA, de considerar bem corpóreo um direito real sobre um bem imóvel.

44.

Ela verifica que o legislador neerlandês fez uso dessa faculdade prevendo no artigo 3.o, n.o 2, da Wet op de omzetbelasting 1968, na versão de 1978, que a constituição de um direito real sobre um bem imóvel é considerado uma «entrega» de um bem.

45.

Segundo a Comissão, o direito de superfície faz parte da noção de direito real na acepção que lhe dá o direito neerlandês, e o titular desse direito tem o poder de dispor do imóvel.

46.

Nestas condições, a Comissão sugere ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão do seguinte modo:

«Na medida em que um Estado-membro utilizou a possibilidade oferecida pelo artigo 5.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Directiva IVA de considerar bens corpóreos os direitos reais que conferem ao respectivo titular um poder de utilização sobre os bens imóveis, a noção de transferência utilizada no n.o 1 do referido artigo deve ser interpretada no sentido de que abrange igualmente a constituição desse direito real.»

3. Quanto à terceira questão

47.

Por último, o Governo neerlandês e a Comissão concordam em que a respostas às questões 1 e 2 devem ser analisadas independentemente uma da outra. O Governo britânico não tomou posição sobre esta questão.

48.

a)

Na opinião do Governo neerlandês, o mero facto de um Estado-membro usar a possibilidade fiscal oferecida pelo artigo 5.o, n.o 3, da Sexta Directiva IVA não pode modificar ipso facto o âmbito de aplicação da noção de sujeito passivo, tal como é definida no artigo 4.o da Sexta Directiva IVA.

49.

O facto de um direito real, como no caso em apreço, ser considerado um bem corpóreo não é importante relativamente às consequências em matéria de fiscalidade do imposto sobre o volume de negócios que decorrem da qualificação da prestação como entrega ou como serviço. Se há entrega de um bem corpóreo, na acepção da Sexta directiva IVA, tal não restringe nem põe termo, segundo o Governo neerlandês, à exploração do bem corpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, ou seja, o caso de sujeição ao imposto referido na parte final artigo 4.o, n.o 2.

50.

Na opinião do Governo neerlandês, há que considerar a constituição, transferência, alteração e cessão de direitos reais como uma prestação de serviços na acepção das disposições do artigo 6.o, da Sexta Direttiva IVA, mesmo na medida em que o Estado-membro em causa não tenha utilizado a possibilidade oferecida pelo artigo 5.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Directiva IVA, de considerar bens corpóreos os direitos reais que permitem o interessado utilizar um bem imóvel. Esta prestação é, segundo o Governo neerlandês, de tal modo semelhante ao caso da locação de um bem imóvel que, para efeitos de cobrança do imposto sobre o volume de negócios, a pessoa que cede o uso do bem mediante pagamento deverá também ser abrangida pelo âmbito de aplicação da noção de sujeito passivo, tal como é definida no artigo 4.o da Sexta Directiva IVA.

51.

O Governo neerlandês assinala que se a faculdade oferecida pelo artigo 5.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Directiva IVA devesse ser interpretada de modo diferente, os Esta-dos-membros estariam em condições de modelar o âmbito de aplicação do imposto sobre o volume de negócios conforme quisessem, o que não parece ser nada desejável no àmbito do sistema de tributação harmonizado entre Estados-membros.

52.

Conclui-se, na opinião do Governo neerlandês, que a resposta à terceira questão deve ser negativa.

53.

b)

A Comissão considera que a resposta à primeira questão não mudará, mesmo que a resposta à segunda questão seja diferente, na medida em que o Estado-membro em causa não tinha utilizado a faculdade de equiparar a constituição de um direito de superfície à entrega de um bem.

54.

A Comissão sugere ao Tribunal de Justiça que responda à terceira questão do seguinte modo:

«A resposta à primeira questão não varia em função da resposta à segunda questão.»

M. Zuleeg

Juiz relator


( *1 ) Lingua do processo: neerlandés.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

4 de Dezembro de 1990 ( *1 )

No processo C-186/89,

que tem por objecto o pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Hoge Raad der Nerderlanden (Terceira Secção) e destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

W. M. van Tiem

e

Staatssecretaris van Financiën,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 4.°, n.° 2, e 5.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de'negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

constituído pelos Srs. J. C. Moitinho de Almeida, presidente de secção, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral : W. Van Gerven

secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação do Governo neerlandês, por J. J. Heinemann, secretário-geral no Ministério dos Negócios Estrangeiros,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. A. Gensmantel, Treasury Solicitor,

em representação da Comissão, por D. Calleja e B. J. Drijber, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo neerlandês, representado por T. Heukels, na qualidade de agente, e da Comissão, na audiência de 28 de Junho de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 25 de Setembro de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por acórdão de 24 de Maio de 1989, que deu entrada no Tribunal em 29 de Maio seguinte, o Hoge Raad der Nerderlanden apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 4.°, n.° 2, e 5.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1, EE 09 Fl p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).

