16.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 306/76


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado no que respeita às regras em matéria de facturação

COM(2009) 21 final — 2009/0009 (CNS)

2009/C 306/17

Em 27 de Fevereiro de 2009, o Conselho da União Europeia decidiu, nos termos do artigo 93.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado no que respeita às regras em matéria de facturação»

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 28 de Maio de 2009, sendo relator único Umberto BURANI.

Na 454.a reunião plenária de 10 e 11 de Junho (sessão de 10 de Junho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 114 votos a favor, com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O documento da Comissão dá seguimento à obrigação do Conselho de apresentar, até 31 de Dezembro de 2008, um relatório sobre a evolução tecnológica em matéria de facturação, eventualmente acompanhado de propostas. As regras aplicáveis, previstas na Directiva 2006/112/CE relativa ao IVA, não atingiram plenamente os seus objectivos; por outro lado, a sua revisão deu lugar a novas reflexões que permitiram identificar outros problemas. A proposta de directiva pretende fazer um contributo para a política de simplificação, de redução dos encargos para os operadores e, em particular, para as PME, e de maneira indirecta mas eficaz, de luta contra a fraude.

1.2

Em matéria de facturação, as propostas são detalhadas e de carácter extremamente técnico, e todas elas visam, aliás, realizar os referidos objectivos; merece ser recordado, em particular, o reconhecimento explícito da igualdade entre a factura electrónica e a factura em suporte papel. O CESE manifesta o seu acordo sobre as medidas propostas, que parecem ser racionais e conformes com os princípios de uma boa administração; exprime, todavia, sérias reservas quanto à excessiva liberdade concedida aos Estados-Membros, que podem decidir adoptar ou não uma série de disposições. Estamos conscientes das dificuldades da Comissão em elaborar regras vinculativas aplicáveis em toda a UE; por outro lado, as reticências dos Estados-Membros em adoptarem certas regras também podem ser devidas a diferentes níveis de sofisticação dos procedimentos administrativos ou a factores de rigidez legislativa. Todavia, o resultado desta situação é provocar uma flexibilidade na aplicação da regulamentação e um consequente abrandamento da harmonização, bem como um aumento das formalidades administrativas para as empresas.

1.3

O CESE considera que deve formular sérias reservas sobre um único ponto: a proposta relativa ao acesso aos arquivos electrónicos dos operadores pelas autoridades de outros Estados-Membros. Este direito vai muito mais longe do que os princípios de cooperação administrativa e não parece ser juridicamente sustentável, sobretudo se se tiver em conta o facto de que é simultaneamente suprimida a regra segundo a qual a utilização dos dados deve limitar-se exclusivamente a efeitos de controlo.

2.   Preâmbulo

2.1

As regras sobre a facturação do IVA que, da forma mais resumida possível, constituem a base jurídica e regulamentar para a recepção do imposto e, indirectamente, para combater a evasão fiscal, são objecto da Directiva 2001/115/CE e foram agora incorporadas na Directiva 2006/112/CE relativa ao IVA. O artigo 237.o desta última directiva prevê que a Comissão apresente um relatório acompanhado, eventualmente, de uma proposta de alteração das condições da facturação electrónica que tenha em conta a evolução tecnológica neste domínio. Na proposta de directiva em apreço, a Comissão sublinha que as regras iniciais não atingiram plenamente os seus objectivos e, consequentemente, aproveita a ocasião para alargar o âmbito das propostas, por forma a colmatar as lacunas evidenciadas na matéria.

2.2

As novas regras perseguem quatro objectivos fundamentais: simplificar as regras para reduzir os encargos administrativos a cargo das empresas, favorecer as PME, alargar o recurso à factura electrónica e, por fim, contribuir para a luta contra a evasão fiscal, operação esta que certamente não é simples, mas em que a Comissão se empenhou com óptimas intenções; os resultados dependerão todavia da boa vontade e da eficiência que as administrações nacionais demonstrarem na aplicação prática das disposições da directiva.

2.3

A redução dos encargos administrativos constitui um compromisso que a Comissão assumiu quando adoptou o plano de acção de 2007. Ao apresentar esta proposta que introduz a facturação electrónica num pacote de disposições com vista a melhorar a legislação para reduzir os encargos burocráticas das empresas, a Comissão persegue um duplo objectivo: assegurar que as autoridades fiscais atribuem às facturas electrónicas o mesmo valor probante que é reservado às facturas em suporte papel e estabelecer um conjunto de normas harmonizadas para reduzir a margem de manobra actual dos Estados-Membros, sobretudo em matéria de autocertificação.

