15.11.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 434/11


P9_TA(2022)0104

Proteção dos direitos da criança nos processos de Direito Civil, Direito Administrativo e Direito da Família

Resolução do Parlamento Europeu, de 5 de abril de 2022, sobre a proteção dos direitos da criança nos processos de Direito Civil, Direito Administrativo e Direito da Família (2021/2060(INI))

(2022/C 434/02)

O Parlamento Europeu,

Tendo em conta o Tratado da União Europeia, nomeadamente o n.o 3 do artigo 3.o,

Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta»), nomeadamente o artigo 24.o,

Tendo em conta o artigo 81.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,

Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,

Tendo em conta a Observação Geral n.o 24 (2019) do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, sobre os direitos das crianças no sistema de justiça de menores,

Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 24 de março de 2021, intitulada «Estratégia da UE sobre os direitos da criança» (COM(2021)0142),

Tendo em conta o Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (1) (Regulamento Bruxelas II-A),

Tendo em conta o Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (2) (Regulamento Obrigações Alimentares),

Tendo em conta a Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e comercial (3),

Tendo em conta o Regulamento (UE) 2021/693 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de abril de 2021, que cria o Programa Justiça (4),

Tendo em conta o Regulamento (UE) 2021/692 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de abril de 2021, que cria o Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores (5),

Tendo em conta o Painel de Avaliação da Justiça na UE,

Tendo em conta as diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa, de 17 de novembro de 2010, sobre a justiça adaptada às crianças,

Tendo em conta a Resolução 2079 do Conselho da Europa, de 2 de outubro de 2015, sobre igualdade e responsabilidade parental partilhada: o papel dos pais,

Tendo em conta o acórdão do Tribunal de Justiça Europeu no processo C-490/20 (6),

Tendo em conta a Convenção da Haia, de 25 de outubro de 1980, sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças,

Tendo em conta a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, adotada na Haia em 29 de maio de 1993,

Tendo em conta a sua Resolução, de 2 de fevereiro de 2017, que contém recomendações à Comissão sobre o combate à violência contra as mulheres (7),

Tendo em conta a sua Resolução, de 11 de março de 2021, sobre os direitos da criança tendo em vista a Estratégia da UE sobre os direitos da criança (8),

Tendo em conta a sua Resolução de 6 de outubro de 2021, sobre o impacto da violência doméstica e do direito de custódia nas mulheres e crianças (9),

Tendo em conta o artigo 54.o do seu Regimento,

Tendo em conta o parecer da Comissão das Petições,

Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos (A9-0033/2022),

Justiça adaptada às crianças nos processos de Direito Civil, Direito Administrativo e Direito da Família

A.

Considerando que um número crescente de crianças e adolescentes está a entrar em contacto com o sistema judicial em processos cíveis, administrativos e de família, principalmente devido ao aumento do divórcio, da separação e da adoção; considerando que, nesses processos, deve ser garantido a todas as crianças um acesso não discriminatório à justiça, incluindo, em particular, o acesso aos tribunais e a métodos alternativos de resolução de litígios;

B.

Considerando que a UE está empenhada em garantir que os direitos de todas as crianças sejam respeitados, protegidos e exercidos, a fim de construir uma sociedade mais saudável, mais resiliente, mais equitativa e mais justa para todos;

C.

Considerando que as crianças têm o direito de participar, de serem ouvidas e de expressarem as suas opiniões, de acordo com a sua idade, a sua maturidade e as suas competências linguísticas, em todos os processos relativos ao seu bem-estar e à sua vida futura; considerando que as opiniões das crianças devem ser tidas em devida conta, independentemente de o processo ser conduzido por um tribunal ou por qualquer outra autoridade competente;

D.

Considerando que a participação em processos judiciais e administrativos deve ter lugar num ambiente confortável e adaptado às crianças, a fim de não causar traumatismos ou stress adicionais à criança e de minimizar o impacto psicológico e emocional dessas circunstâncias, em particular para as crianças mais vulneráveis, como as crianças com deficiência ou as oriundas da imigração;

E.

Considerando que a participação das crianças nesses processos deve ser apoiada através de uma abordagem multidisciplinar por parte das autoridades competentes;

F.

