5.8.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 301/33


Parecer do Comité das Regiões Europeu — Autoridade Europeia de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias

(2022/C 301/06)

Relator:

Christophe CLERGEAU (FR-PSE), membro da Assembleia Regional do País do Loire

RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS

Observações gerais

1.

O Comité das Regiões Europeu recorda que, em março de 2020, a sua presidência exortou a Comissão Europeia e os Estados-Membros a criar um mecanismo de emergência sanitária da UE (1), uma ideia que expôs num parecer seu elaborado, também em 2020, sobre o mesmo tema (2); observa que esse parecer serviu de inspiração à comunicação da Comissão COM(2021) 576.

O debate sobre a criação da Autoridade Europeia de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA) insere-se num contexto marcado pela pandemia de COVID-19 em curso, que nos incita mais do que nunca a fazer da saúde uma prioridade para a União Europeia (UE). No entanto, a criação da HERA tem um objetivo mais abrangente, visando todos os tipos de riscos para a saúde humana, de grande escala e/ou transfronteiriços, bem como as fases de preparação e de gestão de crises, aos quais importa acrescentar os desafios da prevenção e da resiliência das sociedades e dos territórios, tudo isto no contexto mais vasto da guerra na Ucrânia, que está a ter um enorme impacto nos serviços de saúde, nas infraestruturas e na cooperação transfronteiriça, domínios que já tinham sido submetidos a forte pressão e desgaste durante o pior período da pandemia de COVID-19.

2.

O Comité das Regiões Europeu apoia a criação da HERA enquanto autoridade responsável pela preparação e gestão de crises sanitárias, tendo simultaneamente em conta, por um lado, que os Estados-Membros são os principais responsáveis pela prevenção, pela saúde pública e pelos cuidados de saúde, pela preparação para situações de crise e pela gestão das crises e, por outro lado, que cabe aqui às regiões um importante papel, uma vez que dois terços dos Estados-Membros dispõem de sistemas de saúde descentralizados de diferentes tipos. Salienta que é necessária uma visão de conjunto da proteção das populações, numa altura em que a ação da Comissão continua dispersa por vários centros de decisão, e que a UE deve prestar apoio aos Estados e às regiões.

3.

As crises sanitárias, independentemente da sua origem, constituem não só um risco para as populações, que são afetadas de forma muito desigual, mas também representam um risco para a própria construção europeia, se a Europa não lhes conseguir dar resposta de forma rápida, eficaz, coerente e solidária. A crise da COVID-19 pôs à prova a solidariedade entre os europeus, a integridade do mercado interno e a cooperação no espaço Schengen. O Comité das Regiões Europeu considera que a crise demonstrou também que os objetivos de segurança sanitária da União e de proteção das populações não podem «ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local», e que, por conseguinte, uma maior intervenção da União neste domínio respeita o princípio da subsidiariedade (3).

4.

Embora a gestão dos sistemas de saúde seja uma competência nacional, a Comissão Europeia tem um papel importante a desempenhar na proteção da saúde e na preservação do mercado único, em conformidade com os Tratados, que lhe conferem uma função de proteção do acervo da UE e consideram a proteção da saúde das populações um requisito essencial. Esta intervenção deve ser levada a cabo em estreita ligação com os Estados-Membros, e legitima uma participação ativa do Parlamento Europeu. O Comité das Regiões Europeu pretende fazer-se ouvir neste debate, uma vez que a ação local e de proximidade é essencial para garantir a proteção das populações num contexto de crise, que muitas regiões exercem competências importantes no domínio da saúde e que o apoio das regiões à inovação e à indústria é um elemento fundamental para aplicar contramedidas que permitam enfrentar as crises.

O âmbito de intervenção da HERA, a sua governação e a sua trajetória de reforço

5.

