ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

10 de fevereiro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Livre prestação de serviços — Destacamento de trabalhadores — Diretiva 96/71/CE — Artigo 3.o, n.o 1, alínea c) — Condições de trabalho e emprego — Remuneração — Artigo 5.o — Sanções — Prazo de prescrição — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 41.o — Direito a uma boa administração — Artigo 47.o — Proteção jurisdicional efetiva»

No processo C‑219/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landesverwaltungsgericht Steiermark (Tribunal Administrativo Regional da Estíria, Áustria), por Decisão de 12 de maio de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2020, no processo

LM

contra

Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld,

sendo intervenientes:

Österreichische Gesundheitskasse,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, N. Jääskinen e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de LM, por P. Cernochova, Rechtsanwältin,

em representação do Governo austríaco, por A. Posch, J. Schmoll e C. Leeb, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs, M. Van Regemorter e C. Pochet, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e P. J. O. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1.

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 41.o, n.o 1, e do artigo 47.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

2.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe LM à Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Autoridade Administrativa do Distrito de Hartberg‑Fürstenfeld, Áustria) a respeito da coima que esta última lhe aplicou devido ao incumprimento de obrigações previstas no direito austríaco em matéria de remuneração dos trabalhadores destacados.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 96/71/CE

3.

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO 1997, L 18, p. 1), prevê:

«Os Estados‑Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no n.o 1 do artigo 1.o garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado‑Membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:

por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas

e/ou

por convenções coletivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na aceção do n.o 8, na medida em que digam respeito às atividades referidas no anexo:

[…]

c)

Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; a presente alínea não se aplica aos regimes complementares voluntários de reforma;

[…]

Para efeitos da presente diretiva, a noção de “remunerações salariais mínimas” referida na alínea c) do n.o 1 é definida pela legislação e/ou pela prática nacional do Estado‑Membro em cujo território o trabalhador se encontra destacado.»

4.

O artigo 5.o desta diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas em caso de não cumprimento da presente diretiva.

[…]»

Diretiva 2014/67/UE

5.

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/67/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, respeitante à execução da Diretiva 96/71 e que altera o Regulamento (UE) n.o 1024/2012 relativo à cooperação administrativa através do Sistema de Informação do Mercado Interno («Regulamento IMI») (JO 2014, L 159, p. 11), enuncia:

«Os Estados‑Membros só podem impor os requisitos administrativos e medidas de controlo necessários para garantir o controlo efetivo do cumprimento das obrigações estabelecidas na presente diretiva e na Diretiva [96/71], desde que as mesmas sejam justificadas e proporcionadas de acordo com o direito da União.

Para esse efeito, os Estados‑Membros podem impor designadamente as seguintes medidas:

[…]

b)

A obrigação de conservar ou fornecer […] recibos de retribuição, registos de tempos de trabalho com indicação do início, do fim e da duração do tempo de trabalho diário, e comprovativos do pagamento de salários ou cópias de documentos equivalentes […]

c)

A obrigação de, a pedido das autoridades do Estado‑Membro de acolhimento e num prazo razoável, entregar os documentos referidos na alínea b), após o período de destacamento;

[…]»

Direito austríaco

6.

O § 7i, n.os 5 e 7, da Arbeitsvertragsrechts‑Anpassungsgesetz (Lei de Adaptação do Direito Laboral Contratual, BGBl., 459/1993), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «AVRAG»), tem a seguinte redação:

«5.   Quem, na qualidade de entidade patronal, empregue ou tenha empregado um trabalhador sem lhe pagar pelo menos a remuneração devida por força de lei, regulamento ou convenção coletiva, com exceção dos elementos de remuneração referidos no § 49, n.o 3, da Lei Federal Geral da Segurança Social austríaca, pratica uma infração administrativa punível com coima a aplicar pela autoridade administrativa distrital. A sub‑remuneração que compreenda continuamente vários períodos de pagamento salarial dá lugar a uma única infração administrativa. […] Se a sub‑remuneração disser respeito a três trabalhadores no máximo, o montante da coima, por cada trabalhador, será de 1000 a 10000 euros e, em caso de reincidência, de 2000 a 20000 euros. Se estiverem em causa mais de três trabalhadores, a coima por cada trabalhador será de 2000 a 20000 euros e, em caso de reincidência, de 4000 a 50000 euros.

[…]

7.   O prazo de prescrição da ação (procedimento) (previsto no § 31, n.o 1, da Lei das Sanções Administrativas) é de três anos a contar da data de exigibilidade da remuneração. Em caso de sub‑remuneração que compreenda continuamente vários períodos de pagamento salarial, o prazo de prescrição do procedimento, na aceção do primeiro período, começa a correr a partir da data de exigibilidade da remuneração correspondente ao último período de pagamento salarial subavaliado. O prazo de prescrição das sanções (previsto § 31, n.o 2, da Lei das Sanções Administrativas) é nesse caso de cinco anos. No que respeita aos pagamentos excecionais, os prazos referidos nos dois primeiros períodos começam a correr a partir do final de cada ano civil em causa (n.o 5, terceiro período).»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

7.

A GVAS s.r.o., sociedade com sede na Eslováquia, destacou vários trabalhadores para a Áustria.

8.

Com base em constatações feitas no decurso de um controlo efetuado em 19 de junho de 2016, a autoridade administrativa do distrito de Hartberg‑Fürstenfeld aplicou uma coima no montante de 6600 euros a LM, na qualidade de representante da GVAS, com fundamento no § 7i, n.o 5, da AVRAG, por incumprimento de obrigações em matéria de remuneração relativamente a quatro trabalhadores destacados.

9.

Essa decisão foi notificada a LM em 20 de fevereiro de 2020.

10.

LM interpôs recurso da referida decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, o Landesverwaltungsgericht Steiermark (Tribunal Administrativo Regional da Estíria, Áustria).

11.

Esse órgão jurisdicional refere que tem dúvidas quanto à compatibilidade com o direito da União do § 7i, n.o 7, da AVRAG, que prevê um prazo de prescrição de cinco anos para a infração imputada a LM ao abrigo do § 7i, n.o 5, da AVRAG. Considera que esse prazo é particularmente longo, visto se tratar de uma infração menor de direito penal administrativo praticada por negligência e que não é certo que a pessoa se possa defender adequadamente, nomeadamente quando a defesa tenha lugar quase cinco anos após os factos imputados.

12.

Nestas circunstâncias, o Landesverwaltungsgericht Steiermark (Tribunal Administrativo Regional da Estíria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 6.o da [CEDH] e os artigos 41.o, n.o 1, e 47.o, segundo parágrafo, da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma norma nacional que prevê um prazo obrigatório de prescrição de cinco anos, em caso de infração por negligência, em processos administrativos sancionatórios?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

13.

Os Governos austríaco e belga alegam que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a interpretação do artigo 6.o da CEDH.

14.

A este respeito, é jurisprudência constante que, nos termos do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a interpretação de disposições de direito internacional que vinculam os Estados‑Membros fora do âmbito do direito da União (Despacho de 6 de novembro de 2019, EOS Matrix, C‑234/19, não publicado, EU:C:2019:986, n.o 27 e jurisprudência referida).

15.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não é competente para responder à questão submetida na parte em que se refere à interpretação do artigo 6.o da CEDH, sendo o Tribunal de Justiça, em contrapartida, competente para interpretar o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que corresponde, como esclarecem as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH (v., neste sentido, Acórdão de 2 de fevereiro de 2021, Consob, C‑481/19, EU:C:2021:84, n.o 37).

16.

Por outro lado, o Governo austríaco contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

17.

Este governo considera que o pedido não satisfaz as exigências previstas no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

18.

Alega, de um lado, que a fundamentação da questão é sucinta e diz essencialmente respeito à proporcionalidade das penas, ao passo que a questão submetida tem por objeto o prazo de prescrição previsto na regulamentação nacional em causa no processo principal.

19.

De outro lado, o pedido de decisão prejudicial não contém a exposição do nexo entre as disposições do direito da União cuja interpretação é solicitada e as disposições de direito nacional em causa.

20.

A este respeito, importa recordar que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob sua própria responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. A rejeição, pelo Tribunal de Justiça, de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, INPS (Subsídios de nascimento e de maternidade para os titulares de autorização única), C‑350/20, EU:C:2021:659, n.o 39 e jurisprudência referida].

21.

Além disso, em conformidade com o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo, o pedido de decisão prejudicial deve conter a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

22.

No presente processo, ao expor as dúvidas que tem quanto à compatibilidade do prazo de prescrição previsto na regulamentação em causa no processo principal com o respeito pelos direitos de defesa, o órgão jurisdicional de reenvio refere as razões que o conduziram a interrogar‑se sobre a interpretação de certas disposições do direito da União.

23.

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio identifica, como disposições do direito da União que, em seu entender, carecem de interpretação, os artigos 41.o e 47.o da Carta.

24.

A este respeito, recorde‑se que o âmbito de aplicação da Carta, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, está definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros, quando aplicam o direito da União, confirmando esta disposição a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União se destinam a ser aplicados em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora delas [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 78 e jurisprudência referida].

25.

Ora, cumpre observar que o órgão jurisdicional de reenvio não expõe as disposições do direito da União que a regulamentação em causa no processo principal visa aplicar.

26.

Dito isto, resulta do pedido de decisão prejudicial que o presente processo se inscreve num contexto de destacamento de trabalhadores e que o prazo de prescrição previsto na regulamentação em causa no processo principal se aplica a uma infração relativa à sub‑remuneração de trabalhadores destacados.

27.

Decorre destes elementos que o litígio no processo principal tem por objeto a sanção aplicada pelo incumprimento da obrigação relativa à remuneração salarial mínima prevista no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 96/71.

28.

Com efeito, para garantir o respeito por um núcleo de regras imperativas de proteção mínima, o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva prevê que os Estados‑Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, no âmbito de uma prestação de serviços transnacional, as empresas garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias referidas nesta disposição, designadamente as remunerações salariais mínimas (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Isbir, C‑522/12, EU:C:2013:711, n.o 34 e jurisprudência referida).

29.

Além disso, resulta do artigo 5.o da referida diretiva que o legislador da União deixou aos Estados‑Membros a tarefa de determinarem as sanções adequadas para assegurar o cumprimento desta obrigação.

30.

Neste contexto, decorre das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a regulamentação nacional em causa no processo principal, que pune a sub‑remuneração de trabalhadores destacados e fixa o prazo de prescrição aplicável a essa infração, consubstancia a aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Daqui resulta que, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 24 do presente acórdão, estas explicações bastam para estabelecer um nexo entre a Carta, a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio, e a regulamentação nacional em apreço.

31.

Tendo em conta estes elementos, há que concluir que o órgão jurisdicional de reenvio cumpriu as obrigações enunciadas no artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo.

32.

A questão submetida deve, por conseguinte, ser considerada admissível.

Quanto ao mérito

33.

A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação com os órgãos jurisdicionais nacionais instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe ao Tribunal de Justiça dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido e, nesta ótica, incumbe, se necessário, ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe foram submetidas (Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 27 e jurisprudência referida).

34.

Além disso, importa recordar que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o facto de o órgão jurisdicional de reenvio ter formulado uma questão referindo‑se apenas a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal lhe forneça todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão da causa que lhe foi submetida, quer tenha ou não feito essa referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, em particular da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (Acórdão de 7 de março de 2017, X e X, C‑638/16 PPU, EU:C:2017:173, n.o 39 e jurisprudência referida).

35.

A este respeito, importa salientar que, como resulta dos n.os 28 e 29 do presente acórdão, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que pune a sub‑remuneração de trabalhadores destacados e fixa o prazo de prescrição aplicável a essa infração, determina as sanções em caso de incumprimento da obrigação relativa à remuneração salarial mínima prevista no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 96/71 e consubstancia, portanto, a aplicação do artigo 5.o desta diretiva.

36.

Por outro lado, o artigo 41.o da Carta, invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é pertinente para o esclarecer no âmbito do litígio no processo principal. Com efeito, resulta claramente da redação desta disposição que esta não se dirige aos Estados‑Membros, mas unicamente às instituições, órgãos e organismos da União (Acórdão de 24 de novembro de 2020, Minister van Buitenlandse Zaken, C‑225/19 e C‑226/19, EU:C:2020:951, n.o 33 e jurisprudência referida).

37.

Dito isto, cabe também recordar que o direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta, reflete um princípio geral do direito da União aplicável aos Estados‑Membros quando aplicam este direito (v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2020, Minister van Buitenlandse Zaken, C‑225/19 e C‑226/19, EU:C:2020:951, n.o 34 e jurisprudência referida). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça pode responder à questão prejudicial à luz deste princípio geral do direito da União.

38.

Nestas condições, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o da Diretiva 96/71, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta e à luz do princípio geral do direito da União relativo ao direito a uma boa administração, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê um prazo de prescrição de cinco anos pelo incumprimento das obrigações relativas à remuneração dos trabalhadores destacados.

39.

Como resulta do artigo 5.o desta diretiva, o legislador da União deixou aos Estados‑Membros a tarefa de determinarem as sanções adequadas para assegurar, designadamente, o cumprimento da obrigação relativa à remuneração salarial mínima prevista no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), da referida diretiva.

40.

Além disso, importa salientar que a mesma diretiva não enuncia regras de prescrição em matéria de aplicação de sanções pelas autoridades nacionais em caso de incumprimento da Diretiva 96/71, nomeadamente do seu artigo 3.o

41.

Na falta de regulamentação da União na matéria, essas modalidades integram a ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, por força do princípio da autonomia processual destes últimos. Todavia, não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de modo a tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578, n.o 83 e jurisprudência referida, e de 21 de janeiro de 2021, Whiteland Import Export, C‑308/19, EU:C:2021:47, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida).

42.

Quando aplicam o direito da União, os Estados‑Membros são também obrigados a assegurar o respeito pelo direito à ação consagrado no artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, que constitui a reafirmação do princípio da proteção jurisdicional efetiva [v., neste sentido, Acórdão de 15 de abril de 2021, État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência), C‑194/19, EU:C:2021:270, n.o 43 e jurisprudência referida].