Considerando que os Estados-Membros são obrigados a estabelecer salvaguardas, garantias e regras processuais que regulem as audições da criança; considerando que, no entanto, estas disposições diferem consideravelmente entre os Estados-Membros;

G.

Considerando que, em casa e num ambiente familiar, quando existem conflitos entre os pais, as crianças podem ser testemunhas de atos de violência, ao assistir a maus tratos sob a forma de atos de violência física, verbal, psicológica, sexual e económica contra pessoas de referência ou outras pessoas importantes no agregado familiar; considerando que este tipo de violência tem consequências muito graves para o desenvolvimento psicológico e emocional da criança; considerando que, por conseguinte, é essencial prestar a devida atenção a essa violência quando a audição da criança tem lugar no âmbito de processos de direito da família, a fim de garantir que o superior interesse da criança seja a consideração primordial;

H.

Considerando que as crianças têm o direito de ser devidamente informadas de forma adequada à sua idade, à sua maturidade e às suas competências linguísticas e que lhes seja compreensível em todas as fases dos processos judiciais e administrativos que lhes digam respeito;

I.

Considerando que, nos processos de direito civil, administrativo e da família, em especial nos casos transfronteiriços, os menores têm possibilidades limitadas de serem representados por um jurista ou advogado;

J.

Considerando que, em certos casos, a experiência demonstrou (10) as vantagens de dispor de uma pessoa de confiança específica e independente para apoiar e acompanhar a criança ao longo de todo o processo judicial, incluindo nos casos de mediação;

K.

Considerando que os tribunais, os órgãos administrativos e as instituições de assistência social devem ter primariamente em conta o superior interesse da criança aquando da tomada de qualquer decisão relativa à criança; considerando que essas decisões devem ser tomadas numa base casuística, tendo em conta a idade, as necessidades e as circunstâncias específicas da criança e da sua família;

L.

Considerando que o superior interesse da criança e o acesso à justiça para todas as crianças não podem ser assegurados se a sua participação em processos civis, administrativos e de direito da família e a utilização de serviços de apoio de acompanhamento dependerem dos recursos financeiros dos pais, nomeadamente porque os custos desses processos e serviços podem ser muito elevados;

M.

Considerando que a UE e os seus Estados-Membros são obrigados a promover os direitos da criança, nomeadamente através de uma justiça adaptada às crianças, na execução de todas as ações ao abrigo do Programa Justiça;

Um regime da UE para a proteção dos direitos da criança nos litígios civis transfronteiriços

N.

Considerando que o aumento da mobilidade significa que o número de crianças nascidas em famílias com um elemento transfronteiriço é também suscetível de aumentar;

O.

Considerando que, embora o direito civil material e o direito material da família continuem a ser da competência dos Estados-Membros, podem ser definidas regras a nível da UE em matéria de direito civil e da família transfronteiriço;

P.

Considerando que, enquanto partes na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, os Estados-Membros devem fazer do superior interesse da criança um critério essencial em todas as ações públicas, nomeadamente em caso de litígios familiares transfronteiriços; considerando que, nos litígios familiares com implicações transfronteiriças, as autoridades competentes de alguns Estados-Membros interpretam frequentemente a proteção do superior interesse da criança como a obrigação de a fazer permanecer no território do Estado, mesmo nos casos em que tenham sido denunciados abusos e violência doméstica contra o progenitor residente nesse Estado;

Q.

Considerando que o princípio do reconhecimento mútuo, que se baseia na confiança mútua, obriga os Estados-Membros a darem cumprimento a uma sentença ou a uma decisão que emane de outro Estado-Membro;

R.

Considerando que os processos transfronteiriços são mais complexos do ponto de vista jurídico e, por conseguinte, normalmente mais morosos e dispendiosos;

S.

Considerando que a falta de procedimentos eficazes para a execução de decisões em matéria de responsabilidade parental, direitos de visita, raptos parentais de crianças ou obrigações alimentares em casos transfronteiriços é prejudicial para o superior interesse da criança;

T.

Considerando que as crianças envolvidas em litígios transfronteiriços em matéria de Direito Civil e de Direito da Família devem gozar dos mesmos direitos, do mesmo nível de proteção e das mesmas garantias e normas mínimas em todos os Estados-Membros, independentemente da nacionalidade dos pais;

U.

