21.6.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 181/14


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «O PIB e mais além — Participação da sociedade civil na seleção de indicadores complementares» (parecer de iniciativa)

2012/C 181/04

Relator: Stefano PALMIERI

Em 20 de janeiro de 2011, nos termos do disposto no artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar parecer de iniciativa sobre o tema

O PIB e mais além – Participação da sociedade civil na seleção de indicadores complementares

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 7 de março de 2012.

Na 479.a reunião plenária de 28 e 29 de março de 2012 (sessão de 29 de março), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 172 votos a favor, 5 votos contra e 12 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O CESE reitera o que afirma no ponto 8 da mensagem final da conferência «Agir sustentável, ser responsável! – A sociedade civil europeia na via da Conferência Rio+20», realizada em 7 e 8 de fevereiro passado: «Regozijamo-nos com o facto de a primeira versão do documento reconhecer as limitações do PIB enquanto indicador de bem-estar e reclamamos a participação da sociedade civil na elaboração urgente de indicadores complementares».

1.2   O CESE reconhece os progressos conseguidos nos últimos anos na elaboração de indicadores complementares ao produto interno bruto (PIB), a nível mundial e europeu, sobretudo na análise dos índices representativos da qualidade de vida e das condições sociais dos cidadãos em termos de sustentabilidade dos sistemas económicos.

1.2.1   O CESE continua a considerar fundamental estabelecer tais indicadores, sobretudo mediante uma abordagem global que coloque a União Europeia na vanguarda, também na perspetiva dos próximos encontros internacionais (Rio+20) e, sobretudo, face aos possíveis avanços nas novas estratégias europeias no âmbito da estabilidade e do crescimento económico, do desenvolvimento e da coesão social e da sustentabilidade ambiental. O primeiro ponto de referência para a elaboração desses indicadores complementares do PIB é a Estratégia Europa 2020.

1.3   O CESE considera que a complexa trajetória que culminará na redefinição do bem-estar e do progresso da sociedade – com um sentido mais lato do que o mero crescimento económico – não pode ser dissociada das atuais políticas europeias destinadas a combater os efeitos persistentes da crise económica e financeira.

1.3.1   A recuperação económica e a saída propriamente dita da crise exigem que se altere o paradigma de referência, passando a basear o desenvolvimento no bem-estar e no progresso da sociedade. Só deste modo se poderá dedicar mais atenção às causas da crise e da recessão sentida recentemente em toda a Europa, a fim de avaliar as suas consequências e gizar políticas mais adequadas, a curto e a longo prazo. Neste sentido, as políticas da UE representam um desafio particularmente interessante.

1.4   O CESE insiste, por conseguinte, na necessidade de superar as resistências e as tentações redutoras que se opõem a que, à margem dos indicadores tradicionais de caráter meramente económico e financeiro, se criem e controlem institucionalmente outros indicadores determinados pela sustentabilidade económica, social e ambiental, justamente porque é nesta ótica que mais facilmente se poderá refrear e gerir a crise atual.

1.5   É já considerável a distância entre as políticas económicas, a nível nacional e a nível europeu, e o progresso social. No entanto, como os institutos nacionais de estatística adotaram já em larga medida os indicadores complementares do PIB, a possibilidade de reduzir esse hiato depende da capacidade de transformar em conhecimento e em consciência coletiva dos cidadãos europeus a multiplicidade de informação disponível.

1.5.1   Neste contexto, convém lançar um debate sobre o verdadeiro significado de progresso que, para além de redefinir o conceito de desenvolvimento, introduza igualmente elementos de responsabilidade política. Esta nova abordagem requer a identificação das várias dimensões de que é feito o progresso mediante

i)

a extensão das contas nacionais aos fenómenos sociais e ambientais;

ii)

a utilização de indicadores compostos;

iii)

a criação de indicadores-chave.

1.6   O CESE considera, por conseguinte, que a estatística assumiu um papel decisivo para colmatar o hiato de conhecimento existente:

entre os processos económicos e sociais surgidos das decisões políticas e os progressos em termos de bem-estar e de progresso social;

entre as instituições políticas propriamente ditas e as instâncias de cidadania, hoje mais do que nunca, perante a evolução das tecnologias da informação e da comunicação.

1.7   O CESE está convencido de que a transparência dos processos de decisão democráticos requer uma governação estatística independente que readquira o seu papel fundamental de orientação das aferições e da sua metodologia, face aos fenómenos ditados pelas novas exigências de caráter económico, social e ambiental. O Eurostat é chamado a desempenhar aqui um papel central de integração e de harmonização das estatísticas nacionais e regionais.

