30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 112/40


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição»

[COM(2003) 550 final — 2003/0210 (COD)]

(2004/C 112/11)

Em 3 de Outubro de 2003, o Conselho decidiu, nos termos do n.o 1 do artigo 175.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 4 de Março de 2004 (relatora: M. C. SÁNCHEZ MIGUEL).

Na 407.a reunião plenária de 31 de Março e 1 de Abril de 2004 (sessão de 31 de Março), o Comité Económico e Social Europeu aprovou, por 97 votos a favor e 1 abstenção, o presente parecer.

1.   Introdução

1.1

A entrada em vigor da Directiva-Quadro da Água (DQA) (1) impõe a adaptação das disposições de aplicação do seu conteúdo normativo para que o objectivo principal, a protecção do ambiente aquático europeu, possa ser integralmente realizado. Para tal, a Comissão apresentou diversos textos (2), que desenvolvem aspectos concretos da protecção das águas, dos quais se realça a directiva que estabelece a lista das substâncias prioritárias em matéria da política de águas (3), de grande importância para o tratamento da poluição das águas subterrâneas.

1.2

Actualmente, a protecção das águas subterrâneas é regulada, basicamente, pela Directiva 80/68/CEE (4), que elenca as substâncias perigosas que contaminam essas águas, bem como pelo artigo 17.o da DQA, que constitui a legislação de base para a prevenção e controlo da poluição no que se refere a este vector do meio ambiente.

1.3

Está sobejamente demonstrada a importância das águas subterrâneas, não só como fonte vital para abastecimento doméstico e diversas actividades humanas, mas também como contributo determinante das águas superficiais. Por este motivo, convém reconsiderar a protecção das águas subterrâneas, visto que, para além da poluição directa, as águas subterrâneas estão sujeitas a poluição difusa, consequência de diversos processos (lixiviação, infiltração de poluentes, etc.) ao longo dos anos, com incidência forma crescente e determinante na perda de qualidade e na degradação dos aquíferos.

1.4

A fim de corrigir o estado actual da poluição e prevenir situações futuras, é necessário que a protecção das águas subterrâneas passe a ser um dos objectivos principais da legislação europeia. A poluição das águas subterrâneas provoca situações de resolução difícil e onerosa. A incidência na captação de água potável é considerável e, por isso, reforçar a sua protecção é um objectivo essencial de toda a legislação que vise a protecção, não só das águas, mas também da saúde humana e da qualidade de vida dos cidadãos.

1.5

Com a entrada em vigor da DQA, o artigo 17.o passou a ser a norma fundamental para a protecção das águas subterrâneas contra a poluição, no quadro geral da regulamentação de todas as águas comunitárias. Todavia, há que salientar que, tratando-se de um domínio em que incidem outras políticas comunitárias, tais como a PAC, a política industrial, a política da saúde, etc., são-lhe aplicáveis também normas relativas a aspectos concretos da protecção, como, por exemplo, as directivas sobre água potável (5), nitratos (6), produtos fitossanitários (7), produtos biocidas (8), etc.

2.   Teor da proposta

2.1

Com esta proposta, a Comissão cumpre o disposto no artigo 17.o da DQA, que exige a adopção de medidas específicas para impedir e controlar a poluição das águas subterrâneas de modo a assegurar o seu bom estado químico; essas medidas devem ser aplicadas até dois anos após a entrada em vigor (2006) da DQA. De facto, há que recordar que as normas desta proposta de directiva se enquadram no âmbito da DQA, pelo que não é necessário repetir disposições nela contidas, especialmente as que se referem aos objectivos ambientais, à coordenação das administrações das bacias hidrográficas — que devem dispor do inventário das águas subterrâneas — bem como à identificação das zonas de captação de água potável e respectivos perímetros de protecção, às disposições sobre informação e consulta pública dos interessados, etc.

2.2

O objectivo geral da proposta é o estabelecimento de medidas específicas para impedir e controlar a poluição das águas subterrâneas, com base nos seguintes critérios:

avaliação do bom estado químico das águas subterrâneas;

identificação de tendências significativas e persistentes para o aumento das concentrações de poluentes e definição dos pontos de partida para a inversão dessas tendências.