2.4

Quanto às PME, devem ser especialmente bem acolhidas duas disposições: uma que prevê o alargamento da facturação simplificada e outra que prevê a possibilidade de contabilizar o IVA com base no princípio de caixa: isto deverá resultar numa redução dos custos, numa simplificação de procedimentos e, indirectamente, num estímulo para as PME de alargar e/ou retomar o seu raio de acção transfronteiriço.

2.5

A proposta inscreve-se no contexto da Estratégia de Lisboa para o Crescimento e o Emprego e reveste-se de grande importância política, na medida em que permite uma ulterior consolidação do mercado único. Neste cenário, promover a difusão da facturação electrónica e a sua conservação contribuirá para uma maior fluidez das operações comerciais, permitindo que as empresas aproveitem novas oportunidades e tenham vantagens em termos de redução dos custos, recuperação da produtividade e utilização das novas tecnologias, sobretudo através da reconversão dos recursos utilizados na recepção, registo e arquivo dos dados.

2.6

Como contributo para a luta antifraude, a proposta da Comissão, embora procure eliminar os obstáculos jurídicos à factura electrónica, sobretudo no caso da facturação transfronteiriça, procura tornar mais rigorosas as regras sobre a função da factura na dedução do IVA e acelerar ao mesmo tempo o intercâmbio de informações sobre as entregas intracomunitárias.

2.7

O CESE entende que o conjunto das regras em apreço responde aos princípios em que se inspira a proposta e aprova-os em geral, formulando algumas observações e propostas tendentes a melhorar, se partilhadas, as possibilidades de aplicação prática das regras.

3.   Principais medidas propostas e observações

3.1

Em matéria de pagamentos por conta ou pagamentos sucessivos (art. 64.o, n.o 2), as novas regras estabelecem que as entregas de bens efectuadas de forma continuada ao longo de um período superior a um mês civil, que sejam expedidas ou transferidas isentas de IVA, consideram-se efectuadas no final de cada mês civil; as prestações de serviços sujeitos a IVA que tenham lugar de forma continuada efectuadas ao longo de um período superior a um ano consideram-se concluídas no final de cada ano civil. Os Estados-Membros têm o direito de aplicar o prazo convencional do ano civil ao fornecimento de bens e prestação de serviços «em certos casos» que não estão incluídos nas duas categorias referidas.

3.1.1

Deve ser vista com bons olhos a simplificação introduzida por estas regras, inclusivamente porque permite um melhor controlo das operações com carácter contínuo; o CESE formula todavia algumas reservas sobre a possibilidade concedida aos Estados-Membros de aplicarem o prazo convencional do ano civil aos casos não previstos pela directiva, na medida em que isso enfraquece a harmonização e o carácter geral da formulação poderia provocar confusões, senão mesmo contestações.

3.2

O artigo 167.o-A prevê que, quando o imposto dedutível se torna exigível na recepção do pagamento («princípio de caixa»), os Estados-Membros podem estabelecer que o direito à dedução se constitui no momento em que os bens ou serviços são entregues/prestados ou em que a factura é emitida. Essas opções só são possíveis se o princípio de caixa se aplicar ao sujeito passivo e se a sua facturação anual não ultrapassar 2 milhões de euros.

3.2.1

Estas regras constituem uma notável simplificação para as PME que adoptam a contabilidade de caixa, e para as empresas que recorrem à autoliquidação, mas que não possuem facturas. Todavia, está prevista a possibilidade e não a obrigação de os Estados-Membros as adoptarem, o que enfraquece ainda mais a harmonização e, em certa medida, o princípio da igualdade das condições de concorrência. Na exposição de motivos da proposta, a Comissão propõe limitar as medidas facultativas para todos os Estados-Membros; todavia, o texto do artigo («podem») presta-se a ambiguidades em relação à intenção declarada.

3.3

O artigo 1.o, ponto 9, da proposta inclui uma série de alterações às alíneas a), c) e f) do artigo 178.o da Directiva 2006/112/CE. Em linhas gerais, para que possam beneficiar das deduções, as facturas devem ser emitidas em conformidade com os critérios do capítulo 3 do título XI da directiva relativa ao IVA; no essencial, quando o prestador/fornecedor contabiliza o IVA com base no princípio de caixa, os Estados-Membros podem autorizar o destinatário a fazer valer um direito a dedução imediato. Esta regra introduz um princípio que favorece a fluidez das operações; mas, uma vez mais, a liberdade de os Estados-Membros decidirem se pretendem ou não aplicá-la não contribui para a desejada harmonização.