O Comité das Regiões Europeu defende, conforme proposto pela Comissão, que a HERA tenha um âmbito de intervenção bastante alargado, respeitando as competências dos outros organismos existentes (4). Com efeito, pretende-se dar resposta a ameaças para a saúde humana que podem ser de caráter natural, acidental ou deliberado, nomeadamente na sequência de atos terroristas, e ser de origem pandémica, biológica, ambiental, nuclear ou desconhecida.

6.

O Comité das Regiões Europeu salienta que, além do âmbito de intervenção, também o espetro de atividades da HERA é bastante alargado, uma vez que será responsável por identificar e analisar os riscos a montante das crises, promover ações de previsão, reforçar a capacidade das sociedades e dos territórios para enfrentar as crises, definir cenários de gestão que incluam respostas específicas, reforçar o ecossistema industrial e de investigação e inovação (I&I) de modo a permitir desenvolver e estabelecer contramedidas específicas e, por fim, assegurar a sua aplicação em todos os municípios e regiões da União e junto de todas as populações.

7.

Perante estes enormes desafios, o Comité das Regiões Europeu receia que a HERA não tenha capacidade para cumprir as suas funções.

8.

Embora a criação da HERA enquanto serviço interno da Comissão deva ser entendida como uma opção pragmática que permitirá avançar rapidamente e coordenar da melhor forma as diferentes atividades da Comissão, este rumo deve ser provisório e deve ser revisto no momento oportuno. O estatuto de serviço interno da Comissão não deve dificultar o recrutamento do pessoal especializado e de alto nível necessário para a preparação e gestão de crises. Importa garantir a autonomia de decisão, em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, que é fundamental para que a HERA possa analisar os riscos com total independência e tomar sem demora as medidas necessárias para proteger as vidas humanas.

9.

O plano de ação para 2022, publicado em 10 de fevereiro, prevê um orçamento anual de 1,3 mil milhões de euros, o que constitui um sinal positivo, mas não é coerente com a previsão orçamental de 6 mil milhões de euros para seis anos. A análise deste orçamento anual mostra a importância dada à aquisição de contramedidas e à constituição e gestão de reservas europeias (675,5 milhões de euros) — sem que seja mencionado o impacto no financiamento de outras medidas de proteção civil a nível europeu —, ao apoio a novas capacidades de produção (160 milhões de euros) e aos programas de investigação ao abrigo do Horizonte Europa (350 milhões de euros), a maior parte dos quais não são novos. Deste modo, restam apenas 100 milhões de euros para as ações destinadas à antecipação dos riscos e à adaptação dos sistemas de saúde.

10.

A HERA apresenta um terceiro ponto fraco, nomeadamente a sua governação que é estritamente limitada à Comissão Europeia e aos Estados-Membros, atribuindo ao Parlamento Europeu o mero papel de observador e excluindo dos órgãos permanentes da HERA todas as partes interessadas, os municípios e as regiões, bem como os intervenientes da sociedade civil. Esta governação não é adequada nem eficaz, uma vez que a preparação e gestão de crises implicam um vasto leque de intervenientes e de competências. Os municípios e as regiões, os diversos profissionais de saúde, as associações de doentes, os outros intervenientes fundamentais nos setores da ciência e investigação e as organizações não governamentais (ONG) no domínio da saúde e da solidariedade são intervenientes absolutamente essenciais para enfrentar com êxito as crises, e devem ser plenamente tidos em conta. No mínimo, as diferentes partes interessadas deverão ser membros permanentes do Fórum Consultivo, que deverá poder apresentar recomendações aos órgãos diretivos da HERA e estar ligado às diferentes vertentes da sua atividade.

11.

O Comité das Regiões Europeu reconhece a primazia das competências nacionais e a importância decisiva do trabalho conjunto da Comissão e dos Estados-Membros, mas solicita à Comissão e ao Conselho que retomem a via de um método aberto e inclusivo de coordenação com as partes interessadas e atribuam o devido papel aos representantes dos órgãos de poder local e regional e ao Parlamento Europeu, independentemente das considerações jurídicas.

