Processo C-159/02


Gregory Paul Turner
contra
Felix Fareed Ismail Grovit e o.



(pedido de decisão prejudicial apresentado pela House of Lords)

«Convenção de Bruxelas – Processo instaurado num Estado contratante – Processo instaurado noutro Estado contratante pelo requerido no processo já pendente – Requerido que actua de má-fé e com o objectivo de entravar o andamento do processo já pendente – Compatibilidade com a Convenção de uma decisão pela qual o requerido é impedido de prosseguir com a acção no outro Estado contratante»

Conclusões do advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 20 de Novembro de 2003
    
Acᄈrdão do Tribunal de Justiça (Tribunal Pleno) de 27 de Abril de 2004
    

Sommaire de l'arrêt

Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões – Decisão proferida por um órgão jurisdicional de um Estado contratante que proíbe uma das partes no processo pendente nesse órgão de intentar ou prosseguir uma acção em justiça num órgão jurisdicional de outro Estado contratante – Inadmissibilidade – Incompatibilidade com o princípio da confiança mútua inerente ao sistema da Convenção

(Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968)

A Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com as modificações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado contratante profira uma injunção pela qual proíbe a uma parte num processo que aí se encontra pendente que intente ou prossiga uma acção judicial num órgão jurisdicional de outro Estado contratante, mesmo que essa parte tenha actuado de má‑fé com o objectivo de entravar o processo já pendente.

Tal proibição constitui, com efeito, uma ingerência na competência do órgão jurisdicional estrangeiro, incompatível, em si mesma, com o sistema da Convenção. Esta ingerência não pode ser justificada pelo facto de ser apenas indirecta e de visar impedir um abuso de processo da referida parte, pois o exame do carácter abusivo desse comportamento implica uma apreciação da pertinência da propositura de uma acção num órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, a qual é contrária ao princípio da confiança mútua que está na base da Convenção e obsta a que um órgão jurisdicional, salvo em casos específicos limitados à fase do reconhecimento ou da execução de decisões estrangeiras, fiscalize a competência de um órgão jurisdicional de outro Estado contratante.

(cf. n.os 26‑28, 31 e disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
27 de Abril de 2004(1)

«Convenção de Bruxelas – Processo instaurado num Estado contratante – Processo instaurado noutro Estado contratante pelo requerido no processo já pendente – Requerido que actua de má-fé e com o objectivo de entravar o andamento do processo já pendente – Compatibilidade com a Convenção de uma decisão pela qual o requerido é impedido de prosseguir com a acção no outro Estado contratante»

No processo C-159/02,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do Protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pela House of Lords (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Gregory Paul Turner

e

FelixFareedIsmailGrovit,HaradaLtd,Changepoint SA,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Convenção de 27 de Setembro de 1968, já referida (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), com as modificações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e – texto alterado – p. 77; EE 01 F2 p. 131, e – texto alterado – p. 207), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,



composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann (relator), C. W. A. Timmermans, C. Gulmann, J. N. Cunha Rodrigues, A. Rosas, presidentes de secção, A. La Pergola, J.-P. Puissochet, R. Schintgen, N. Colneric e S. von Bahr, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de F. Grovit, Harada Ltd e Changepoint SA, por R. Beynon, solicitor, e T. de La Mare, barrister,

em representação do Governo do Reino Unido, por K. Manji, na qualidade de agente, assistido por S. Morris, QC,

em representação do Governo alemão, por R. Wagner, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por O. Fiumara, vice avvocato generale dello Stato,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por C. O'Reilly e A.-M. Rouchaud-Joët, na qualidade de agentes,

ouvidas as alegações de G. Turner e do Governo do Reino Unido, de F. Grovit, da Harada Ltd e da Changepoint SA, bem como da Comissão, na audiência de 9 de Setembro de 2003,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Novembro de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Por despacho de 13 de Dezembro de 2001, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de Abril de 2002, a House of Lords submeteu, nos termos do Protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, uma questão prejudicial sobre a interpretação dessa Convenção (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), com as modificações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e – texto alterado – p. 77; EE 01 F2 p. 131, e – texto alterado – p. 207), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1, a seguir «Convenção»).

2
Esta questão foi suscitada no quadro de um litígio que opõe G. Turner, por um lado, a F. Grovit, à Harada Ltd (a seguir «Harada») e à Changepoint SA (a seguir «Changepoint»), por outro, na sequência da rescisão do contrato de trabalho celebrado entre G. Turner e a Harada.


