ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

11 de fevereiro de 2015 ( *1 )

«Ambiente — Diretiva 85/337/CEE — Avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente — Projetos que devem ou não ser objeto de avaliação — Perfurações exploratórias — Anexo I, n.o 14 — Conceito de ‘extração de petróleo e gás natural para fins comerciais’ — Obrigação de avaliação da extração de uma certa quantidade de gás — Anexo II, n.o 2, alínea d) — Conceito de ‘perfurações em profundidade’ — Anexo III, n.o 1 — Conceito de ‘efeito cumulativo com outros projetos’»

No processo C‑531/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria), por decisão de 11 de setembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de outubro de 2013, no processo

Marktgemeinde Straßwalchen e o.

contra

Bundesminister für Wirtschaft, Familie und Jugend,

estando presentes:

Rohöl‑Aufsuchungs AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Segunda Secção, J.‑C. Bonichot (relator), A. Arabadjiev e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de setembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Marktgemeinde Straßwalchen e o., por G. Lebitsch, Rechtsanwalt,

em representação da Rohöl‑Aufsuchungs AG, por C. Onz, Rechtsanwalt, assistido por H.‑J. Handler,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer e M. Lais, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, A. Lippstreu e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, D. Krawczyk e M. Rzotkiewicz, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Wilms e C. Hermes, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 9 de outubro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do n.o 14 do anexo I da Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), conforme alterada pela Diretiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009 (JO L 140, p. 114, a seguir «Diretiva 85/337»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Marktgemeinde Straßwalchen (município de Straßwalchen) e outros 59 recorrentes no processo principal ao Bundesminister für Wirtschaft, Familie und Jugend (Ministro Federal da Economia, do Ambiente e da Juventude), a respeito de uma decisão que licencia a realização de uma perfuração exploratória por parte da Rohöl‑Aufsuchungs AG no território do Marktgemeinde Straßwalchen.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 85/337 tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo do disposto no n.o 3 do artigo 2.o, os projetos incluídos no anexo I serão submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.° a 10.°

2.   Sem prejuízo do disposto no n.o 3 do artigo 2.o, os Estados‑Membros determinarão, relativamente aos projetos incluídos no anexo II:

a)

Com base numa análise caso a caso;

ou

b)

Com base nos limiares ou critérios por eles fixados;

se o projeto deve ser submetido a uma avaliação nos termos dos artigos 5.° a 10.°

Os Estados‑Membros podem decidir aplicar os dois procedimentos referidos nas alíneas a) e b).»

4

O anexo I da Diretiva 85/337, intitulado «Projetos abrangidos pelo n.o 1 do artigo 4.o», dispõe no seu n.o 14:

«Extração de petróleo e de gás natural para fins comerciais, quando a quantidade extraída for superior a 500 toneladas por dia, no caso do petróleo, e a 500 000 metros cúbicos por dia, no caso do gás.»

5

O anexo II da Diretiva 85/337, intitulado «Projetos abrangidos pelo n.o 2 do artigo 4.o», dispõe no seu n.o 2, alínea d):

«Indústria extrativa

[…]

d)

Perfurações em profundidade, nomeadamente:

perfurações geotérmicas,

perfurações para armazenagem de resíduos nucleares,

perfurações para o abastecimento de água,

com exceção das perfurações para estudar a estabilidade dos solos.»

6

O anexo III da Diretiva 85/337, com a epígrafe «Critérios de seleção referidos no n.o 3 do artigo 4.o», tem a seguinte redação:

«1. Características dos projetos

As características dos projetos devem ser consideradas especialmente em relação aos seguintes aspetos:

dimensão do projeto,

efeitos cumulativos relativamente a outros projetos,

utilização dos recursos naturais,

produção de resíduos,

poluição e incómodos causados,

risco de acidentes, atendendo sobretudo às substâncias ou tecnologias utilizadas.

2. Localização dos projetos

Deve ser considerada a sensibilidade ambiental das zonas geográficas suscetíveis de serem afetadas pelos projetos, tendo nomeadamente em conta:

a afetação do uso do solo,

a riqueza relativa, a qualidade e a capacidade de regeneração dos recursos naturais da zona,

a capacidade de absorção do ambiente natural, com especial atenção para as seguintes zonas:

a)

zonas húmidas,

b)

zonas costeiras,

c)

zonas montanhosas e florestais,

d)

reservas e parques naturais,

e)

zonas classificadas ou protegidas pela legislação dos Estados‑Membros; zonas de proteção especial designadas pelos Estados‑Membros, nos termos das Diretivas 79/409/CEE e 92/43/CEE,

f)

zonas nas quais as normas de qualidade ambiental fixadas pela legislação comunitária já foram ultrapassadas,

g)

zonas de forte densidade demográfica,

h)

paisagens importantes do ponto de vista histórico, cultural ou arqueológico.