1.8   O CESE considera, além disso, que a sociedade civil, juntamente com outros agentes sociais e institucionais, deverá identificar os âmbitos de intervenção dentro dos quais é determinado o progresso de uma sociedade, delineando as áreas específicas e os fenómenos de relevo (nos domínios económico, social e ambiental). Tal poderá realizar-se por intermédio de instrumentos específicos, de consulta e participação.

1.8.1   O CESE considera que a legitimidade das decisões públicas não pode ser criada e assegurada exclusivamente por garantias e sistemas formais – institucionais, jurídicos, constitucionais – do Estado, mas deve assentar necessariamente no contributo da sociedade civil.

1.8.2   O contributo específico da sociedade civil para a definição das perspetivas de desenvolvimento e de bem-estar é um contributo político necessário não só para imbricar a dimensão participativa com a cognitiva, mas também para alcançar os objetivos almejados.

1.9   O que falta, todavia, é desenvolver instrumentos de execução e de responsabilização necessários para vincular as escolhas políticas, em particular as de política económica e orçamental, com o desempenho dos próprios indicadores.

1.10   À luz das experiências de consulta e de participação nos vários países, o CESE considera que o «paradigma deliberativo» (processo de intercâmbio de informação e opiniões sobre uma decisão comum numa dimensão discursiva pela qual se formam e exprimem as preferências coletivas), que serviria de base à elaboração dos indicadores de bem-estar e de progresso, terá de assentar nos seguintes elementos:

um diálogo em pé de igualdade entre agentes institucionais e representantes da sociedade civil;

a inclusão no processo deliberativo de todos os interessados pela assunção da perspetiva e aferição e persecução do bem-estar e do progresso social;

uma orientação para o bem comum, em particular na síntese que se segue à fase de diálogo.

1.11   O CESE propõe-se prosseguir com o acompanhamento das atividades que implicam, a nível nacional e europeu, a participação da sociedade civil na elaboração de indicadores complementares do PIB.

1.12   O CESE reafirma a sua disponibilidade para servir de lugar de encontro entre a sociedade civil organizada e os órgãos institucionais europeus, no âmbito de um processo participativo e deliberativo de determinação e elaboração dos indicadores de progresso para a União Europeia.

2.   Introdução

2.1   Com o presente parecer, o CESE pretende dar o seu contributo para a reflexão sobre as formas de participação da sociedade civil nos processos de elaboração dos indicadores de bem-estar ou de progresso de uma sociedade, na perspetiva da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável: Cimeira da Terra 2012 – Rio +20, que terá lugar de 20 a 22 de junho de 2012 no Rio de Janeiro (1), e do 4.o Fórum Mundial da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) que terá lugar de 16 a 19 de outubro de 2012 em Nova Deli, na Índia, sobre «Statistics, Knowledge and Policies Measuring Well-Being and Fostering the Progress of Societies» [Estatísticas, conhecimento e políticas para medir o bem-estar e promover o progresso das sociedades].

2.2   O CESE tenciona prosseguir na via de reflexão encetada nos seus pareceres anteriores, dando continuidade ao processo de acompanhamento dos progressos realizados – a nível europeu – na elaboração dos indicadores complementares do PIB, aptos a exprimir o desenvolvimento económico e social no pleno respeito da sustentabilidade ambiental (2).

2.3   Já com o seu parecer sobre o tema «Para além do PIB — Instrumentos para medir o desenvolvimento sustentável» (3), o CESE havia refletido sobre os limites do PIB, sobre correções e integrações e, por conseguinte, sobre a necessidade de definir novos critérios para fixar indicadores complementares de bem-estar e de sustentabilidade (económica, social e ambiental), «para uma política mais equilibrada».

2.4   Dois anos mais tarde, dando seguimento ao debate e aos preparativos à escala europeia no seu parecer intitulado «O PIB e mais além – Medir o progresso num mundo em mudança» (4), o CESE congratulava-se com a comunicação da Comissão Europeia (5), sublinhando a importância de uma perspetiva de longo prazo na escolha dos parâmetros de referência e de instrumentos estatísticos mais aptos a alargar as contas nacionais às temáticas ambientais e sociais, também neste caso em função das escolhas estratégicas dos agentes políticos institucionais.

2.4.1   Neste parecer, o CESE evidenciava a necessidade de aprofundar a análise dos índices representativos da qualidade de vida e das condições sociais dos indivíduos, adotando uma abordagem global que permita à União Europeia ocupar a vanguarda nesta iniciativa.