O litígio no processo principal

3
G. Turner, que possui nacionalidade britânica e reside no Reino Unido, foi contratado em 1990, na qualidade de assessor jurídico de um grupo de empresas, por uma das sociedades que integravam esse grupo.

4
O grupo, denominado Chequepoint Group, é dirigido por F. Grovit e tem por actividade principal a exploração de postos de câmbio. Esse grupo inclui várias sociedades estabelecidas em diversos países, entre as quais constam a China Security Ltd, que inicialmente contratou G. Turner, a Chequepoint UK Ltd, que assumiu o contrato de G. Turner no fim do ano de 1990, a Harada, com sede no Reino Unido, e a Changepoint, com sede em Espanha.

5
G. Turner desempenhava as suas funções em Londres (Reino Unido). Todavia, em Maio de 1997, a seu pedido, a sua entidade patronal aceitou a sua transferência para Madrid (Espanha).

6
G. Turner começou a trabalhar em Madrid em Novembro de 1997. Em 16 de Fevereiro de 1998, demitiu‑se da Harada, para o serviço da qual fora transferido em 31 de Dezembro de 1997.

7
Em 2 de Março de 1998, G. Turner intentou em Londres uma acção contra a Harada no Employment Tribunal. Afirmava ter sido vítima de tentativas destinadas a implicá‑lo em comportamentos ilícitos, o que, em seu entender, equivalia a um despedimento sem justa causa.

8
O Employment Tribunal rejeitou a excepção de incompetência invocada pela Harada. A sua decisão foi confirmada em recurso. Pronunciando‑se quanto ao mérito, atribuiu a G. Turner uma indemnização por perdas e danos.

9
Em 29 de Julho de 1998, a Changepoint intentou contra G. Turner uma acção no órgão jurisdicional de primeira instância de Madrid. G. Turner foi notificado da petição por volta de 15 de Dezembro de 1998. Recusou a notificação e contestou a competência do órgão jurisdicional espanhol.

10
No quadro do processo que a Changepoint lhe instaurou em Espanha, esta pedia que G. Turner fosse condenado a pagar‑lhe uma indemnização de 85 milhões de ESP pelos prejuízos que este lhe havia causado devido ao seu comportamento profissional.

11
Em 18 de Dezembro de 1998, G. Turner pediu à High Court of Justice (England & Wales), com fundamento no artigo 37.°, n.° 1, da Supreme Court Act 1981, que proibisse F. Grovit, a Harada e a Changepoint, sob pena de lhes ser aplicada uma sanção, de prosseguirem com o processo instaurado em Espanha. Em 22 de Dezembro de 1998, a High Court tomou uma decisão temporária nesse sentido. Em 24 de Fevereiro de 1999, a High Court recusou prorrogar essa decisão.

12
Tendo G. Turner interposto recurso para a Court of Appeal (England & Wales), esta, em 28 de Maio de 1999, proferiu uma injunção ordenando às requeridas que não prosseguissem o processo instaurado em Espanha e que se abstivessem de instaurar outro processo em Espanha ou em qualquer outro local contra G. Turner com fundamento no seu contrato de trabalho. A Court of Appeal fundamentou a sua decisão, designadamente, no facto de o processo em Espanha ter sido instaurado de má‑fé, para dissuadir G. Turner de prosseguir com o seu processo no Employment Tribunal.

13
Em 28 de Junho de 1999, cumprindo essa injunção, a Changepoint desistiu da acção pendente no órgão jurisdicional espanhol.

14
F. Grovit, a Harada e a Changepoint recorreram em seguida para a House of Lords alegando, no essencial, que os órgãos jurisdicionais ingleses não têm o poder de proferir decisões que impeçam a prossecução de acções em órgãos jurisdicionais estrangeiros às quais a Convenção é aplicável.


O despacho de reenvio e a questão prejudicial

15
De acordo com as indicações fornecidas no despacho de reenvio, o poder exercido pela Court of Appeal no processo principal não se baseia num pedido no sentido de ser definida a competência de um órgão jurisdicional estrangeiro, mas no facto de o destinatário da injunção estar sujeito in personam à competência dos órgãos jurisdicionais ingleses.

16
De acordo com a análise feita no despacho de reenvio, uma injunção como a proferida pela Court of Appeal, não implica uma decisão sobre a competência do órgão jurisdicional estrangeiro, mas uma apreciação do comportamento revelado pela parte interessada ao invocar essa competência. Todavia, na medida em que essa injunção interfere, indirectamente, com o processo instaurado no órgão jurisdicional estrangeiro, só podia ser proferida quando o requerente demonstre existir uma necessidade manifesta de proteger um processo pendente em Inglaterra.

