ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

30 de junho de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito de acesso aos tribunais — Princípio da igualdade de armas — Princípios da equivalência e da efetividade — Processo de execução coerciva de uma decisão jurisdicional que ordena o reembolso de um imposto cobrado em violação do direito da União — Isenção das autoridades públicas de determinadas taxas de justiça — Competência do Tribunal de Justiça»

No processo C‑205/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Judecătoria Sibiu (tribunal de primeira instância de Sibiu, Roménia), por decisão de 17 de fevereiro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de abril de 2015, no processo

Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice Brașov

contra

Vasile Toma,

Biroul Executorului Judecătoresc Horațiu‑Vasile Cruduleci,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

em representação de V. Toma, por D. Târşia, advogada,

em representação do Governo romano, por R. H. Radu, R. Mangu e M. Bejenar, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues, F.‑X. Bréchot e D. Colas, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por L. Nicolae e H. Krämer, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 20.°, 21.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do artigo 4.o, n.o 3, TUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice Brașov (Direção‑Geral Regional das Finanças Públicas de Brașov, Roménia), representada pela Administrația județeană a finanțelor publice Sibiu (Administração Distrital das Finanças Públicas de Sibiu, Roménia) (a seguir «Administração das Finanças Públicas»), a Vasile Toma e ao Biroul Executorului Judecătoresc Horațiu‑Vasile Cruduleci (gabinete do agente de execução Horațiu‑Vasile Cruduleci), a propósito da execução coerciva de uma decisão jurisdicional que ordenou o reembolso de um imposto pago quando do primeiro registo de um veículo na Roménia.

Direito romeno

3

O artigo 16.o da Constituția României (Constituição romena), sob a epígrafe «Igualdade perante a lei», prevê, no seu n.o 1:

«Os cidadãos são iguais perante a lei e as autoridades públicas, sem qualquer privilégio nem discriminação.»

4

O Ordonanță de urgență a Guvernului nr. 50 pentru instituirea taxei pe poluare pentru autovehicule (Despacho urgente do Governo n.o 50, que estabelece o imposto sobre a poluição dos veículos automóveis), de 21 de abril de 2008 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 327, de 25 de abril de 2008, a seguir «OUG n.o 50/2008»), que entrou em vigor em 1 de julho de 2008, instituiu um imposto sobre a poluição para os veículos das categorias M1 a M3 e N1 a N3. A obrigação de pagamento desse imposto constitui‑se, nomeadamente, quando do primeiro registo de um veículo automóvel na Roménia.

5

O artigo 1.o do Ordonanţa de urgenţă a Guvernului nr. 80 privind taxele judiciare de timbru (Despacho urgente do Governo n.o 80, relativo ao imposto de selo judicial), de 26 de junho de 2013 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 392, de 29 de junho de 2013, a seguir «OUG n.o 80/2013»), dispõe:

«1.   As ações e os pedidos submetidos aos órgãos jurisdicionais, assim como os pedidos dirigidos ao Ministério da Justiça e ao Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Cassação e de Justiça, estão sujeitos ao imposto de selo judicial previsto no presente despacho.

2.   O imposto de selo judicial é devido, nas condições previstas no presente despacho urgente, por todas as pessoas singulares e coletivas e representa o pagamento dos serviços prestados pelos órgãos jurisdicionais, assim como pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Cassação e de Justiça.

3.   Nos casos expressamente previstos na lei, as ações e os pedidos submetidos aos órgãos jurisdicionais, assim como os pedidos dirigidos ao Ministério da Justiça e ao Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Cassação e de Justiça, estão isentos do pagamento do imposto de selo judicial.»

6

O artigo 2.o deste despacho prevê:

«Salvo as exceções previstas na lei, o imposto de selo judicial é fixado de modo diferenciado, consoante o objeto [do pedido] possa ou não ser quantificado em dinheiro.»

