ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Segunda Secção)

23 de Janeiro de 1986 ( *1 )

No processo 283/84,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, pela Commissione tributaria di secondo grado (comissão de recurso de segunda instância em matéria fiscal) de Sassari, visando obter, no litígio pendente perante este órgão jurisdicional entre

Trans Tirreno Express SpA, sociedade de direito italiano com sede em Sassari,

e

Ufficio provinciale IVA (repartição provincial do IVA), de Sassari,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 9.o, n.o 2, alinea b), da sexta directiva do Conselho (77/388), de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre os volumes de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme,

O TRIBUNAL (Segunda Secção),

constituído pelos Srs. K. Bahlmann, presidente de secção, O. Due e F. Schockweiler, juízes,

advogado-geral : Şir Gordon Slynn

secretário: D. Louterman, administradora

considerando as observações apresentadas:

em representação da sociedade Trans Tirreno Express SpA, recorrente no processo principal, pelo advogado Guido Guida, de Génova,

em representação do Governo da República Italiana, por Marcello Conti, avvocato dello Stato, na audiencia,

em representação do Governo da República Federal da Alemanha, por Martin Seidel, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, e Ernst Roder, Regierungsdirektor no Ministério Federal da Economia, na fase escrita, e pelo advogado Jochim Sedemund, de Colónia, na audiência,

em representação do Governo da República Francesa, por François Renouard, director-adjunto dos Assuntos Jurídicos no Ministério das Relações Exteriores, no processo escrito, e por R. Abraham, conselheiro dos tribunais administrativos no Ministério das Relações Exteriores, na audiência,

em representação do Governo do Reino da Dinamarca, por Laurids Mikaelsen, conselheiro jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na fase escrita,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Guido Berardis, membro do seu Serviço Jurídico,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 12 de Dezembro de 1985,

profere o presente

ACÓRDÃO

(A parte relativa aos factos não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 23 de Novembro de 1984, que deu entrada no Tribunal em 29 do mesmo mês, a Commissione tributaria di secondo grado de Sassari submeteu, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 9.o, n.o 2, b), da sexta directiva do Conselho (77/388) de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre os volumes de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09, fase. 01, p. 54), doravante designada por sexta directiva.

Antecedentes do litígio

2

Resulta dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional que a recorrente no processo principal, a sociedade Trans Tirreno Express SpA, efectua o transporte de pessoas e mercadorias, por barco, entre os portos de Livorno, na península itálica, e de Olbia, na Sardenha. O Ufficio Provinciale IVA exigiu-lhe o IVA pelo transporte efectuado na totalidade do percurso, incluindo a parte do trajecto em águas internacionais.

3

A recorrente no processo principal opõe-se ao pagamento da parte do imposto referente às distâncias percorridas em águas internacionais, contestando o direito do Estado italiano de a tributar por essa parte do trajecto. Faz notar, a este respeito, que o artigo 9.o, alínea c), do Decreto dei presidente della Repubblica (DPR) n.o 633, de 26 de Outubro de 1972 (suplemento ordinário da GURI, n.o 292, p. 2), alterado pelo DPR n.o 94, de 31 de Março de 1979 (GURI n.o 93, p. 3011), que fixa a matéria colectável do IVA nas prestações de transporte efectuadas no território do Estado «proporcionalmente à distância nele percorrida», vem aplicar o disposto no artigo 9.o, n.o 2, b), da sexta directiva, que, em obediência ao princípio da territorialidade, exclui da incidência do IVA os trajectos efectuados fora do território nacional.

4

Considerando que, nestas circunstâncias, uma interpretação do artigo 9.o, n.o 2, b), da sexta directiva é indispensável para lhe permitir resolver o litígio e que, além disso, o direito comunitário sobre esta matéria deve ser aplicado de maneira uniforme em todos os Estados-membros, a Commissione tributaria di secondo grado de Sassari submeteu ao Tribunal a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 9.o, n.o 2, b), da sexta directiva CEE prevê somente a sujeição ao IVA dos trajectos efectuados no interior do território de Estados-membros no decurso de transportes internacionais (de Estado a Estado) ou também dos transportes nacionais (no interior do mesmo Estado) que — como no caso vertente — se efectuam principalmente através de águas extraterritoriais?»