17
O despacho de reenvio refere que os elementos essenciais que justificam que a Court of Appeal tenha exercido, no processo principal, o seu poder de proferir uma injunção eram:

o facto de o requerente ser parte num processo pendente em Inglaterra;

o facto de os requeridos terem, de má‑fé, intentado uma acção contra o requerente noutro país, com a intenção de prosseguir esse processo para entravar ou obstruir o processo pendente em Inglaterra;

o facto de que, segundo a apreciação da Court of Appeal, para proteger o interesse legítimo do requerente no processo inglês, era necessário proferir uma injunção contra os requeridos.

18
Contudo, por considerar que se trata de um problema de interpretação da Convenção, a House of Lords decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:

«É incompatível com a Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 (a que o Reino Unido aderiu posteriormente) relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, decretar providências cautelares contra requeridos que ameacem intentar ou prosseguir acções noutro Estado parte na Convenção se os requeridos agirem de má‑fé com a intenção de frustrar ou obstruir acções devidamente propostas nos tribunais ingleses?»


Quanto à questão prejudicial

19
Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Convenção se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado contratante profira uma decisão pela qual proíbe uma parte no processo que aí se encontra pendente de intentar ou prosseguir uma acção judicial num órgão jurisdicional de outro Estado contratante, quando efectivamente essa parte actua de má‑fé com o objectivo de entravar o processo já pendente.

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

20
Os requeridos no processo principal, os Governos alemão e italiano e a Comissão sustentam que uma injunção como a em causa no processo principal não é compatível com a Convenção. Alegam, essencialmente, que a Convenção institui um regime completo de regras de competência. Os órgãos jurisdicionais só se podem pronunciar sobre a sua própria competência na perspectiva dessas regras, e não sobre a competência de um órgão jurisdicional de outro Estado contratante. Ora, uma injunção deste tipo conduz a que o órgão jurisdicional que a proferiu atribua a si próprio uma competência exclusiva e prive o órgão jurisdicional de outro Estado contratante da possibilidade de apreciar a sua competência, destruindo assim o princípio da cooperação mútua que está na base da Convenção.

21
G. Turner e o Governo do Reino Unido afirmam, antes de mais, que a questão prejudicial diz apenas respeito às injunções fundadas em abuso de processo, que têm por destinatários requeridos que actuam de má‑fé e com o objectivo de entravar um processo pendente num órgão jurisdicional inglês. Com o objectivo de proteger a integridade do processo submetido à apreciação do órgão jurisdicional inglês, só um órgão jurisdicional inglês está em condições de apreciar se o comportamento do requerido põe em causa essa integridade ou se ameaça comprometê‑la.

22
Em seguida, à semelhança da House of Lords, G. Turner e o Governo do Reino Unido sublinham que as injunções em causa não comportam uma apreciação da competência do órgão jurisdicional estrangeiro. Deviam ser consideradas medidas processuais. A este propósito, referindo‑se ao acórdão de 17 de Novembro de 1998, Van Uden (C‑391/95, Colect., p. I‑7091), alegam que a Convenção não estabelece qualquer limite às medidas processuais que podem ser ordenadas pelo órgão jurisdicional de um Estado contratante, quando este seja competente nos termos da Convenção para conhecer do mérito da causa.

23
Por último, G. Turner e o Governo do Reino Unido sustentam que a prolação de uma injunção pode contribuir para a realização do objectivo da Convenção, que é o de minimizar o risco de contradição entre as decisões e evitar a multiplicação dos processos.

Resposta do Tribunal de Justiça

24
Antes de mais, importa recordar que a Convenção assenta necessariamente na confiança que os Estados contratantes concedem reciprocamente aos seus sistemas jurídicos e às respectivas instituições judiciais. Foi esta confiança mútua que permitiu a instituição de um sistema obrigatório de competência, que todos os órgãos jurisdicionais sujeitos ao âmbito de aplicação da Convenção têm a obrigação de respeitar, e a renúncia correlativa por esses mesmos Estados às suas normas internas de reconhecimento e de exequatur das decisões estrangeiras em benefício de um mecanismo simplificado de reconhecimento e de execução das decisões judiciais (acórdão de 9 de Dezembro de 2003, Gasser, C‑116/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 72).

25
É inerente a este princípio da confiança mútua que, no âmbito de aplicação da Convenção, as regras de competência da Convenção, que são comuns a todos os órgãos jurisdicionais dos Estados contratantes, possam ser interpretadas e aplicadas com a mesma autoridade por cada um desses órgãos (v., neste sentido, acórdãos de 27 de Junho de 1991, Overseas Union Insurance e o., C‑351/89, Colect., p. I‑3317, n.° 23, e Gasser, já referido, n.° 48).