Considerando que todas as crianças têm o direito de conhecer os seus pais e de ser educadas por eles; considerando que, em caso de separação, todas as crianças têm o direito de manter relações pessoais e contactos diretos regulares com ambos os pais ou, caso os pais não estejam disponíveis, com familiares dos pais ou, caso estes não existam, com uma pessoa da sua escolha; considerando que as relações pessoais e os contactos diretos da criança com os pais só podem ser restringidos pela autoridade competente para proteger o superior interesse da criança;

V.

Considerando que a Convenção da Haia de 1980 introduz um sistema de cooperação internacional entre países para resolver rapidamente os casos de rapto internacional de crianças; considerando que, até à data, a Convenção foi ratificada por 101 países, incluindo todos os Estados-Membros da UE;

W.

Considerando que, apesar dos esforços envidados até à data, a UE não dispõe de dados suficientes sobre os processos judiciais que envolvem menores, e o mesmo acontece com os tribunais especializados que se ocupam desses processos;

X.

Considerando que a inexistência de regras comuns da UE sobre o reconhecimento de decisões em matéria de parentalidade, nomeadamente em casos que envolvam pais do mesmo sexo, pode resultar numa perda de direitos parentais, pode violar o direito da criança a ser criada por ambos os pais e a manter uma relação com eles, bem como quaisquer direitos decorrentes da filiação (como a pensão de alimentos ou a sucessão), e pode ainda incentivar a procura do foro mais favorável em caso de litígios familiares transfronteiriços; considerando que a futura proposta legislativa neste domínio deverá contribuir para reduzir o número de processos administrativos e judiciais;

Y.

Considerando que o Tribunal de Justiça proferiu recentemente o seguinte acórdão no processo C-490/20: no caso de um menor que é cidadão da União e cuja certidão de nascimento foi emitida pelas autoridades competentes de um Estado-Membro de acolhimento e designa como seus progenitores duas pessoas do mesmo sexo, o Estado-Membro do qual essa criança é nacional é obrigado (i) a emitir-lhe um cartão de identidade ou um passaporte, sem exigir que seja lavrada previamente uma certidão de nascimento pelas suas autoridades nacionais, e (ii) a reconhecer, como qualquer outro Estado-Membro, o documento que emana do Estado-Membro de acolhimento que permite à referida criança exercer, com cada uma dessas duas pessoas, o seu direito de circular e de permanecer livremente no território dos Estados-Membros;

Mediação em processos que envolvam crianças

Z.

Considerando que, em muitos casos, a mediação familiar demonstrou ser mais rápida, mais barata e mais adaptada às crianças para resolver o litígio do que um processo judicial, podendo, por conseguinte, ajudar a evitar futuros raptos parentais de crianças;

AA.

Considerando que deve ser incentivada a utilização de mecanismos alternativos de resolução de litígios, a menos que tal seja contrário ao superior interesse da criança, nomeadamente em casos de violência doméstica e abuso sexual;

AB.

Considerando que continua a ser baixo o número de processos de mediação familiar nacionais e transfronteiriços;

AC.

Considerando que, na maioria dos Estados-Membros, não está prevista assistência judiciária em caso de mediação para os pais que dispõem de meios financeiros limitados, mas que, ao mesmo tempo, os pais podem ter direito a receber essa assistência em processos judiciais;

AD.

Considerando que os pais podem ter dificuldade em obter informações adequadas e fiáveis sobre a possibilidade de recorrer à mediação na fase pré-contenciosa;

AE.

Considerando que a mediação comercial difere substancialmente da mediação familiar;

AF.

Considerando que a mediação familiar transfronteiriça pode facilitar acordos entre os pais que sirvam para defender o superior interesse da criança, reduzindo o ónus emocional e financeiro e a complexidade jurídica inerentes aos processos judiciais;

AG.

Considerando que, de um ponto de vista jurídico e logístico, a mediação familiar transfronteiriça é mais complexa do que a mediação em litígios familiares internos e exige conhecimentos e competências linguísticas adicionais por parte do mediador;

AH.

Considerando que tanto os juízes como os advogados devem receber formação para adquirir mais conhecimentos sobre a mediação familiar transfronteiriça;

Justiça adaptada às crianças nos processos de Direito Civil, Direito Administrativo e Direito da Família

1.