2.3

Estabelecem-se as condições em que os Estados-Membros devem fixar os limiares para cada um dos poluentes que constam do anexo III, de forma a que sirvam de referência para o exame do estado das águas subterrâneas, segundo o disposto na DQA.

2.4

Acrescenta-se a exigência de que os Estados-Membros adoptem novas medidas de prevenção e limitação (para além das que constam da DQA) das descargas indirectas nas águas subterrâneas que prejudiquem o bom estado químico desta água.

2.5

Nos anexos estabelecem-se as normas de qualidade, o procedimento de avaliação do estado químico e os limiares dos poluentes das águas subterrâneas. Há que destacar o conteúdo do anexo IV, em que se estabelece a identificação e a inversão das tendências significativas e persistentes para o aumento significativo das concentrações de poluentes, missão que cabe aos Estados-Membros.

3.   Observações na generalidade

3.1

O CESE considera positivo o procedimento seguido para elaborar a presente proposta de directiva, baseada em consultas e debates com as partes interessadas e, em particular, acolhe favoravelmente o seu conteúdo, pois propõe o estabelecimento de uma nova metodologia para a análise do estado das águas subterrâneas na UE, em comparação com a Directiva 80/68/CEE. Desta forma, o critério de integração da política da água no seu conjunto nos planos de gestão das bacias hidrográficas, que requer um inventário das massas de água subterrâneas, poderá ajustar–se às características geográficas das medidas adoptadas.

3.2

Não obstante, o CESE considera restritiva a lista de poluentes que influenciam a qualidade das águas subterrâneas e, embora haja uma grande proporção de nitratos e produtos fitossanitários, também haveria que considerar os efeitos produzidos por outros processos, como, por exemplo, as infiltrações dos depósitos de gasolina, os lixiviados nos solos industriais e, sobretudo, as consequências da sobreexploração de aquíferos em zona marítimas, muito particularmente na bacia mediterrânica, que provocou a sua progressiva salinização.

3.3

É também positiva a integração de todas as normas comunitárias em matéria de águas subterrâneas, pesticidas, biocidas, etc., pois permite a aplicação horizontal de todas as políticas que incidem na qualidade das águas. De qualquer forma, dever-se-iam também incluir nesta abordagem horizontal outras medidas legislativas susceptíveis de melhorarem a qualidade.

3.4

Neste sentido, poderia considerar-se que a aplicação das normas europeias relativas à lista de poluentes (9) (ainda que façam referência às águas superficiais) e aos limiares já estabelecidos deveria fazer parte do anexo I da proposta de directiva; a inclusão de um maior número de substâncias que podem provocar uma poluição difusa garantiria, efectivamente, um resultado mais vantajoso em termos de qualidade das águas subterrâneas.

3.5

O CESE considera positivo o estabelecimento de estatísticas sobre tendências significativas e persistentes para o aumento de concentração de poluentes, que figura no anexo IV, o que está em conformidade com o disposto no anexo V da DQA, que permite que os Estados-Membros fixem as tendências, ao longo de períodos determinados, de forma a que se possa ter em conta não só o plano de gestão da bacia hidrográfica, mas também as condições climáticas e do solo de cada região europeia.

3.6

Todavia, para precisar melhor e evitar equívocos na interpretação de tendências, seria conveniente que a Comissão introduzisse critérios mais concretos em relação aos parâmetros, indicadores, funções de transformação, etc., que permitam comparar os efeitos da directiva em apreço.

3.7

De grande importância para as informações que deve conter o plano de gestão hidrográfico das massas de água subterrâneas é o procedimento de notificação por parte dos Estados-Membros até 22 de Junho de 2006 da lista de poluentes para os quais tenham estabelecido limiares.

3.8

Neste sentido, tem grande importância o futuro sistema de informação e de consulta das partes interessadas (10), agricultores, ONG, sindicatos, bem como a possibilidade de intervir no controlo da sua boa utilização. Por isso, convém reforçar o sistema de aprovação dos planos de gestão da bacia hidrográfica, mediante um sistema público de informação e participação de todos os interessados. Seria conveniente que a Comissão elaborasse relatórios que permitissem verificar que estas consultas se efectuam de maneira satisfatória.