2

Estas questões foram apresentadas no àmbito de um litígio que opõe M. van Tiem ao Staatssecretaris van Financiën, na sequência de uma liquidação do imposto sobre o volume de negócios.

3

Resulta do processo que M. van Tiem comprou, em 29 de Setembro de 1980, a título privado, um terreno para construção. Por essa aquisição foi tributado em 10677,97 HFL a título de imposto sobre o volume de negócios.

4

Na mesma data, M. van Tiem cedeu à Tiem's Electro Technisch Installatiebureau BV um direito de superfície sobre o terreno, por dezoito anos, mediante o pagamento anual da quantia de 3000 HFL (imposto sobre o volume de negócios incluído). Nos termos dos artigos 758.°, 759.° e 765.° do Código Civil neerlandês, «o direito de superfície é um direito real que permite ao seu titular construir, fazer obras e plantações em terreno alheio».

5

Em 20 de Outubro de 1980, M. van Tiem solicitou à autoridade fiscal nacional que o sujeitasse ao imposto sobre o volume de negócios devido à cedência do direito de superfície, a partir de 29 de Setembro de 1980, sem beneficiar de qualquer isenção.

6

Em 18 de Dezembro de 1980, a administração fiscal deferiu o pedido considerando que se relacionava com a locação do bem imóvel em causa.

7

Na declaração para a aplicação do imposto sobre o volume de negócios relativa ao primeiro trimestre de 1981, M. van Tiem deduziu o imposto sobre o volume de negócios que lhe tinha sido tributado aquando da compra do terreno.

8

A administração fiscal anulou essa dedução por meio de uma liquidação do imposto sobre o volume de negócios de um montante de 10678 HFL, isto é, o montante do imposto que M. van Tiem tinha pago aquando da compra do terreno.

9

O Gerechtshof de Arnhem, a quem foi submetido o litígio, confirmou a liquidação, considerando que M. van Tiem não tinha agido na qualidade de empresário na acepção do artigo 7° da Wet op de omzetbelasting de 1968, aquando da constituição do direito de superfície, de modo que não podia proceder à compensação do imposto sobre o valor de negócios tributado aquando da compra do terreno.

10

Esse acórdão do Gerechtshof foi objecto de recurso para o Hoge Raad, interposto por M. van Tiem. Este alegou que a cedência do direito de superfície devia ser considerada, na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea b), da Wet op de omzetbelasting, como a exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, de modo que ele próprio devia ser considerado um empresario e que tinha direito à compensação.

11

No acórdão de reenvio para o Tribunal de Justiça, o Hoge Raad assinala, por um lado, que a expressão «operação que envolve a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo», que figura na legislação neerlandesa, foi retirada do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva e, por outro, que o legislador neerlandês utilizou a faculdade referida no artigo 5.°, n.° 3, da Sexta Directiva de considerar como bem corpóreo os direitos reais que dão ao seu titular um poder de utilização sobre os bens imóveis, ao considerar, no artigo 3.°, n.° 2, da Wet op de omzetbelasting, a constituição de um direito real sobre um bem imóvel como entrega de um bem.

12

Foi nestas condições que o Hoge Raad decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões :

«1)

O disposto na parte final do n.° 2 do artigo 4.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que o facto de o proprietàrio de um bem imóvel ceder a fruição do referido bem a outra pessoa durante um determinado período e mediante o pagamento de uma retribuição periódica, concedendo a essa pessoa durante o referido prazo e mediante a aludida retribuição um direito real de gozo, neste caso, um direito de superfície, constitui a exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, na acepção da referida disposição da directiva?

2)

Na medida em que um Estado-membro tenha utilizado a possibilidade que lhe confere a alínea b) do n.° 3 do artigo 5.° da Sexta Directiva, de considerar bens corpóreos os direitos reais de gozo contemplados nesta disposição, deve interpretar-se o n.° 1 deste artigo no sentido de que o conceito de entrega de um bem nele utilizado abrange a constituição de um direito deste tipo?

3)

A resposta à primeira questão é diferente se a resposta à segunda questão for afirmativa?»

13

Para mais ampla exposição dos factos e do enquadramento jurídico do litígio no processo principal, da tramitação do processo, bem como das observações escritas apresentadas perante o Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à primeira questão

14

Através da primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende essencialmente saber se a constituição de um direito de superfície sobre um bem imóvel pelo proprietário desse bem a favor de outra pessoa, concedendo-lhe um poder de utilização sobre o bem imóvel durante um determinado período e mediante remuneração, deve ser considerada uma actividade económica definida no artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva.

15

Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, as actividades económicas abrangem «todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços...». Nos termos da última frase deste artigo, «a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica».

16

A fim de responder à questão colocada deve, em primeiro lugar, determinar-se se a contituição de um direito de superfície sobre um bem imóvel pode ser vista como uma «exploração» desse bem na acepção da referida disposição.

17

A este respeito convém sublinhar, em primeiro lugar, que o artigo 4.° da Sexta Directiva confere um âmbito de aplicação muito lato ao imposto sobre o valor acrescentado, englobando todos os estádios da produção, da distribuição e da prestação de serviços (ver os acórdãos do Tribunal de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, n.° 7, 235/85, Colect., p. 1487, e de 15 de Junho de 1989, Stichting, n.° 10, 348/87, Colect., p. 1737).

18

Deve esclarecer-se, em segundo lugar, que o conceito de «exploração» se refere, em conformidade com as exigências do princípio da neutralidade do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, a todas as operações, seja qual for a sua forma jurídica, que visam retirar do bem em questão receitas com caracter de permanência.

19

Deste modo, deve declarar-se que o facto de o proprietário de um bem imóvel constituir a favor de um terceiro um direito de superfície sobre esse bem deve ser considerado uma exploração do bem se esta constituição for feita, mediante remuneração, para um período determinado. Esta condição deve ser considerada preenchida quando, como no caso referido no processo principal, o direito de superfície é constituído por dezoito anos, em troca de uma remuneração anual.

20

Em consequência, há que responder à primeira questão que a constituição de um direito de superfície sobre um bem imóvel pelo proprietário desse bem a favor de outra pessoa, concedendo-lhe um poder de utilização sobre o bem imóvel durante um determinado período e mediante retribuição, deve ser considerada uma actividade económica que envolve a exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com o carácter de permanencia, na acepção do n.° 2, última fase, do artigo 4.° da Sexta Directiva.

Quanto à segunda questão

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A segunda questão colocada pelo Hoge Raad incide sobre a questão de saber se, quando um Estado-membro utilizou a possibilidade conferida pelo artigo 5.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva, de considerar os direitos reais bens corpóreos, concedendo ao seu titular o poder de utilização sobre os bens imóveis, o conceito de transferência que é utilizado no n.° 1 do referido artigo abrange igualmente a constituição de um direito real de utilização.

22

Deve recordar-se que o artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva dá a definição de uma das operações tributáveis, a saber, a entrega de um bem. Esta consiste na «transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário». O n.° 3 do mesmo artigo prevê que os Estados-membros podem considerar bens corpóreos na acepção do n.° 1 «os direitos reais que conferem ao respectivo titular o poder de utilização sobre bens imóveis».

23

A faculdade assim proporcionada aos Estados-membros permite considerar a constituição de um direito de utilização sobre o imóvel como transferência na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva.

24

Assim, há que responder à segunda questão que, na medida em que um Estado-membro utilizou a possibilidade oferecida pelo n.° 3, alínea b), do artigo 5.° da Sexta Directiva, de considerar bens corpóreos os direitos reais que conferem ao respectivo titular o poder de utilização sobre os bens imóveis, a noção de transferência utilizada no n.° 1 do referido artigo deve ser interpretada no sentido de que abrange igualmente a constituição desse direito real.

Quanto à terceira questão

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De acordo com os objectivos da Sexta Directiva, que visa, designadamente, basear o sistema comum de IVA numa definição uniforme dos «sujeitos passivos», esta qualidade deve ser apreciada exclusivamente com base nos critérios enunciados no artigo 4.° da Sexta Directiva.

26

Daqui resulta que o âmbito de aplicação do artigo 4.° da Sexta Directiva não pode ser alterado pela circunstância de um Estado-membro utilizar ou não a faculdade de equiparar a constituição de um direito de superfície à entrega de um bem, prevista no artigo 5.°, n.° 3, da Sexta Directiva.

27

Consequentemente, há que responder à terceira questão que a resposta à primeira questão não varia em função da resposta à segunda questão.

Quantos às despesas

28

As despesas efectuadas pelos governos do Reino dos Países Baixos, do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser reembolsadas. Revestindo o processo, no que se refere às partes no processo principal, a natureza de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Hoge Raad der Nerderlanden, por acórdão de 24 de Maio de 1989, declara:

 

1)

A constituição de um direito de superfìcie sobre um bem imóvel pelo proprietário desse bem a favor de outra pessoa, concedendo-lhe um poder de utilização sobre o bem imóvel durante um determinado período e mediante retribuição, deve ser considerada uma actividade económica que envolve a exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, na acepção do n.° 2, última frase, do artigo 4.° da Sexta Directiva.

 

2)

Na medida em que um Estado-membro utilizou a possibilidade oferecida pelo n.° 3, alínea b), do artigo 5.° da Sexta Directiva, de considerar bens corpóreos os direitos reais que conferem ao respectivo titular o poder de utilização dos bens imóveis, a noção de transferência utilizada no n.° 1 do referido artigo deve ser interpretada no sentido de que abrange igualmente a constituição desse direito real.

 

3)

A resposta à primeira questão não varia em função da resposta à segunda questão.

 

Moitinho de Almeida

Grévisse

Zuleeg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Dezembro de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Terceira Secção

J. C. Moitinho de Almeida


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.