7

Nos termos do artigo 30.o do referido despacho:

«1.   Estão isentos de imposto de selo judicial as ações e os pedidos, qualquer que seja o seu objeto, incluindo os recursos, que sejam interpostos, em conformidade com a lei, pelo Senado, Câmara dos Deputados, Gabinete do Presidente da Roménia, Governo romeno, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, Conselho Legislativo, Provedor de Justiça, Ministério Público e Ministério das Finanças Públicas, assim como por outras instituições públicas, independentemente da sua qualidade processual, quando tenham por objeto receitas públicas.

2.   Para efeitos do presente despacho de urgência, a categoria de receitas públicas inclui as receitas do orçamento de Estado, do orçamento da Segurança Social do Estado, dos orçamentos locais, dos orçamentos dos fundos especiais, incluindo do fundo do seguro de doença, do orçamento do Tesouro Público, as receitas provenientes dos reembolsos de créditos externos, assim como os juros e comissões associados ao Tesouro Público, e as receitas dos orçamentos das instituições públicas financiadas integral ou parcialmente pelo orçamento de Estado, pelos orçamentos locais, pelo orçamento da Segurança Social do Estado e pelos orçamentos dos fundos especiais, consoante o caso, as receitas do orçamento dos fundos provenientes de créditos externos contraídos ou garantidos pelo Estado e cujo reembolso, juros e outros custos são suportados por fundos públicos, e as receitas do orçamento de fundos externos não reembolsáveis».

8

O Ordonanţa Governului nr. 92 privind Codul de procedură fiscală (Despacho do Governo n.o 92, relativo ao código de processo tributário), de 24 de dezembro de 2003 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 941, de 29 de dezembro de 2003, republicado no Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 513, de 31 de julho de 2007), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código de Processo Tributário»), dispõe no seu artigo 21.o, sob a epígrafe «Créditos fiscais»:

«1.   Os créditos fiscais representam direitos patrimoniais que, por força da lei, resultam das relações do direito fiscal material.

2.   As relações jurídicas previstas no n.o 1 determinam não só o conteúdo como também o montante dos créditos fiscais, que representam direitos determinados que consistem no:

a)

[…] direito à restituição de impostos, taxas, contribuições e outras somas que constituem receitas do orçamento geral consolidado, de acordo com o n.o 4, designados ‘créditos fiscais principais’.

b)

direito à cobrança de juros, penalizações de mora ou majorações de mora, consoante o caso, nas condições previstas na lei, designados ‘créditos fiscais acessórios’.

[…]

4.   Na medida em que se constate que o pagamento de somas correspondentes a impostos, taxas, contribuições e outras receitas do orçamento geral consolidado tenha sido efetuado sem base jurídica, a pessoa que efetuou o pagamento nessas condições tem direito à restituição da soma em causa.»

9

Nos termos do artigo 229.o do Código de Processo Tributário, sob a epígrafe «Isenção das autoridades tributárias do pagamento de impostos»:

«As autoridades tributárias estão isentas de impostos, tarifas, comissões e cauções pelos pedidos, ações e quaisquer outras medidas adotadas pelas mesmas com vista à gestão de créditos tributários, exceto as relativas ao ato administrativo fiscal.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

10

Decorre da decisão de reenvio que, quando do registo, na Roménia, de um veículo anteriormente matriculado noutro Estado‑Membro, Vasile Toma pagou 4121 lei romenos (RON) (cerca de 900 euros) a título de imposto sobre a poluição dos veículos automóveis, nos termos do OUG n.o 50/2008. O Tribunalul Sibiu (tribunal de grande instância de Sibiu, Roménia), por sentença de 16 de outubro de 2012, condenou a Administrația Finanțelor Publice Avrig (Administração das Finanças Públicas de Avrig, Roménia) e a Administrația Fondului pentru Mediu (Administração dos Fundos para o Ambiente, Roménia) à restituição da referida quantia a V. Toma, ao pagamento dos respetivos juros legais e ao reembolso das despesas.