12.

A ação operacional da HERA parece centrar-se na disponibilização de contramedidas médicas. No entanto, a gestão de crises engloba muitos outros aspetos, nomeadamente nos domínios da prevenção e da proteção civil. O Comité das Regiões Europeu entende que o conceito de contramedidas deve abranger todos os medicamentos e produtos farmacêuticos, incluindo as suas substâncias ativas, bem como todos os antibióticos, vacinas, testes e diagnósticos, dispositivos médicos e fornecimentos de medicamentos, equipamentos de proteção individual, equipamentos hospitalares e locais, mas também os sistemas de informação e os sistemas de monitorização das doenças infeciosas e de contaminantes emergentes. Com efeito, todos estes recursos são necessários para enfrentar as crises e proteger as populações e a sua saúde.

13.

O Comité das Regiões Europeu solicita que se preste a mesma atenção ao reforço da resiliência das sociedades e de uma cultura comum de gestão de crises e catástrofes. Neste contexto, deve prestar-se um apoio reforçado ao Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia e evitar que a criação da HERA diminua o seu orçamento. A presença do termo «emergências» na designação da HERA não deve criar confusão nem levar a HERA a duplicar as medidas de gestão de crises já desenvolvidas no âmbito do Mecanismo de Proteção Civil da UE, cuja pedra angular é o Centro de Coordenação de Resposta de Emergência (CCRE) da Comissão. É necessário assegurar uma coordenação muito sólida e uma clara repartição de funções entre estes dois instrumentos da Comissão que poderão, no futuro, ser conciliados. Importa igualmente delimitar as medidas previstas no ato legislativo revisto em matéria de ameaças transfronteiriças para a saúde, atualmente em negociação entre o Conselho e o Parlamento, bem como as funções da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e, em particular, do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC).

14.

A elaboração do plano estratégico plurianual da HERA é absolutamente prioritária e deve envolver também o Parlamento Europeu, os municípios e as regiões, bem como as partes interessadas. O referido plano deverá estabelecer o nível de recursos necessários para a HERA desempenhar eficazmente as suas muitas funções, descrever as etapas do seu reforço e prever indicadores de acompanhamento. O plano estratégico deverá ainda especificar os mecanismos de cooperação entre a HERA e os outros instrumentos de intervenção da UE, incluindo a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e o Mecanismo de Proteção Civil da UE, e indicar formas de reforçar também estes instrumentos para assegurar plenamente o seu papel em coordenação com a HERA.

Preparar a Europa para crises e catástrofes e proteger eficazmente todas as populações em todos os municípios e regiões da União

15.

A experiência da COVID-19 demonstrou que não pode existir uma ação eficaz sem uma resposta comum à escala europeia, que deve ser adaptada às diferentes necessidades e especificidades nacionais, regionais e locais. A HERA deve contribuir também para realizar as grandes e convergentes ambições europeias quanto à proteção das populações contra as crises. Neste momento, pelo contrário, a COVID-19 evidencia as desigualdades entre os territórios e as desigualdades sociais no acesso aos cuidados de saúde e à vacinação, que fragilizam a resposta às crises sanitárias e colocam em risco a Europa no seu conjunto.

16.

O Comité das Regiões Europeu apela para que a HERA desenvolva um trabalho de análise das vulnerabilidades dos territórios e das populações face às crises sanitárias. Este trabalho de análise das vulnerabilidades deve ter em conta a disponibilidade de reservas em toda a Europa e a capacidade operacional para chegar a todas as populações e, prioritariamente, às pessoas que têm uma saúde mais frágil ou que vivem em situação de exclusão e de precariedade. Deve incluir também a aptidão dos sistemas de saúde, dos hospitais e de outros centros de saúde para aumentar as suas capacidades em situação de crise, a fim de manter o máximo possível os cuidados de saúde programados e de, simultaneamente, fazer face ao aumento de doentes resultante da crise.

17.

Por conseguinte, o Comité das Regiões Europeu considera indispensável que a HERA desenvolva, em parceria com os outros organismos da UE competentes, um painel de avaliação das vulnerabilidades sanitárias e elabore com os Estados-Membros e as suas regiões programas de resposta aos diferentes tipos de emergência e de testes de resistência dos sistemas de saúde. Com base nos resultados destes testes, a Comissão e o Conselho deverão formular recomendações dirigidas aos Estados-Membros e às suas regiões, as quais deverão ser objeto de acompanhamento, no sentido de reforçarem os seus sistemas de saúde, a capacidade de resposta sanitária dos territórios, bem como a igualdade na proteção das diversas populações sempre que tal se revele necessário.

18.

De igual forma, a HERA deverá contribuir para o desenvolvimento de programas de investigação no âmbito do Horizonte Europa relativos à intervenção junto das populações mais frágeis (pessoas em situação de pobreza e de exclusão, minorias, refugiados, mulheres vítimas de violência, pessoas idosas e pessoas com deficiência, pessoas que apresentam comorbilidades, etc.), que são frequentemente, como demonstra a experiência da COVID-19, as principais vítimas. Estes programas de investigação devem também abordar especificamente as desigualdades no acesso dos idosos à saúde, a saúde mental das crianças e dos jovens, a complementaridade entre a medicina hospitalar e os cuidados de saúde de proximidade, assim como as inovações, designadamente digitais, na organização dos sistemas de saúde. Devem integrar sempre uma abordagem de género para garantir a representação adequada das necessidades das mulheres.

19.

A preparação das populações para catástrofes e epidemias futuras constitui um desafio essencial para o qual a HERA deve dar o seu contributo. Precisamos também, a nível europeu, de reforçar e coordenar os programas de prevenção em saúde pública, de promoção da saúde e de luta contra a clivagem digital e contra a desinformação. Estas medidas de prevenção da saúde devem ser transversais a todas as políticas públicas. A intervenção da HERA deve integrar-se numa política europeia de prevenção mais ambiciosa definida no quadro do Programa UE pela Saúde, um programa que deve ser reforçado e ter mais em conta igualmente as questões de saúde mental, de deficiência e de combate às doenças crónicas.

20.

Também é necessário retirar ensinamentos concretos da crise da COVID-19 e da guerra na Ucrânia através de ações de investigação. Importa, por conseguinte, adotar medidas que visem a reação rápida dos sistemas de saúde e a implantação acelerada de contramedidas no terreno (hospitais modulares, dispositivos médicos móveis e simplificados, unidades médicas móveis, «pequenos» centros de vacinação, mobilização suficiente de pessoal médico qualificado, etc.).

21.

Deverá ser prestada especial atenção aos desafios específicos das zonas rurais isoladas, das regiões de montanha e das regiões ultraperiféricas. É forçoso constatar que este conjunto de medidas não é, em grande medida, contemplado no programa de trabalho da HERA para 2022. O Comité das Regiões Europeu lamenta o facto e solicita que este aspeto seja revisto a partir de 2023.

22.

O Comité das Regiões Europeu considera que este conjunto de medidas não põe em causa as competências dos Estados-Membros, representando, pelo contrário, uma oportunidade para cada Estado, em coordenação com as regiões, ser mais eficaz na proteção da sua população.

23.

Para efeitos de gestão de crises futuras, seria útil que a Comissão Europeia procedesse a uma análise pormenorizada das despesas de saúde cobertas por verbas no âmbito da política de coesão e do Mecanismo de Recuperação e Resiliência durante os anos da pandemia. As boas práticas nacionais, regionais e locais poderiam também ser tidas em conta na conceção de futuras ações de prevenção e gestão de crises sanitárias.

24.

O Comité das Regiões Europeu solicita que as despesas de reforço do sistema de saúde e de preparação para crises, que aumentarão necessariamente, sejam objeto de uma abordagem específica no âmbito do Semestre Europeu e sejam sempre elegíveis para financiamento pelos fundos no âmbito da política de coesão, dando sequência à Iniciativa de Investimento de Resposta ao Coronavírus. O Comité das Regiões Europeu manifesta preocupação com o facto de as despesas de saúde, até ao momento, terem representado apenas uma ínfima parte do plano de recuperação e apela para que se conceda mais apoio à resiliência e aos equipamentos de saúde e de proteção civil dos municípios e das regiões.

25.

O Comité das Regiões Europeu recorda que os municípios e as regiões estão vocacionados para desempenhar um papel ativo, a par da União e dos Estados-Membros, no desenvolvimento destas novas abordagens de proteção das populações, principalmente quando detêm competências específicas em matéria de saúde e quando gerem o sistema hospitalar e de saúde. Este papel deve ser reconhecido a nível nacional e europeu, em conformidade com o princípio da subsidiariedade ativa.

Ensinamentos a retirar da guerra na Ucrânia

26.

O Comité das Regiões Europeu congratula-se com a participação da HERA na campanha de vacinação dos refugiados ucranianos na UE e com o seu apoio ao Mecanismo de Proteção Civil da UE, que garante o fornecimento de vacinas para crianças e outro material médico essencial graças ao apoio da indústria farmacêutica e dos ministérios da saúde.

27.

O Comité das Regiões Europeu considera que a guerra na Ucrânia nos recorda com firmeza que a Europa deve estar preparada para qualquer tipo de crise: tal como a COVID-19 atingiu os nossos territórios sem aviso prévio, não se esperava um conflito armado na vizinhança direta da UE. O seu impacto nos sistemas de saúde, especialmente na Europa Central e Oriental, não para de aumentar e deve ser acompanhado de perto, a fim de evitar que se chegue a um ponto de rutura. As capacidades de análise e de previsão da HERA devem ser desenvolvidas rapidamente, a fim de assegurar que a próxima catástrofe iminente não apanhe a União Europeia de surpresa.

28.

Reafirma, por conseguinte, que se deve dar prioridade, em todos os Estados-Membros e em todas as regiões da UE, ao reforço da capacidade dos sistemas de saúde para se adaptarem rapidamente a acontecimentos imprevistos. Neste sentido, o «painel de avaliação das vulnerabilidades sanitárias» e os «programas de testes de resistência dos sistemas de saúde» parecem, mais do que nunca, ações prioritárias.

29.

O Comité das Regiões Europeu chama a atenção para o risco de exposição às radiações devido a eventuais danificações nas infraestruturas nucleares civis, bem como para o risco de interrupção do tratamento das doenças crónicas, nomeadamente o cancro e o VIH (a Ucrânia apresenta uma das mais elevadas taxas de prevalência de VIH da Europa); é provável que estes riscos afetem também os sistemas de saúde dos países de acolhimento.

30.

A guerra na Ucrânia, que provocou a chegada à UE de milhões de pessoas não vacinadas, é um incentivo para reforçar a cooperação internacional em matéria de acesso a contramedidas, em particular vacinas, dando prioridade aos países da nossa vizinhança. Por conseguinte, o Comité das Regiões Europeu manifesta preocupação com a insuficiência destas medidas no âmbito do programa de trabalho da HERA para 2022.

Uma política industrial e de contratação pública ao serviço da saúde

31.

O Comité das Regiões Europeu saúda as iniciativas lançadas desde o início da crise para acelerar a adoção de contramedidas, bem como o projeto de regulamento do Conselho relativo às medidas de gestão de crises. Por conseguinte, considera que as propostas atuais ainda não são suficientes para permitir uma preparação eficaz para as crises sanitárias.

32.