3.4

Uma série de disposições (supressão dos artigos 181.o e 182.o, novos artigos 218.o-A e 219.o-A), deverão revolver os problemas das empresas fornecedoras/prestadoras de outras empresas, e que actualmente devem, em princípio, mas muitas vezes com dificuldades de interpretação, respeitar as regras de facturação em vigor no Estado-Membro de destino. É introduzido um conjunto de propostas harmonizadas para as facturas, quer electrónicas quer em suporte papel, que pode ser utilizado em toda a UE; o mesmo se pode dizer das facturações a particulares, para as quais as regras aplicáveis continuam a ser as do lugar de tributação.

3.4.1

Há novas regras aplicáveis às facturas simplificadas, que podem ser autorizadas em alguns casos, principalmente quando a base tributável é inferior a 200 euros e quando o fornecimento de bens ou a prestação de serviços estão isentos sem direito a dedução; esta possibilidade transforma-se numa obrigação que os Estados-Membros podem impor para o fornecimento de bens ou a prestação de serviços no interior do seu território.

3.4.2

A distinção entre a factura «completa» e a factura simplificada reside na diferente utilização que poderá ser feita dela: a primeira serve para exercer o direito à dedução, a segunda não tem, em princípio, esta função, excepto nos casos autorizados e que se limitam ao território de um mesmo Estado-Membro. As inovações introduzidas são coerentes com a vontade da Comissão de simplificar os procedimentos e de reduzir os encargos para as empresas, mas as diversas opções que são oferecidas aos Estados-Membros são, uma vez mais, contrárias ao princípio da harmonização, sendo sinal evidente das persistentes reticências dos Estados-Membros em adoptarem procedimentos e sistemas administrativos uniformes. A regulamentação relativa à factura simplificada deveria estabelecer uma disposição obrigatória, e não facultativa como a prevista na proposta de directiva em análise, a fim de evitar custos administrativos adicionais para as empresas que desenvolvem as suas actividades em vários Estados Membros e são, por conseguinte, obrigadas a aplicar regras diferentes.

3.5

Os Estados Membros podem impor prazos para a emissão de facturas aos sujeitos passivos que efectuem entregas de bens ou prestações de serviços no seu território. A proposta de directiva em análise prevê inserir no artigo 222.o da Directiva 2006/112/CE uma restrição a estes prazos, estabelecendo que a factura deve ser emitida até ao dia 15 do mês subsequente ao facto gerador do imposto. O CESE considera que para determinados ramos, nomeadamente o da construção civil, este prazo é demasiado curto e propõe que se suprima esta alteração, mantendo-se assim o texto original do artigo 222.o, ou que o prazo para emissão de facturas seja alargado, no mínimo, para dois meses.

3.6

Há uma série de novas regras que dizem respeito aos procedimentos de registo, de contabilidade e de arquivo (nomeadamente electrónico) das transacções, tributáveis ou não; o CESE não tem observações particulares a formular a este respeito, excepto no que diz respeito à possibilidade de os Estados-Membros exigirem que determinadas facturas sejam traduzidas nas suas línguas oficiais: esta obrigação já existe em certos países, embora represente um considerável encargo adicional para as empresas.

3.7

Foi introduzida uma importante inovação através do novo artigo 249.o em matéria de controlos: a formulação inicial permite o acesso ao arquivo electrónico das facturas apenas às autoridades do país no qual o operador está estabelecido; o novo texto propõe que o acesso seja alargado às autoridades de outro Estado-Membro no qual o IVA é devido. É igualmente suprimida a limitação actualmente em vigor, segundo a qual as autoridades nacionais têm o direito de aceder às facturas «na medida em que isso lhes seja necessário para efeitos de controlo».

3.7.1

Segundo o CESE, o alargamento da possibilidade de acesso às autoridades de outro Estado-Membro, sem restrições, equivale a conceder um direito que ultrapassa as regras em matéria de cooperação administrativa. Não existe actualmente nenhuma disposição que permita que uma administração estrangeira interrogue um cidadão nacional ou efectue buscas no seu domicílio, com ou sem mandato da autoridade judiciária do país competente; a nova regra introduz um conceito equivalente a investigações por via electrónica. Além disso, é difícil imaginar como seria possível aceder a um arquivo electrónico tomando conhecimento apenas dos dados pertinentes e ignorando os que são estranhos aos motivos da investigação.

3.8

Em conclusão, o CESE não pode senão felicitar a Comissão por ter dado um novo impulso aos trabalhos já iniciados para simplificar os procedimentos, reduzir os encargos administrativos e contabilísticos e combater a fraude de maneira mais rigorosa. Está perplexo perante os fracos progressos realizados na via da harmonização, embora reconheça as dificuldades que coloca a resistência dos Estados-Membros. Mantém uma forte reserva de carácter jurídico, mas também de princípio, a propósito das novas regras em matéria de acesso aos arquivos electrónicos.

Bruxelas, 10 de Junho de 2009

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI