52009DC0563




[pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

Bruxelas, 20.10.2009

COM(2009) 563 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, AO COMITÉ DAS REGIÕES E AO BANCO CENTRAL EUROPEU

Garantir a eficiência, segurança e solidez dos mercados de derivados: medidas futuras

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, AO COMITÉ DAS REGIÕES E AO BANCO CENTRAL EUROPEU

Garantir a eficiência, segurança e solidez dos mercados de derivados: medidas futuras

(Texto relevante para efeitos do EEE)

1. INTRODUÇÃO

Os instrumentos derivados desempenham um papel útil na economia: podem ser utilizados para transferir, total ou parcialmente, os riscos inerentes à actividade económica dos agentes económicos que não estão dispostos a suportá-los para os que estão. Contudo, também contribuíram para as perturbações financeiras, por permitirem o aumento do efeito de alavancagem e por interligarem intervenientes no mercado, facto que passou despercebido devido à falta de transparência do mercado resultante de as operações se realizarem predominantemente no mercado «de balcão» ( over-the-counter , OTC). Já em Julho deste ano a Comissão identificou quatro instrumentos complementares para reduzir as consequências negativas dos produtos derivados OTC na estabilidade financeira: i) reforço da normalização, ii) utilização de repositórios de transacções, iii) reforço da utilização de um sistema de compensação por uma contraparte central ( central counter party , ou CCP) e iv) aumento da utilização de mercados organizados[1]. Os instrumentos propostos têm vindo a ser objecto de consulta das partes interessadas, e foram debatidos numa conferência de alto nível em 25 de Setembro de 2009[2].

A presente comunicação analisa cada uma das principais deficiências da actual organização do mercado de derivados, tanto os negociados no mercado de balcão como os negociados em mercados organizados. Descreve em termos gerais as medidas que a Comissão tenciona tomar em 2010 para resolver estes problemas e dar resposta à necessidade de maior estabilidade e transparência nestes mercados, reconhecida pelo relatório De Larosière, pelas conclusões do Conselho Europeu de Julho de 2009 e pelo G20. Todas as propostas, legislativas ou outras, destinadas a pôr em prática as orientações a seguir definidas serão sujeitas a uma avaliação de impacto adequada.

2. Abordagem geral

A Comissão está convencida de que é necessária uma mudança radical do ponto de vista tradicionalmente aceite, segundo o qual os produtos derivados são instrumentos financeiros para utilização profissional, relativamente aos quais é suficiente uma regulamentação pouco restritiva, para uma abordagem segundo a qual a legislação permite aos mercados avaliar correctamente os riscos. Por conseguinte, as medidas propostas transformarão os mercados de produtos derivados, deixando a compensação e negociação de se processar sobretudo no mercado de balcão, numa base bilateral, para passar a assumir um carácter mais centralizado.

Os diversos segmentos do mercado de instrumentos derivados têm características diferentes, sobretudo em termos de risco, de modalidades de funcionamento e de intervenientes no mercado. A Comissão considera, em princípio, que é necessária uma política global em matéria de produtos derivados para evitar que os intervenientes no mercado tirem proveito das disparidades de regras, isto é, que recorram à arbitragem regulamentar. Contudo, quando se justifique, as políticas propostas terão devidamente em conta as especificidades das categorias de activos e dos contratos em causa, bem como as especificidades dos intervenientes no mercado, conseguindo também um justo equilíbrio entre instituições financeiras e não financeiras. Ao mesmo tempo, a Comissão tomará em conta as especificidades de certos mercados de produtos de base, como por exemplo os mercados do gás e da electricidade, que assentam numa estrutura física particular. Atendendo às características do risco dos diversos segmentos de mercado, por exemplo, a Comissão debruçou-se primeiro sobre os swaps de risco de incumprimento ( credit defalt swaps )[3].

2.1. Cooperação internacional

O mercado dos produtos derivados é um mercado global, não podendo haver margem para a arbitragem regulamentar. A fim de assegurar a robustez e convergência da nova regulamentação internacional, as propostas apresentadas seguidamente estão em conformidade com o objectivo identificado na reunião do G20 de 25 de Setembro de 2009, no sentido de melhorar os mercados OTC de produtos derivados[4]. A fim de garantir uma aplicação coerente destas políticas em todo o mundo, a Comissão tenciona continuar a aperfeiçoar os aspectos técnicos em cooperação com os seus parceiros do G20, o Conselho de Estabilidade Financeira e, em particular, com os Estados Unidos, que estão também a definir uma nova abordagem dos mercados de produtos derivados.