Observações apresentadas ao Tribunal

5

A sociedade Trans Tirreno Express SpA, o Governo da República Federal da Alemanha, o Governo da República Francesa e a Comissão apresentaram observações escritas e orais. O Governo do Reino da Dinamarca apresentou observações escritas e o da República Italiana observações orais.

6

Segundo a sociedade Trans Tirreno Express SpA, resulta de uma interpretação literal e rigorosa da disposição em causa que esta consagra o princípio da territorialidade da tributação e que os trajectos efectuados em águas internacionais não podem nem devem ser tributados.

7

O Governo da República Federal da Alemanha invoca os artigos 2.o e 3.o da sexta directiva para salientar que as águas extraterritoriais não fazem parte do «território do país», na acepção da directiva, e que só a parte do trajecto efectuada no território do país estaria sujeita ao IVA, mesmo quando aquele se inicia e termina dentro do mesmo Estado-membro.

8

O Governo da República Francesa sustenta que a sexta directiva só obriga os Esta-dos-membros a sujeitar ao ľVA as prestações de transporte efectuadas no seu território nacional. Fora do seu território nacional, os Estados teriam a liberdade de aplicar ou não o IVA, como aliás admitiu o Tribunal, é certo que com base numa disposição diferente, no acórdão de 4 de Julho de 1985 (Berkholz, no processo 168/84, Recueil 1985, p. 2251).

9

O Governo do Reino da Dinamarca, por seu lado, considera que a sexta directiva não se pronuncia de forma explícita sobre a questão, mas que se deduz do seu sistema geral que não só se pode, como se deve, cobrar o IVA referente às partes dos trajectos efectuadas em águas internacionais, para evitar os abusos que consistiriam na fuga à incidência do imposto mediante desvios artificiais pelas águas internacionais. Além disso, considera que, mesmo quando os navios nacionais se encontram em águas internacionais, a prestação de transporte correspondente a essa parte do trajecto continua sujeita às disposições tributárias nacionais, pois os navios permanecem sujeitos à jurisdição do Estado em que estão matriculados.

10

O Governo da República Italiana sustenta que o artigo 9.o da sexta directiva tem por função resolver os conflitos de competência na hipótese de uma prestação de serviços estar conectada com a ordem jurídica de vários Estados. No caso presente não se verificaria tal conflito e deveria encontrar-se uma solução com base nos artigos 2.o e 3.o da sexta directiva. Em definitivo, caberia a cada Estado-membro a determinação do âmbito de aplicação territorial do seu regime de IVA.

11

A Comissão considera que o artigo 9.o, n.o 2, b), da sexta directiva, só se aplica ao transporte de pessoas; o transporte de mercadorias, que constitui uma prestação acessória, seria regulado por outras disposições. No que respeita ao transporte de pessoas entre dois pontos do mesmo país, tratar-se-ia de um transporte interno, que a directiva sujeita obrigatoriamente ao IVA nacional, inclusive nos percursos efectuados em águas internacionais, desde que não haja qualquer escala noutro Estado.

Resposta a dar à questão prejudicial

12

Para responder à questão suscitada, importa examinar o objectivo do artigo 9.o no quadro do sistema geral da directiva.

13

O âmbito de aplicação territorial da directiva é determinado pelos artigos 2.o e 3.o Nos termos do artigo 2.o, estão sujeitas ao IVA as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade. Segundo o artigo 3.o, o território do país corresponde ao âmbito de aplicação do Tratado que institui a CEE, tal como é definido, relativamente a cada Estado-membro, no artigo 227.o O artigo 3.o, n.o 2, exclui expressamente determinados territórios nacionais.

14

Conforme referiu o Tribunal no acórdão de 4 de Julho de 1985 (Berkholz, atrás citado), o artigo 9.o, tal como se deduz do sétimo considerando da directiva, visa estabelecer uma delimitação racional das esferas de aplicação das legislações nacionais em matéria de IVA, ao determinar de maneira uniforme o lugar de tributação das prestações de serviços.

15

Para evitar conflitos de competência, na hipótese de uma prestação de serviços ser susceptível de se relacionar com a ordem jurídica de mais de um Estado-membro, o n.o 1 do artigo 9.o, derrogando o princípio da territorialidade, estabeleceu a regra geral, segundo a qual a prestação se presume efectuada no lugar onde o prestador tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável, a partir do qual os serviços são prestados.

16

O n.o 2 introduz um certo número de excepções a esta regra geral, no caso de prestações específicas para as quais seria inadequada a localização fictícia da prestação na sede do prestador, estabelecendo para elas outros critérios de conexão territorial.

17

Assim, o artigo 9.o, n.o 2, b), estabelece que, no caso de prestação de serviços de transporte, o lugar do cumprimento — e, portanto, da tributação — é aquele onde se efectua o transporte, tendo em conta as distâncias percorridas. Esta excepção à regra geral do n.o 1 impõe-se pelo facto de, para o transportador, a sede da sua actividade económica não constituir um critério útil para a determinação da competência territorial, no que respeita à aplicação do imposto; efectivamente, a própria natureza da execução desta prestação de serviços específica que é o transporte, susceptível de se realizar no território de vários Estados-membros, exige um critério diferente, que deve permitir, essencialmente, delimitar as competências respectivas dos diferentes Estados-membros, para efeitos fiscais.

18

Deve notar-se que um transporte como aquele que está em causa no processo pendente na jurisdição nacional não suscita, no que respeita à sujeição ao IVA, qualquer conflito de competência, posto que o navio que efectua o transporte liga dois pontos do mesmo Estado e o itinerário escolhido, ainda que parcialmente fora do território nacional, não atravessa qualquer área sujeita à soberania nacional de outro Estado.

19

A determinação do âmbito de aplicação territorial do IVA deve fazer-se, na hipótese destes transportes, que podem ser considerados como puramente internos, em função das regras de base dos artigos 2o e 3.o da directiva, e não do artigo 9.o

20

Se o âmbito de aplicação territorial da sexta directiva corresponde, como atrás se salientou, ao âmbito de aplicação do Tratado CEE (tal como vem definido, para cada Estado-membro, no artigo 227.o) e se o regime da directiva se aplica, portanto, obrigatória e imperativamente, ao conjunto do território nacional dos Esta-dos-membros, a directiva, nomeadamente o artigo 9.o, n.o 2, b), não limita de modo algum a liberdade dos Estados-membros de estender o campo de aplicação da sua legislação fiscal para lá dos seus limites territoriais propriamente ditos, desde que não invadam as competências de outros Estados.

21

Assim, à questão suscitada deve responder-se que o artigo 9.o, n.o 2, b), da sexta directiva do Conselho (77/388), de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre os volumes de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme —, não impede que um Estado-membro submeta à sua legislação sobre o IVA uma prestação de transporte entre dois pontos do seu território nacional, mesmo que o trajecto se efectue em parte fora do seu território nacional, desde que não invada a área de competência fiscal de outros Estados.

Quanto às despesas

22

As despesas efectuadas pelo Governo da República Italiana, pelo Governo da República Federal da Alemanha, pelo Governo da República Francesa, pelo Governo do Reino da Dinamarca e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Em relação às partes no processo principal, revestindo o presente processo a natureza de um incidente suscitado perante um órgão jurisdicional nacional, é a este que compete decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Segunda Secção),

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pela Commissione tributaria di secondo grado de Sassari, por decisão de 23 de Novembro de 1984, declara:

 

O artigo 9.o, n.o 2, alínea b), da sexta directiva do Conselho (77/388), de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre os volumes de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matèria colectável uniforme —, não impede que um Estado-membro submeta à sua legislação sobre o IVA uma prestação de transporte entre dois pontos do seu território nacional, mesmo que o trajecto se efectue em parte fora do seu território nacional, desde que não invada a àrea de competência fiscal de outros Estados.

 

Bahlmann

Due

Schockweiler

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 23 de Janeiro de 1986.

O secretário

P. Heim

O presidente da Segunda Secção

K. Bahlmann


( *1 ) Língua do processo: italiano.