11

A referida sentença transitou em julgado em 22 de outubro de 2013, na sequência da negação de provimento, pelo Curtea de Apel Alba Iulia (Tribunal de Recurso de Alba Iulia, Roménia), ao recurso interposto pelo Serviciul Fiscal Orăşenesc Avrig (serviço tributário de Avrig, Roménia), que sucedeu à Administração das Finanças Públicas de Avrig.

12

Em resposta ao pedido de execução coerciva apresentado por V. Toma contra o serviço tributário da cidade de Avrig e a Administração dos Fundos para o Ambiente, o Judecătoria Sibiu (tribunal de primeira instância de Sibiu, Roménia) ordenou, em 24 de março de 2014, a execução coerciva da obrigação resultante da sentença do Tribunalul Sibiu (tribunal de grande instância de Sibiu) de 16 de outubro de 2012, sendo essa execução acrescida de juros legais calculados a partir de 22 de março de 2012 e até à restituição efetiva das quantias devidas a V. Toma.

13

Por despacho de 10 de abril de 2014, o gabinete do agente de execução Horațiu‑Vasile Cruduleci fixou as despesas da execução coerciva em 765 RON (cerca de 170 euros).

14

A Administração das Finanças Públicas deduziu oposição contra a referida execução coerciva, pedindo também a anulação dos atos de execução já adotados e a suspensão do processo de execução coerciva, sem ter de pagar o selo judicial relativo a essa oposição nem depositar a caução relativa ao seu pedido de suspensão do referido processo de execução.

15

A Administração das Finanças Públicas alegou perante o órgão jurisdicional de reenvio que V. Toma estava obrigado, nos termos da regulamentação nacional em vigor, a apresentar previamente um pedido à Administração Tributária devedora com vista à restituição do imposto indevidamente pago, devendo esse pedido ser decidido no prazo de 45 dias. No caso de essa restituição não ocorrer, por insuficiência de fundos, a Administração competente beneficia de um prazo suplementar de seis meses para efetuar as diligências necessárias ao cumprimento da sua obrigação de pagamento. V. Toma só teria o direito de recorrer aos órgãos jurisdicionais competentes em matéria de execução no caso de a questão não ser tratada nos referidos prazos.

16

Tendo em conta o risco de a referida restituição ocorrer num procedimento que, segundo a Administração das Finanças Públicas, também é ilegal devido à existência de disposições especiais que preveem um procedimento de restituição dos impostos indevidamente cobrados através de um pagamento faseado em cinco anos, devendo todas as execuções coercivas ser suspensas de pleno direito durante esse período, a referida Administração requereu a suspensão do processo de execução iniciado.

17

V. Toma considera que a oposição deduzida contra a execução coerciva ordenada deve ser indeferida e que, em qualquer caso, a Administração das Finanças Públicas deve pagar o imposto de selo relativo à sua oposição a esta execução coerciva e depositar a caução referente ao pedido de suspensão do processo de execução coerciva. Uma vez que a regulamentação em causa institui uma discriminação entre pessoas de direito privado, que estão obrigadas a pagar essas taxas de justiça, e as pessoas de direito público que, como a referida Administração, estão isentas, não é compatível com o direito da União.

18

O órgão jurisdicional de reenvio, que entende que há efetivamente um tratamento desigual entre as pessoas de direito privado e as pessoas de direito público no que se refere ao pagamento de determinadas taxas de justiça nos processos de execução coerciva relativos a receitas públicas, questiona‑se quanto à compatibilidade dessa diferença de tratamento com o direito da União, na medida em que facilita o acesso à justiça destas últimas pessoas relativamente às primeiras.

19

Nestas circunstâncias, o Judecătoria Sibiu (Tribunal de primeira instância de Sibiu) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Podem o artigo 4.o, n.o 3, TUE, e os artigos 20.°, 21.° e 47.° da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma [regulamentação,] como o artigo 16.o da Constituição [romena] e o artigo 30.o do [OUG] n.o 80/2013, que consagra a igualdade perante a lei apenas entre os cidadãos pessoas singulares e não entre estes e as pessoas coletivas de direito público, e que isenta, à partida, as pessoas coletivas de direito público do pagamento do imposto [de] selo e da caução para o acesso à justiça, condicionando o acesso à justiça das pessoas singulares ao pagamento de imposto [de] selo [e de] cauções?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

20

Os Governos romeno, espanhol, francês e polaco alegam que o Tribunal de Justiça não é competente para responder à questão submetida, dado que a situação jurídica que deu origem ao processo principal não está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União. O Governo espanhol recorda, por outro lado, que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar a relação existente entre as disposições do direito da União cuja interpretação é pedida e a situação em causa no processo principal.

21

A este respeito, há que salientar que a questão submetida diz respeito ao artigo 4.o, n.o 3, TUE, que enuncia o princípio da cooperação leal, segundo o qual os Estados‑Membros tomarão todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes de atos das instituições da União Europeia (acórdão de 12 de abril de 2011, DHL Express France, C‑235/09, EU:C:2011:238, n.o 58, e parecer 2/13, de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 173), bem como a várias disposições da Carta.

22

No que se refere às disposições da Carta, cabe recordar que, no âmbito de um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça só pode interpretar o direito da União nos limites das competências que lhe são atribuídas (acórdão de 27 de março de 2014, Torralbo Marcos, C‑265/13, EU:C:2014:187, n.o 27 e jurisprudência referida).

23

Ora, o âmbito de aplicação da Carta, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, está definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União, sendo que esta disposição confirma a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações (acórdãos de 27 de março de 2014, Torralbo Marcos, C‑265/13, EU:C:2014:187, n.os 28 e 29, e de 6 de outubro de 2015, Delvigne, C‑650/13, EU:C:2015:648, n.os 25 e 26).

24

Assim, quando uma situação jurídica não está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, o Tribunal de Justiça não tem competência para dela conhecer e as disposições da Carta eventualmente invocadas não podem, só por si, fundamentar essa competência (v. acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 22; de 27 de março de 2014, Torralbo Marcos, C‑265/13, EU:C:2014:187, n.os 30 e jurisprudência referida; e 6 de outubro de 2015, Delvigne, C‑650/13, EU:C:2015:648, n.o 27).

25

Importa, por conseguinte, apreciar a questão de saber se a situação jurídica que deu origem ao processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.

26

A este respeito, resulta das informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o objeto do processo principal se refere à execução coerciva de uma decisão jurisdicional relativa ao reembolso do imposto sobre a poluição dos veículos automóveis indevidamente cobrado pelas autoridades públicas quando do primeiro registo, na Roménia, de um veículo pertencente a V. Toma e registado anteriormente noutro Estado‑Membro.

27

Neste contexto, há que recordar que, nos acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu (C‑402/09, EU:C:2011:219), e de 7 de julho de 2011, Nisipeanu (C‑263/10, não publicado, EU:C:2011:466), o Tribunal de Justiça declarou que um imposto como o imposto sobre a poluição dos veículos automóveis, exigível por força do OUG n.o 50/2008, não é compatível com o artigo 110.o TFUE em todas as suas formas.

28

Assim, na medida em que o objeto do litígio no processo principal diz respeito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do artigo 110.o TFUE e que os Estados‑Membros estão obrigados, por aplicação do princípio da cooperação leal, a reembolsar esse imposto e os respetivos juros, garantindo a proteção efetiva do direito do particular ao reembolso (v., por analogia, acórdãos de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.os 35 e 36, e de 12 de dezembro de 2013, Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation, C‑362/12, EU:C:2013:834, n.o 31), há que considerar que a situação jurídica em causa no litígio no processo principal constitui uma aplicação do direito da União e está abrangida pelo âmbito de aplicação deste último.