3.9

O CESE considera necessário continuar a aplicar o artigo 5.o e o n.o 2 do anexo II da DQA, que regula as características da delimitação geográfica, impacto ambiental, etc., bem como a necessidade de ter em conta o impacto da actividade humana, de forma a incluir nos planos hidrográficos todos os factores que incidem nas águas subterrâneas. Há também que assegurar o respeito dos outros anexos da DQA, visto que em caso contrário se aplicam os n.os 4 e 5 do artigo 17.o, que permitem aos Estados-Membros estabelecer os critérios a utilizar para a inversão da tendência da qualidade das águas subterrâneas.

3.10

Deve-se ainda clarificar as condições em que se podem autorizar as descargas indirectas, isto é, incluindo poluição difusa, através de programas de medidas básicas estabelecidos pelo n.o 3 do artigo 11.o da DQA. Em matéria de descargas indirectas, o maior problema reside na inexistência ou na fraca utilidade das autorizações de descargas indirectas, que contribuem consideravelmente para a poluição difusa.

3.11

Quanto à investigação necessária para aplicar as novas tecnologias às águas (11), é oportuno criar uma ligação entre esta política ambiental e o VI Programa de Investigação, de forma a envolver os sectores de investigação das universidades e empresas no aperfeiçoamento de sistemas de melhoria e de recuperação do meio aquático europeu.

3.12

Por último, o CESE considera útil assinalar que a análise custo-benefício relativa às novas disposições foi efectuada para o total das águas através da avaliação do custo do controlo e reabilitação das bacias hidrográficas. De qualquer forma, esta proposta proporciona medidas especificas e mais claras que facilitarão uma abordagem mais homogénea para a determinação do estado das águas subterrâneas, o que permitirá evitar que se afectem fundos para a comparabilidade das massas de água subterrâneas assente em parâmetros diferentes, originando gastos evitáveis graças a esta harmonização de critérios (12).

4.   Observações na especialidade

4.1

O CESE atribui grande importância à proposta de directiva em matéria de águas subterrâneas, dado que actualmente não se dispõe de dados homogéneos sobre a qualidade das águas subterrâneas da UE. Embora, segundo a DQA vigente, seja obrigatório que todos os planos hidrográficos apresentem um inventário das massas de água, incluindo as subterrâneas, deve-se recordar que alguns Estados-Membros nem sequer ainda transpuseram a DQA. O sistema usado pela DG Ambiente para realizar projectos-piloto de bacia hidrográfica (actualmente estão em curso cerca de 50) poderia alargar-se às massas de água subterrâneas, incentivando os Estados-Membros a esforçarem-se mais e melhor por conhecer e avaliar as águas subterrâneas e agir em consequência.

4.2

A caracterização geral das massas de água subterrâneas exigida pela DQA para avaliar a qualidade ambiental deve incluir, nomeadamente, as fontes difusas de poluição. A proposta de directiva em apreço menciona entre estas fontes as «descargas indirectas» dos poluentes que são filtrados através do solo e do subsolo, excluindo outras fontes poluentes que podem alterar o bom estado químico das águas.

4.2.1

Em primeiro lugar há que precisar, na medida do possível, a existência de outras normas comunitárias vigentes, como por exemplo a directiva sobre a água potável e as directivas sobre nitratos (13) e pesticidas (14), cujos valores de qualidade diferem dos incluídos na proposta ora em apreço.

4.2.1.1

Em função dos parâmetros de qualidade estabelecidos em outras directivas sobre a qualidade da água no que respeita à sua principal utilização (consumo doméstico ou agricultura) e com base em informações científicas e técnicas derivadas da planificação imposta pela DQA (utilizações da água das bacias hidrográficas, estabelecimento dos valores que determinam o bom estado químico), é possível fixar limiares em relação a mais substâncias do que as poucas que constam da proposta.

4.2.1.2

As administrações competentes na matéria dispõem, além disso, de outras fontes de informação rigorosas e comprovadas, decorrentes da aplicação de outros instrumentos, como a Directiva 96/61/CEE (15) IPPC, que estabelece limiares nas águas para cerca de 26 poluentes.

4.2.2

Em segundo lugar e relativamente à lista de poluentes que figuram no anexo I e às substâncias constantes do anexo III da proposta de directiva, embora considerados como mínimos, seria mais adequado alargar a lista de modo a incluir o conteúdo do anexo VIII da DQA, já que mencionado no artigo 6.o da proposta.