26
Do mesmo modo, para além de algumas excepções limitadas, enunciadas no artigo 28.°, primeiro parágrafo, da Convenção, que só dizem respeito à fase do reconhecimento ou da execução e que apenas incidem sobre certas regras de competência especial ou exclusiva irrelevantes para efeitos do processo principal, a Convenção não permite a fiscalização da competência de um tribunal pelo tribunal de outro Estado contratante (v., neste sentido, acórdão Overseas Union Insurance e o., já referido, n.° 24).

27
Ora, o facto de um órgão jurisdicional proibir a uma parte, sob cominação de uma sanção, de intentar ou de prosseguir uma acção num órgão jurisdicional estrangeiro tem por efeito pôr em causa a competência deste último para resolver o litígio. Efectivamente, quando o requerente se vê confrontado com uma decisão que o proíbe de intentar uma tal acção, há que concluir que existe ingerência na competência do órgão jurisdicional estrangeiro, incompatível, em si mesma, com o sistema da convenção.

28
Apesar das explicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e contrariamente ao que G. Turner e o Governo do Reino Unido sustentaram, essa ingerência não pode ser justificada pelo facto de ser apenas indirecta e de visar impedir um abuso de processo por parte do requerido no processo nacional. Com efeito, quando o comportamento criticado ao requerido consiste no invocar a competência de um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, o exame do carácter abusivo desse comportamento implica uma apreciação da pertinência da propositura de uma acção num órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro. Ora, essa apreciação é contrária ao princípio da confiança mútua que, como se recordou nos n.os 23 a 25 do presente acórdão, está na base da Convenção e obsta a que um órgão jurisdicional, salvo em casos específicos que não se verificam no caso em apreço do processo principal, fiscalize a competência de um órgão jurisdicional de outro Estado contratante.

29
Mesmo que se admita que uma injunção possa, como já se sustentou, ser considerada uma medida de natureza processual destinada a proteger a integridade do processo já pendente no órgão jurisdicional que profere essa decisão e, a esse título, só lhe sendo aplicável a lei nacional, basta recordar que a aplicação das regras de processo nacionais não pode afectar o efeito útil da Convenção (acórdão de 15 de Maio de 1990, Hagen, C‑365/88, Colect., p. I‑1845, n.° 20). Ora, é isso que se verifica no caso de uma decisão como a em apreço que, de acordo com o que se concluiu no n.° 27 do presente acórdão, tem por efeito limitar a aplicação das regras de competência previstas no Convenção.

30
O argumento segundo o qual a prolação de decisões pode contribuir para a realização do objectivo da Convenção, que é o de minimizar o risco de contradição de entre as decisões e evitar a multiplicação dos processos, não pode ser acolhido. Por um lado, a utilização dessa medida priva do seu efeito útil os mecanismos específicos previstos pela Convenção em caso de litispendência e de conexão. Por outro, o recurso a esse instrumento é susceptível de originar situações de conflito para as quais a Convenção não contém qualquer regra. Com efeito, não se pode excluir que, apesar de ter sido proferida uma injunção num Estado contratante, um órgão jurisdicional de outro Estado contratante possa tomar uma decisão. Do mesmo modo, não se pode excluir que os órgãos jurisdicionais de dois Estados contratantes que autorizam essas medidas profiram injunções contraditórias.

31
Por conseguinte, importa responder à questão prejudicial que a Convenção deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado contratante profira uma injunção pela qual proíbe a uma parte num processo que aí se encontra pendente que intente ou prossiga uma acção judicial num órgão jurisdicional de outro Estado contratante, mesmo que essa parte tenha actuado de má‑fé com o objectivo de entravar o processo já pendente.


Quanto às despesas

32
As despesas efectuadas pelos Governos do Reino Unido, alemão e italiano, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

pronunciando‑se sobre a questão submetida pela House of Lords, por despacho de 13 de Dezembro de 2001, declara:

A Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com as modificações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado contratante profira uma injunção pela qual proíbe a uma parte num processo que aí se encontra pendente que intente ou prossiga uma acção judicial num órgão jurisdicional de outro Estado contratante, mesmo que essa parte tenha actuado de má‑fé com o objectivo de entravar o processo já pendente.

Skouris

Jann

Timmermans

Gulmann

Cunha Rodrigues

Rosas

La Pergola

Puissochet

Schintgen

Colneric

von Bahr

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: inglês.