3.   Características do impacte potencial

Os potenciais impactes significativos dos projetos deverão ser considerados em relação aos critérios definidos nos pontos 1 e 2 supra, atendendo especialmente à:

extensão do impacte (área geográfica e dimensão da população afetada),

natureza transfronteiriça do impacte,

magnitude e complexidade do impacte,

probabilidade do impacte,

duração, frequência e reversibilidade do impacte.»

Direito austríaco

7

O anexo 1 da Lei de 2000 relativa à avaliação do impacto no ambiente (Umweltverträglichkeitsprüfungsgesetz 2000, BGBl. 697/1993), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (BGBl. I, 87/2009, a seguir «UVP‑G»), tem a seguinte redação:

«O anexo enumera os projetos que exigem uma avaliação do impacto no ambiente nos termos do § 3.

Nas colunas 1 e 2 figuram os projetos que exigem sempre uma avaliação do impacto no ambiente e que devem ser submetidos a um processo de avaliação do impacto no ambiente (coluna 1) ou a um processo simplificado (coluna 2). Nas circunstâncias de alteração referidas no anexo I, deve ser efetuada uma avaliação caso a caso a partir dos limites referidos; caso contrário, aplica‑se o § 3a, n.os 2 e 3, a não ser que se trate expressa e unicamente de uma instalação de raiz, construção de raiz ou exploração de raiz.

A coluna 3 enumera os projetos que apenas exigem uma avaliação do impacto no ambiente em condições especiais. Esses projetos deverão ser objeto de uma avaliação caso a caso a partir dos limites mínimos indicados. Se essa avaliação caso a caso concluir que é obrigatório realizar uma avaliação do impacto no ambiente, deve aplicar‑se o processo simplificado.

As categorias de zonas de proteção referidas na coluna 3 são definidas no anexo 2. As zonas das categorias A, C, D e E, todavia, apenas devem ser consideradas para efeitos de exigência de uma avaliação do impacto no ambiente de um projeto se, à data do requerimento da licença, estiverem identificadas como tal.

[...]

Avaliação do Impacto no Ambiente (AIA)

AIA segundo o processo simplificado

Coluna 1

Coluna 2

Coluna 3

29

a) Extração de petróleo ou gás natural com uma capacidade mínima de 500 toneladas por dia e por poço de extração no caso do petróleo e de 500 000 m3 por dia e por poço de extração no caso do gás natural;

b) […]

 

c) Extração de petróleo ou gás natural em zonas de proteção da categoria A com uma capacidade mínima de 250 toneladas por dia e por poço de extração no caso do petróleo e de 250 000 m3 por dia e por poço de extração no caso do gás natural;

d) […]

(quantidades e volumes indicados à pressão atmosférica.)»

8

O § 1 da Lei de 1999 dos recursos minerais (Mineralrohstoffgesetz 1999, BGBl. I, 38/1999), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (BGBl. I, 111/2010, a seguir «MinroG»), prevê:

«Para efeitos da presente lei federal entende‑se por:

1.

‘prospeção’ qualquer sondagem direta e indireta de matérias‑primas minerais, incluindo os respetivos trabalhos de preparação, bem como a exploração e o estudo de reservas naturais de matérias‑primas minerais e de aterros abandonados contendo tais reservas com vista a determinar a viabilidade da sua extração.

2.

‘extração’ a separação ou libertação (remoção) de matérias‑primas minerais e as respetivas atividades de preparação, acompanhamento e seguimento;

[...]»

9

O § 119 da MinroG, com a epígrafe «Licenciamento de instalações mineiras», prevê no seu n.o 1:

«A abertura (construção) de instalações mineiras à superfície, bem como de galerias, poços e perfurações a partir de 300 metros de profundidade e poços de extração a partir de 300 metros de profundidade para efeitos de exploração mineira a partir da superfície está sujeita ao licenciamento pelas autoridades. [...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

O Bundesminister für Wirtschaft, Familie und Jugend, por decisão de 29 de agosto de 2011, concedeu à Rohöl‑Aufsuchungs AG, nos termos do § 119 da MinroG, uma licença para realizar uma perfuração exploratória no território do Marktgemeinde Straßwalchen, até uma profundidade de 4150 metros, sem avaliação do impacto no ambiente. Esta decisão foi objeto de recurso para o Verwaltungsgerichtshof, interposto pelo Marktgemeinde Straßwalchen e por outras 59 pessoas.

11

Resulta da decisão de reenvio que a licença controvertida diz respeito a vários trabalhos e atividades, designadamente a execução dos trabalhos necessários à instalação do poço e, em caso de insucesso da exploração, a recuperação da área.

12

A Rohöl Aufsuchungs AG obteve, em caso de descoberta de hidrocarbonetos, autorização para extrair, a título experimental, gás natural num volume até 1000000 m3, para comprovar a viabilidade económica do poço. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, está prevista a extração de 150000 m3 a 250 000 m3 de gás por dia e, igualmente, até um máximo de 150 m3 de petróleo ou 18 900 m3 de gás natural associado por dia. Os hidrocarbonetos extraídos serão depois queimados junto do local de perfuração. Não está prevista a ligação a um gasoduto de alta pressão.

13

Os recorrentes no processo principal contestam a validade da licença em causa, nomeadamente porque a perfuração exploratória devia ter sido sujeita a uma avaliação do impacto no ambiente, nos termos do n.o 14 do anexo I da Diretiva 85/337, que prevê que a extração de petróleo e de gás natural deve ser sujeita a uma avaliação do impacto no ambiente quando, por um lado, ocorre «para fins comerciais» e, por outro, as quantidades extraídas forem superiores aos limites indicados na diretiva.

14

Em primeiro lugar, órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se uma perfuração exploratória ocorre «para fins comerciais» uma vez que apenas visa verificar a viabilidade económica de uma jazida. Por outro lado, considera que o volume total de hidrocarbonetos a extrair neste âmbito é relativamente restrito, uma vez que a quantidade de gás natural cuja extração foi licenciada no caso em apreço está limitada a um volume equivalente a apenas duas vezes o limite diário previsto no n.o 14 do anexo I da Diretiva 85/337.

15

Em segundo lugar, o Verwaltungsgerichtshof salienta que, embora se admita que as perfurações exploratórias prossigam fins comerciais na aceção do anexo I da Diretiva 85/337, as quantidades de hidrocarbonetos cuja extração foi prevista situam‑se aquém dos limites fixados pela UVP‑G a partir dos quais um projeto exige uma avaliação do impacto no ambiente. Com efeito, a licença em causa não tem em conta os hidrocarbonetos extraídos no âmbito de outros poços na região, baseando‑se unicamente na perfuração exploratória visada pelo pedido da Rohöl‑Aufsuchungs AG.

16

O Verwaltungsgerichtshof indica que esta abordagem é conforme com o direito austríaco, uma vez que o n.o 29, alínea a), do anexo 1 da UVP‑G precisa que há que ter em contas as quantidades de petróleo e de gás natural extraídas «por poço» para apreciar se é preciso proceder a uma avaliação do impacto no ambiente. Contudo, uma vez que o n.o 14 do anexo I da Diretiva 85/337 não contém essa precisão, importa perguntar se a referida disposição foi corretamente transposta pelo legislador austríaco.

17

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se as autoridades austríacas tinham a obrigação de tomar em consideração, no momento do licenciamento da perfuração exploratória em causa, os efeitos cumulativos do conjunto de projetos da «mesma natureza». Salienta que, no território do Marktgemeinde Straßwalchen, existem cerca de 30 poços de extração de gás natural que não foram tomados em consideração pelo Bundesminister für Wirtschaft, Familie und Jugend na decisão controvertida ao passo que decorre dos acórdãos Umweltanwalt von Kärnten (C‑205/08, EU:C:2009:767, n.o 53) e Brussels Hoofdstedelijk Gewest e o. (C‑275/09, EU:C:2011:154, n.o 36) que o objetivo da Diretiva 85/337 não pode ser desvirtuado pelo fracionamento de projetos.

18

À luz destas considerações, o Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Poderá uma extração experimental de gás natural, limitada no tempo e em quantidade, realizada no âmbito da abertura de um poço de exploração para estudar a viabilidade económica da extração permanente de gás natural ser considerada uma ‘extração de [...] gás natural para fins comerciais’ nos termos do [a]nexo I, n.o 14, da Diretiva 85/337[…]?