O Comité das Regiões Europeu salienta a necessidade de uma política industrial e de inovação a montante das crises e entende ser imprescindível criar um novo quadro de regulação e de intervenção para permitir a soberania sanitária da UE e lhe conferir capacidade para industrializar os produtos resultantes da I&I.

33.

Considera que a União Europeia deve dotar-se de meios para estabelecer no seu território contramedidas «essenciais», em grande medida comuns à gestão de diferentes tipos de crises. Para produzir na Europa estes medicamentos, incluindo as suas substâncias ativas, bem como dispositivos médicos, testes, diagnósticos e equipamentos «de base», é necessária uma política de contratação pública proativa que assuma os custos de aprovisionamento, que poderão ser mais elevados. Atualmente, nada permite compreender de que forma as regras e os princípios de ação europeus permitirão alcançar este objetivo que é, contudo, essencial.

34.

Manifesta a sua profunda preocupação com as dificuldades enfrentadas por muitas empresas que, no início da crise e para colmatar a escassez, investiram a pedido dos poderes públicos e que são agora abandonadas em benefício de aquisições realizadas fora da UE. Considera que não foram retiradas lições da crise e que esta questão deve ser abordada com urgência. Em particular, solicita que as reservas estratégicas nacionais e europeias sejam constituídas e renovadas, sempre que possível, com produtos fabricados na Europa.

35.

Por conseguinte, o Comité das Regiões Europeu exorta a Comissão Europeia a estudar e propor um quadro legislativo específico que permita derrogações das regras em matéria de auxílios estatais e de contratação pública, nomeadamente no que diz respeito às contramedidas «essenciais». O processo atualmente em curso no domínio dos semicondutores (Regulamento Circuitos Integrados) deveria ser possível também no domínio da saúde.

36.

Este novo quadro jurídico deveria flexibilizar as regras da contratação pública, nomeadamente em matéria de inovação, reforçar o controlo dos investimentos estrangeiros e permitir auxílios diretos suficientes para contribuir eficazmente para acelerar o desenvolvimento e para a colocação no mercado de inovações médicas, como as vacinas. Com efeito, a União Europeia não pode ter hoje, juridicamente, o mesmo tipo de intervenção que o Reino Unido ou os Estados Unidos, o que coloca em risco o seu acesso às vacinas.

37.

O Comité das Regiões Europeu está preocupado com o tempo perdido, lamenta que a publicação do programa de trabalho da HERA para 2022 não tenha sido acompanhada do lançamento de uma iniciativa a este respeito e insta a Comissão a apresentar rapidamente uma proposta ao Parlamento e ao Conselho.

38.

O Comité das Regiões Europeu toma nota dos progressos recentes em matéria de estruturação da I&I no domínio da preparação para crises sanitárias. Com efeito, a Presidência francesa apoia firmemente um projeto importante de interesse europeu comum, a fim de reforçar a política industrial em matéria de saúde e o posicionamento estratégico da União neste setor, promovendo a inovação em diversos segmentos das indústrias da saúde. Além disso, em abril de 2021, a Comissão iniciou consultas para o lançamento, no âmbito do programa de trabalho 2023-2024 do Horizonte Europa, de uma parceria público-pública europeia de preparação para pandemias, destinada a coordenar a investigação realizada pelos Estados-Membros. No entanto, atualmente não existe um quadro que permita assegurar a coerência entre todas as ações do Horizonte Europa que podem contribuir para as missões da HERA e o orçamento previsto de 1,7 mil milhões, sendo que, durante os dois programas-quadro anteriores, foram mobilizados 4 mil milhões para a investigação em matéria de pandemias e vacinas. Assim, o Comité das Regiões Europeu preconiza:

a criação de um conselho científico da HERA, pluralista e com a participação das partes interessadas, para definir as prioridades científicas e um roteiro de I&I que o Horizonte Europa deve cumprir,

um maior esforço de mobilização orçamental no âmbito do Horizonte Europa para dar resposta às necessidades de I&I da HERA,

o lançamento de uma reflexão sobre a criação de uma futura «missão» dedicada à preparação e à gestão de crises sanitárias que permita uma abordagem transversal no âmbito do Horizonte Europa, uma coordenação científica e operacional e a participação de todas as partes interessadas, com especial destaque para a promoção das parcerias público-privadas.