43.

Quanto, em primeiro lugar, ao princípio da equivalência, o respeito por este princípio pressupõe que a regra em causa seja aplicável indiferentemente aos processos fundados na violação do direito da União e aos fundados na violação do direito interno que tenham um objeto e uma causa de pedir semelhantes [v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, Land Sachsen‑Anhalt (Remuneração de funcionários e juízes), C‑773/18 a C‑775/18, EU:C:2020:125, n.o 67 e jurisprudência referida].

44.

A este respeito, importa salientar que não resulta minimamente do pedido de decisão prejudicial que o prazo de prescrição previsto na regulamentação em causa no processo principal viole este princípio. No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar eventuais violações do referido princípio.

45.

No que se refere, em segundo lugar, ao princípio da efetividade, cumpre sublinhar que os Estados‑Membros têm a responsabilidade de assegurar, casuisticamente, a proteção efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União e, em especial, garantir o respeito, por um lado, pelo princípio de que os destinatários de decisões que afetam significativamente os seus interesses devem ter a oportunidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos em que a Administração tenciona basear a sua decisão e, por outro, pelo direito de cada pessoa a que a sua causa seja ouvida equitativa e publicamente e num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, criado por lei, consagrado no artigo 47.o da Carta, segundo parágrafo, da Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, EU:C:2017:687, n.o 59 e jurisprudência referida, e de 9 de novembro de 2017, Ispas, C‑298/16, EU:C:2017:843, n.o 31).

46.

A este respeito, cabe recordar que o princípio da igualdade de armas, que é parte integrante do princípio da proteção jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União aos particulares, consagrado nesta disposição, por ser um corolário, como, nomeadamente, o princípio do contraditório, do próprio conceito de processo equitativo, implica a obrigação de oferecer às partes a possibilidade razoável de apresentarem as suas causas, incluindo provas, em condições que não as coloque numa situação de clara desvantagem relativamente aos seus adversários (v., neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, EU:C:2019:861, n.o 61 e jurisprudência referida).

47.

Perante uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, importa recordar que, como resulta do n.o 35 do presente acórdão, a regulamentação que pune a sub‑remuneração de trabalhadores destacados e fixa um prazo de prescrição de cinco anos para essa infração se destina a assegurar o respeito pela obrigação relativa à remuneração salarial mínima prevista no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), desta diretiva.

48.

Ora, o caráter transfronteiriço da situação de destacamento de trabalhadores e de procedimentos sancionatórios por essa infração pode tornar relativamente complexo o trabalho das autoridades nacionais competentes e justificar, assim, a fixação de um prazo de prescrição suficientemente longo para permitir às autoridades nacionais competentes investigar e punir essa infração.

49.

Além disso, tendo em conta a importância conferida pela Diretiva 96/71 à obrigação relativa à remuneração salarial mínima, pode razoavelmente esperar‑se dos prestadores de serviços que destacam trabalhadores para o território de um Estado‑Membro que conservem as provas relativas ao pagamento dos salários a esses trabalhadores durante vários anos.

50.

A este respeito, importa, aliás, salientar que o artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2014/67 autoriza expressamente os Estados‑Membros a exigirem aos prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado‑Membro que forneçam determinados documentos, entre os quais as provas do pagamento dos salários, após o período de destacamento, a pedido das autoridades competentes, num prazo razoável.

51.

Ora, tendo em conta as considerações expostas nos dois números anteriores do presente acórdão, não se afigura desrazoável que, por efeito de um prazo de prescrição como o que está em causa no processo principal, os prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados‑Membros sejam obrigados a conservar e fazer prova do pagamento dos salários durante um período de cinco anos.

52.

Nestas condições, a fixação de um prazo de prescrição de cinco anos para uma infração relativa à sub‑remuneração de trabalhadores destacados não é suscetível de expor o operador económico diligente ao risco de não conseguir dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos em que a Administração tenciona basear a sua decisão de o punir pela prática de tal infração nem ao de não conseguir apresentar a sua causa, incluindo provas, num tribunal.

53.

Resulta de todas as considerações anteriores que há que responder à questão submetida que o artigo 5.o da Diretiva 96/71, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta e à luz do princípio geral do direito da União relativo ao direito a uma boa administração, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê um prazo de prescrição de cinco anos pelo incumprimento das obrigações relativas à remuneração dos trabalhadores destacados.

Quanto às despesas

54.

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

O artigo 5.o da Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e à luz do princípio geral do direito da União relativo ao direito a uma boa administração, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê um prazo de prescrição de cinco anos pelo incumprimento das obrigações relativas à remuneração dos trabalhadores destacados.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.