3.   Do crescimento económico ao progresso social: uma trajetória complexa

3.1   Há mais de cinquenta anos que se começou a elaborar novos índices sintéticos, alternativos ou simplesmente complementares do indicador tradicional do crescimento económico: o PIB. O PIB é um instrumento de aferição «especializado» num segmento específico de atividade – essencialmente de mercado – de uma sociedade. Só uma interpretação «preguiçosa» seria capaz de convertê-lo de «indicador de produção» em «indicador de bem-estar de uma sociedade» (6).

3.1.1   Entre os anos sessenta e noventa foram elaborados indicadores de caráter social, complementares ou alternativos do PIB, que permitiram estabelecer âmbitos de investigação suplementares em relação à componente económica tradicional. Esta fase pode ser definida como «fase social» dos indicadores de progresso de uma sociedade.

3.1.2   Em fins dos anos oitenta, o Relatório Brundtland (1987) colocou a questão do desenvolvimento sustentável no foco das atenções à escala mundial (7). Posteriormente, com a Conferência sobre o Ambiente e o Desenvolvimento da ONU de 1992 (Cimeira da Terra do Rio), a questão ambiental passou a fazer parte da agenda política internacional, assinalando a transição para uma «fase global» de busca e elaboração de indicadores capaz de medir o progresso da sociedade (8).

3.2   É, porém, no curso da última década que se afirma com mais vigor a exigência de medir o nível de bem-estar alcançado por uma sociedade, garantindo simultaneamente a sua sustentabilidade económica, social e ambiental.

3.3   Nestes anos foi fundamental o papel da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável com o «Projeto Global sobre a Aferição do Progresso das Sociedades», iniciado em 2003 (9). Este projeto representou e representa ainda agora um verdadeiro exemplo de reflexão conjunta à escala mundial que permitiu tomar consciência da necessidade de mudar o paradigma do progresso da sociedade e do modelo de desenvolvimento global que lhe está associado.

3.3.1   Graças ao Projeto Global foi criada uma rede de operadores privados e públicos interessados em desenvolver uma profunda reflexão sobre i) os estudos e as análises no âmbito das estatísticas sobre o bem-estar social, a sustentabilidade ambiental e o crescimento económico; ii) os instrumentos das tecnologias da informação e da comunicação, que permitam traduzir as estatísticas em conhecimento (10).

3.4   Em 20 de agosto de 2009, a Comissão Europeia publicou uma importante comunicação intitulada «O PIB e mais além – Medir o progresso num mundo em mudança» (11), em que reconhecia a necessidade de agregar ao PIB indicadores ambientais e sociais e estabelecia um programa de trabalho até 2012.

3.5   Volvido pouco menos de um mês (12), era publicado o Relatório da Comissão para a Aferição do Desempenho Económico e do Progresso Social (conhecido geralmente como Relatório da Comissão Stiglitz, Sen e Fitoussi) (13) com objetivos explícitos de:

a)

determinar os limites da utilização do PIB como indicador do desempenho económico e do progresso social;

b)

avaliar a possibilidade de utilizar instrumentos de aferição alternativos de progresso social;

c)

promover uma reflexão sobre a forma mais adequada de apresentar as informações estatísticas.

3.5.1   Para tal, são formuladas neste relatório 12 recomendações que permitirão elaborar instrumentos de aferição capazes de avaliar o bem-estar social, material e imaterial, nos seus múltiplos aspetos (14).

3.6   Em 25 de setembro de 2009, a reflexão sobre o PIB e sobre a necessidade de indicadores complementares de bem-estar social e ambiental adquiriu maior protagonismo no decurso da Cimeira do G20 em Pittsburgh. Na declaração final era assumido o seguinte compromisso: «No momento em que nos empenhamos em introduzir um modelo novo e sustentável de crescimento, devemos encorajar a elaboração de novos métodos de aferição que permitam ter mais plenamente em conta as dimensões social e ambiental do desenvolvimento económico».

3.7   Em dezembro de 2010, a Comissão Europeia apresentou o «Quinto relatório sobre a coesão económica, social e territorial (15)», com uma secção consagrada ao tema «Melhorar o bem-estar e reduzir a exclusão» no capítulo I «Análise e tendências da situação económica, social e territorial» (pág. 73-117), que retoma uma série de indicadores de bem-estar.

3.8   Não obstante a maior atenção dada ao progresso de uma sociedade, parece continuar a haver resistências relativamente fortes nas instituições europeias quando se trata de aplicar os mesmos indicadores de caráter sócia e ambiental.