Solicita aos Estados-Membros que garantam que, em todos os processos relativos ao bem-estar da criança e à sua vida futura, os direitos da criança sejam respeitados, garantidos e aplicados na íntegra, que seja conferida a máxima prioridade ao superior interesse da criança e que este seja devidamente incorporado e aplicado de forma coerente em todas as medidas tomadas pelas instituições públicas, especialmente em processos judiciais, que tenham um impacto direto ou indireto nas crianças, em conformidade com o artigo 24.o da Carta;

2.

Recorda que o acesso à justiça e o direito a ser ouvido são direitos fundamentais e que todas as crianças, seja qual for a sua origem social, económica ou étnica, devem poder usufruir em pleno desses direitos a título pessoal, independentemente dos seus pais ou tutores legais;

3.

Sublinha que a pandemia de COVID-19 causou desafios adicionais no acesso à justiça, incluindo atrasos nos processos; insta, por conseguinte, os Estados-Membros a preverem medidas que facilitem o acesso à justiça durante as pandemias, especialmente se uma criança estiver envolvida em processos cíveis, administrativos ou de direito da família;

4.

Solicita à Comissão que apresente, sem demora injustificada, um conjunto de orientações comuns ou instrumentos não legislativos similares, que devem incluir recomendações e boas práticas a seguir pelos Estados-Membros, a fim de assegurar que a audição da criança seja conduzida por um juiz ou por um perito formado e que não seja exercida qualquer pressão, nomeadamente por parte dos pais; salienta que essas audições, especialmente em processos de direito da família, devem ter lugar num ambiente adaptado às crianças e ser adequadas à idade, à maturidade e às competências linguísticas da criança em termos de linguagem e conteúdo, prevendo simultaneamente todas as garantias que garantam o respeito da integridade emocional e do superior interesse da criança, evitando o stress desnecessário e assegurando que a autoridade competente tenha devidamente em conta as opiniões da criança em função da sua idade e maturidade; salienta, além disso, que a audição da criança no âmbito de processos de direito da família em que exista suspeita de violência doméstica ou familiar ou em que a criança tenha testemunhado atos de violência, deve ser sempre realizada na presença de profissionais, médicos ou psicólogos qualificados, nomeadamente em neuropsiquiatria infantil, a fim de não aprofundar o seu trauma nem a prejudicar ainda mais;

5.

Sublinha que essas orientações ou instrumentos não legislativos similares devem indicar claramente que as crianças envolvidas em processos de direito civil, administrativo ou da família devem ser informadas em todas as fases do processo de uma forma que lhes seja totalmente compreensível, e, em particular, que a decisão tomada pela autoridade deve ser explicada à criança por um profissional especificamente formado de um modo adequado à sua idade e maturidade e às suas competências linguísticas;

6.

Salienta a necessidade de reconhecer a estreita ligação entre os processos penais, cíveis e outros processos judiciais, a fim de coordenar as respostas judiciais e outras respostas jurídicas à violência contra as crianças e nas relações íntimas; solicita, por conseguinte, aos Estados-Membros que adotem medidas que associem os processos penais e cíveis da mesma família e crianças, a fim de evitar efetivamente quaisquer discrepâncias entre as decisões judiciais e outras decisões jurídicas que sejam prejudiciais para as crianças;

7.

Solicita aos Estados-Membros que garantam e facultem informações facilmente acessíveis, compreensíveis, exaustivas e adaptadas às crianças sobre os direitos da criança nos processos de direito civil, administrativo e da família, bem como sobre os próprios processos, incluindo os de natureza transfronteiriça;

8.

Solicita aos Estados-Membros que permitam que as crianças envolvidas em litígios civis, administrativos e familiares, incluindo nos de natureza transfronteiriça, beneficiem de uma representação legal gratuita, financiada com fundos públicos e de elevada qualidade, nos casos em que os pais não exerçam plenamente a responsabilidade parental ou quando haja suspeitas de que os seus interesses possam colidir com o superior interesse da criança;

9.

Recomenda vivamente que os Estados-Membros adotem uma abordagem multidisciplinar e criem serviços de aconselhamento e de apoio à infância facilmente acessíveis, de elevada qualidade, personalizados, gratuitos e financiados por fundos públicos — tanto dentro como fora dos tribunais — a fim de prestar, sempre que necessário, o apoio de profissionais formados, como médicos, psicólogos, profissionais qualificados em neuropsiquiatria infantil, assistentes sociais e especialistas em acolhimento de crianças, a fim de apoiar a criança da melhor forma possível em todas as fases do processo; salienta que deve ser adotada uma abordagem individualizada para cada criança envolvida em processos cíveis, administrativos e de direito da família e que deve ser prestada especial atenção às crianças que são frequentemente vítimas de discriminação ou que se encontram numa situação vulnerável, nomeadamente as crianças com deficiência, as crianças oriundas da imigração e as crianças que vivem em situação de pobreza ou são socialmente excluídas;

10.

Solicita aos Estados-Membros que ministrem formações obrigatórias sobre os direitos e as necessidades específicas da criança aos juízes e outros profissionais da justiça, às autoridades responsáveis pela aplicação da lei, aos assistentes sociais, aos professores, ao pessoal das creches e a todas as outras partes envolvidas em processos judiciais e administrativos relativos a crianças; solicita à Comissão que intensifique o apoio a essas ações, por exemplo, através da Rede Europeia de Formação Judiciária, do Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores e do Programa Justiça;

11.

Solicita à Comissão que incentive as redes e plataformas existentes de profissionais da justiça a procederem ao intercâmbio de boas práticas em matéria de audições de crianças, direito das crianças à informação e direito à privacidade em toda a UE; solicita à Comissão que pondere a criação de um balcão único de peritos de toda a UE que sirva de plataforma de intercâmbio de informações; incentiva a Rede Europeia de Formação Judiciária a prever um fórum deste tipo para os juízes envolvidos em litígios familiares transfronteiriços;

12.

Solicita aos Estados-Membros que disponibilizem recursos suficientes para assegurar que os processos cíveis, administrativos e de direito da família que envolvam menores sejam tratados com a máxima observância das normas em matéria de justiça adaptada às crianças, com um respeito apropriado pela integridade emocional e física da criança e sem demora injustificada; sublinha, neste contexto, que os Estados-Membros devem velar por que os tribunais de família e menores funcionem como um serviço essencial, continuando a realizar audiências de urgência e a executar decisões judiciais para cuidar e proteger as crianças que se encontram em risco iminente de negligência ou abuso;

13.

Recorda que os Estados-Membros devem utilizar da melhor forma o Programa Justiça para financiar ações e organizações que facilitem o acesso efetivo e não discriminatório à justiça para todas as crianças e para prestar apoio financeiro às organizações que trabalham com e para as crianças através do Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores; solicita aos Estados-Membros que criem mecanismos e procedimentos adequados para reclamações, vias de recurso ou reparação, a fim de assegurar plenamente que os direitos da criança sejam devidamente integrados nos processos judiciais que nela tenham um impacto direto ou indireto;

Um regime da UE para a proteção dos direitos da criança nos litígios civis transfronteiriços

14.

Solicita aos Estados-Membros que protejam o superior interesse da criança em processos de direito da família transfronteiriços, nomeadamente assegurando que as leis e os procedimentos não criem qualquer discriminação entre os pais com base na sua nacionalidade, país de residência ou outra, e recusando a presunção de que o superior interesse da criança consiste sempre em permanecer no território de um determinado Estado-Membro;

15.

Sublinha que uma das razões pelas quais os processos transfronteiriços podem apresentar dificuldades jurídicas reside nas diferenças de terminologia e dos requisitos de idade mínima entre os Estados-Membros, o que pode resultar num tratamento diferenciado da criança em função de critérios etários divergentes ou dos diferentes papéis do advogado da criança em processos que envolvam menores;

16.

Insta os Estados-Membros a respeitarem o direito de cada criança a manter contactos pessoais e diretos com o pai e a mãe, a menos que tal seja contrário ao superior interesse da criança, independentemente da constituição da sua família ou do seu parentesco biológico; sublinha que esses direitos devem ser respeitados apesar das medidas restritivas relacionadas com a COVID-19;

17.