39.

A investigação no domínio da resistência antimicrobiana afigura-se uma prioridade absoluta para a HERA. O uso excessivo de antimicrobianos, tanto na pecuária como na saúde humana, é uma bomba-relógio. Se não se encontrar uma solução rapidamente, é provável que em breve nos vejamos confrontados com um cenário em que já não teremos «nem cura nem tratamento». Quase todos os novos antibióticos colocados no mercado nas últimas décadas são variantes das famílias de antibióticos que foram descobertas na década de 1980. A Comissão ainda não obteve resultados conclusivos neste domínio, como o demonstra o relatório de 2019 do Tribunal de Contas (5). Por conseguinte, é necessário reforçar os serviços preventivos de saúde, de modo a permitir-lhes coordenar todos os intervenientes no controlo da utilização de antimicrobianos a nível local, nos hospitais e nas comunidades, e, ao mesmo tempo, investir na investigação de novos antibióticos e métodos alternativos de profilaxia.

40.

Um novo quadro legislativo permitiria desenvolver uma parceria estratégica entre a União e as indústrias farmacêuticas para melhor ter em conta os objetivos de saúde de interesse geral. O apoio direto da União deve ter como contrapartida uma industrialização na Europa, um acesso privilegiado aos produtos e um direito de escrutínio do preço das contramedidas e da política de licenças.

41.

Importa também refletir sobre as ações de I&I previstas e sobre o papel da HERA neste domínio. É necessário melhorar rapidamente a execução desta vertente no âmbito do Horizonte Europa para conferir rapidamente à HERA um roteiro em matéria de I&I que permita clarificar o modo de utilização dos 1,8 mil milhões de euros inscritos no seu orçamento para este programa.

42.

O Comité das Regiões Europeu salienta a necessidade de reforçar sem demora o tecido das pequenas e médias empresas inovadoras no domínio das contramedidas médicas, mas também de todos os tipos de dispositivos e equipamentos que permitem proteger as populações e enfrentar as crises. Importa, em primeiro lugar, apoiar a criação de empresas e a inovação — sendo esta uma competência, nomeadamente, dos municípios e das regiões — ajudando-as depois a crescer e a dotar-se de capacidade para realizar os ensaios clínicos e fabricar os produtos na Europa.

43.

Tal implica investimentos consideráveis e o reforço do capital das empresas em questão. Por conseguinte, afigura-se necessário mobilizar o Conselho Europeu da Inovação (CEI), a fim de estruturar melhor um ecossistema europeu de inovação em torno do desenvolvimento das contramedidas e da gestão das crises sanitárias, e reforçar os instrumentos de intervenção em capital de risco e capital de desenvolvimento para permitir às empresas inovadoras crescer mantendo a sua base na Europa. Estas intervenções também devem permitir partilhar o risco industrial associado ao desenvolvimento e à produção de contramedidas.

44.

A eficácia das contramedidas médicas está associada a uma gestão mais ágil dos ensaios clínicos, assegurando simultaneamente o cumprimento das regras deontológicas e a proteção dos dados pessoais. A HERA deve propor o reforço do quadro de cooperação com a Agência Europeia de Medicamentos no que diz respeito à coordenação de ensaios clínicos de média e grande escala, tão necessária e em falta no auge da crise da COVID-19. As iniciativas «Vaccelerate» e «Incubadora HERA» são um bom começo para colmatar estas lacunas, mas é necessário estabelecer ligações operacionais mais claras com as autoridades nacionais, a fim de eliminar mais rapidamente quaisquer obstáculos regulamentares ou protocolares. A revisão da nova estratégia farmacêutica europeia deve permitir evoluções importantes, nomeadamente a centralização das autorizações de ensaios clínicos para medicamentos sujeitos a uma autorização de introdução no mercado europeu.