Caso a resposta à primeira questão [prejudicial] seja afirmativa:

2)

O [a]nexo I, n.o 14, da Diretiva 85/337 opõe‑se a uma disposição do direito nacional que associa os limites aplicáveis à extração de gás natural referidos no [a]nexo I, n.o 14, da Diretiva 85/337 não à extração propriamente dita, mas à ‘quantidade extraída por poço de exploração’?

3)

Deve a Diretiva 85/337 ser interpretada no sentido de que a autoridade, quando confrontada com uma situação como a do processo principal, em que a licença para a extração experimental de gás natural é requerida no âmbito de uma perfuração exploratória, deve analisar o efeito cumulativo de todos os projetos de natureza semelhante, designadamente de todos os poços explorados no território da autarquia, para determinar se existe uma obrigação de realizar um estudo de impacto [no ambiente]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

19

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em substância, se o n.o 14 do anexo I da Diretiva 85/337 deve ser interpretado no sentido de que uma perfuração exploratória, como a que está em causa no processo principal, no âmbito da qual está prevista uma extração experimental de gás natural e de petróleo a fim de determinar a viabilidade comercial de uma jazida, está abrangida pelo âmbito de aplicação desta disposição.

20

A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 85/337, e sem prejuízo do seu artigo 2.o, n.o 3, os projetos enumerados no anexo I desta diretiva estão sujeitos a avaliação do impacto no ambiente. Assim, em conformidade com o n.o 14 do anexo I da referida diretiva, a extração de petróleo e de gás natural para fins comerciais deve estar sujeita à referida avaliação sempre que as quantidades extraídas ultrapassarem 500 toneladas de petróleo e 500 000 m3 de gás diariamente.

21

Importa igualmente recordar que decorre dos requisitos da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido (v. acórdão Edwards e Pallikaropoulos, C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 29).

22

É verdade que uma perfuração exploratória realizada com vista a verificar a possibilidade de exploração e consequentemente a viabilidade económica de uma jazida é, por definição, uma operação efetuada para fins comerciais. Só seria de outra forma, como salientou a advogada‑geral no n.o 26 das suas conclusões, no caso de uma perfuração que servisse unicamente fins de investigação científica e não a preparação de uma atividade económica.

23

Todavia, resulta do contexto e do objetivo do n.o 14 do anexo I da Diretiva 85/337 que o âmbito de aplicação desta disposição não se estende às perfurações exploratórias. Com efeito, a referida disposição faz depender a obrigação de realizar uma avaliação do impacto no ambiente das quantidades de petróleo e de gás natural cuja extração é projetada. Para esse efeito, prevê limites que devem ser ultrapassados diariamente, o que indica que visa projetos com uma certa duração que permitam a extração contínua de quantidades relativamente importantes de hidrocarbonetos.

24

A este respeito, importa salientar que a mera aplicação dos critérios previstos no n.o 14 do anexo I da Diretiva 85/337 a perfurações exploratórias faria pouco sentido, uma vez que o limite que esta disposição prevê para a extração de petróleo é de 500 toneladas diárias e para a extração de gás natural de 500000 m3 diários, enquanto, como mostra a decisão recorrida no processo principal, que licenciou a extração de uma quantidade total de apenas um milhão de m3 de gás natural, o limite atribuído a uma perfuração exploratória não tem comparação com tal limite.

25

Por outro lado, resulta das explicações fornecidas na decisão de reenvio e na audiência que, antes de uma perfuração exploratória, a existência efetiva de hidrocarbonetos não pode ser determinada com certeza. Essa perfuração é efetuada a fim de provar a existência de hidrocarbonetos e, caso se justifique, determinar a sua quantidade e verificar se, através de uma extração experimental, se pode ou não proceder à sua exploração comercial. Assim, apenas através de uma perfuração exploratória pode ser determinada a quantidade de hidrocarbonetos passível de ser extraída diariamente. Por outro lado, a quantidade de hidrocarbonetos cuja extração é pretendida no âmbito dessa extração experimental, bem como a sua duração, estão limitadas às necessidades técnicas resultantes do objetivo de demonstrar a possibilidade de exploração de uma jazida.

26

Por outro lado, esta interpretação é corroborada pela sistemática da Diretiva 85/337. Com efeito, o n.o 2, alínea d), do anexo II desta é suscetível de aplicação às perfurações exploratórias, pelo que as perfurações exploratórias, no seu conjunto, não ficam excluídas à partida do âmbito de aplicação desta diretiva.

27

A propósito, importa recordar que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 85/337, os Estados‑Membros determinam, com base numa análise caso a caso ou com base nos limiares ou critérios por eles fixados, se os projetos abrangidos pelo anexo II desta diretiva devem ser submetidos a uma avaliação do impacto no ambiente.

28

Figuram entre estes projetos, no n.o 2, alínea d), deste anexo, as perfurações em profundidade, nomeadamente, as perfurações geotérmicas, as perfurações para armazenagem de resíduos nucleares e as perfurações para o abastecimento de água, com exceção das perfurações para estudar a estabilidade dos solos.

29

Resulta da redação desta disposição que a mesma não procede a uma enumeração exaustiva dos diferentes tipos de perfuração que visa, mas que o seu âmbito de aplicação inclui todas as perfurações em profundidade, com exceção das perfurações para estudar a estabilidade dos solos.

30

Assim, importa constatar que, na medida em que as perfurações exploratórias constituem perfurações em profundidade, estão abrangidas pelo n.o 2, alínea d), do anexo II da Diretiva 85/337.

31

No caso em apreço, importa assinalar que uma perfuração exploratória, como a que está em causa no processo principal, que visa apurar a possibilidade de exploração comercial de uma jazida e que pode ir até 4150 metros de profundidade, constitui uma perfuração em profundidade na aceção do n.o 2, alínea d), do anexo II da referida diretiva.

32

Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à primeira questão que o n.o 14 do anexo I da Diretiva 85/337 deve ser interpretado no sentido de que uma perfuração exploratória, como a que está em causa no processo principal, no âmbito da qual está prevista uma extração experimental de gás natural e de petróleo a fim de determinar a viabilidade comercial de uma jazida, não está abrangida pelo âmbito de aplicação desta disposição.

Quanto à segunda questão

33

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto à terceira questão

34

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em substância, se a Diretiva 85/337 deve ser interpretada no sentido de que, para decidir se uma perfuração exploratória, como a que está em causa no processo principal, está sujeita à obrigação de avaliação do impacto no ambiente, a autoridade competente só tem de tomar em conta os efeitos cumulativos dos projetos da mesma natureza, no caso em apreço, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, todas as perfurações exploratórias no território da autarquia.

35

Como salientou a advogada‑geral no n.o 47 das suas conclusões, colocando‑se esta questão apenas em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio parece partir da premissa de que, no processo que lhe foi submetido, uma obrigação de avaliação do impacto no ambiente só pode resultar do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 85/337, lido em conjugação com o n.o 14 do anexo I da mesma.

36

Todavia, esta premissa está errada uma vez que, como resulta dos n.os 27 e 30 do presente acórdão, tal obrigação pode decorrer do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 85/337, lido em conjugação com o n.o 2, alínea d), do anexo II desta diretiva.

37

Assim sendo, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta perspetiva, incumbe, sendo esse o caso, ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe são submetidas. Por outro lado, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não tenha feito referência no enunciado da sua questão.

38

Por conseguinte, há que responder à terceira questão à luz das obrigações que podem resultar do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 85/337, lido em conjugação com o n.o 2, alínea d), do anexo II desta diretiva.

39

Foi recordado no n.o 27 do presente acórdão que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 85/337, os Estados‑Membros devem determinar, com base numa análise caso a caso ou com base nos limiares ou critérios por eles fixados, se os projetos abrangidos pelo anexo II desta diretiva devem ser submetidos a uma avaliação do impacto no ambiente.

40

Quanto à fixação desses limiares ou critérios, importa recordar que, na verdade, o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 85/337 confere aos Estados‑Membros uma margem de apreciação nessa matéria. Contudo, essa margem de apreciação tem os seus limites na obrigação, enunciada no artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva, de submeter a um estudo de impacto ambiental os projetos suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização (acórdão Salzburger Flughafen, C‑244/12, EU:C:2013:203, n.o 29).

41

Assim, os critérios e os limiares mencionados no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 85/337 têm o objetivo de facilitar a apreciação das características concretas de um projeto, para determinar se o mesmo está sujeito à obrigação de avaliação do impacto ambiental (acórdão Salzburger Flughafen, EU:C:2013:203, n.o 30).