3.8.1   Durante a primavera/outono de 2010 a Comissão Europeia apresentou um projeto de reforço da governação económica europeia com vista a corrigir os desequilíbrios fiscais e macroeconómicos dos Estados-Membros da UE (16). Um sistema como este deveria assentar num sistema de indicadores (scoreboard) capaz de alertar para tais desequilíbrios e permitir atuar oportunamente com medidas de correção nos Estados-Membros em causa (17). No entanto, a reflexão sobre o sistema de indicadores a adotar foi totalmente desprovido de transparência. Na sua escolha a Comissão excluiu totalmente os indicadores económicos pertinentes igualmente para se compreender os desequilíbrios financeiros, isto é os de caráter social e ambiental.

3.8.2   Igual escolha parece ter sido adotada com o Pacto Euro+ ou o recente Pacote Fiscal para responder à especulação financeira e salvaguardar a competitividade da Zona Euro.

3.8.3   Como já teve ocasião de referir, tanto no parecer sobre o reforço da coordenação das políticas europeias (18) como no parecer sobre os desequilíbrios macroeconómicos (19), o CESE considera que se por desequilíbrios macroeconómicos se entendem disparidades persistentes entre a procura e a oferta agregada (a ponto de gerar excedentes ou défices no consumo e na poupança de toda a economia) então é perfeitamente descabido inserir igualmente indicadores de natureza social, como por exemplo, um índice de desigualdades de rendimentos e de riqueza, incidência dos salários mais baixos, a componente dos chamados trabalhadores pobres, a parte respetiva dos salários e dos dividendos (lucros) no PIB, etc (20). São estes indicadores que põem em evidência desequilíbrios macroeconómicos derivados da alta taxa de poupança dos rendimentos mais elevados e o excesso de endividamento dos rendimentos médios e baixos. Estes indicadores são fontes irrefutáveis da crise economia e financeira global desencadeada a partir de 2008 (21).

3.8.4   Por outras palavras, a pouco menos de dois anos da comunicação da referida Comissão Europeia (22), a própria Comissão, seguindo embora novas pistas para conceber o desenvolvimento e o progresso social, foi chamada a exercer o seu papel de gestão, de coordenação e, sobretudo, de controlo dos Estados-Membros e continua a utilizar instrumentos e abordagens tradicionais, privilegiando a dimensão económica em detrimento dos aspetos sociais e ambientais.

3.8.5   É sobre este pano de fundo que o CESE, juntamente cm o Parlamento Europeu e o Comité das Regiões, considera que a reflexão sobre a ideia de progresso social não pode circunscrever-se aos âmbitos restrito, antes envolver necessariamente toda a sociedade.

3.9   De todos os estudos nacionais e internacionais (realizados por privados ou pelo setor público) sobre indicadores complementares ao PIB resulta que se fosse dedicada mais atenção igualmente aos indicadores de sustentabilidade económica, social, ambiental, intergeracional e financeira, a crise que vivemos poderia ter sido prevenida a tempo e, seguramente, mais bem gerida.

3.9.1   Medir o bem-estar e o progresso não é um problema exclusivamente técnico. A própria conceção do bem-estar aponta para preferências e valores de fundo de uma sociedade e dos indivíduos que a compõem.

3.9.2   De entre os aspetos mais significativos dos estudos e das reflexões sobre as causas da crise e sobre a possibilidade de «a medir» com indicadores mais completos, sobressai a maior importância à procura agregada (e não só à oferta). Quanto ao bem-estar material, o debate internacional aponta para que se deve estar mais atento ao rendimento e ao consumo, e não tanto à produção, e igualmente para a necessidade de considerar os índices de concentração da riqueza; recorda-se igualmente que a qualidade dos bens influencia o bem-estar e realça-se em especial as desigualdades e a possibilidade de as medir, bem como a imperiosa necessidade de não se cingir unicamente às grandezas «médias».

3.9.3   Não há dúvida de que o arrastamento da crise económico-financeira de 2008-2009 até dupla recessão atual, torna este debate particularmente pertinente, sobretudo se atentarmos na origem da crise e na perspetiva da redefinição do crescimento, do desenvolvimento e do progresso que os vários sistemas dos países e, de um modo mais geral, a sociedade gostariam de gerar.