2.2. Instituições não financeiras

O papel do sistema financeiro é canalizar fundos dos aforradores para os projectos de investimento, permitindo também uma mais ampla repartição do risco. As instituições não financeiras têm, por conseguinte, um interesse vital na estabilidade financeira. Na medida em que tenham adquirido protecção junto de uma empresa financeira e, por conseguinte, transferido os seus riscos para o sistema financeiro, as instituições não financeiras beneficiaram, geralmente, de uma subavaliação do risco na fase de desenvolvimento da crise. Com o grave declínio da actividade económica, também elas se tornaram vítimas da crise financeira. Desta forma, as instituições não financeiras fazem parte da rede de dependência mútua criada pelos contratos de instrumentos derivados e, como tal, beneficiariam com as políticas destinadas a reduzir o risco de crédito de contraparte e aumentar a transparência.

A Comissão reconhece o papel essencial dos produtos derivados na cobertura («hedging») dos riscos decorrentes de operações económicas normais. Embora, em princípio, a maior parte da cobertura devesse ser obtida com produtos derivados não-personalizados/normalizados, continuarão a ser necessários produtos derivados «sob medida». A Comissão não quer, pois, limitar os termos económicos dos contratos sobre derivados, nem proibir a utilização de contratos sob medida ou torná-los excessivamente dispendiosos para as instituições não financeiras. Contudo, a função dos preços na afectação dos recursos deve ser restabelecida: os produtos derivados devem ter preços adequados face aos riscos sistémicos que acarretam, a fim de evitar que tais riscos acabem por se repercutir nos contribuintes. O reforço da estabilidade financeira desta forma tornará menos prováveis, no futuro, crises económicas graves e fará enveredar a Europa por uma trajectória de crescimento mais sustentável.

Os custos do reforço da infra-estrutura do mercado de produtos derivados OTC não devem ser suportados pelos contribuintes, mas sim por aqueles que beneficiam directamente da utilização de tais instrumentos. A maior parte desses custos será suportada pelas empresas financeiras, embora seja de esperar que as instituições não financeiras acabem por arcar com uma parte dos mesmos. Prevê-se, no entanto, que os custos diminuam com o tempo: quanto mais ampla for a utilização das infra-estruturas centrais do mercado, tanto menor será o custo por utilizador, à medida que os efeitos de rede se forem fazendo sentir. Além disso, o sector das sociedades não financeiras será, provavelmente, o principal beneficiário das propostas relativas à transparência apresentadas na secção 5.

A Comissão realizará avaliações de impacto antes de finalizar as suas propostas. Tais avaliações tomarão em conta todos os elementos apresentados pelas partes interessadas relativamente aos custos e benefícios das orientações políticas descritas seguidamente, a fim de os definir em função dos riscos para os contribuintes, reconhecendo que a maior parte das instituições não financeiras não têm importância sistémica.

Para promover a competitividade e o crescimento da indústria europeia, a Comissão esforçar-se-á por garantir que qualquer opção política futura permita às instituições não financeiras gerir os riscos inerentes à suas actividades.

Os objectivos globais a atingir, dispor de mercados de produtos derivados mais seguros, não devem, no entanto, ser comprometidos por lacunas regulamentares.

3. risco de crédito de contraparte

A crise mostrou, nomeadamente, que os intervenientes no mercado não avaliaram correctamente o risco de crédito da contraparte. É pela compensação que este risco é minorado. A compensação pode ser bilateral, entre as duas contrapartes, ou a nível central do mercado, através de uma Contraparte Central (CCP), implicando assim a cobertura por garantias adequadas. As propostas seguintes destinam-se, por conseguinte, a reforçar a compensação de produtos derivados, tanto a nível central como bilateral.

3.1. Compensação central: segurança e solidez

A Comissão identificou a compensação por contraparte central como o principal instrumento de gestão dos risco de contraparte, e o G20 partilha este ponto de vista. Actualmente, as CCP prestam os seus serviços a nível europeu, mas continuam a ser reguladas a nível nacional, uma vez que não há legislação comunitária sobre as CCP[5]. Embora as recomendações do SEBC-CARMEVM[6] tenham iniciado um processo de convergência das abordagens nacionais, não são vinculativas. Dada a importância sistémica das CCP, a Comissão tenciona propor legislação que regule as respectivas actividades, de forma a eliminar quaisquer discrepâncias entre legislações nacionais e garantir a segurança, a solidez e uma governação adequada. Na sua comunicação de 3 de Julho de 2009, a Comissão salientou ainda que há fortes razões, relacionadas com preocupações regulamentares, de supervisão e de política monetária, para a implantação de uma compensação por CCP na Europa. Actualmente, muitas CCP estão situadas na UE, mas o estabelecimento de um quadro regulamentar e de supervisão claro contribuirá de forma significativa para tal fim.

As CCP prestam serviços relativamente a várias categorias de activos, quer se trate de títulos negociados a pronto, de rendimento fixo ou de produtos derivados (cotados ou negociados no mercado de balcão). Não seria, pois, coerente redigir legislação que apenas regulasse as suas actividades relativamente a uma categoria de activos. Em vez disso, a legislação prevista em matéria de CCP abrangerá a mesma gama de instrumentos financeiros que a Directiva relativa aos mercados de instrumentos financeiros (MIFID), de forma a manter a coerência ao longo da cadeia de valores e evitar as lacunas. A Comissão irá, por conseguinte, propor legislação que regule a actividade das CCP e cumpra os seguintes requisitos essenciais:

1. Exercício da actividade e governação (por exemplo, medidas para resolver os conflitos de interesses, acesso, transparência dos riscos e dos procedimentos, continuidade da actividade e normas mínimas de competência profissional).

2. Regras que garantam que as CCP não utilizem normas de gestão dos riscos pouco rigorosas. Para tal, pode ser necessária a elaboração de normas técnicas pela Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados, no quadro da aplicação das regras previstas no acto legislativo de base, de forma a garantir que as CCP intervenientes beneficiem de um requisito regulamentar de fundos próprios o mais baixo possível, para o risco de contraparte dos contratos compensados centralmente, de acordo com o regime actualmente em fase de finalização pelo Comité de Basileia. Atendendo ao papel fundamental que têm na gestão dos riscos, as CCP devem ficar sujeitas a requisitos de fundos próprios adequados.

3. Protecção jurídica das garantias e das posições proporcionada pelos clientes dos membros compensadores, de forma a encorajar uma vasta gama de intervenientes no mercado a utilizar a compensação centralizada. As regras devem garantir a separação dos activos e a portabilidade dos activos e das posições dos clientes.

4. A autorização concedida ao abrigo da presente proposta permitirá às CCP prestar serviços em todos os Estados-Membros. A fim de evitar a duplicação do processo de verificação e favorecer a confiança mútua entre autoridades, a Comissão considera que a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados deve conceder autorização às CCP para exercer actividade em toda a UE. A fim de garantir uma supervisão contínua adequada a nível europeu, a Comissão procurará obter uma repartição adequada das responsabilidades entre a AEVMM e as autoridades nacionais de supervisão. Poderá, nomeadamente, ser conferidos à AEVMM poderes directos de supervisão, dada a natureza específica das CCP, nomeadamente o seu alcance pan-europeu. Em alternativa, dadas as responsabilidades potenciais ou condicionais que possam estar em causa, poderia ser adequado confiar a supervisão corrente, no âmbito da AEVMM, a um colégio de supervisores dos Estados-Membros mais directamente interessados.

5. A AEVMM deveria também auxiliar a Comissão na preparação de decisões de reconhecimento de CCP de países terceiros que estejam sujeitas a regulamentação e supervisão comparáveis e com o mesmo grau de completude, para avaliação dos pedidos de acesso ao mercado de prestadores de países terceiros com base em preocupações prudenciais.

3.2. Constituição de garantias na compensação bilateral

Embora o ideal fosse que todos os produtos derivados fossem objecto de compensação centralizada, nem todos, na realidade, se prestam a tal. Alguns produtos podem ser demasiado personalizados, ao passo que outros podem não apresentar liquidez suficiente para a compensação centralizada. Tais contratos continuarão a ser compensados bilateralmente, com a troca de garantias entre as contrapartes para cobrir as respectivas posições. Contudo, os actuais níveis de garantia são demasiado baixos e não reflectem o risco que a transacção de produtos derivados compensada bilateralmente representa para o sistema financeiro, quando atinge determinado volume crítico. As empresas do sector financeiro devem ser detentoras de garantias de um montante mais elevado, para cobrir a sua exposição ao crédito.

A Comissão proporá legislação que obrigue as empresas do sector financeiro (por exemplo, instituições de crédito, empresas de investimento, sociedades gestoras de investimentos) a declarar a margem inicial (específica em função das características da contraparte) e a margem de variação (a variação do valor de um contrato). Estes requisitos constituiriam também um incentivo à utilização da compensação centralizada, já que reduziriam a vantagem económica da constituição de uma garantia demasiado reduzida, comparada com as exigências rigorosas de garantia das CCP.

Excepto em caso de incumprimento, a troca de garantias não tem repercussões no rendimento líquido de uma entidade. As empresas não financeiras utilizadoras de produtos derivados, contudo, podem não querer constituir cauções em numerário para cobrir a variação da margem, uma vez que poderiam restringir a respectiva liquidez. A contraparte financeira ficaria, assim, exposta ao risco de crédito, que terá que gerir com o seu cliente. Os requisitos relativos à variação da margem, se forem necessários para as empresas não financeiras, deverão ser adaptados, de modo a não prejudicar a capacidade das sociedades de utilizarem os produtos derivados para transferir o risco, sobretudo no caso de empresas cuja utilização de produtos derivados esteja abaixo de determinado limiar. Por outro lado, reservar um tratamento especial às empresas não financeiras poderia dar origem a lacunas, que deixariam às empresas financeiras margem para arbitragem regulamentar. Quaisquer eventuais isenções devem ser definidas de forma a eliminar as possibilidades de abuso.

3.3. Requisitos de fundos próprios relativos à compensação bilateral

Na sua comunicação de Julho, a Comissão explorou a ideia de sujeitar os contratos cuja compensação não seja centralizada a requisitos de fundos próprios mais elevados. Na sequência da reunião do G20 em Pittsburgh, esta ideia passou a ser um princípio internacionalmente aceite. Os requisitos de fundos próprios mais elevados seriam um reflexo do risco maior que tais contratos representam para o sistema financeiro. Uma vez que estes requisitos de fundos próprios se aplicam após a troca bilateral de garantias e a compensação das posições em risco, esta abordagem reforçaria ainda mais o incentivo aos intervenientes no mercado para que alarguem a gama de produtos cuja compensação é centralizada. A Comissão assegurar-se-á, por conseguinte, de que as regras fazem uma distinção clara entre o risco de crédito de contraparte mais baixo que representam os contratos compensados por uma CCP e o risco de crédito de contraparte mais elevado que representam aqueles cuja compensação é feita de forma bilateral. A principal forma de o conseguir é ampliar a diferença de requisitos de fundos próprios entre os contratos de compensação central e bilateral, estabelecidos pela Directiva Requisitos de Fundos Próprios (DRFP)[7].

Tais alterações devem ser compatíveis com a abordagem preconizada pelo Comité de Basileia de Supervisão Bancária, o fórum mundial em matéria de regras internacionais de fundos próprios aplicáveis aos bancos, de modo a não falsear a concorrência e limitar a capacidade de arbitragem regulamentar. A Comissão esforçar-se-á, juntamente com os seus parceiros, por garantir que se chegue a acordo e fará os possíveis por estar em posição de propor alterações à DRFP, em conformidade com o acima descrito, em 2010.

3.4. Tornar obrigatória a compensação centralizada

Para além dos requisitos de fundos próprios impostos aos produtos cuja compensação não é feita de forma centralizada, a Comissão tenciona propor, de acordo com a declaração do G20, que a compensação pelas CCP dos produtos derivados normalizados seja tornada obrigatória. Ao elaborar propostas pormenorizadas, a Comissão trabalhará em conjunto com os seus parceiros do G20, nomeadamente os EUA, na consecução de soluções ambiciosas para as questões práticas que se colocam para tornar operacionais os requisitos. Tais questões incluem, por exemplo, a definição dos contratos que podem ser considerados normalizados, para efeitos de compensação centralizada. Embora os contratos normalizados devam passar a ser a norma, os contratos não normalizados devem ser sujeitos a uma supervisão mais aprofundada por parte dos supervisores.

4. Risco Operacional

O risco operacional diz respeito às perdas resultantes de uma inadequação ou deficiência de procedimentos internos, ou de acontecimentos externos, e inclui os riscos jurídicos. O mercado tem vindo a esforçar-se por reduzir o risco operacional. Por exemplo, as práticas do mercado passaram a dar origem a uma documentação jurídica normalizada, no que diz respeito a uma parte considerável do mercado dos produtos derivados. Além disso, os intervenientes no mercado têm vindo a adoptar progressivamente o tratamento informático das transacções. A utilização obrigatória de repositórios de dados e o recurso mais generalizado à compensação centralizada irão provavelmente favorecer os esforços em curso, os quais, por sua vez, levarão a uma maior normalização dos contratos em termos do seu tratamento informático e da terminologia jurídica padrão (sem afectar os termos económicos dos contratos), o que também irá facilitar a compensação centralizada.

A Comissão considera, contudo, que os esforços actuais deste sector para reduzir os riscos operacionais devem ser reforçados. Por conseguinte, a Comissão tenciona analisar a eventualidade de remodelar a sua abordagem do risco operacional na DRFP, a fim de promover a normalização dos contratos e do seu tratamento electrónico.

Além disso, os intervenientes no mercado devem agir de forma mais colectiva. Assim, a Comissão aproveitará o êxito do grupo de trabalho dos produtos derivados para definir objectivos ambiciosos a nível europeu, com prazos rigorosos, em matéria de normalização jurídica e de processos, garantindo, simultaneamente, que as especificidades europeias sejam tidas devidamente em conta nos esforços desenvolvidos a nível mundial, para que os seus benefícios se façam sentir plenamente também na Europa.

5. Transparência

Os mercados de balcão de produtos derivados sofreram manifestamente de uma falta de transparência no que diz respeito aos preços, às transacções e às posições em risco. A falta de transparência, para as autoridades reguladoras e para o mercado, variou ao longo do tempo e de um produto para outro, mas globalmente dificultou uma supervisão eficaz dos mercados de produtos derivados pelas autoridades reguladoras, no que diz respeito ao risco sistémico e ao abuso de mercado. Em relação aos intervenientes no mercado, criou dificuldades de acesso a preços fiáveis, de avaliação do risco, de valorização das posições e de verificação da execução nas melhores condições.

5.1. Repositórios de transacções

As autoridades de regulamentação dos mercados financeiros e do risco sistémico precisam de ter uma visão completa dos mercados de produtos derivados. Deve tornar-se, portanto, obrigatória a comunicação de todas as transacções aos repositórios de transacções. A informação relativa a transacções feitas em bolsa ou compensadas por uma CCP podem ser fornecidas directamente por essas entidades às autoridades de regulamentação. A Comissão irá propor legislação que regule os repositórios de transacções e novas obrigações de apresentação de informações por parte dos intervenientes no mercado.

Os repositórios terão um papel central na nova estrutura do mercado. Devem, por conseguinte, ser regulamentados de forma a garantir que funcionem de forma segura, correcta e eficiente. A legislação deve proporcionar um quadro jurídico comum para o funcionamento dos repositórios de transacções e abranger, entre outros, os requisitos de autorização/registo, o acesso e a participação num repositório, divulgação dos dados, qualidade e actualidade dos dados, acesso aos dados, protecção dos dados, segurança jurídica dos contratos registados, governação e fiabilidade operacional[8].

A Comissão considera que a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados deveria ser responsável pela autorização e supervisão dos repositórios de transacções, uma vez que estes prestam os seus serviços à escala europeia, ou mesmo mundial. Esta autoridade deve também ser responsável pela autorização do funcionamento de repositórios de países terceiros na UE, com base numa decisão da Comissão quanto à equivalência do quadro regulamentar em causa, com base em considerações prudenciais. Reciprocamente, a AEVMM deve garantir o livre acesso das autoridades de regulamentação europeias a informações completas a nível mundial. Na ausência de tal acesso, a Comissão encorajaria a criação e funcionamento de repositórios de transacções a nível europeu. Em última análise, a AEVMM actuará como ponto de acesso para disseminação de informações sobre os produtos derivados às autoridades nacionais de regulamentação dos serviços financeiros, bem como às autoridades de regulamentação sectorial[9].

5.2. Negociação em mercados organizados

O G20 concordou que «todos os contratos OTC normalizados sobre instrumentos derivados devem ser transaccionados em Bolsas ou plataformas comerciais electrónicas, se for caso disso.» Na UE, isto implica garantir que as transacções susceptíveis de ser realizadas em Bolsa tenham lugar em mercados organizados, definidos na MiFID[10]. Quase todas as Bolsas de instrumentos derivados utilizam uma contraparte central. Acrescentar a negociação em Bolsa à compensação centralizada suprimiria a natureza bilateral das transacções, dando grande visibilidade aos preços, aos volumes e às posições em aberto ( open interest ), facilitando ainda o acesso ao mercado.

5.3. Transparência antes e depois da negociação

A negociação em mercados organizados deverá ser acompanhada de um reforço das disposições aplicáveis a tais mercados, nomeadamente no que se refere à transparência da negociação. A harmonização dos requisitos de transparência antes e depois da negociação, relativos à publicação das transacções e dos respectivos preços e volumes em todos os mercados organizados, deve ser cuidadosamente ponderada, também no que se refere aos mercados de balcão. Esta harmonização será fundamental para evitar lacunas no enquadramento das plataformas de negociação, e garantir a cobertura completa dos produtos derivados. Este ponto será tratado na revisão da MiFID em 2010.

As obrigações em termos de maior transparência terão que ser comedidas, de forma a minorar os efeitos indirectos negativos na liquidez e os custos administrativos desproporcionados.

Além disso, os líderes do G20 concordaram, em Pittsburgh, em «melhorar a regulamentação, o funcionamento e a transparência dos mercados financeiros e de produtos de base, para resolver o problema da volatilidade excessiva dos preços dos produtos de base.» O regulamento financeiro será alterado, no âmbito dos esforços para garantir que os mercados de instrumentos derivados sobre produtos agrícolas da UE não percam o seu objectivo inicial de instrumento de determinação dos preços e de cobertura, com vista a fazer face à volatilidade dos preços[11]. Estas medidas serão introduzidas em paralelo com os requisitos de transparência relativamente a todos os mercados de produtos derivados (e, eventualmente, também outros não representativos de capital), nomeadamente no âmbito da revisão da DMIF.

Nos mercados da electricidade e do gás da UE, a Comissão apresentará em 2010, como parte integrante de um pacote completo sobre a integridade do mercado, propostas destinadas a garantir a publicação de transacções de elevado montante também nos mercados a pronto, a fim de melhorar a determinação dos preços, o acesso ao mercado e a confiança do público, em geral[12].

6. Integridade do mercado e supervisão

De acordo com as conclusões do G20, estão já em preparação, na UE, diversas medidas tendentes a reforçar a integridade dos mercados de produtos derivados.

A revisão da Directiva relativa ao abuso de mercado em 2010 alargará o âmbito de aplicação das disposições pertinentes, por forma a passarem a abranger de modo global os mercados de produtos derivados. As autoridades de regulamentação dos mercados europeus de valores mobiliários têm vindo a progredir na exigência da comunicação das transacções de produtos derivados OTC. No âmbito dos esforços para alinhar as regras aplicáveis aos mercados da energia, físicos e financeiros, está prevista uma proposta específica de supervisão dos mercados a pronto da electricidade e do gás ao nível europeu, que garanta a transparência e integridade do mercado. Da mesma forma, a Comissão deverá determinar, até ao final de 2010, se o mercado das licenças de emissão está devidamente protegido contra o abuso de informação privilegiada e contra acções de manipulação e, se for caso disso, apresentar propostas para garantir essa protecção[13]. Além disso, no domínio da agricultura, está prevista a comunicação de informações mais completas sobre as transacções e as posições às autoridades de regulamentação das operações sobre instrumentos derivados.