42

Daqui resulta que as autoridades nacionais competentes a quem tenha sido apresentado um pedido de aprovação de um projeto incluído no anexo II desta diretiva devem proceder a um exame especial, para apurarem se, tendo em conta os critérios previstos no anexo III da referida diretiva, se deve proceder a uma avaliação do impacto no ambiente (v., neste sentido, acórdão Mellor, C‑75/08, EU:C:2009:279, n.o 51).

43

A este respeito, resulta do n.o 1 deste anexo III que importa apreciar as características de um projeto, nomeadamente, tendo em conta os seus efeitos cumulativos com outros projetos. Com efeito, o facto de o efeito cumulativo de um projeto com outros projetos não ser tido em conta pode ter o resultado prático de o subtrair à obrigação de avaliação, quando, considerado em conjunto com outros projetos, é suscetível de ter efeitos significativos no ambiente (v., neste sentido, acórdão Brussels Hoofdstedelijk Gewest e o., EU:C:2011:154, n.o 36).

44

Este requisito deve ser lido à luz do n.o 3 do anexo III da Diretiva 85/337, segundo o qual os impactos significativos dos projetos deverão ser considerados em relação aos critérios definidos nos n.os 1 e 2 do mesmo anexo, atendendo especialmente à probabilidade, extensão, magnitude, duração e reversibilidade do impacto desse projeto.

45

Daqui resulta que compete a uma autoridade nacional, sempre que verifique que um projeto deve ser sujeito a uma avaliação do impacto no ambiente, examinar o impacto que este pode ter conjuntamente com outros projetos. Além disso, na falta de especificação, esta obrigação não está limitada apenas aos projetos da mesma natureza. Como salientou a advogada‑geral no n.o 71 das suas conclusões, no âmbito desse exame prévio, importa questionar se o impacto no ambiente das perfurações exploratórias pode ser maior, devido ao impacto de outros projetos, do que seria se esses projetos não existissem.

46

Por outro lado, importa recordar que o efeito útil da Diretiva 85/337 ficaria seriamente comprometido se as autoridades competentes de um Estado‑Membro pudessem, para se pronunciarem sobre a questão de saber se um projeto é sujeito à obrigação de avaliação do seu impacto no ambiente, ignorar a parte do projeto a realizar noutro Estado‑Membro (acórdão Umweltanwalt von Kärnten, EU:C:2009:767, n.o 55). Pelas mesmas razões, a apreciação a dar ao impacto de outros projetos não pode depender dos limites territoriais de uma autarquia.

47

À luz das considerações precedentes, importa responder à terceira questão que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 85/337, lido em conjugação com o n.o 2, alínea d), do anexo II desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de proceder a uma avaliação do impacto no ambiente de uma perfuração em profundidade, como a perfuração exploratória em causa no processo principal, pode decorrer desta disposição. As autoridades nacionais competentes devem proceder a um exame especial para apurarem se, tendo em conta os critérios previstos no anexo III da referida diretiva, se deve proceder a uma avaliação do impacto no ambiente. Neste âmbito, importa nomeadamente examinar se o impacto no ambiente das perfurações exploratórias pode ser maior, devido ao impacto de outros projetos, do que seria se esses projetos não existissem. Esta apreciação não pode depender dos limites da autarquia.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O n.o 14 do anexo I da Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, conforme alterada pela Diretiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, deve ser interpretado no sentido de que uma perfuração exploratória, como a que está em causa no processo principal, no âmbito da qual está prevista uma extração experimental de gás natural e de petróleo a fim de determinar a viabilidade comercial de uma jazida, não está abrangida pelo âmbito de aplicação desta disposição.

 

2)

O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 85/337, conforme alterada pela Diretiva 2009/31, lido em conjugação com o n.o 2, alínea d), do anexo II desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de proceder a uma avaliação do impacto no ambiente de uma perfuração em profundidade, como a perfuração exploratória em causa no processo principal, pode decorrer desta disposição. As autoridades nacionais competentes devem proceder a um exame especial para apurarem se, tendo em conta os critérios previstos no anexo III da Diretiva 85/337, conforme alterada pela Diretiva 2009/31, se deve proceder a uma avaliação do impacto no ambiente. Neste âmbito, importa nomeadamente examinar se o impacto no ambiente das perfurações exploratórias pode ser maior, devido ao impacto de outros projetos, do que seria se esses projetos não existissem. Esta apreciação não pode depender dos limites territoriais da autarquia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.