4.   O progresso de uma sociedade, novo paradigma de referência

4.1   O debate em torno da necessidade de recorrer a novos indicadores para ampliar a esfera económica e ter em conta os problemas de caráter social e ambiental ganha, hoje em dia, maior relevância à luz do novo paradigma de referência da sociedade. Atualmente, o crescimento económico, ainda que seja um fator extremamente importante para uma nação, já não basta para assegurar o progresso real da coletividade se tal crescimento não for inclusivo e sustentável.

4.1.1   O conceito de crescimento económico vem juntar-se ao do progresso. Um conceito muito mais amplo e complexo em que o aspeto multidimensional envolve uma multiplicidade de objetivos a perseguir, de políticas e ações a implementar e, por isso mesmo, indicadores para acompanhar a progressão no sentido da realização desses objetivos. A própria noção de progresso pode dar lugar, consoante os países, a interpretações e significados diferentes em função da população, da cultura e da religião.

4.2   Em vez de simplificar as coisas, a mudança de paradigma de referência do crescimento económico para o progresso tende sobretudo a complicá-las. Por esta razão, é cada vez mais necessário lançar um debate sobre o verdadeiro significado de progresso que, para além de redefinir o conceito de desenvolvimento mediante a fixação de objetivos e de instrumentos para os alcançar, se introduzam também elementos de responsabilidade política. Por outras palavras, um debate que permita que a sociedade, em todos os seus componentes, se possa concentrar nos elementos que considera essenciais para a própria existência.

4.3   Esta abordagem, totalmente nova, requer a identificação das dimensões de que é feito o progresso, para se poder construir depois os correspondentes indicadores. As três abordagens para medir o progresso dizem respeito:

1)

à extensão das contas nacionais aos fenómenos sociais e ambientais;

2)

à utilização de indicadores compostos;

3)

à criação de indicadores-chave.

4.4   As mais recentes e completas análises do progresso de uma sociedade mostram que ele é essencialmente composto por dois sistemas – o sistema humano e o ecossistema (23). São dois sistemas intimamente ligados através de diferentes canais: o primeiro constituído pela «gestão dos recursos ambientais interdependentes» e o segundo pelos «serviços do ecossistema» (24).

4.4.1   Neste contexto, «o bem-estar humano» (na sua conceção individual e social), tem uma função dominante e representa o objetivo fundamental para o progresso da sociedade. O bem-estar baseia-se, pois, em três áreas de atividade: económica, cultural e de governação (que podem, por seu turno, ser considerados «objetivos intermédios» O ecossistema, por sua vez, é composto por um campo de atividade representado pela «condição do ecossistema» (ver gráfico 1).

4.4.2   Neste contexto, «o bem-estar de uma sociedade» pode ser definido como a soma do bem-estar humano e das condições do ecossistema, e o «progresso da sociedade» como a melhoria do bem-estar humano e das condições do ecossistema. Esta avaliação deverá ser corrigida e completada, incorporando a influência das desigualdades sobre o bem-estar humano e as condições do ecossistema. As desigualdades a considerar são as que existem entre a sociedade e as áreas geográficas, as que se produzam no interior destas áreas e as desigualdades entre gerações. É assim que se consegue definir o progresso equitativo e sustentável de uma sociedade.

4.5   É dentro desta reflexão que se insere o debate sobre os indicadores complementares ao PIB. Se este debate é novamente atual e se coloca a necessidade de medir outros fenómenos (e não o mero crescimento económico), é porque houve uma nova tomada de consciência da importância destes fenómenos que fez com que eles fossem integrados na agenda política. Medi-los permite conhecê-los e, por isso, geri-los.

4.5.1   Estes fenómenos pressupõem opções políticas, pelo que é necessário um controlo que permitirá com que os cidadãos sejam oportunamente informados. É por esta razão que a estatística oficial independente e de qualidade é fundamental.

5.   Informação, consulta e participação nos processos de elaboração dos indicadores de progresso

5.1   O debate sobre a elaboração de indicadores complementares do PIB surgiu essencialmente pelo facto de na última década se ter cavado um verdadeiro fosso entre:

as medidas adotadas pela estatística oficial (composta pelos institutos nacionais e supranacionais de estatística), para assinalar alguns fenómenos; e

as tendências de natureza económica, social e ambiental que interessam a coletividade e sobre os quais os cidadãos europeus estão confrontados no seu dia a dia.

Este fosso também se acentuou em virtude dos efeitos económicos e sociais desastrosos derivados da crise global.

5.1.1   Dito por outras palavras, a distância entre a realidade estabelecida e a representada pelas estatísticas oficiais (através dos seus indicadores tradicionais, de que o PIB é o mais representativo) e a realidade sentida pelos cidadãos põe inevitavelmente uma série de reflexões sobre o papel que as estatísticas oficiais terão que assumir no século XXI.