A revisão da DMIF irá também concluir o trabalho sobre as isenções a conceder a determinadas empresas comerciais que negoceiam instrumentos derivados sobre produtos de base. As disposições da DMIF, incluindo os requisitos de autorização e de funcionamento, as regras de comunicação de informações e de exercício de actividade não se aplicam a essas empresas. Os resultados de consultas[14], bem como a evolução recente no sentido de exigir que a regulamentação dos mercados financeiros se torne extensiva a todos os intervenientes no mercado, serão tidos em conta nas conclusões.

Finalmente, a Comissão tenciona propor regras que dêem às autoridades de regulamentação a possibilidade de fixar limites às posições para evitar os movimentos de preços desproporcionados ou a concentração de posições especulativas[15].

7. Resumo

A Comissão considera que com as medidas propostas se conseguirá uma mudança radical do ponto de vista tradicionalmente aceite, segundo o qual os produtos derivados são instrumentos financeiros para utilização profissional, relativamente aos quais é suficiente uma regulamentação pouco restritiva, para uma abordagem na qual os riscos sejam correctamente avaliados. A abordagem global limitará a possibilidade de lacunas e de arbitragem regulamentar.

O quadro apresentado seguidamente resume as medidas concretas acima descritas. A Comissão irá agora iniciar o processo de redacção da legislação, nomeadamente lançando avaliações de impacto, por forma a apresentar medidas legislativas ambiciosas para regulamentação dos produtos derivados em 2010. Ao finalizar essas propostas, a Comissão trabalhará em estreita colaboração com todas as partes interessadas, na UE, bem como com os seus parceiros a nível mundial. Só através de uma acção conjunta se poderá lançar as bases de mercados de produtos derivados verdadeiramente eficientes, seguros e sólidos.

Medidas futuras para garantir a eficiência, segurança e solidez dos mercados de derivados

Objectivo | Acções propostas | Cronograma |

Reduzir o risco de crédito de contraparte – reforçar a compensação | Propor legislação em matéria de requisitos de CCP, que regule: Os requisitos de segurança (por exemplo, exercício de actividade, governação, gestão do risco, protecção jurídica das garantias e das posições) Autorização/revogação da autorização e supervisão das CCP Tornar obrigatória a compensação por uma CCP dos produtos derivados normalizados Alterar a Directiva Requisitos de Fundos Próprios (DRFP), por forma a: Tornar obrigatório, para as empresas do sector financeiro, o fornecimento de uma margem inicial e respectivas variações; Tornar substancialmente diferentes, na DRFP, os requisitos de fundos próprios aplicáveis aos contratos compensados por uma CCP ou não; | Meados de 2010 Final de 2010 |

Diminuição dos riscos operacionais - normalização | Analisar a eventualidade de reformular a abordagem do risco operacional na DRFP, a fim de promover a normalização dos contratos e o seu tratamento electrónico. Trabalhar com o sector para reforçar a normalização dos regimes jurídicos e dos processos; | Final de 2010 Em curso |

Aumentar a transparência – repositórios de transacções | Propor legislação em matéria de repositórios de transacções: Regulamentar os repositórios de transacções Tornar obrigatória a comunicação das transacções de produtos derivados OTC aos repositórios de transacções; | Meados de -2010 |

Aumentar a transparência - negociação | Alterar a MiFID no sentido de exigir a comunicação das transacções e posições, a instituir paralelamente às CCP e aos repositórios de transacções; Assegurar que a negociação de contractos normalizados tenha lugar em mercados organizados, nos termos da MiFID; Reforçar a transparência na negociação e nos preços em todos os espaços e mercados OTC, conforme o caso, nos termos da MiFID; Concluir a revisão das isenções da MiFID concedidas às empresas que negoceiam em produtos de base. | Final de -2010 |

Reforçar a integridade do mercado | Tornar a directiva sobre o abuso do mercado extensiva aos produtos derivados OTC; Conferir às autoridades de regulamentação poderes para fixarem limites de posição, no âmbito da MiFID. | Final de -2010 |

[1] Comunicação da Comissão «Garantir a eficiência, segurança e correcção dos mercados de derivados - COM(2009) 332, documento de trabalho dos serviços da Comissão {SEC(2009) 905 final} e documento de consulta {SEC(2009) 914.

