21.10.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

CE 285/59


Quinta-feira, 26 de Novembro de 2009
Por uma solução política para o problema da pirataria ao largo da costa da Somália

P7_TA(2009)0099

Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de Novembro de 2009, sobre uma solução política para o problema da pirataria ao largo da costa da Somália

2010/C 285 E/08

O Parlamento Europeu,

Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre a situação na Somália,

Tendo em conta a sua resolução, de 23 de Outubro de 2008, sobre a pirataria no mar (1),

Tendo em conta a sua resolução, de 19 de Junho de 2008, sobre o assassínio banalizado de civis na Somália (2),

Tendo em conta as Conclusões do Conselho «Relações Externas» de 27 de Julho de 2009 (12354/2009) e de 17 de Novembro de 2009 (15914/2009),

Tendo em conta a Decisão 2008/918/PESC do Conselho, de 8 de Dezembro de 2008, relativa ao lançamento da operação militar da União Europeia tendo em vista contribuir para a dissuasão, a prevenção e a repressão dos actos de pirataria e dos assaltos à mão armada ao largo da costa da Somália (Atalanta) (3) – chamada Operação Atalanta,

Tendo em conta as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas S/RES 1814 (2008), 1816 (2008), 1838 (2008), 1846 (2008), 1851 (2008), 1863 (2009) e 1972 (2009),

Tendo em conta Troca de Cartas entre a União Europeia e o Governo do Quénia sobre as condições e modalidades de transferência, da força naval liderada pela União Europeia (EUNAVFOR) para o Quénia, e ulterior tratamento, das pessoas suspeitas de actos de pirataria detidas pela EUNAVFOR, e dos bens apreendidos na posse da EUNAVFOR,

Tendo em conta a troca de correspondência, concluída em 30 de Outubro de 2009, entre a UE e a República das Seychelles, que permite a transferência para as Seychelles de presumíveis piratas e assaltantes armados detidos pela EUNAVFOR na zona de operações,

Tendo em conta os princípios orientadores acordados pelas Partes no Acordo de Paz de Djibuti, em 25 de Novembro de 2008, em particular a instauração de um governo de unidade e de um parlamento inclusivo na Somália,

Tendo em conta o n.o 4 do artigo 110.o do seu Regimento,

A.

Considerando que o recente recrudescimento dos combates entre os rebeldes da União dos Tribunais Islâmicos (UTI) e as tropas do Governo Federal de Transição (GFT) e da Missão da União Africana (UA) na Somália (AMISOM) conduziram um aumento de instabilidade e perda de vidas na Somália,

B.

Considerando que a comunidade internacional respeita a soberania, a integridade territorial, a independência política e a unidade da Somália,

C.

Considerando que a Somália não teve um governo operacional desde o derrube do regime de Said Barre, em 1991, e que, desde então, a situação política é anárquica, caracterizada pelas lutas entre clãs e pelo banditismo,

D.

Considerando que o agravamento da situação de segurança em Mogadíscio, capital da Somália, tem impedido as organizações não governamentais (ONG) nacionais e internacionais de fazerem face à catástrofe humanitária em curso e de darem resposta às situações de emergência,

E.

Considerando que todas as partes em conflito na Somália continuam a cometer violações generalizadas dos direitos humanos e do direito humanitário internacional, especificamente a tortura e outros maus-tratos, violações, execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias e ataques a civis, jornalistas e defensores dos direitos humanos e infra-estruturas civis,

F.

Considerando que há preocupação face à prolongada guerra civil em curso na Somália e às suas implicações para o processo de paz e de reconciliação no país, bem como para a segurança e a estabilidade do Corno de África no seu todo,

G.

Considerando que os ataques de piratas tiveram até muito recentemente como alvo não só navios mercantes, mas também navios do Programa Alimentar Mundial (PAM), embarcações de pesca e navios de turismo,

H.

Considerando que os referidos actos de pirataria resultam, em parte, da violência e da instabilidade política na Somália, mas também contribuem para as mesmas, têm sérias repercussões no resto da região do Corno de África e consequências concomitantes para a população civil da Somália em termos de exposição a perigos, de falta de desenvolvimento e de interrupções da ajuda alimentar e de outras missões humanitárias,

I.

Considerando que, em 8 de Dezembro de 2008, o Conselho decidiu, como parte da acção global conduzida pela UE no Corno de África, lançar a primeira operação naval da UE, acima mencionada, denominada EUNAVFOR Atalanta, mandatada para reprimir, deter e impedir actos de pirataria e roubos à mão-armada ao largo da costa da Somália e contribuir para a protecção dos navios mercantes e, em particular, dos navios do PAM, incumbidos de entregar ajuda alimentar às pessoas deslocadas na Somália,

J.