5.2   Tudo isto ocorre precisamente quando, na esteira do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), se produz uma verdadeira revolução na comunicação que conduz a uma maior disponibilidade dos fluxos de informação. A questão central que se coloca é a de saber quando é que este processo se transformará em conhecimento efetivo da coletividade, sendo aqui que as estatísticas oficiais vão ser chamadas a desempenhar um importante papel. O objetivo deve ser o de possibilitar a passagem da informação para o conhecimento.

5.2.1   O haver mais informação favorece a transparência dos processos de decisão democráticos (por exemplo, os indicadores estatísticos favorecem a compreensão das dinâmicas que determinados estão a assumir – emprego, desemprego, inflação, etc.). Mas o fluxo maciço de informação pode perturbar a concentração dos utilizadores, sejam os cidadãos em geral ou os responsáveis políticos, porquanto mais informação não se significa necessariamente mais conhecimento).

5.3   É este dilema que leva à necessidade imperiosa de uma gestão estatística independente e de qualidade. Uma estatística independente que reencontre o seu papel fundamental de orientação das medições e da sua metodologia face aos fenómenos ditados pelas novas exigências de caráter económico, social e ambiental (25).

5.3.1   O CESE considera que a comunicação da Comissão «Para uma gestão eficaz da qualidade das estatísticas europeias» se insere neste contexto, e confirma que, hoje em dia, as estatísticas europeias (26), devem permitir conhecer os fenómenos mas também contribuir para a sua gestão - presente e futura. Neste âmbito, os cidadãos devem poder fazer as suas opções com conhecimento de causa, racional e democraticamente.

5.3.2   O Eurostat está pois vocacionado para desempenhar um papel central na integração e harmonização das estatísticas nacionais e regionais, sobretudo no atinente à qualidade de vida, à sustentabilidade e à distribuição do rendimento e do capital, a fim de medir as variações de bem-estar em função das intervenções da ação pública.

5.3.3   Eurostat deveria garantir um apoio metodológico para que aos atores institucionais e sociais, mas igualmente aos cidadãos europeus, disponham dos instrumentos necessários para se manterem devidamente informados, poderem ser consultados e participarem no debate público (27).

5.4   Se, neste contexto, compete à sociedade civil determinar, juntamente com os outros atores sociais e institucionais, através de encontros sob a forma de mesas-redondas e de fóruns específicos, os setores de intervenção que servem para determinar o progresso de uma sociedade, delimitando as áreas específicas e os fenómenos mais importantes (isto é os diferentes «campos» m matéria económica, social e ambiental), cabe à estatística um papel de apoio «técnico» fornecendo o método mais adequado e indicadores eficazes para medir os fenómenos.

5.5   A participação dos cidadãos permite constituir «formas de inteligência coletiva» que, ao proporcionar a afirmação de práticas de cidadania ativa, contribuem para redefinir a democracia.

em primeiro lugar a «democracia participativa» com uma maior interação e espaços para a estabelecer prioridades através de uma progressiva compreensão e ponderação dos diferentes pontos de vista na perspetiva do interesse geral (28);

em seguida, a «democracia elaborativa», para definir critérios que delimitem o conceito de bem-estar como objetivo partilhado de progresso social, identificando as variáveis que vão permitir elaborar indicadores que sirvam para medir o bem-estar e definir percursos de progresso da sociedade compreensíveis para as partes interessadas e, suscetíveis de favorecer a sua participação na procura do bem-estar de todos (29).

5.5.1   É através desta prática que se desenvolve o conceito de «capital social» (30) que está na base dos objetivos europeus em matéria de economia do conhecimento e de coesão social e pode igualmente definir-se como a capacidade de afinar o conceito de bem-estar de todos, através de uma maior confiança, entendimento e cooperação da sociedade civil com a administração pública. Esta atitude só pode vir com um empenhamento cívico, político e social muito forte que a própria administração pública deve favorecer através de práticas de consulta (31).

5.5.2   Um número considerável de países (Austrália, Canadá, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Luxemburgo, México, Países Baixos, reino Unido, Estados Unidos e Suíça) lançaram recentemente processos que preveem a participação da sociedade civil.

5.5.3   Todas as experiências mostram as diferenças substanciais na articulação e extensão dos processos de envolvimento dos atores da sociedade civil. Manifestam-se mais no momento da interação discursiva ou dialética (debate público e identificação de valores e de prioridades) do que na primeira fase de consulta.