[2] As respostas à consulta, o resumo das opiniões das partes interessadas e um resumo da conferência e das apresentações estão disponíveis na página web da Comissão:http://ec.europa.eu/internal_market/consultations/2009/derivatives_en.htm

[3] Comunicado de imprensa da Comissão «Uma etapa importante para a estabilidade financeira: mercado dos swaps de risco de incumprimento mais seguro», IP/09/1215 de 31 de Julho de 2009.

[4] «No fim de 2012, o mais tardar, todos os contratos OTC normalizados sobre instrumentos derivados devem ser transaccionados em Bolsas ou plataformas comerciais electrónicas, se for caso disso, e compensados através de contrapartes centrais. Os contratos sobre instrumentos derivados devem ser comunicados a repositórios de transacções. Os contratos que não sejam compensados centralmente devem estar sujeitos a requisitos de fundos próprios mais elevados. Solicitamos ao Conselho de Estabilidade Financeira e aos membros pertinentes do mesmo que avaliem regularmente a aplicação e se esta é suficiente para melhorar a transparência dos mercados de produtos derivados, minorar o risco sistémico e proteger contra abusos de mercado.»

[5] Até agora, o único acto legislativo comunitário que abrange a segurança e solidez das CCP é a Directiva Carácter Definitivo da Liquidação (DCDL). Embora seja fundamental, por cobrir os efeitos de um incumprimento de uma CCP interveniente, impedindo-os de alastrarem a outros intervenientes, a DCDL é um instrumento de gestão de crise, e não um vasto instrumento que abranja todos os aspectos das actividades das CCP, sendo, por conseguinte, insuficiente para assegurar a sua segurança e solidez.

[6] Sistema Europeu de Bancos Centrais e Comité das Autoridades de Regulamentação dos Mercados Europeus de Valores Mobiliários, respectivamente.

[7] Directiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2006, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu exercício (JO L 177 de 30.6.2006, p. 1).

[8] O fórum das autoridades de regulamentação em matéria de produtos derivados OTC lançou uma iniciativa com esse objectivo.

[9] Nalguns mercados sectoriais de instrumentos derivados sobre produtos de base (gás e electricidade, por exemplo) há uma necessidade específica de examinar a interdependência entre os mercados a pronto e os mercados de derivados. A eventual função de ponto de acesso da AEVMM garantirá que os repositórios tenham uma autoridade de regulamentação principal, o que é importante do ponto de vista da eficácia. Garantirá também que as autoridades de regulamentação sectoriais disponham de um acesso fácil à informação de que precisam. Uma vez que o objectivo principal de tornar obrigatórios os repositórios de transacções é a estabilidade financeira, as estruturas de supervisão dos mercados de produtos de base a pronto devem ser designadas de outro modo.

[10] Mercado regulamentado, sistema de negociação multilateral ou internalizador sistemático.

[11] A Comissão tenciona abordar novamente estas questões na próxima comunicação sobre uma cadeia de abastecimento alimentar mais funcional na Europa.

[12] Em Janeiro de 2009, o Comité das Autoridades de Regulamentação dos Mercados Europeus de Valores Mobiliários (CARMEVM) e o Grupo Europeu de Entidades Reguladoras para os Mercados da Electricidade e do Gás (GEERMEG) recomendaram à Comissão que estabelecesse para o comércio da electricidade e do gás disposições específicas em matéria de transparência, no âmbito dos esforços de melhoria do acesso ao mercado e de determinação dos preços.

[13] Artigo 12º, n.º 1-A, da Directiva 2003/87/CE, alterada.

[14] Ver, por exemplo, o parecer do Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária e do Comité das Autoridades de Regulamentação dos Mercados Europeus de Valores Mobiliários (http://www.cesr.eu/index.php?docid=5306) e do Grupo Europeu de Peritos de Valores Mobiliários(http://ec.europa.eu/internal_market/securities/docs/esme/commodity_derivatives_en.pdf)

[15] O que se aplica particularmente aos mercados de produtos de base. Ver nota de pé de página n.º 11.