Considerando que, desde Dezembro de 2008, a operação EUNAVFOR Atalanta assegurou uma protecção crucial a 50 navios do PAM, que procederam à entrega de cerca de 300 000 toneladas de alimentos, que acabaram por beneficiar directamente 1,6 milhões de somalis,

K.

Considerando que na reunião acima mencionada do Conselho Relações Externas, em 27 de Julho de 2009, o Conselho decidiu intensificar o empenho da UE na promoção da paz e do desenvolvimento na Somália, em estreita cooperação com todos os actores relevantes, em particular as Nações Unidas e a UA, tendo, para o efeito, examinado as possibilidades de a UE contribuir para os esforços internacionais, incluindo no domínio da segurança;

L.

Considerando que na reunião acima mencionada do Conselho Relações Externas, em 17 de Novembro de 2009, o Conselho aprovou um Conceito de Gestão de Crise no que respeita a uma eventual missão PESD (Política Europeia de Segurança e Defesa), visando contribuir para o treino de 2 000 elementos das forças de segurança do GFT da Somália,

M.

Considerando que a pirataria se tornou um negócio lucrativo, com a exigência de elevados resgates pela libertação de indivíduos, e que os piratas dos tempos modernos usam métodos mais sofisticados, estão muito bem armados, dispõem de uma estratégia clara e de capacidade de rápida adaptação a novas tácticas,

N.

Considerando que a assistência de longo prazo concedida pelos parceiros internacionais não pode ser eficaz sem uma estabilização da situação de segurança,

O.

Considerando que os rebeldes da UTI eliminaram todos os contactos políticos e a reconciliação para a paz baseada no Processo de Paz de Djibouti, que constitui um quadro para alcançar uma solução política duradoura na Somália,

P.

Considerando que os militares envolvidos na operação EUNAVFOR Atalanta podem prender, deter e transferir pessoas suspeitas de actos de pirataria ou assalto à mão armada nas zonas em que se encontram presentes; considerando que os suspeitos também podem ser perseguidos judicialmente por um Estado-Membro da UE ou pelo Quénia, nos termos do acordo assinado com a UE, em 6 de Março de 2009, que confere às autoridades quenianas o direito de instaurarem processos judiciais,

Q.

Considerando que, de acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), foram descarregadas grandes quantidades de resíduos tóxicos ilegais, cujos contentores apresentam fugas, ao longo da costa da Somália, num total desrespeito pela saúde da população local e pela conservação do ambiente,

1.

Condena energicamente as graves violações do direito humanitário internacional e da legislação em matéria de direitos humanos, cometidas por todas as partes em conflito na Somália; apela à cessação imediata das hostilidades e solicita a todos os grupos armados que deponham urgentemente armas e participem num verdadeiro diálogo alargado com o TFG; solicita a todas as facções beligerantes que se abstenham de ataques indiscriminados contra a população civil e exorta à criação de um painel independente, incumbido de investigar os crimes de guerra e as violações dos direitos humanos;

2.

Reitera o seu apoio ao GFT, dirigido pelo Presidente Sheikh Sharif Sheikh Ahmed, e aos compromissos do Presidente no sentido de honrar os princípios estabelecidos no Acordo de Paz de Djibouti, incluindo o espírito de reconciliação e a procura de um processo político inclusivo; condena os ataques armados contra o GFT da Somália e contra as Nações Unidas e as ONG;

3.

Recorda que compete à comunidade internacional e a todas as partes no actual conflito a responsabilidade de proteger a população civil, de permitir a entrega da ajuda e de respeitar o espaço humanitário e a segurança dos trabalhadores humanitários; solicita, por conseguinte, que sejam imediatamente criadas condições que viabilizem uma resposta adequada à catástrofe humanitária observada na Somália;

4.

Observa com grande satisfação que a EUNAVFOR Atalanta continua a contribuir com êxito para a segurança marítima ao largo da costa da Somália, protegendo os navios fretados pelo Programa Alimentar Mundial para fazer chegar a ajuda à Somália, os navios com carregamentos de importância crítica para as operações da UA de apoio à paz na Somália e outros navios vulneráveis; exorta o Conselho a prolongar a operação por mais um ano, após o final do actual mandato, em 12 de Dezembro de 2009; manifesta o seu apoio a um eventual alargamento da zona de operação a sul em função da actividade de pirataria, mas salienta que esse alargamento não deve afectar o objectivo essencial da missão, nomeadamente a protecção dos comboios de navios do PAM e de outros navios vulneráveis, como a frota mercante e os navios de pesca;

5.

