RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-30/89 ( *1 )

I — Exposição dos factos

1.

Nos termos do n.° 1 do artigo 2.° da sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»): matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54; a seguir «sexta directiva»),

«estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

O n.° 1 do artigo 3.° da sexta directiva prevê que,

«para efeitos do disposto na presente directiva, o “território do país” corresponde ao âmbito de aplicação do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, tal como é definido, relativamente a cada Estado-membro, no artigo 227.°».

Em conformidade com o disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva,

«por lugar das prestações de serviços de transporte entende-se o lugar onde se efectua o transporte, tendo em conta as distâncias percorridas».

A alínea b) do n.° 3 do artigo 28.° da sexta directiva dispõe que,

«durante o período transitório a que se refere o n.° 4, os Estados-membros podem continuar a isentar as operações enumeradas no anexo F nas condições em vigor no Estado-membro».

O ponto 17 desse anexo com o título «Lista das operações referidas no n.° 3, alínea b), do artigo 28.°»: refere os «transportes de passageiros» e esclarece que

«os transportes de bens, tais como bagagens e veículos automóveis, que acompanham os passageiros ou as prestações de serviços ligados ao transporte de passageiros só serão isentos se os transportes dos referidos passageiros estiverem isentos».

2.

O n.° 1 do artigo 2.° do Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 2892/77 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, que dá aplicação no que diz respeito aos recursos próprios provenientes do imposto sobre o valor acrescentado à decisão de 21 de Abril de 1970 relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados-membros por recursos próprios das Comunidades (JO L 336, p. 8; EE Ol F2 p. 83), prevê que

«a matéria colectável dos recursos IVA será determinada a partir das operações tributáveis referidas no artigo 2.° da Directiva 77/388/CEE com excepção das operações isentas nos termos dos artigos 13.° a 16.° da referida directiva».

Em conformidade com o terceiro travessão do n.° 2 do artigo 2.° do referido regulamento,

«para a aplicação do n.° 1, devem ser tidas em conta para a determinação dos recursos IVA... as operações que os Estados-membros continuem a isentar, nos termos do n.° 3, alínea b) do artigo 28.° da Directiva 77/338/CEE...».

Nos termos do n.° 2 do artigo 9.° do Regulamento n.° 2892/77,

«para efeitos da aplicação do n.° 2, segundo, terceiro e quarto parágrafos, do artigo 2.°... no que se refere às operações enumeradas no anexo F da Directiva 77/388/CEE que os Estados-membros continuam a isentar por força do disposto no n.° 3, alínea b), do artigo 28.° da referida directiva, os Estados-membros calcularão a matéria colectável dos recursos IVA como se tais operações fossem tributadas...».

Finalmente, o artigo 11.° do Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 2891/71 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, que dá aplicação à decisão de 21 de Abril de 1970 relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados-membros por recursos próprios das Comunidades (TO L 336, p. 1; EE 01 F2 p. 76), dispõe que

«qualquer atraso nas inscrições na conta referida no n.° 1 do artigo 9.° originará o pagamento, pelo Estado-membro em causa, de um juro cuja taxa é equivalente à taxa de desconto mais elevada praticada nos Estados-membros em vigor na data do vencimento. Essa taxa é aumentada de 0,25 pontos por cada mês de atraso. A taxa assim agravada é aplicável a todo o prazo de mora».

3.

Por força do disposto no artigo 262.°, II, 11.° do code général des impôts, vigente na República Francesa, estão isentos do IVA, a partir de 1 de Janeiro de 1979,

«os transportes entre a França continental e os departamentos da Córsega, em relação à parte do trajecto situada fora do território continental».

4.

A Comissão entendeu que resultava das disposições da sexta directiva, especialmente dos artigos 3.° e 9.°, que se devem considerar como efectuados inteiramente dentro da França e, por isso, sujeitos ao IVA, os transportes marítimos e aéreos cujos lugares de partida e de chegada estejam situados no território francês, desde que nenhuma escala seja efectuada em outro país, independentemente da questão de saber se esses transportes compreendem ou não um trajecto em/ou por cima das águas internacionais.

Se é verdade que a República Francesa pode, com base no disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 28.° e no ponto 17 do anexo F da sexta directiva, continuar a isentar do IVA os transportes entre a França continental e os departamentos da Córsega, em relação à parte do trajecto situada fora do território continental, esse Estado-membro, na opinião da Comissão, tem a obrigação de compensar essa isenção a nível dos recursos próprios IVA, incluindo, em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 9.° do Regulamento n.° 2892/77, o volume de negócios correspondente à totalidade dos transportes em causa, nele compreendido a parte relativa ao trajecto efectuado em/ou por cima das águas internacionais entre a França continental e a Córsega, na matéria colectável dos recursos próprios IVA.

Por conseguinte, a Comissão, por carta de 29 de Julho de 1986, convidou o Governo francês a efectuar os cálculos necessários a fim de determinar os recursos próprios que são devidos às Comunidades com referência aos exercícios de 1980 a 1985 e a colocá-los à disposição da Comissão antes de 31 de Outubro de 1986. O Governo francês foi igualmente informado de que os juros de mora previstos pelo artigo 11.° do Regulamento n.° 2891/77 seriam devidos a partir dessa data.

5.

Em 20 de Outubro de 1986, o Governo francês respondeu que o Tribunal (acórdão de 23 de Janeiro de 1986, Trans Tirreno Express, 283/84, Colect. 1986, p. 231) autorizou somente os Estados-membros, sem os obrigar, a tributar a parte internacional de um transporte efectuado de um ponto a outro do mesmo território nacional, de sorte que os Estados-membros teriam a possibilidade de escolha entre a tributação e a não tributação.

Ademais, a França não estaria em condições de aceitar a proposta de uma décima nona directiva do Conselho, em matéria de harmonização de legislações dos Estados-membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios, que alterasse a Directiva 77/388 — sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado [COM(84) 648 final, JO C 347, p. 5], feita pela Comissão com objectivo de harmonização, na medida em que tenderia a alterar o disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva, acrescentanto ao texto actual desta disposição que

«um trajecto marítimo ou aéreo é considerado como efectuado inteiramente no território do país quando o lugar de partida e o lugar de chegada se encontrem no referido país, desde que nenhuma escala seja efectuada em outro país».

Nestas condições, a não tributação da parte dos transportes entre a França continental e a Córsega, que se efectua em mar internacional ou no espaço aéreo sobrejacente, resultaria do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° e não das medidas transitórias previstas pela alínea b), n.° 3 do artigo 28.° da sexta directiva. Em consequência, não haveria lugar para prever a inclusão, na matéria colectável dos recursos próprios IVA, da parte dos trajectos entre a França continental e a Córsega efectuada em/ou sobre as águas internacionais.

6.

Por carta de 6 de Maio de 1987, a Comissão, em conformidade com o disposto no artigo 169.° do Tratado CEE, interpelou o Governo da República Francesa a fim de este apresentar, num prazo de dois meses, as suas observações sobre o incumprimento censurado.

Em resposta aos argumentos avançados pela República Francesa, a Comissão admitiu que era exacto que, no acórdão Trans Tirreno Express (já referido), o Tribunal não decidiu a questão de saber se a imposição do IVA sobre o conjunto do trajecto é obrigatória, pois que, no caso então em apreço, bastava decidir que o IVA podia ser aplicado. Pelo contrário, seria inexacto afirmar que, no quadro da proposta da décima nona directiva IVA, a Comissão teria proposto uma alteração da alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva. Com efeito, tratar-se-ia, na verdade, de um simples esclarecimento que a Comissão considera útil com o objectivo de clarificar o alcance da disposição em causa.

A Comissão prosseguiu afirmando que o objectivo essencial da sexta directiva era harmonizar as disposições comunitárias em matéria de IVA, de sorte que a tributação devia ser sujeita a regras idênticas em todos os Estados-membros, desde que fosse estabelecido que o transporte é efectuado entre dois pontos situados num único Estado-membro, independentemente da questão de saber se o transporte tem lugar em parte em ou sobre as águas internacionais.

Estas considerações explicariam porquê, na ocasião da décima sexta reunião do Comité Consultivo do IVA de 30 de Novembro de 1983, a esmagadora maioria das delegações se tenha pronunciado a favor de que os transportes por via marítima ou aérea cujo lugar de partida e de chegada estejam situados no mesmo Estado-membro e que se efectuam em parte nas águas internacionais ou por cima do território de um outro Estado-membro sejam considerados como sendo efectuados inteiramente dentro do Estado-membro em causa.

7.

O Governo francês respondeu, em 7 de Julho de 1987, que o termo «lugar» constante da alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva constituía uma noção geográfica que permite localizar uma prestação a fim de atribuir a tributação de uma actividade económica exercida nesse lugar ao país que nele exerce a sua soberania territorial. Ora, o alto mar e o espaço aéreo internacional não fariam parte do território de um Estado-membro, de sorte que, para o transporte entre a França continental e a Córsega, a parte do trajecto efectuada em/ou por cima das águas internacionais não se situaria em França.

Ademais, contrariamente às afirmações da Comissão, a proposta de décima nona directiva não integraria uma simples especificação, mas, pelo contrário, uma alteração da alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva.

Por fim, a orientação traçada por ocasião da décima sexta reunião do Comité Consultivo do IVA teria por origem razões práticas e não se lhe poderia reconhecer qualquer carácter jurídico.

8.

Em 7 de Abril de 1988, a Comissão emitiu, nos termos do disposto no primeiro parágrafo do artigo 169.° do Tratado, o parecer fundamentado concluindo que a República Francesa, ao não respeitar a obrigação de calcular os recursos próprios não pagos em relação aos anos de 1980 a 1985, bem como em relação aos exercícios posteriores, ao não respeitar a obrigação de enviar uma cópia dos seus cálculos à Comissão e ao não respeitar a obrigação de colocar à disposição da Comissão o equivalente do montante dos recursos próprios em questão isentando do IVA a parte internacional dos transportes entre a França continental e os departamentos da Córsega em infracção ao disposto na sexta directiva IVA, e ao não respeitar a obrigação de pagar os juros de mora sobre os montantes até à data em que esses montantes foram postos à disposição, por força do artigo 11.° do Regulamento n.° 2891/77 e com efeito nas datas indicadas pela Comissão, faltou às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

A Comissão, em obediência ao disposto no segundo parágrafo do artigo 169.° do Tratado CEE, convidou o Governo francês a tomar as medidas necessárias para se conformar, no prazo de dois meses, com este parecer.

9.

Na sua cana de 22 de Novembro de 1988, a República Francesa manteve a sua posição.

II — Fase escrita do processo e pedidos das partes

1.

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 3 de Fevereiro de 1989, a Comissão, dando cumprimento ao disposto no segundo parágrafo do artigo 169.° do Tratado CEE, solicitou a intervenção do Tribunal em relação ao incumprimento, por parte da República Francesa, das obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, 3.° e 9.° da sexta directiva, bem como dos artigos 2° e 9.° do Regulamento n.° 2892/77 e do artigo 11.° do Regulamento n.° 2891/77.

2.

Por despacho de 21 de Junho de 1989, o Reino de Espanha foi admitido a intervir em apoio dos pedidos da República Francesa.

3.

O Tribunal, com base no relatório do juiz relator, ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia.

4.

A Comissão, demandante, conclui pedindo ao Tribunal se digne:

declarar que, ao não respeitar a obrigação de calcular os recursos próprios não pagos relativos aos anos de 1980 a 1985, bem como em relação aos exercícios posteriores, que ao não respeitar a obrigação de enviar uma cópia desses cálculos à Comissão e que ao não respeitar a obrigação de colocar à disposição da Comissão o equivalente do montante dos recursos próprios em questão isentando do IVA a parte internacional dos transportes entre a França continental e os departamentos da Córsega, em infracção ao disposto na sexta directiva IVA, e que ao não respeitar a obrigação de pagar os juros de mora sobre os montantes até à data em que esses montantes foram postos à disposição, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 2891/77 e com efeito às datas indicadas pela Comissão, a França faltou às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE;

condenar a França nas despesas do processo.

5.

O Governo da República Francesa, demandado, conclui pedindo ao Tribunal se digne :

indeferir o pedido da Comissão;

condenar a recorrente nas despesas do processo.

6.

O Governo do Reino de Espanha, interveniente, conclui pedindo ao Tribunal se digne:

julgar a acção por incumprimento, proposta pela Comissão contra a República Francesa, improcedente;

condenar a instituição demandante nas despesas, incluindo as da intervenção.

III — Fundamentos e argumentos das partes

1.

A Comissão expõe que se a República Francesa pode, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 28.°, continuar a isentar do IVA a parte dos transportes efectuada em/ou por cima das águas internacionais entre a França continental e a Córsega, com a consequência de que o Estado-membro que faz uso desta faculdade de isenção seja obrigado, por força do Regulamento n.° 2892/77, a compensar no orçamento da Comunidade a perda dos recursos IVA resultantes das operações isentas, a sexta directiva não autoriza, pelo contrário, a França a excluir do IVA os transportes entre o seu território continental e a Córsega em relação à parte do trajecto situada fora do território continental.

Com efeito, na opinião da Comissão, são de considerar como efectuados inteiramente no território da França e, em consequência, sujeitos ao IVA os transportes marítimos e aéreos cujos lugares de partida e de chegada se situem no território francês, desde que nenhuma escala seja feita em outro país.

Em apoio da sua tese, a Comissão alega que resulta do disposto no artigo 3.° da sexta directiva, que define o «território do país» na acepção do artigo 2.°, que a matéria colectável uniforme para efeitos da aplicação da sexta directiva deve englobar a totalidade do trajecto no caso em apreço. A interpretação do artigo 9.°, que determina o lugar das transacções tributáveis, quanto, nomeadamente, a prestações de transporte, dependeria inteiramente do alcance dos artigos 2° e 3.° da sexta directiva.

Segundo a Comissão, esta posição seria confortada pela jurisprudência do Tribunal. Com efeito, no acórdão de 4 de Julho de 1985 (Berkholz, 168/84, Recueil 1985, p. 2251), o Tribunal teria declarado que «a directiva não impõe de forma alguma a isenção fiscal das prestações cumpridas no alto mar ou, mais geralmente, fora da esfera de soberania territorial do Estado que exerce a sua jurisdição sobre o navio, qualquer que seja a conexão das prestações em causa, na sede da entidade prestadora ou em outro estabelecimento estável» (n.° 16).

No acórdão Trans Tirreno Express (já referido), o Tribunal teria decidido mais tarde que «se o âmbito de aplicação territorial da sexta directiva corresponde ao âmbito de aplicação do Tratado CEE (tal como vem definido, para cada Estado-membro, no artigo 227.°), e se o regime da directiva se aplica, portanto, obrigatória e imperativamente, ao conjunto do território nacional dos Estados-membros, a directiva, nomeadamente o artigo 9.°, n.° 2, alínea b), não limita de modo algum a liberdade dos Estados-membros de estender o campo de aplicação da sua legislação fiscal para lá dos seus limites territoriais, propriamente ditos, desde que não invadam as competências de outros Estados» (n.° 20).

Aliás, nas suas conclusões neste último processo, o advogado-geral Sir Gordon Slynn afirmou que, sendo o objectivo essencial da sexta directiva harmonizar as disposições comunitárias em matéria de IVA, o imposto deve afectar, da mesma maneira, em todos os Estados-membros, o conjunto do transporte, mesmo que uma parte deste tenha ocorrido nas águas internacionais, desde que esteja estabelecido que o transporte se efectua entre dois pontos num único Estado-membro.

A Comissão prossegue, dizendo que a sua posição foi também implicitamente aprovada pelos Estados-membros pelo facto de, na ocasião das negociações, na altura da adesão de Portugal à Comunidade, a República Portuguesa obter, pelo aditamento de um número 15 ao artigo 15.° da sexta directiva, uma derrogação ao regime do IVA em virtude da qual «pode assimilar ao transporte internacional os transportes marítimos e aéreos entre as ilhas que compõem as regiões autónomas dos Açores e da Madeira e entre estas e o continente» (ver anexo I, ponto V, n.° 2, do acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações nos tratados, JO L 302 de 15.11.1985, p. 23). A fim de evitar que essa derrogação não beneficie Portugal a nível do pagamento dos recursos próprios em comparação com outros Estados-membros, o artigo 374.° do Tratado de Adesão prevê que essa derrogação não afecte o montante dos direitos devidos a título de recursos próprios IVA. Na opinião da Comissão, o facto de esta derrogação ter sido concedida a Portugal demonstraria que os transportes, tais como os efectuados entre as ilhas dos Açores e da Madeira e o território metropolitano, se bem que efectuados quase inteiramente nas águas internacionais, deveriam normalmente ter sido considerados como um transporte «no território do país» na acepção dos artigos 2.° e 3.° da sexta directiva.

Aliás, a Comissão refuta o argumento da República Francesa segundo o qual a proposta da Comissão de aditar, no âmbito do projecto da décima nona directiva, à alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva uma disposição especial visando os trajectos marítimos ou aéreos constituiria, na situação actual do direito comunitário, uma alteração substancial do regime de territorialidade aplicável a estes transportes. Na opinião da Comissão, essa proposta não constituiria uma alteração do regime actual mas uma simples especificação tendente a clarificar a situação existente.

A Comissão conclui do que precede que, quando, como no caso em apreço, há infracção ao disposto na sexta directiva, pelo facto, de sem razão, a República Francesa excluir da sujeição ao IVA os transportes entre a França continental e a Córsega em relação à parte do trajecto efectuado em/ou por cima das águas internacionais e de a matéria colectável dos recursos IVA ser, por esse facto, reduzida, resulta das disposições do Regulamento n.° 2892/77 que deve ser creditado na conta da Comissão o equivalente do montante dos recursos próprios devido a essa infracção, e isto em relação ao período decorrido entre o momento em que essa infracção foi cometida e o momento em que lhe foi posto termo. Com efeito, caso assim não fosse, a Comunidade sofreria uma perda financeira e, simultaneamente, a infracção provocaria um prejuízo financeiro aos outros Estados-membros, violando-se assim o princípio de igualdade de tratamento.

A Comissão acrescenta, no que toca ao pagamento de juros de mora, que decorre do disposto no artigo 11.° do Regulamento n.° 2891/77 e da jurisprudência do Tribunal (ver acórdão de 20 de Março de 1986, Comissão/Alemanha, 303/84, Colect. 1986, p. 1171; acórdão de 18 de Dezembro de 1986, Comissão/Reino Unido, 93/85 Colect. 1986, p. 4011; acórdão de 17 de Setembro de 1987, Comissão/Grécia, 70/86, Colect. p. 3545) que os juros de mora são devidos por toda a mora na inserção a crédito na conta da Comissão dos recursos próprios cujo apuramento incumbe aos Estados-membros. A Comissão sublinha, a este propósito, que concedeu ao Governo francês os prazos necessários para pôr termo à infracção e que chamou expressamente a sua atenção para o facto de a partir de 31 de Outubro de 1986 serem exigíveis juros de mora.

2.

O Governo da República Francesa é de opinião que a não sujeição ao IVA dos transportes entre a França continental e a Córsega em relação à parte do trajecto, marítimo ou aéreo, efectuada em/ou por cima das águas internacionais está em conformidade com as disposições da alínea b), n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva. Em consequência, entende que a Comissão não tem fundamento para exigir da parte da República Francesa a compensação a título dos recursos próprios IVA, em aplicação do Regulamento n.° 2892/77, em relação à parte do trajecto situada fora do território continental, estando essa compensação a cargo dos estados apenas em relação à parte dos transportes isenta, em conformidade com as disposições da alínea b) do n.° 3 do artigo 28.o da sexta directiva.

Em apoio da sua tese, o Governo da República Francesa alega, em primeiro lugar, que o princípio da territorialidade do IVA, por força do qual esse imposto pode ser aplicado apenas às actividades que se desenrolam no território nacional, opõe-se à tributação dos transportes efectuados nas águas internacionais e no espaço aéreo sobrejacente.