29

Nestas circunstâncias, há que declarar que o Tribunal de Justiça é competente para responder à questão submetida.

Quanto ao mérito

30

A título preliminar, importa recordar que, no âmbito do procedimento de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe, sendo esse o caso, ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe são submetidas (acórdão de 17 de dezembro de 2015, Viamar, C‑402/14, EU:C:2015:830, n.o 29 e jurisprudência referida).

31

A este respeito, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio expressa dúvidas, no âmbito de um processo de execução coerciva de uma decisão jurisdicional relativa ao reembolso de um imposto cobrado em violação do direito da União, quanto à compatibilidade com este direito de disposições como o artigo 30.o do OUG n.o 80/2013 e o artigo 229.o do Código de Processo Tributário, que, segundo esse órgão jurisdicional, constituem uma expressão concreta do princípio da igualdade, consagrado no artigo 16.o da Constituição romena, e que preveem a isenção de pagamento do imposto de selo judicial e do depósito de caução aplicáveis aos pedidos apresentados pelas autoridades públicas, ao passo que os que são apresentados por pessoas singulares não estão, em princípio, isentos.

32

Importa recordar neste contexto, em primeiro lugar, que o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das regras de direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições do direito da União que proíbem esses impostos, tal como foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Os Estados‑Membros estão assim, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados em violação do direito da União com juros (v., neste sentido, acórdãos de 14 de abril de 2015, Manea, C‑76/14, EU:C:2015:216, n.o 45, e de 6 de outubro de 2015, Târșia, C‑69/14, EU:C:2015:662, n.os 24 e 25).

33

Na falta de regulamentação da União em matéria de restituição de impostos nacionais indevidamente cobrados, cabe a cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual, designar os tribunais competentes e regular as formas processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos contribuintes pelo direito da União (v., designadamente, acórdão de 6 de outubro de 2015, Târșia, C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 26 e jurisprudência referida).

34

As formas processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos contribuintes pelo direito da União não podem ser menos favoráveis do que as das ações semelhantes de direito interno (princípio da equivalência), nem estruturadas de modo a impossibilitar na prática ou a dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade) (v., designadamente, acórdão de 6 de outubro de 2015, Târșia, C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 27 e jurisprudência referida).

35

Em segundo lugar, no que respeita aos artigos 20.°, 21.° e 47.° da Carta, aos quais o órgão jurisdicional de reenvio faz referência na sua questão, deve salientar‑se que essas disposições consagram, respetivamente, os princípios da igualdade perante a lei, da não discriminação e da proteção jurisdicional efetiva.

36

Ora, o Tribunal de Justiça já precisou que o artigo 47.o da Carta inclui, enquanto parte do princípio da proteção jurisdicional efetiva, o princípio da igualdade de armas ou da igualdade processual (v., neste sentido, acórdão de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e abril García, C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 48). Uma vez que este último princípio constitui uma expressão concreta do princípio geral da igualdade perante a lei que figura no artigo 20.o da Carta, há que apreciar as questões do órgão jurisdicional de reenvio expostas no n.o 31 do presente acórdão designadamente sob o prisma do referido artigo 47.o

37

Ora, no que se refere ao artigo 21.o da Carta, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não expõe os motivos pelos quais se interroga sobre a interpretação desta disposição de forma distinta da interpretação do artigo 20.o da Carta nem o nexo que estabelece entre o artigo 21.o e a regulamentação nacional aplicável ao litígio no processo principal, e como tal não permite compreender os motivos pelos quais expressa dúvidas quanto à compatibilidade de uma regulamentação como a que está em causa no processo principal com o referido artigo 21.o

38

Tendo em conta estas considerações preliminares, há que entender a questão prejudicial no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 47.o da Carta e os princípios da equivalência e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, que isenta as pessoas coletivas de direito público de imposto de selo judicial, quando deduzem oposição à execução coerciva de uma decisão jurisdicional relativa ao reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União e as isenta da obrigação de depositar a caução prevista quando da apresentação do pedido de suspensão desse processo de execução coerciva, ao passo que os pedidos apresentados por pessoas singulares e coletivas de direito privado no âmbito desses processos continuam, em princípio, sujeitos a taxas de justiça.