Solicita aos Estados-Membros que executem de forma eficaz as decisões judiciais em litígios familiares transfronteiriços relativos a crianças, em conformidade com o direito da UE aplicável e as decisões do Tribunal de Justiça, especialmente em casos relacionados com raptos parentais transfronteiriços de crianças, mas também com a separação, o divórcio, a guarda, a adoção e o acolhimento familiar, e as decisões relacionadas com o reconhecimento da parentalidade, incluindo de casais do mesmo sexo, tendo sempre em conta o superior interesse da criança, em conformidade com o artigo 24.o da Carta;

18.

Solicita aos Estados-Membros que apliquem corretamente as novas regras e obrigações ao abrigo do Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (11); realça a importância do intercâmbio de informações entre os tribunais nacionais nos casos transfronteiriços e insta a Comissão a cooperar com os Estados-Membros para o efeito, a acompanhar cuidadosamente a correta aplicação do regulamento e a atuar prontamente em caso de incumprimento;

19.

Recorda que a reformulação do Regulamento Bruxelas II-A se destinava a proteger os direitos da criança, clarificando as regras, encurtando a duração dos processos transfronteiriços relativos a crianças através de prazos definidos e a abolição do exequátur, promovendo uma cooperação mais estreita entre as autoridades centrais e o intercâmbio de informações em casos transfronteiriços; solicita, neste contexto, aos Estados-Membros que disponibilizem recursos humanos e financeiros adequados para facilitar a aplicação eficaz do regulamento;

20.

Solicita à Comissão e aos Estados-Membros que proporcionem formação adequada sobre as novas regras às autoridades centrais, aos juízes e outros profissionais do direito envolvidos em litígios transfronteiriços, nomeadamente sobre a audição da criança e o possível recurso à mediação nesses casos; salienta que essa formação deve proporcionar um nível suficiente de conhecimentos e competências em matéria de processos familiares transfronteiriços;

21.

Solicita à Comissão que forneça um guia de boas práticas sobre a reformulação do Regulamento Bruxelas II-A;

22.

Solicita à Comissão que avalie a necessidade de a legislação da UE harmonizar as garantias processuais para as crianças em processos de direito da família transfronteiriços;

23.

Solicita aos Estados-Membros que assegurem que os custos financeiros dos processos e os custos adicionais inerentes aos processos transfronteiriços não constituam um obstáculo ao acesso à justiça em processos cíveis, administrativos e de família transfronteiriços que envolvam crianças; solicita aos Estados-Membros que disponibilizem e tornem acessíveis as informações sobre a eventual assistência judiciária em tais casos;

24.

Observa que o Reino Unido deixou de participar na cooperação ao abrigo do Regulamento Bruxelas II-A e do Regulamento Obrigações Alimentares; solicita à Comissão que avalie com urgência a forma mais adequada, incluindo um instrumento bilateral, para dar resposta à incerteza jurídica existente entre a UE e o Reino Unido no domínio dos processos cíveis, administrativos e de família relativos a crianças;

25.

Congratula-se com o anúncio da Comissão da apresentação de uma proposta legislativa destinada a facilitar o reconhecimento mútuo da parentalidade entre os Estados-Membros;

26.

Solicita à Comissão, neste contexto, que tenha em devida conta a Resolução do Parlamento, de 2 de fevereiro de 2017, sobre os aspetos transfronteiriços das adoções, incluindo o respetivo anexo, que prevê um regulamento relativo ao reconhecimento transfronteiriço dos certificados de adoção, a fim de criar um regime jurídico claro e proporcionar às famílias a segurança jurídica necessária para que os certificados de adoção emitidos legalmente num Estado-Membro sejam reconhecidos noutro;

27.

Solicita à Comissão e ao Conselho que incluam e informem devidamente o Parlamento em relação a qualquer proposta legislativa nova ou revista no domínio do direito civil e da família transfronteiriço, uma vez que tais regras influenciam diretamente a vida e o bem-estar dos cidadãos da UE e, sobretudo, das crianças;

28.

Considera que a Convenção da Haia de 1980 constitui um instrumento vital para salvaguardar o superior interesse da criança em caso de rapto internacional de crianças e considera que a adesão de novos países a esta Convenção deve ser acolhida favoravelmente pela UE; incentiva, por conseguinte, a Comissão a avançar rapidamente na sua avaliação da adesão de novos países e solicita aos Estados-Membros que não hesitem em aceitá-los;

29.

Reitera o seu apelo a uma maior cooperação internacional entre os Estados-Membros e com países terceiros, em particular o Japão, a fim de aplicar a integralidade da legislação internacional relativa à proteção das crianças, com o objetivo de proteger as crianças dos efeitos nocivos do rapto parental de crianças;

30.

Solicita à Comissão que continue a alargar a investigação e a recolha de dados sobre a justiça adaptada às crianças e as melhores práticas neste domínio nos Estados-Membros; solicita à Comissão e aos Estados-Membros que recolham dados sobre os litígios civis transfronteiriços que envolvam crianças, como os casos de guarda, de direitos de visita e de rapto parental de crianças; solicita à Comissão que inclua estes dados no Painel de Avaliação da Justiça na UE;

Mediação em processos que envolvam crianças

31.

Solicita à Comissão que apresente uma nova proposta de regulamento relativo à mediação transfronteiriça, acompanhada de uma avaliação de impacto exaustiva, que deve conter normas comuns para os processos transfronteiriços, regras sobre o reconhecimento e a execução de acordos mediados, requisitos para a criação de um certificado europeu para mediadores para garantir a qualidade dos conhecimentos especializados em casos transfronteiriços e normas comuns para os contratos de mediação transfronteiriços; considera que essas normas comuns devem assegurar o respeito das regras de cada Estado-Membro em matéria de confidencialidade e fornecer às partes informações jurídicas suficientes sobre o conceito, os limites e as consequências da mediação;

32.

Solicita à Comissão e aos Estados-Membros que continuem a apoiar as redes existentes de mediadores em litígios familiares transfronteiriços;

33.

Solicita aos Estados-Membros que criem serviços de pré-mediação para fornecer aos pais e às crianças em questão todas as informações de que necessitam sobre o processo de mediação e os seus eventuais custos e benefícios, em particular para as próprias crianças e os seus direitos e bem-estar; salienta que alguns Estados-Membros já criaram tais gabinetes ou pretendem fazê-lo;

34.

Sublinha que a mediação pode ser um instrumento eficaz para proteger o superior interesse da criança em caso de rapto parental transfronteiriço; destaca, a este respeito, as boas práticas e o «modelo de mediadores em tribunal» utilizado por alguns Estados-Membros para resolver os litígios familiares transfronteiriços de forma amigável e extrajudicial;

35.

Solicita aos Estados-Membros que garantam que as crianças tenham a possibilidade de falar com uma pessoa qualificada e independente ao longo do processo de mediação, que lhes possa prestar apoio e informações adaptadas;

36.

Solicita aos Estados-Membros que facilitem o acesso a assistência judiciária para a mediação em caso de litígios familiares transfronteiriços aos pais com meios financeiros limitados.

37.

Sublinha a necessidade de explorar a utilização de ferramentas informáticas, incluindo a videoconferência, na mediação em caso de litígios a distância ou de litígios afetados por circunstâncias extraordinárias, como a pandemia de COVID-19;

38.

Solicita aos Estados-Membros que promovam ativamente a mediação voluntária em litígios familiares que envolvam crianças, nomeadamente através de alterações à legislação;

39.

Solicita aos Estados-Membros que prevejam regras simples, céleres e a preços acessíveis para tornar juridicamente vinculativos e exequíveis os acordos mediados entre pais;

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40.

Encarrega a sua Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Comité das Regiões, ao Comité Económico e Social, bem como aos governos e parlamentos dos Estados-Membros.

(1)  JO L 338 de 23.12.2003, p. 1.

(2)  JO L 7 de 10.1.2009, p. 1.

(3)  JO L 136 de 24.5.2008, p. 3.

(4)  JO L 156 de 5.5.2021, p. 21.

(5)  JO L 156 de 5.5.2021, p. 1.

(6)  Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de dezembro de 2021, V.M.A./Stolichna obshtina, rayon «Pancharevo», C-490/20, ECLI:EU:C:2021:1008.

(7)  JO C 252 de 18.7.2018, p. 14.

(8)  JO C 474 de 24.11.2021, p. 146.

(9)  Textos Aprovados, P9_TA(2021)0406.

(10)  Como o Kindbehartiger nos Países Baixos ou o Youth At Risk na Flandres.

(11)  JO L 178 de 2.7.2019, p. 1.