4.2.3

Neste pressuposto, a Comissão deveria harmonizar todos os parâmetros de qualidade das águas subterrâneas a partir de 2007.

4.3

Por fim, a autorização de descargas indirectas prevista no artigo 6.o da proposta deveria seguir as disposições do n.o 3, alínea j), do artigo 11.o da DQA, que estabelece a proibição de descargas indirectas de poluentes nas águas subterrâneas, sem que nenhuma autoridade os possa modificar, tal como previsto no artigo 6.o.

4.4

O CESE reitera a importância da informação e da participação das partes interessadas na aplicação das disposições sobre a água. Assim, propõe que se tenham em conta as novas disposições (16) de aplicação da Convenção de Århus, que facilita não só a informação, a participação e o acesso à justiça em matéria de política ambiental nos Estados-Membros como também nas instituições comunitárias.

4.5

Por último, convém recordar à Comissão que um requisito fundamental para conseguir os objectivos ambientais previstos no 6.o Programa é a colaboração e a coordenação entre todas as instituições comunitárias, especialmente entre as direcções-gerais, que devem evitar repetições e divergências e, muito particularmente, a duplicação da utilização de fundos públicos.

4.5.1

Assim, o CESE considera uma prioridade a recolha e o tratamento de toda a informação científica, técnica e social existente, actualmente dispersa por numerosas instâncias — estabelecimentos académicos, administrações, institutos, etc. —, o que ajudaria consideravelmente a Comissão na aplicação das diversas directivas comunitárias relacionadas com a gestão dos recursos hídricos da UE.

Bruxelas, 31 de Março de 2004.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)   JO L 327 de 22.12.2000, p. 1-72.

(2)  Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece a lista de substâncias prioritárias em matéria de política de águas [COM(2000) 47 final]; Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social. «A tarifação como modo de reforçar a utilização sustentável dos recursos hídricos» [COM(2000) 477 final].

(3)  COM(2003) 847 final. Versão codificada de 7.1.2004 relativa ao meio aquático da Comunidade. Não inclui as águas subterrâneas.

(4)  JO L 20 de 26.1.1980, p. 43.

(5)  Directiva alterada 98/83/CE (JO L 330, de 5.12.1998, p. 32).

(6)  Directiva 91/676/CE (JO L 375, de 31.12.1991, p. 1).

(7)  Directiva alterada 98/47/CE (JO L 191, de 7.7.1998, p. 50).

(8)  Directiva 94/8/CE (JO L 123, de 24.4.1998, p. 1).

(9)  Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece a lista de substâncias prioritárias em matéria de política de águas, de 13 de Março de 2000. Parecer do Comité (JO C 268, de 19.9.2000).

(10)  O artigo 14.o da DQA estabelece um vasto sistema de informação e consulta pública para a elaboração dos planos de gestão bacia hidrográfica, que poderá ser reforçado com a Convenção de Århus, na Proposta de Regulamento e Directiva Comunitária. Relatora do CESE, Maria Candelas SÁNCHEZ MIGUEL.

(11)  Parecer do Comité sobre um «Plano de acção sobre tecnologias ambientais», JO C 32 de 5.2.2004.

(12)  O anexo III da proposta estabelece os limiares que facilitam uma harmonização das substâncias, mesmo que mínima. Além disso, as informações a fornecer pelos Estados–Membros relativamente às massas de água subterrâneas que representam um risco de poluição facilitam a actuação sobre as mesmas, reduzindo os custos da sua reabilitação.

(13)  Directiva 91/676/CE — JO L 375, de 31.12.1991.

(14)  Directiva 91/414/CE — JO L 230, de 19.8.1991.

(15)  Proposta de alteração da Directiva IPPC, [COM(2003) 354 final]. JO C 8 de 30.3.2004.

(16)  Ver a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à aplicação das disposições da Convenção de Århus sobre o acesso à informação, a participação do público na tomada de decisões e o acesso à justiça no domínio do ambiente às instituições e organismos comunitários [COM(2003) 622 final] e a proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso à justiça no domínio do ambiente [COM(2003) 624 final].