18.3.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 85/3


Síntese do Parecer da Autoridade Europeia para a Proteção de Dados relativo à proposta da Comissão que altera a Diretiva (UE) 2015/849 e a Diretiva 2009/101/CE

Acesso a informações sobre os beneficiários efetivos e implicações para a proteção de dados

[O texto integral do presente parecer encontra-se disponível em alemão, francês e inglês no sítio web da AEPD em www.edps.europa.eu]

(2017/C 85/04)

Em 5 de julho de 2016, a Comissão publicou um conjunto de propostas de alteração à Diretiva BC e à Diretiva 2009/101/CE que se destina a combater de forma direta e incisiva a evasão fiscal, além das práticas de branqueamento de capitais, a fim de criar um sistema fiscal mais justo e mais eficaz. O presente Parecer avalia as implicações dessas alterações para a proteção de dados.

Em termos gerais, parece adotarem uma abordagem mais rigorosa do que a anterior em relação ao problema do combate eficaz contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. A este respeito, entre outras medidas propostas, incidem sobre novos canais e modalidades utilizados para transferir fundos ilícitos para a economia legal (por exemplo, moedas virtuais, plataformas de câmbio de moeda, etc.).

Embora não façamos qualquer juízo de valor sobre as finalidades políticas perseguidas pela lei, neste caso específico preocupa-nos o facto de que as alterações também introduzam outras finalidades políticas (que não o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo) que parece não estarem claramente definidas.

O tratamento de dados pessoais recolhidos para uma finalidade para outra finalidade completamente alheia infringe o princípio da proteção de dados da limitação da finalidade e põe em risco a aplicação do princípio da proporcionalidade. As alterações, em especial, suscitam questões quanto à razão pela qual determinadas formas invasivas de tratamento de dados pessoais, aceitáveis em relação à prevenção do branqueamento de capitais e à luta contra o terrorismo, são necessárias fora destes contextos e quanto à sua proporcionalidade.

No que diz respeito à proporcionalidade, as alterações afastam-se da abordagem baseada no risco adotada pela versão em vigor da Diretiva BC, com base no facto de que o risco mais elevado de branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e infrações subjacentes associadas não permitiria a sua deteção e avaliação oportunas.

Além disso, eliminam as salvaguardas existentes que confeririam um certo grau de proporcionalidade, por exemplo, na definição das condições para aceder a informações sobre operações financeiras por parte das Unidades de Informação Financeira.

Por último, e mais importante, as alterações alargam consideravelmente o acesso a informações sobre os beneficiários efetivos, tanto às autoridades competentes como ao público, enquanto instrumento político para facilitar e otimizar a aplicação das obrigações fiscais. Constatamos, na forma como essa solução é implementada, uma falta de proporcionalidade, com riscos significativos e desnecessários para os direitos individuais à privacidade e à proteção de dados.

1.   INTRODUÇÃO

1.1.   Contexto da Diretiva relativa à prevenção do branqueamento de capitais

1.

Em maio de 2015 foi adotada uma nova Diretiva da UE relativa à prevenção do branqueamento de capitais («Diretiva BC») (1). O objetivo declarado da nova legislação é melhorar as ferramentas para combater o branqueamento de capitais, porquanto os fluxos de dinheiro ilícito ameaçam prejudicar a integridade, a estabilidade e a reputação do setor financeiro, bem como o mercado interno da União e o desenvolvimento internacional.

2.

A proteção da solidez, integridade e estabilidade das instituições de crédito e das instituições financeiras e a confiança no sistema financeiro não são os únicos objetivos políticos perseguidos pela Diretiva BC. Com efeito, em junho de 2003, o Grupo de Ação Financeira («GAFI» (2)) reviu as suas recomendações para abranger o financiamento do terrorismo e elaborou requisitos mais pormenorizados no que respeita à identificação e verificação da identidade do cliente. Chamou a atenção para as situações em que um risco mais elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo pode justificar medidas reforçadas, assim como para as situações em que um risco mais baixo pode justificar controlos menos rigorosos.

3.

A Diretiva BC, consequentemente, fornece um conjunto articulado de regras concebidas para prevenir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo através de fluxos financeiros ilícitos. Adota uma aplicação baseada no risco da diligência quanto à clientela às operações suspeitas. Baseia-se na aquisição e na análise de informações sobre os beneficiários efetivos e nas atividades de investigação coordenadas das UIF (Unidades de Informação Financeira) criadas nos Estados-Membros.

1.2.   A Proposta: combater a evasão fiscal e o financiamento do terrorismo

4.

Em 2 de fevereiro de 2016, a Comissão Europeia publicou uma Comunicação sobre um Plano de Ação para reforçar a luta contra o financiamento do terrorismo, incluindo alterações à Diretiva BC para visar a prevenção do branqueamento de capitais através de plataformas de transferência e moedas virtuais e reformular a função das UIF (3).

5.

Acresce que os escândalos financeiros (4) e um risco acrescido de evasão fiscal parece terem chamado a atenção da Comissão para a necessidade de recalibrar a ação da Diretiva BC e direcioná-la mais diretamente para a evasão fiscal, que, nos termos da versão atual da diretiva, é apenas vista como uma fonte de fundos ilícitos, mas não diretamente visada.

6.

Em 5 de julho de 2016, a Comissão publicou um conjunto de propostas de alteração (a «Proposta») à Diretiva BC e à Diretiva 2009/101/CE que, no contexto de uma ação coordenada com o G20 e a OCDE, visa combater de forma direta e incisiva a evasão fiscal por parte das pessoas coletivas e singulares com o propósito de estabelecer um sistema fiscal mais justo e mais eficaz (5). Neste contexto, assinalamos que, contrariamente ao que é referido no considerando 42, a AEPD não foi consultada antes da adoção da Proposta (6).

7.

O parecer da AEPD foi posteriormente solicitado pelo Conselho da União Europeia, que, em 19 de dezembro, adotou um texto de compromisso sobre a Proposta («Posição do Conselho» (7)). A Posição do Conselho visa apenas alterar a Diretiva BC (e não a Diretiva 2009/101/CE) e incide sobretudo na prevenção do branqueamento de capitais e no financiamento do terrorismo. Embora a finalidade de combater a evasão fiscal já não seja explicitamente referida, as ferramentas que, na Proposta, foram concebidas para a consecução dessa finalidade (por exemplo, acesso público a informações sobre os beneficiários efetivos e acesso por parte das autoridades fiscais a informações relacionadas com a prevenção do branqueamento de capitais) mantêm-se, ainda que alteradas em certa medida.

1.3.   Âmbito do presente Parecer

8.

O presente Parecer analisa o impacto da Proposta nos direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados. Também expomos de que modo esse impacto se altera na sequência da adoção da Posição do Conselho.

9.

O Parecer avalia igualmente a necessidade e a proporcionalidade do tratamento de dados pessoais nos termos das propostas de alteração à Diretiva BC à luz das finalidades políticas identificadas pela lei. Quando fazemos referência à Proposta, apesar de a mesma propor alterações a duas diretivas distintas, consideramo-la um único instrumento político integrado.

10.

A interação da política pública com os direitos fundamentais já mereceu a atenção dos tribunais. No processo Digital Rights Ireland  (8), o Tribunal de Justiça da União Europeia reconhece que a luta contra o terrorismo internacional e a criminalidade grave constitui um objetivo de interesse geral (9). Contudo, uma vez que os instrumentos jurídicos adotados para perseguir esse objetivo interferem com os direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados, é necessário, segundo o Tribunal, apreciar a proporcionalidade dessas medidas (10).

11.

Por conseguinte, o objetivo do presente Parecer não é o de emitir qualquer juízo de valor sobre a escolha dos objetivos políticos que o legislador decide perseguir. Pelo contrário, a nossa atenção centra-se nos instrumentos e modos de atuação que a legislação adota. O nosso propósito consiste em assegurar que os objetivos políticos legítimos são perseguidos de forma eficaz e oportuna, com a mínima interferência no exercício dos direitos fundamentais e respeitando cabalmente os requisitos previstos no artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

4.   CONCLUSÃO

65.

A Comissão propõe novas alterações à Diretiva BC, a fim de que a mesma acompanhe a inovação técnica e financeira e os novos meios de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Simultaneamente, a Proposta pretende melhorar a transparência dos mercados financeiros para várias finalidades que identificamos, entre outras, na luta contra a evasão fiscal, a proteção dos investidores e a luta contra abusos do sistema financeiro.

66.

Analisamos a Proposta e consideramos que a mesma deveria ter:

Assegurado que qualquer tratamento de dados pessoais serve uma finalidade legítima, específica e bem identificada e que está associado à mesma pela necessidade e proporcionalidade. O responsável pelo tratamento de dados deve ser identificado e responsável pelo cumprimento das regras em matéria de proteção de dados.

Assegurado que qualquer limitação ao exercício dos direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados esteja prevista por lei, respeite a sua essência e, nos termos do princípio da proporcionalidade, seja adotada apenas se necessária para alcançar objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou pela necessidade de proteger os direitos e as liberdades de terceiros.

Assegurado uma apreciação adequada da proporcionalidade das medidas políticas propostas em relação às finalidades visadas, dado que as medidas de emergência que são aceitáveis para combater o risco de ataques terroristas podem revelar-se excessivas quando aplicadas para prevenir o risco de evasão fiscal.

Mantido salvaguardas que proporcionariam um certo grau de proporcionalidade (por exemplo, na definição das condições para aceder a informações sobre transações financeiras por parte das UIF).

Concebido o acesso a informações sobre os beneficiários efetivos em conformidade com o princípio da proporcionalidade, nomeadamente, garantir o acesso apenas a entidades responsáveis pelo controlo da aplicação da legislação.

Bruxelas, 2 de fevereiro de 2017.

Wojciech Rafał WIEWIÓROWSKI

Autoridade Europeia para a Proteção de Dados


(1)  Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2006/70/CE da Comissão (JO L 141 de 5.6.2015, p. 73-117).

(2)  O Grupo de Ação Financeira («GAFI») é um organismo intergovernamental criado em 1989 pelos ministros das suas jurisdições membros. O GAFI tem como objetivos definir normas e promover a execução eficaz de medidas jurídicas, regulamentares e operacionais destinadas a combater o branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo e outras ameaças associadas à integridade do sistema financeiro internacional.

(3)  COM/2016/050 final.

(4)  A Comissão refere explicitamente o escândalo dos «documentos do Panamá» na sua Comunicação sobre medidas futuras destinadas a reforçar a transparência e a combater a elisão e a evasão fiscais [COM(2016) 451, final].

(5)  Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva (UE) 2015/849 relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e que altera a Diretiva 2009/101/CE [COM(2016) 450, final].

(6)  Não foi enviada qualquer versão preliminar do texto à AEPD antes da publicação, em 5 de julho de 2016.

(7)  Consultar http://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15468-2016-INIT/en/pdf

(8)  Acórdão do TJUE, de 8 de abril de 2014, nos processos apensos C-293/12 e C-594/12, Digital Rights Ireland.

(9)  Digital Rights Ireland, n.os 41-42.

(10)  Além disso, o Tribunal esclarece que, «tendo em conta, por um lado, o importante papel desempenhado pela proteção dos dados pessoais na perspetiva do direito fundamental ao respeito da vida privada e, por outro, a amplitude e a gravidade da ingerência neste direito que a Diretiva 2006/24 comporta, o poder de apreciação do legislador da União fica reduzido, havendo que proceder a uma fiscalização estrita», Digital Rights Ireland, n.os 45-48.