45.

As infraestruturas de investigação são igualmente fundamentais. Para combater os principais flagelos sanitários de magnitude transfronteiriça, é essencial dispor de instalações de análise adequadas, computadores de alto desempenho, repositórios de dados de estudos epidemiológicos e de estudos de coorte completos para efeitos de análise das ameaças emergentes e dos cenários-modelo de resposta.

Uma ação internacional assente na prevenção e na solidariedade

46.

O Comité das Regiões Europeu considera que interessa à Europa intervir na origem dos novos riscos sanitários, a fim de limitar a exposição da União a esses riscos. Por conseguinte, a HERA deve dispor de meios para trabalhar em rede com múltiplos parceiros (incluindo, a nível internacional, as Nações Unidas e o Conselho da Europa) e para participar em operações fora das fronteiras da UE assim que os riscos forem identificados, em cooperação com os países afetados e mobilizando recursos significativos. Esta cooperação deve aplicar-se também à fase de preparação e incidir, nomeadamente, nas ações de prevenção, de redução das vulnerabilidades e de preparação das sociedades face às crises. Para tal, a HERA deve estabelecer parcerias com intervenientes da sociedade civil, ONG locais e internacionais e organizações multilaterais envolvidas em programas de prevenção de riscos.

47.

A suspensão da propriedade intelectual para as vacinas e outros produtos médicos não será uma solução suficiente se os países menos desenvolvidos não tiverem capacidade de desenvolver autonomamente a produção. O Comité das Regiões Europeu apela para que se preveja um enquadramento dos preços de determinados medicamentos, quando necessário, e solicita que se imponha à indústria farmacêutica a obrigação de conceder licenças de fabricação conforme proposto pela Organização Mundial do Comércio. Solicita que as políticas da UE contribuam para o desenvolvimento de produtos adaptados ao contexto específico dos países menos desenvolvidos. O Comité das Regiões Europeu pretende que a União se empenhe numa política ativa de transferência de tecnologias e de apoio à produção no local e disponibilize auxílios diretos adequados, a fim de contribuir para assegurar a assistência sanitária às populações onde ela for necessária.

48.

O Comité das Regiões Europeu constata e partilha as grandes expectativas dos cidadãos europeus de conferir à União um papel mais importante no domínio da saúde. Observa que tal é entravado pela redação atual do artigo 168.o dos Tratados, que é muito restritiva, e considera que o tema do reforço das competências europeias no domínio da segurança sanitária deveria figurar na ordem do dia na sequência da Conferência sobre o Futuro da Europa. As competências da União no domínio do mercado interno já lhe deveriam permitir avançar no domínio da saúde; o Programa UE pela Saúde deve poder ser reforçado e os ministros da Saúde da União Europeia devem reunir-se com grande regularidade, no âmbito de uma formação ad hoc do Conselho, e não apenas duas vezes por ano à margem da reunião do Conselho (Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores) (EPSCO).

Bruxelas, 27 de abril de 2022.

O Presidente do Comité das Regiões Europeu

Apostolos TZITZIKOSTAS


(1)  https://cor.europa.eu/pt/news/Pages/COVID-19-CoR-President-calls-for-a-EU-Health-Emergency-Mechanism-to-support-regions-and-cities.aspx

(2)  JO C 440 de 18.12.2020, p. 15.

(3)  https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:12008M005:PT:HTML

(4)  Em particular, o Centro de Coordenação de Resposta de Emergência (CCRE — proteção civil), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC).

(5)  https://www.eca.europa.eu/PT/Pages/DocItem.aspx?did=8892C8C4-6776-4B27-BE36-C181456EED71