Com efeito, por força dos princípios admitidos em direito internacional, a soberania de um Estado estender-se-ia ao conjunto do espaço terrestre, nele incluídas as vias aquáticas, bem como as águas interiores e o mar territorial, da mesma forma que a integralidade do espaço aéreo que sobrejaz ao território terrestre e marítimo do Estado, com exclusão, todavia, do mar internacional e do espaço aéreo sobrejacente. Estes princípios não teriam sido de forma nenhuma postos em causa pelo direito comunitário, e o n.° 1 do artigo 3.° da sexta directiva teria expressamente consagrado o princípio da territorialidade do IVA, de sorte que as águas internacionais não entrariam no âmbito de aplicação territorial do Tratado CEE. Ademais, sendo o termo «lugar» utilizado na alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva uma noção geográfica permitindo situar um transporte dentro do território do Estado-membro em que tem lugar e não fazendo as águas internacionais parte do território do Estado em causa, resultaria que o IVA não é aplicável às prestações de transporte que se efectuam no espaço aéreo ou marítimo internacional e que, por isso, a não tributação dessa parte do transporte não teria a ver de forma nenhuma com as disposições transitórias do n.° 3 do artigo 28.° da sexta directiva, que concedem aos Estados-membros a faculdade de isentar certas e determinadas operações.

O Governo da República Francesa acrescenta que o direito comunitário não contém, no estado actual, qualquer norma imperativa de tributação das actividades de transporte efectuadas em/ou por cima das águas internacionais.

A este propósito, sublinha em primeiro lugar, que seria por razões de ordem prática e não porque tivesse reconhecido um fundamento jurídico a esta regra que, aquando da sexta reunião do Comité Consultivo do IVA, a esmagadora maioria das delegações se teria pronunciado a favor de que os transportes marítimos ou aéreos que se efectuem parcialmente em/ou por cima das águas internacionais sejam consideradas como realizadas no território do país.

Depois, o projecto de alteração da alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva, que figura na proposta da décima nona directiva, não constituiria uma simples especificação, tal como pretenderia a Comissão, mas introduziria uma alteração substancial no regime da territorialidade do IVA, o que confirmaria a justiça da tese francesa, segundo a qual o direito comunitário, actualmente em vigor, não sujeita a tributação os transportes efectuados nas águas internacionais e no espaço aéreo sobrejacente.

Além disso, o Governo da República Francesa sustenta que decorre da jurisprudência do Tribunal (acórdãos Berkholz e Trans Tirreno Express, já referidos) que a tributação das prestações de transportes entre dois pontos do território nacional, desde que o trajecto seja efectuado, em parte, fora deste, não constitui de forma nenhuma uma obrigação decorrente do estado actual do direito comunitário, mas uma simples faculdade que os Estados-membros podem ou não exercer de forma puramente discricionária. O Governo da República Francesa sublinha que, no acórdão Trans Tirreno Express (já referido), o Tribunal, ao afirmar que o regime da sexta directiva se aplica obrigatoriamente ao conjunto do território nacional dos Estados-membros, reafirma expressamente o princípio da territorialidade do IVA e que o digno tribunal declarou que a alinea b) do n.° 2 do artigo 9.° «não se opõe» à sujeição a IVA das operações em causa, o que tenderia a dar credibilidade à ideia segundo a qual a não tributação das actividades de transporte efectuadas fora do território de um Estado-membro constitui a regra.

O Governo da República Francesa acrescenta que a opinião do advogado-geral Sir Gordon Slynn no processo Trans Tirreno Express (já referido), invocada pela Comissão e segundo a qual seria fora do normal que o modo de tributação diferisse conforme o transporte se efectue por terra ou por mar entre dois pontos idênticos de um mesmo Estado-membro, não reflecte o Estado actual do direito comunitário e não é, aliás, pertinente no caso em apreço, pois que seria impossível dirigir-se para a Córsega tomando um meio de transporte terrestre.

Por fim, o Governo da República Francesa sustenta que a obrigação, imposta a Portugal, na sequência da autorização, que lhe foi concedida, de assimilar a transportes internacionais os transportes marítimos e aéreos entre o continente português e o arquipélago dos Açores ou a ilha da Madeira (artigo 15.°, n.° 15, da sexta directiva), de compensar a perda do IVA ao nível dos recursos próprios, em conformidade com o disposto no artigo 374.° do Acto de Adesão, não poderia ser invocada pela Comissão em apoio da sua tese. Com efeito, essa regra comportaria uma derrogação ao princípio contido no artigo 2.° do Regulamento n.° 2892/77, segundo o qual as operações isentas por força dos artigos 13.° a 16.° da sexta directiva são normalmente excluídas da matéria colectável dos recursos próprios IVA, constituiria, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal (acórdão de 28 de Abril de 1988, LAISA, n.° 15, 31/86 e 35/86, Colect. 1988, p. 2285), uma disposição especial a fim de resolver dificuldades que a adesão implica para a Comunidade e para o Estado candidato e não poderia em caso nenhum pôr em causa o direito comum em matéria de tributação a título do IVA face a outros Estados-membros.

O Governo da República Francesa conclui daí que os transportes marítimos ou aéreos entre a França continental e a Córsega se situam fora do âmbito de aplicação territorial do IVA e não dão lugar a um pagamento compensatório a titulo dos recursos próprios IVA, na ausência de disposições expressas do direito comunitário em vigor, nesse sentido.

3.

O Governo do Reino de Espanha começa por observar que, no sistema da sexta directiva, os artigos 2.° e 3.° consagram expressamente o princípio da territorialidade do IVA e que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal (acórdãos Berkholz e Trans Tirreno Express, já referidos, acórdão de 15 de Março de 1989, Hamann, 51/88, Colect. 1989, p. 767), o objectivo do artigo 9.° é a limitação racional das esferas de aplicação das legislações dos Estados-membros em matéria de IVA para determinar de forma uniforme o elemento territorial de conexão fiscal das prestações de serviços.

O Governo do Reino de Espanha prossegue no sentido de que o caso em apreço diz respeito à interpretação da alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva e é relativo à questão de saber se os trajectos efectuados nas águas ou espaços internacionais devem ser considerados como efectuados inteiramente no território do país, desde que o lugar de partida e o de chegada se situem no referido país e desde que nenhuma escala seja feita em outro Estado. O Governo do Reino de Espanha é de opinião que essa questão deve ser objecto de uma resposta negativa. A este propósito, resultaria claramente do acórdão Trans Tirreno Express (já referido) que a alínea b) do n.° 2 do artigo 9.°, permite simplesmente aos Estados-membros sujeitar a IVA os transportes efectuados, em parte, fora do seu território nacional. A tributação seria, num caso como o que aqui está em apreço, uma simples faculdade que cada Estado-membro é livre de exercer de forma discricionária e não uma obrigação cujo incumprimento possa constituir objecto de acção por incumprimento.

F. A. Schockweiler

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: francés.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL

13 de Março de 1990 ( *1 )

No processo C-30/89,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por John Forman e Alain van Solinge, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do mesmo Serviço Jurídico, Centro Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Francesa, representada por Edwige Belliard, subdirector na Direcção de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e por Claude Chavance, adido principal da administração central na Direcção dos Assuntos Jurídicos desse mesmo ministério, na qualidade de agente suplente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da embaixada de França, 9, boulevard du Prince-Henri,

demandada,

apoiada pelo

Reino de Espanha, representado por Javier Conde de Saro, director-geral da Coordenação Jurídica e Institucional Comunitária, e por Rosario Silva de Lapuerta, advogado do Estado no Serviço Jurídico do Estado relativo ao Tribunal, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da embaixada de Espanha, 4-6, boulevard E. Servais,

interveniente,

que tem por objecto fazer reconhecer que a República Francesa,

por um lado, não respeitou as obrigações de efectuar os cálculos necessários, de enviar uma cópia desses cálculos e de colocar à disposição da Comissão, em 31 de Outubro de 1986, os recursos próprios não pagos referentes aos anos de 1980 a 1985, que lhe incumbem por força do Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 2892/77 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, que dá aplicação, no que diz respeito aos recursos próprios provenientes do imposto sobre o valor acrescentado, à decisão de 21 de Abril de 1970 relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados-membros por recursos próprios das Comunidades (JO L 336, p. 8; EE 01 F2 p. 83), em virtude da isenção concedida em matéria de transportes entre a França continental e os departamentos da Córsega em relação à parte do trajecto situada fora do território continental, em infracção ao disposto na sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JOL 145, p. 1;EE 09 Fl p. 54),

por outro, não respeitou a obrigação de pagar juros de mora sobre esses montantes a partir de 31 de Outubro de 1986, em conformidade com o disposto no artigo 11.° do Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 2891/77 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, que dá aplicação à decisão de 21 de Abril de 1970 relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados-membros por recursos próprios das Comunidades (JO L 336, p. 1; EE 01 F2 p. 76),

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. O. Due, presidente, F. A. Schockweiler e M. Zuleeg, presidentes de secção, T. Koopmans, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse e M. Diez de Velasco, juízes,

advogado-geral : C. O. Lenz

secretario: J. A. Pompe, secretano adjunto

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 24 de Janeiro de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 14 de Fevereiro de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 3 de Fevereiro de 1989, a Comissão das Comunidades Europeias propôs, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção destinada a fazer reconhecer que a República Francesa, ao isentar do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), em infracção ao disposto na sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54, a seguir «sexta directiva»), os transportes entre a França continental e os departamentos da Córsega, em relação à parte do trajecto situada fora do territòrio continental,

por um lado, não respeitou as obrigações de efectuar os cálculos necessários, de enviar uma cópia desses cálculos e de colocar à disposição da Comissão, em 31 de Outubro de 1986, os recursos próprios não pagos referentes aos anos de 1980 a 1985, que lhe incumbem por força do Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 2892/77 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, que dá aplicação, no que diz respeito aos recursos próprios provenientes do imposto sobre o valor acrescentado, à decisão de 21 de Abril de 1970 relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados-membros por recursos próprios das Comunidades QO L 336, p; 8, EE 01 F2 p. 83) e,

por outro, não respeitou a obrigação de pagar juros de mora sobre esses montantes a partir de 31 de Outubro de 1986, em conformidade com o disposto no artigo 11.° do Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 2891/77 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, que dá aplicação à decisão de 21 de Abril de 1970 relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados-membros por recursos próprios das Comunidades (JO L 336, p. 1;EE 01 F2 p. 76).

2

A Comissão entendeu que resultava das disposições da sexta directiva, e em particular dos seus artigos 2.° e 3.°, que são de considerar como efectuados inteiramente dentro da França e, por isso, sujeitos ao IVA os transportes marítimos e aéreos cujos pontos de partida e de chegada se situem em território francês, desde que nenhuma escala tenha sido efectuada em outro país, independentemente da questão de saber se esses transportes integram ou não um trajecto em/ou por cima de águas internacionais.

3

A Comissão reconhece que a República Francesa pode, com base no disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 28.° e do ponto 17 do anexo F da sexta directiva, continuar a isentar do PVA os transportes entre a França continental e os departamentos da Córsega na parte do trajecto situada fora do território continental.

4

Na opinião da Comissão, a República Francesa tem, todavia, neste caso, a obrigação de compensar essa isenção incluindo na matéria colectável dos recursos próprios IVA, em conformidade com o disposto n.° 2 do artigo 9.° do Regulamento n.° 2892/77, já referido, o volume de negócios correspondente à totalidade dos transportes em causa, incluindo a parte respeitante ao trajecto efectuado em/ou por cima das águas internacionais entre a França continental e a Córsega.

5

Por conseguinte, a Comissão, em 6 de Maio de 1987, endereçou uma notificação por incumprimento ao Governo da República Francesa, dando assim início ao processo previsto no artigo 169.° do Tratado CEE.

6

Por carta de 7 de Julho de 1987, a República Francesa contestou a posição da Comissão, alegando nomeadamente que a não tributação da parte dos transportes entre a França continental e a Córsega que se efectua em mar internacional ou no espaço aéreo sobre esse mar resulta da alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° e não das medidas transitórias previstas pela alínea b) do n.° 3 do artigo 28.° da sexta directiva. Com efeito, o termo «lugar» utilizado na alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva seria uma noção geográfica, que permite localizar uma prestação a fim de atribuir a tributação de uma actividade económica exercida neste lugar ao país que aí exerce a sua soberania territorial. Ora, o alto mar e o espaço aéreo internacional não fariam parte do território do Estado-membro, de sorte que, para o transporte entre a França continental e a Córsega, a parte do trajecto efectuada em/ou por cima das águas internacionais não se situaria em França. A República Francesa concluiu daí que não havia que prever a inclusão na matéria colectável dos recursos próprios IVA da parte dos trajectos entre a França continental e a Córsega efectuada em/ou por cima das águas internacionais.

7

Para mais ampla exposição dos factos do litígio, da tramitação do processo e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

8

Para decidir se a República Francesa era obrigada a colocar à disposição da Comissão, como recursos próprios, o montante do IVA correspondente, em relação aos transportes entre o seu território continental e os departamentos da Córsega, na parte do trajecto efectuada em/ou por cima das águas internacionais, há que examinar as obrigações que a sexta directiva impõe aos Estados-membros.

9

A este propósito, convém recordar, em primeiro lugar, que, com vista a instaurar na Comunidade um sistema comum de IVA, essa directiva obriga os Estados-membros a adaptar os seus regimes nacionais de IVA às normas comuns que ela prescreve.

10

Entre essas normas figura a determinação do lugar das operações tributáveis, que, nos termos do sétimo considerando do preâmbulo da sexta directiva, é indispensável para evitar conflitos de competências entre os Estados-membros.

11

Assim, o n.° 1 do artigo 2° da sexta directiva obriga os Estados-membros a sujeitar a IVA todas as prestações de serviços «efectuadas a título oneroso no território do país».

12

O âmbito de aplicação espacial da sexta directiva é determinado no n.° 1 do artigo 3.° como correspondendo ao do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, tal como é definido, relativamente a cada Estado-membro, no artigo 227.° do Tratado.

13

Em materia de prestações de serviços, o n.° 1 do artigo 9.° da sexta directiva estabelece a regra geral segundo a qual por lugar de tal prestação «entende-se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual».

14

Todavia, no que toca às prestações de transporte, a alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° da sexta directiva prevê, por excepção à regra geral, que por lugar das prestações de serviços de transporte entende-se «o lugar onde se efectua o transporte tendo em conta as distâncias percorridas».

15

Resulta dessas disposições que a única obrigação que a sexta directiva impõe aos Estados-membros no que toca à tributação das prestações de transportes é sujeitar a tributação as prestações efectuadas dentro dos limites territoriais desses estados.

16

A essa regra do elemento de conexão especial em relação às prestações de transporte, derrogatória do regime geral de determinação do lugar das prestações de serviços prevista pelo n.° 1 do artigo 9.° da sexta directiva, visa assim assegurar que cada Estado-membro tribute as prestações de transporte em relação às partes do trajecto efectuadas sobre o seu território.

17

Pelo contrário, a sexta directiva não contém qualquer regra por força da qual incumbirá aos Estados-membros sujeitar a IVA as partes do trajecto de uma prestação de transporte efectuadas, para lá dos limites territoriais desses estados, no espaço internacional. Mais especificamente, nenhuma disposição dessa directiva prevê uma obrigação dos Estados-membros de sujeitar a IVA as prestações de transporte correspondentes às distâncias percorridas num espaço internacional desde que o transporte se efectue, sem escala num outro Estado-membro, entre dois pontos de um mesmo território nacional.

18

Se, como o Tribunal declarou no acórdão de 23 de Janeiro de 1986, Trans Tirreno Express, n.° 21 (283/84, Colect. 1986, p. 231), a sexta directiva, e nomeadamente a alínea b) do n.° 2 do artigo 9.° não se opõe a que um Estado-membro tribute, a título de IVA, uma prestação de transporte entre dois pontos do seu território nacional, mesmo que o trajecto se efectue em parte fora desse território, desde que não invada a área de competência fiscal de outros Estados-membros, não poderá, no entanto, deduzir-se desta jurisprudência que a sexta directiva tenha por efeito obrigar os Estados-membros a sujeitar a IVA os transportes efectuados no seu território, em relação à parte do trajecto situado em/ou por cima das águas internacionais. Com efeito, a única consequência que é permitido deduzir do objectivo geral da sexta directiva é que os Estados-membros, que fazem uso da liberdade de alargar o âmbito de aplicação da sua legislação fiscal para além dos seus limites territoriais propriamente ditos, são obrigados a respeitar, em relação à sujeição das operações tributadas, as normas comuns estabelecidas por essa directiva.

19

Nestas condições, há que declarar que a interpretação extensiva preconizada no caso em apreço pela Comissão não encontra qualquer fundamento na própria sexta directiva.

20

Semelhante interpretação não é, aliás, susceptível de redundar num sistema comum de IVA. Com efeito, mesmo se, em conformidade com a tese da Comissão, os Estados-membros eram obrigados a tributar a parte do trajecto efectuada em/ou por cima do espaço internacional no caso de um transporte que liga directamente dois pontos do mesmo território nacional, não resultará daí qualquer uniformidade do regime do IVA, pois que a interpretação preconizada pela Comissão deixaria sem solução a hipótese de um transporte efectuado entre dois pontos situados em Estados-membros diferentes.

21

Em apoio da sua tese, a Comissão invocou ainda a opinião comum dos Estados-membros que pretende deduzir do acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos tratados (JO 1985, L 302, p. 23, a seguir «acto»). Por força do acto, foi reconhecido à República Portuguesa, por um lado, nos termos do n.° 15 aditado ao artigo 15.° da sexta directiva, o direito de assimilar ao transporte internacional, e por isso não sujeitar a IVA, os transportes marítimos e aéreos entre as ilhas que compõem as regiões autónomas dos Açores e da Madeira e entre estas e o continente (ver anexo I, V, n.° 2, do acto). Todavia, nos termos do segundo parágrafo do artigo 374.° do acto, «a derrogação referida n.° 15 do artigo 15.° da sexta directiva... não afecta o montante dos direitos devidos em conformidade com o primeiro parágrafo (recursos próprios provenientes do IVA)».

22

A este propósito, convém notar, em primeiro lugar, que disposições similares àquelas que se aplicam à República Portuguesa não foram previstas para o Reino de Espanha, que se encontra, no entanto, numa situação idêntica à da República Portuguesa no que toca aos transportes marítimos e aéreos entre o continente e as ilhas sujeitas à sua soberania. Convém, por isso, admitir que as disposições do acto invocadas pela Comissão foram adoptadas com o objectivo de resolver problemas específicos que a adesão causava para a República Portuguesa. Nestas condições não é permitido deduzir destas disposições uma intenção dos Estados-membros de conferir uma certa interpretação a um texto de direito derivado anterior.

23

Quanto ao resto, há que recordar que, quando se trata de uma regulamentação susceptível de comportar consequências financeiras, o carácter de certeza e de previsibilidade constitui, segundo a jurisprudência constante do Tribunal, um imperativo que se impõe com especial rigor (ver acórdão de 15 de Dezembro de 1987, Países Baixos/Comissão, n.° 24, 326/85, Colect. 1987, p. 5091; acórdão de 22 de Fevereiro de 1989, Comissão/França e Reino Unido, n.° 22, 92/87 e 93/87, Colect. 1989, p. 405). Ora, a regulamentação comunitária em matéria de IVA, pela obrigação que têm os Estados-membros de colocar à disposição da Comunidade, como recursos próprios, uma parte dos montantes cobrados a título de IVA, constitui uma regulamentação que implica consequências financeiras importantes para os Estados-membros.

24

Resulta dos desenvolvimentos que precedem que, não podendo a sexta directiva ser interpretada como impondo à República Francesa sujeitar a IVA os transportes entre o seu território continental e os departamentos da Córsega, em relação à parte do trajecto situado em/ou por cima das águas internacionais, esse Estado-membro não tinha a obrigação nem de incluir, em conformidade com o referido Regulamento n.° 2892/77, o volume de negócios a eles atinentes em relação aos anos de 1980 a 1985 na matéria colectável dos recursos próprios IVA e de colocar esses montantes à disposição da Comissão em 31 de Outubro de 1986, nem de pagar juros de mora sobre esses montantes, a partir de 31 de Outubro de 1986, por aplicação do disposto no artigo 11.° do Regulamento n.° 2891/77, já referido.

25

Nestas condições, há que concluir que a Comissão não demonstrou que a República Francesa tenha faltado às obrigações que lhe incumbem por força das disposições dos regulamentos n.os 2891/77 e 2892/77, já referidos. A acção da Comissão deve, por conseguinte, ser julgada improcedente.

Quanto as despesas

26

Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas incluindo as do interveniente.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL

decide :

 

1)

A acção é julgada improcedente.

 

2)

A Comissão é condenada nas despesas, incluindo as do interveniente.

 

Due

Schockweiler

Zuleeg

Koopmans

Mancini

O'Higgins

Moitinho de Almeida

Grévisse

Diez de Velasco

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 13 de Março de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

o presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: francês.