39

Uma vez que a questão prejudicial se insere, designadamente, no contexto da proteção jurisdicional efetiva, na medida em que diz respeito a uma regulamentação nacional que prevê isenções de determinadas taxas de justiça a favor de determinadas categorias de pessoas, há que apreciar, em primeiro lugar, a compatibilidade de uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, com o artigo 47.o da Carta, que consagra o direito a essa proteção (v., neste sentido, acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB, C‑279/09, EU:C:2010:811, n.o 29).

40

A este propósito, resulta das anotações ao artigo 47.o da Carta, que, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e do artigo 52.o, n.o 7, da Carta, devem ser tomadas em consideração para efeitos da sua interpretação, que o primeiro e segundo parágrafos do artigo 47.o correspondem ao artigo 6.o, n.o 1, e ao artigo 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

41

O artigo 52.o, n.o 3, da Carta precisa que, na medida em que contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Segundo as anotações relativas a esta disposição, o sentido e o âmbito dos direitos garantidos são determinados não apenas pelo texto da CEDH, mas também, designadamente, pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, à luz da qual deve ser interpretado o artigo 47.o da Carta (v., neste sentido, acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB, C‑279/09, EU:C:2010:811, n.os 35, 37 e jurisprudência referida).

42

No que se refere ao conteúdo desse artigo 47.o, o Tribunal de Justiça já declarou que o princípio da proteção jurisdicional efetiva que figura nessa disposição é constituído por diversos elementos, que incluem, nomeadamente, o princípio da igualdade de armas e o direito de acesso aos tribunais (v., neste sentido, acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.o 48).

43

Quanto ao direito de acesso aos tribunais, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já declarou que esse direito, na aceção do artigo 6.o da CEDH, seria ilusório se a ordem jurídica de um Estado contratante permitisse que uma decisão judicial definitiva e obrigatória permanecesse inoperante em detrimento de uma das partes, devendo assim a execução de uma sentença ser considerada parte integrante do «processo», na aceção deste artigo 6.o (TEDH, 7 de maio de 2002, Bourdov c. Rússia, CE:ECHR:2002:0507JUD005949800, § 34, e TEDH, 6 de setembro de 2005, Săcăleanu c. Roménia, CE:ECHR:2005:0906JUD007397001, § 55).

44

Como tal, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que o direito de acesso aos tribunais não é um direito absoluto e, portanto, pode comportar restrições proporcionadas que prossigam um objetivo legítimo e não prejudiquem a essência desse direito, incluindo limitações relativas ao pagamento das taxas de justiça (v., neste sentido, acórdãos de 22 de dezembro de 2010, DEB, C‑279/09, EU:C:2010:811, n.os 45, 52 e 60, e de 6 de outubro de 2015, Orizzonte Salute, C‑61/14, EU:C:2015:655, n.os 72 e 79, e TEDH, 8 de junho de 2006, V. M. c. Bulgária, CE:ECHR:2006:0608JUD004572399, §§ 41, 42 e jurisprudência referida).

45

No caso vertente, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não fornece elementos que permitam considerar que, no processo principal, o acesso de V. Toma a um tribunal foi limitado de forma desproporcionada devido à obrigação de pagamento de taxas de justiça muito elevadas relativas quer ao processo no âmbito do qual o interessado obteve a decisão jurisdicional que lhe reconheceu o direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do direito da União, quer ao processo de execução coerciva referente a essa decisão, ou pelo facto de lhe ter sido indevidamente recusado apoio judiciário.

46

Nestas circunstâncias, há que apreciar a questão de saber se uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, que cria, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, um desequilíbrio entre as pessoas coletivas de direito público e as pessoas singulares e coletivas de direito privado num processo como o que está em causa no processo principal, sem contudo limitar de forma desproporcionada o acesso aos tribunais destas últimas pessoas, responde às exigências do artigo 47.o da Carta.

47

A este respeito, recorde‑se que o princípio da igualdade de armas é um corolário do próprio conceito de processo equitativo, que implica a obrigação de oferecer a cada parte uma possibilidade razoável de apresentar a sua causa, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário, sendo que o desequilíbrio provocado pelo prejuízo deve ser, em princípio, provado por quem o sofre (v., neste sentido, acórdãos de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.os 71 e 72, e de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e abril García, C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 49).

48

É certo que uma regulamentação que isenta as pessoas coletivas de direito público do pagamento de determinadas taxas de justiça, ao passo que, a priori, as pessoas singulares não beneficiam dessa isenção, estabelece uma distinção entre estas pessoas no que se refere ao tratamento processual dos seus pedidos deduzidos no âmbito de um processo como o que está em causa no processo principal. Como tal, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 47 do presente acórdão, há ainda que verificar se essa regulamentação coloca uma pessoa como V. Toma numa situação de inferioridade relativamente ao seu adversário, no que se refere à proteção jurisdicional dos direitos que essa pessoa pode invocar por força do direito da União e se, desse modo, prejudica o caráter equitativo desse processo.

49

Neste contexto, há que salientar, em primeiro lugar, que as taxas de justiça contribuem, em princípio, para o bom funcionamento do sistema jurisdicional, na medida em que constituem uma fonte de financiamento da atividade judiciária dos Estados‑Membros (acórdão de 6 de outubro de 2015, Orizzonte Salute, C‑61/14, EU:C:2015:655, n.o 73). Conforme decorre do artigo 1.o, n.o 2, do OUG n.o 80/2013, e como confirmado pelo Governo romeno nas suas observações escritas, é esse o objetivo do imposto de selo judicial visado pela isenção prevista no artigo 30.o desse despacho, contribuindo esse imposto de selo para o financiamento dos serviços prestados pelos órgãos jurisdicionais.

50

Atendendo a este objetivo, há que observar, à semelhança dos Governos romeno, espanhol, francês, polaco e da Comissão Europeia, que a isenção do imposto de selo judicial de que beneficiam as pessoas coletivas de direito público, em processos como o que está em causa no processo principal, não atribui, por si só, uma vantagem processual a essas pessoas coletivas, na medida em que, como expôs o Governo romeno, o pagamento desse imposto de selo por essas pessoas é efetuado a expensas do orçamento nacional consolidado, que também financia os serviços prestados pelos órgãos jurisdicionais.

51

Em segundo lugar, quanto à isenção de depósito de uma caução exigida quando da apresentação do pedido de suspensão de um processo de execução coerciva relativa a créditos fiscais, como a prevista no artigo 229.o do Código de Processo Tributário, esta caução constitui, segundo o Governo romeno, uma garantia para o credor que intentou o processo de execução coerciva, uma vez que há o risco de esta última ser interrompida por um pedido de suspensão apresentado por um devedor que se pode encontrar, depois, impossibilitado de saldar a sua dívida devido à sua insolvência ou declaração de falência.

52

Ora, conforme decorre do n.o 32 do presente acórdão, os Estados‑Membros estão obrigados, por força do direito da União, a reembolsar com juros os impostos cobrados em violação do direito da União. Assim, não se pode admitir que um Estado‑Membro, na sua qualidade de devedor num litígio como o que está em causa no processo principal, possa invocar a insuficiência de fundos para justificar a impossibilidade de executar uma decisão jurisdicional que reconhece a um particular o direito ao reembolso, com juros, de impostos cobrados em violação do direito da União.

53

Na medida em que o risco coberto pela caução não se pode verificar num processo como o do litígio no processo principal, a isenção prevista no artigo 229.o do Código de Processo Tributário não pode, por conseguinte, enfraquecer a posição de uma pessoa como V. Toma relativamente ao seu adversário.

54

Assim, há que considerar que uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, na medida em que se limita a isentar, a priori, as pessoas coletivas de direito público do pagamento de determinadas taxas de justiça nos processos de execução coerciva de decisões judiciais relativas ao reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União, sujeitando, em princípio, os pedidos apresentados por pessoas singulares e coletivas de direito privado nesses processos ao pagamento dessas taxas, não coloca estas últimas numa situação de clara desvantagem relativamente aos seus adversários e não põe, assim, em causa o caráter equitativo desse processo.

55

Esta interpretação do artigo 47.o da Carta encontra apoio na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH. Com efeito, uma regulamentação como a que está em causa no processo principal deve distinguir‑se da que o referido tribunal considerou incompatível com as exigências do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH no processo que deu origem ao acórdão do TEDH de 6 de abril de 2006, Stankiewicz c. Polónia (CE:ECHR:2006:0406JUD004691799).

56

A regulamentação em causa no referido processo não só isentava o Ministério Público de taxas de justiça, situação que podia, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, justificar‑se pela proteção da ordem pública, mas tinha também por efeito obrigar os privados a suportar todas as suas despesas processuais, colocando‑os assim numa posição indevidamente desfavorável relativamente ao seu adversário (TEDH, 6 de abril de 2006, Stankiewicz c. Polónia, CE:ECHR:2006:0406JUD004691799, §§ 68 e 69). Ora, uma regulamentação como a que está em causa no presente processo principal não produz esse efeito.

57

Em segundo lugar, no que se refere ao respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, há que observar que nenhum elemento dos autos no Tribunal de Justiça permite concluir que a regulamentação em causa no processo principal se aplica de forma diferente aos litígios baseados na violação do direito da União e aos que, sendo semelhantes, se baseiam numa violação do direito nacional, violando assim o princípio da equivalência (v., relativamente ao conteúdo deste último princípio, acórdãos de 12 de fevereiro de 2015, Surgicare, C‑662/13, EU:C:2015:89, n.o 30 e jurisprudência referida, e de 6 de outubro de 2015, Târșia, C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 32).

58

O mesmo é valido no que respeita ao princípio da efetividade, uma vez não se afigura que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, na medida em que não isenta os particulares que invocam os direitos que derivam do ordenamento jurídico da União de taxas como as que estão em causa no processo principal, em processos de execução coerciva relativos a receitas públicas, torne, por si só, o exercício desses direitos impossível ou excessivamente difícil.

59

Resulta das considerações precedentes que o artigo 47.o da Carta e os princípios da equivalência e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, que isenta as pessoas coletivas de direito público do pagamento do imposto de selo judicial quando deduzem oposição à execução coerciva de uma decisão jurisdicional relativa ao reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União e as isenta da obrigação de depositar uma caução quando da apresentação do pedido de suspensão desse processo de execução coerciva, ao passo que os pedidos apresentados por pessoas singulares e coletivas de direito privado no âmbito desses processos continuam, em princípio, sujeitos a taxas de justiça.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e os princípios da equivalência e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, que isenta as pessoas coletivas de direito público do pagamento do imposto de selo judicial quando deduzem oposição à execução coerciva de uma decisão jurisdicional relativa ao reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União e as isenta da obrigação de depositar uma caução quando da apresentação do pedido de suspensão desse processo de execução coerciva, ao passo que os pedidos apresentados por pessoas singulares e coletivas de direito privado no âmbito desses processos continuam, em princípio, sujeitos a taxas de justiça.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.