5.5.4   A consulta, por seu turno, exige uma utilização intensiva dos sítios Internet específicos, a criação de grupos de trabalho encarregados de tratar de áreas temáticas específicas e programas de consulta que preveem uma utilização intensiva de redes sociais, blogues e sondagens, sobretudo realizadas em linha. Todavia, até ao momento, nenhum país conseguiu encontrar um vínculo formal ou substancial entre a construção deliberativa dos indicadores e os processos de programação económico-financeira.

5.5.5   O CESE considera que a participação da sociedade civil no estabelecimento dos indicadores de bem-estar ou de progresso se pode realizar através da sua própria participação ativa tanto na seleção das prioridades políticas como na escolha das informações a controlar.

Bruxelas, 29 de março de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  http://www.earthsummit2012.org/.

(2)  Pareceres do CESE sobre o tema «Para além do PIB — Instrumentos para medir o desenvolvimento sustentável», JO C 100 de 30.4.2009, p. 53 e sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu – O PIB e mais além – Medir o progresso num mundo em mudança», JO C 18 de 19.1.2011, p. 64.

(3)  JO C 100 de 30.4.2009, p. 53.

(4)  JO C 18 de 19.1.2011, p. 64.

(5)  COM(2009) 433 final.

(6)  O próprio Simon Kuznets – a quem se deve a difusão do PIB nos Estados Unidos – havia advertido para eventuais abusos ou mal-entendidos a que poderia lever a utilização distorcida desse instrumento, preocupando-se em determinar os limites de intervenção. Costanza, R., Hart, M., Posner, S., Talberth, J., 2009, Beyond GDP: The Need for New Measures of Progress [A necessidade de novas medidas para o progresso]. Universidade de Boston.

(7)  Organização das Nações Unidas, 1987, Relatório da Comissão Mundial sobre o Ambiente e o Desenvolvimento.

(8)  Uma atividade de investigação que se concentrará essencialmente em quatro abordagens metodológicas diversas: i) indicadores de correção do PIB; ii) indicadores alternativos; iii) indicadores sintéticos; iv) sistema de indicadores.

(9)  O projeto foi lançado em Palermo em 2004 durante o primeiro Fórum Mundial da OCDE sobre o tema «Estatísticas, conhecimento e política». Três anos mais tarde tem lugar o segundo Fórum (2007) em Istambul sobre o tema «Aferir e fomentar o progresso da sociedade» em que é assinada a Declaração de Istambul pelos representantes da CE, da OCDE, da ONU, do PNUD, do Banco Mundial e da Organização da Conferência Islâmica. Em 2009, realizou-se em Busan (Coreia do Sul) o terceiro Fórum da OCDE sobre o tema «Avaliar os progressos, criar uma visão, melhorar a qualidade de vida».

(10)  Durante o fórum anual de 24 e 25 de maio de 2011, a OCDE apresentou um índice de melhoria da qualidade de vida (Better life index), um indicador que mede a riqueza, o bem-estar e a qualidade de vida com recurso a 11 parâmetros (habitação, rendimento, trabalho, vida social, educação, ambiente, governação, saúde, satisfação pessoal, segurança, equilíbrio entre vida privada e vida profissional): OCDE, 2011, How's Life? Measuring Weel-Being, OECD Better Life Initiative. http://www.oecdbetterlifeindex.org/.

(11)  COM(2009) 433 final.

(12)  14 de setembro de 2009.

(13)  http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr/en/index.htm.

(14)  Em 12 de outubro de 2011, realizou-se em Paris uma conferência organizada pela OCDE, pelo Institute Nationale de la Statistique et des Etudes Economicques (INSEE), pelo ministro francês da Economia, das Finanças e da Indústria: «Two Years after the release of the Stiglitz-Sen-Fitoussi Report: What well-being and sustainability measures» [Dois anos após a publicação do Relatório Stiglitz-Sen-Fitoussi: Como medir o bem-estar e a sustentabilidade?] Contribuições do INSEE, Paris.

(15)  http://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docoffic/official/reports/cohesion5/index_fr.cfm.

(16)  Reforçar a coordenação das políticas económicas com vista à estabilidade, crescimento e emprego – Instrumentos para uma melhor governação económica da UE - COM(2010) 367.

Reforçar a coordenação das políticas económicas, COM(2010) 250 final.

(17)  Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às medidas de execução para corrigir os desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro, COM(2010) 525 final - 2010/0279 (COD).

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconómicos (COM(2010) 527 final – 2010/0281 (COD)).

(18)  Ver parecer do CESE sobre a «Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Reforçar a coordenação das políticas económicas com vista à estabilidade, crescimento e emprego – Instrumentos para uma melhor governação económica da UE», JO C 107 de 6.4.2011, p.7.

(19)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às medidas de execução para corrigir os desequilíbrios macroeconómicos excessivos na área do euro» [COM(2010) 525 final — 2010/0279 (COD)] e a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconómicos», COM(2010) 527 final — 2010/0281 (COD), JO C 218 de 23.7.2011, p. 53.

(20)  Como proposto, nomeadamente, no relatório do Parlamento Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a prevenção e a correção dos desequilíbrios macroeconómicos, relatora Elisa Ferreira (2010/0281(COD)) de 16 de dezembro de 2010.

(21)  OIT-FMI, The Challenges of Growth, Employment and Social Cohesion [Os desafios do crescimento, do emprego e da coesão social], documento de trabalho para a conferência conjunta OIT-FMI, Oslo, 13 de setembro de 2010, pp. 67-73.

(22)  Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu – O PIB e mais além – Medir o progresso num mundo em mudança, COM(2009) 433 final.

(23)  Hall J., Giovannini E., Morrone A., Ranuzzi G., 2010, A Framework to Measure the Progress of Societies. Direção de Estatísticas. Documento de trabalho n.o 34. OCDE, STD/DOC (2010)5, Paris.

(24)  Enquanto a gestão dos recursos é o resultado dos efeitos das ações que o homem leva a cabo em relação ao ecossistema (exploração dos recursos naturais, poluição), os serviços do ecossistema reúnem os dois sistemas (humano e ecossistema) nas duas direções (abastecimento de alimentos; água; ar, consequências das catástrofes naturais, etc.) Hall J., Giovannini E., Morrone A., Ranuzzi G., 2010.

(25)  Giovannini, E., 2007, Statistics and Politics in a Knowledge Society, OCDE, STD/DOC(2007)2, 29 maio de 2007, retomado em 28 de janeiro de 2010 in: http://www.2007oecd.org/dataoecd/39/53/41330877.pdf.

Giovannini, E. 2009, Measuring Society's Progress: A key issue for policy making and democratic governance, retomado em 28 de janeiro de 2010 in: http://www.oecd.org/dataoecd/6/34/41684236.pdf.

(26)  COM(2011) 211 final.

(27)  É nesta perspetiva que foi criado no Sistema estatístico europeu o Sponsorship Group«Medir o progresso, o bem-estar e o desenvolvimento sustentável» a fim de coordenar as atividades relacionadas com esta questão e de aplicar as recomendações da Comissão Stiglitz, Sen y Fitoussi, na perspetiva dos objetivos da Estratégia Europa 2020.

(28)  Para aprofundar o tema ver conferência do CESE sobre democracia participativa «A democracia participativa para lutar contra a crise de confiança europeia» (http://www.solidar.org/Document.asp?DocID=4821&tod=62618) (http://www.esc.eu.int/sco/events/08_03_04_democracy/index_en.asp). E a conferência «Participatory democracy: current situation and opportunities provided by the European Constitution» (http://www.esc.eu.int/sco/events/08_03_04_democracy/index_en.asp). Recordem-se ainda The Citizen's Handbook (http://www.vcn.bc.ca/citizens-handbook) e European Citizens' Initiative (http://www.citizens-initiative.eu/) – Campanha de promoção dos direitos participativos para os cidadãos da União Europeia.

(29)  Na análise da dinâmica da democracia participativa é habitual a distinção entre processos «descendentes» (em que a iniciativa parte da esfera institucional para implicar os cidadãos e a sociedade civil) e «ascendentes» (organizados pela base crescem até chegar a um ou a vários níveis institucionais). Em ambos os casos, a presença de uma referência a interações entre duas esferas diferentes de organização e de decisão, que são alheias às formas de democracia direta, coloca a democracia participativa como uma abordagem de diálogo e processual, que, de facto, se aplica à resolução de conflitos. Concretamente, procura-se a convergência entre os dois processos.

(30)  OCDE, 2001, The well-being of nations: the role of human and social capital [O bem-estar das nações e o papel do capital humano e social], OCDE, Paris.

(31)  OCDE, 2001, Citizens as partners, Information, consultation and public participation in policy-making, [Cidadãos parceiros: informação, consulta e participação na formulação das políticas públicas], PUMA (Public Management Service), OCDE, Paris.