Salienta que a pirataria no alto mar está a comprometer gravemente a situação de segurança e a afectar seriamente o fornecimento de ajuda alimentar numa situação humanitária já de si crítica;

6.

Salienta que o combate à pirataria só poderá ser bem sucedido acometendo as causas em que o fenómeno radica, que se situam em terra, e que incluem a pobreza e um Estado falhado, e que só poderão ser erradicadas através da paz, do desenvolvimento e da construção do Estado na Somália;

7.

Considera que, enquanto não tenha sido lograda uma solução política pela comunidade internacional para o problema da fiabilidade da Somália enquanto Estado, a estratégia de segurança prosseguida e levada a efeito pela operação EUNAVFOR Atalanta deve continuar a prevalecer e, mesmo, a ser reforçada no respeitante aos meios de acção das forças utilizadas pela própria operação;

8.

Exorta, por conseguinte, o Conselho a examinar a possibilidade de criar uma nova operação PESD de pequena escala, paralelamente à operação EUNAVFOR Atalanta, a fim de contribuir para o treino das forças de segurança do GFT, integrando, assim, numa acção do mesmo tipo, as iniciativas existentes, nomeadamente a iniciativa da França, em Djibuti, e a do Uganda, ao abrigo do programa de treino criado pela AMISOM; congratula-se, a este respeito, com a aprovação pelos Estados-Membros, em 17 de Novembro de 2009, do Conceito de Gestão de Crise para uma nova e possível operação PESD para a Somália, mas insiste que a adopção deste Conceito de modo algum deve prejudicar a decisão sobre o lançamento de uma missão, que apenas pode ser tomada após uma análise mais aprofundada da situação no terreno, garantindo o respeito pelos direitos humanos, o pagamento dos salários, o fornecimento de equipamento e a integração de forças de segurança treinadas nas estruturas do Estado e de comando, de modo a que, uma vez regressadas, não se revoltem contra o governo, que deveriam proteger;

9.

Lamenta que 35 % a 40 % dos navios que operam na área não estejam registados na coordenação central de segurança marítima e que, por consequência, estes navios não estejam conscientes dos riscos especiais que correm em termos de segurança; solicita, por conseguinte, aos Estados-Membros que zelem para que todos as suas embarcações sejam registadas; insta todos os navios a seguirem as recomendações da operação EUNAVFOR Atalanta, para beneficiarem de um nível máximo de segurança e limitarem, assim, o risco de ataque ou captura;

10.

Lamenta que uma atitude de fraqueza face às exigências dos piratas somalis, sem aplicação das necessárias medidas coercivas, possa ter efeitos contra-producentes e indesejáveis no futuro, contribuindo para suscitar novos casos de pirataria na zona;

11.

Manifesta o seu apoio indefectível à AMISOM, atendendo ao seu papel capital no processo de paz; insiste em que um maior envolvimento com a UA e a AMISOM deve identificar as necessidades mais urgentes e as possibilidades de um eventual apoio adicional da UE, para que a AMISOM desenvolva capacidades compatíveis com o seu mandato;

12.

Exorta a comunidade internacional e a UE, em particular, a intensificarem a prestação de ajuda humanitária às pessoas deslocadas no interior do país e à população carenciada;

13.

Considera que o envolvimento de organizações de mulheres somalis, bem como da sociedade civil, pode desempenhar um papel positivo no processo de reconciliação nacional;

14.

Exorta os Estados-Membros a estudarem a possibilidade de dar formação às tripulações e aos pescadores, de forma a prepará-los para eventuais casos de tomada de reféns;

15.

Insta a que se volte a aplicar e a controlar rigorosamente o embargo de armas imposto pelas Nações Unidas à Somália em 1992, embargo esse que é insuficientemente respeitado; insta a que sejam chamados à responsabilidade os que violam o embargo de armas à Somália;

16.

Exorta as Nações Unidas e a Comissão a investigarem cabalmente a descarga de resíduos tóxicos ao longo da costa somali, a apurarem as responsabilidades a todos os níveis, a apoiarem os esforços para levar a tribunal os responsáveis por estes crimes e a assegurarem que a poluição ambiental seja objecto de uma abordagem abrangente;

17.

Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos Secretários-Gerais da União Africana, das Nações Unidas e da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, ao Presidente do GFT, ao Governo da Etiópia e ao Parlamento Pan-Africano.


(1)  Textos Aprovados, P6_TA(2008)0519.

(2)  Textos Aprovados, P6_TA(2008)0313.

(3)  JO L 330 de 9.12.2008, p. 19.